Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
974/17.2T8FNC.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
DESPESAS DE CONDOMÍNIO
OBRIGAÇÕES «PROPTER REM»
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DELIBERAÇÃO
VINCULAÇÃO
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS / DIREITO DE PROPRIEDADE / PROPRIEDADE HORIZONTAL / DIREITOS E ENCARGOS DOS CONDÓMINOS / ADMINISTRAÇÃO DAS PARTES COMUNS DO EDIFÍCIO.
Doutrina:
- Henrique Mesquita, A Propriedade Horizontal no Código Civil Português, Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXIII, n.ºs 1, 2, 3, 4, p. 130, 134, 135, 147, 150 e 151;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, Anotado, Vol. III, 2.ª ed., p. 397, 432 e 447.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1424.º, N.º 1 E 1432.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 21-10-1993, IN CJSTJ, ANO I, TOMO III, P. 84;
- DE 12-01-1995, IN CJSTJ, ANO III, TOMO I, P. 19.
Sumário :
I. A obrigação dos condóminos pagarem as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e aos serviços de interesse comum, é uma típica obrigação “ propter rem”, decorrente do estatuto do condomínio.

II. As deliberações da assembleia geral de condóminos, tomadas nos termos do artigo 1432º do Código Civil, vinculam todos os condóminos mesmo os que não compareçam, ou aqueles que, tendo participado se abstiveram ou votaram contra e ainda aqueles que ingressem no condomínio após a sua aprovação.

III. Daí recair sobre cada um dos condóminos, nos termos do disposto no artigo 1424º, nº1 do Código Civil, a obrigação de pagamento, na proporção do valor da respetiva fração ou fracções, das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e aos serviços de interesse comum bem como das comparticipações  para o Fundo Comum de Reserva, que constarem do orçamento  elaborado anualmente e  forem aprovadas pela assembleia geral de condóminos.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL


I. Relatório


1. Administração do Condomínio do Edifício AA, instaurou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra BB, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 31.192,28 acrescido do valor a título de juros moratórios no montante de € 1.663,03.

Alegou, para tanto e em síntese, que o Réu não procedeu ao pagamento dos quantitativos respeitantes à “quota do condomínio” referente a 2014, 2015 e 2016.


2. O réu contestou, invocando a exceção do não cumprimento com o fundamento de que o Condomínio assumiu a responsabilidade pela reparação dos vícios existentes na sua fração o que, até à data, não realizou. Conclui, assim, que enquanto tais obras de reparação não forem realizadas pelo A. não tem de proceder ao pagamento das quotas que lhe está a ser exigido na ação.

Mais defendeu que as faturas que o condomínio A. lhe enviou contêm despesas respeitantes ao Fundo de Reserva e a outras despesas, como é o caso do arrendamento e manutenção da piscina ali referida, que os condóminos não estão obrigados a pagar, a menos que “se obriguem de livre e espontânea vontade”.

Concluiu, assim, pela sua absolvição do pedido.


3. O autor respondeu, sustentando a improcedência da invocada exceção.


4. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a ação e absolveu o réu do pedido.


5. Inconformado com o assim decidido, o A. interpôs recurso de apelação para o tribunal da Relação de Lisboa, que por acórdão proferido em 11.12.2018, julgou procedente a apelação e, revogando a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, condenou o réu/apelado a pagar ao autor/apelante a quantia de € 31.192,28, acrescida de juros de mora, à taxa legal, no valor de € 1.663.03 até à data da entrada da ação.


6. Inconformado com esta decisão, dela interpôs o réu recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«A- A A. instaurou ação declarativa de condenação, em processo comum, contra o R., ora recorrente, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 31.192,28 €, acrescido do valor a título de juros moratórios no montante de 1.663,03 €, alegando que o ora recorrente, não procedeu ao pagamento dos quantitativos respeitantes à “quota do condomínio” referente a 2014, 2015 e 2016.

B - Em contestação, entre o demais, o R., ora recorrente, impugnou a pretensão do, ali, A., defendendo que as facturas que o condomínio emitiu e enviou continham despesas respeitantes ao fundo de reserva e a outras despesas que os condóminos não estão obrigados a pagar, peticionando a sua absolvição do pedido.

C - Proferida douta Sentença pelo Tribunal de 1ª instância, foi o R., ora Recorrente, absolvido do pedido por se ter entendido que a A., não logrou provar os factos por si alegados.

D - Inconformada, veio a A. apresentar recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, da douta decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância, alegando que a douta decisão interpretou incorrectamente a Lei, incorrendo em erro de julgamento, pois não interpretou de forma correcta os factos constantes do processo e a sua subsunção ao direito.

E - Do recurso interposto pela A, veio o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa julgar procedente a apelação e, consequentemente determinar a revogação da douta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância nos seus precisos termos, condenando-se o R. ao pagamento dos valores peticionados.

F - Porquanto, o pedido formulado pelo A. teria total cobertura legal, em conformidade com o que se dispõe no art.º 1424º, nº 1 do CC.

G - E que, estando-se perante uma ação declarativa, o direito que o A. pretende exercer não está obrigatoriamente condicionado à apresentação de Actas de condomínio em que os valores peticionados tenham sido aprovados,

H - Sendo que tal argumentação deveria ter sido, oportunamente, exercida pelo R. através de factos que a consubstanciassem, enquanto elementos constitutivos do seu direito de defesa, e não de forma espontânea pelo Tribunal de 1ª instância, ultrapassando assim o seu dever de gestão processual, pretendendo suprir o ónus de alegação e da prova que compete às partes.

I - Ora, ao decidir como decidiu, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, dando provimento ao recurso e à motivação apresentada pelo A., violou a Lei Substantiva, incorrendo em erro de aplicação do direito.

J - Porquanto, verifica-se que dos elementos probatórios juntos pela A., os quais pretende que sejam fundamentadores da situação jurídica invocada, não se demonstra nem se comprova qualquer dívida, nos montantes peticionados, cuja responsabilidade no seu pagamento é do R.. a título quotização do condomínio e referentes a 2014, 2015 e 2016.

K - Ora, o tribunal de 1ª instância, entendeu que tendo em conta a obrigação que recai sobre o condómino, nos termos do art.º 1424.º do CC, é sobre o credor (ora Autora) que impende o ónus de alegação e prova de que o pagamento dos valores peticionados eram efetivamente da responsabilidade do R.

L - Junção e prova que a A. não logrou fazer no âmbito dos presentes autos.

M - Ficando a A. muito aquém da obrigação que impendia sobre si de prova de que o montante peticionado estaria a cargo do réu.

N - Assim, em virtude da ausência de elementos probatórios suficientes, documentais ou outros, que suportem qualquer obrigação de pagamento, quanto à prestação de condomínio relativa aos anos de 2014, 2015 e 2016, a cargo do Réu, julgou a ação instaurada pela A., totalmente improcedente.

O - Inconformada com tal decisão veio a A. apresentar recurso perante o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que, por sua vez, julgou procedente o recurso/apelação por esta apresentada, revogando a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, condenado o R. ao que por aquela fora peticionado.

P - Para determinação de tal decisão, entendeu este Venerando Tribunal, em súmula, que o pedido formulado pela A. teria total cobertura legal, em conformidade com o disposto no art.º 1424º, nº 1 do CC,

Q - E que, a não apresentação de elementos probatórios como as actas de condomínio em que os valores peticionados foram aprovados caberia ao R. invocar, enquanto ónus de alegação que sobre o mesmo recaia, assim como, provar que procedeu a esse pagamento e que nada deve a esse título, prova que não realizou.

R - Não podendo o Tribunal de 1ª instância suprir esse ónus, ultrapassando assim o seu dever de gestão processual, prescrito no art.º 6º do CPC.

S - Ora, salvo o devido respeito por proficiente entendimento contrário, neste segmento o douto acórdão proferido, ao decidir como decidiu, erra na aplicação do direito, violando assim a lei substantiva.

T - Porquanto, entende este Venerando Tribunal que caberia ao R., enquanto ónus da prova, demonstrar que procedeu ao pagamento dos valores peticionados pela A. A título de quotização de condomínio.

U - Contudo, o R. nunca alegou que fez esse pagamento, alegação essa que, nos termos do disposto no nº 2 do art.º 342º do CC, transferia (invertia) o ónus da prova da realização de tal pagamento para o R.

V - Aliás, não se entende tal douta argumentação, face aos factos assente nos presentes autos, uma vez que consta dos mesmos que o R. efectuou o pagamento dos valores peticionados e constantes das facturas cuja emissão e envio por parte da A. ficou como assente.

W - Contudo o R., oportuna e processualmente, impugnou os valores peticionados pela A. afirmando que estes não seriam devidos, por os mesmos serem indeterminados e englobarem despesas cujo pagamento não é da responsabilidade do R., e demais condóminos, em virtude do disposto no art.º 1424º, nº 1 do CC.

X - Deste modo, para alcançar a sua pretensão jurídica, assim como, pelo que fora peticionado pela A., cumpriria a esta, como explanou o Tribunal de 1ª instância – e a nosso modesto ver bem – demonstrar e provar que o pagamento dos valores peticionados eram uma obrigação por parte do R.

Y - O que, não fez.

Z - Neste segmento, o Venerando Tribunal da Relação de lisboa, ao decidir como decidiu violou a lei substantiva, errando na aplicação do direito.

AA - Nomeadamente, errou na aplicação das regras do ónus da prova, dispostas no art.º 342º do CC.

BB - Uma vez que, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que, estando perante a interposição de uma ação declarativa, o direito que a A. se arroga e pretende exercer nos presentes autos, não está condicionado, obrigatoriamente, à apresentação das Actas de condomínio, em que os valores peticionados tenham sido aprovados, até porque a prova da existência da dívida e dos montantes que a integram podiam ser comprovados através de outras provas.

CC - Contudo, enquanto documento com força probatória que é, torna imprescindível, a nosso modesto ver, a sua apresentação, uma vez que, é neste documento, desde que não impugnado, que se delibera e se fixa o valor da prestação a pagar referente à quota de condomínio, bem como, os concretos valores devidos por cada condómino a este título.

DD - Logo, nos presentes autos, para que a A. lograsse demonstrar e provar que o pagamento dos valores peticionados eram da responsabilidade do R., aquela teria de juntar as actas onde os valores ora reclamados foram fixados, ou outros meios de prova que demonstrassem e comprovassem o por aquela alegado.

EE - Demonstrando assim que, o R. era devedor e responsável pelo pagamento das quantias peticionadas, o que não fez.

FF - O Tribunal de 1ª instância não extravasou o seu dever de gestão processual, nem supriu o ónus da alegação das partes, conforme o disposto no art.º 6º do CPC.

GG - Porquanto, face ao supra exposto, a A. alegando o incumprimento no pagamento de quotas por parte do R. e peticionando que este seja condenado ao seu pagamento, não logrou fazer prova de que esse pagamento, bem como os valores peticionados, eram devidos e uma obrigação, por parte do R. ao seu pagamento.

HH - Não podendo ser outra a decisão a proferir pelo Tribunal de 1ª Instância, ou seja a de total improcedência do pedido formulado, em virtude da total ausência de elementos probatórios suficientes, documentais ou outros, que suportem qualquer obrigação de pagamento, quanto à prestação de condomínio relativa aos anos de 2014, 2015 e 2016, a cargo do Réu.

II - Não sendo, pelos motivos supra expostos, a douta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância merecedora de qualquer censura ou reparo.

JJ - Assim, ao contrário do que foi afirmado no douto acórdão sob apreciação, não tendo o R. invocado factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, nem, em momento algum, ter invocado o pagamento do valor peticionado e que nada devia a título de quotas de condomínio, não caberia ao Réu a prova desse pagamento, nos termos do nº 2 do art.º 342º do CC

KK - Face ao exposto, o Tribunal de 1ª instância em momento algum, de forma espontânea, ultrapassou o seu dever de gestão processual, suprindo o ónus de alegação das partes conforme foi aludido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

LL - Por outro lado, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa ao determinar que o pedido formulado pela A. tem cobertura legal, em conformidade com o disposto no art.º 1424º, nº 1 do CC, errou na aplicação do direito, por violação da Lei, uma vez que, o pedido formulado, com o devido respeito, não tem cobertura legal no normativo legal supra enunciado.

MM - Ora, foi impugnado o pedido formulado pela A., porquanto no entender do R. o mesmo englobava encargos do condomínio que não são suportados por todos os condóminos, não se verificando qualquer confissão de dívida, mas sim a impugnação do valor peticionado pela A. por o mesmo ser indeterminado e sem qualquer suporte probatório.

NN - Nos termos da referida disposição legal, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.

OO - Dos factos dados como fixados na douta sentença, sendo sobre estes que competiria ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa a correcta subsunção do direito aplicável, nada ficou assente, por não demonstrado pela A. como era seu dever legal, de que os valores peticionados consubstanciavam despesas a cargo do R., por as mesmas serem necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício, nos termos do art.º 1424º, nº 1 do CC.

PP - Pelo que, com o devido respeito, não poderia o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, extrair o douto entendimento, sem mais e sem qualquer suporte probatório de que os valores peticionados eram referentes a despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e como tal o seu pagamento seria obrigação dos Condóminos, que o supra referido normativo legal conferiria cobertura legal ao pedido formulado pela A., só pela simples alegação de que os valores peticionados seriam devidos, em conformidade com o disposto no art.º 1424º, nº 1 do CC,

QQ - Existindo, assim, uma violação da norma jurídica prescrita no art.º 1424º, nº 1do CC, pois o peticionado não tem a referida cobertura legal pelo facto de não ter sido demonstrado que o peticionado era, em todo ou em parte, despesas a cargo do R. em Conformidade com a supra referida norma legal.

RR - Por todas as razões apresentadas, e mais algumas que V. Excias doutamente supriram, não há como concluir que mal andou o Acórdão de que ora se recorre ao julgar procedente a Apelação apresentada pela A., revogando a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância e condenando o R., aqui recorrente, a pagar ao A./Apelante, a quantia de 31.192,28 €, acrescido de juros de mora à taxa legal, no valor de 1.663,03 € até à data da entrada da acção.

SS- Em clara violação, a nosso modesto ver, do disposto nos artigos 342º, nºs 1 e 2 e do art.º 1424º, nº 1 do Código Civil

TT - Termos em que, vem o ora Recorrente junto de V. Exas., Digníssimos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, requerer que o douto Acórdão recorrido, proferido pelos Venerandos Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, seja revogado, nomeadamente, no seu segmento decisório onde julgou procedente a Apelação, determinando a revogação da douta Sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância e, consequentemente, condenando o Réu e, aqui, recorrente, a pagar ao A. a quantia de 31.192,28 €, acrescido de juros de mora à taxa legal, no valor de 1.663,03 € até à data da entrada da acção,

UUm- Substituindo-o por outro que julgue improcedente a Apelação apresentada pela A, mantendo na íntegra a douta Sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância e, consequentemente, mantendo-se o alí decidido, nomeadamente, a absolvição do Réu quanto ao pedido formulado contra ele pela Autora».


4. O autor respondeu, concluindo as suas contra-alegações cm as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«i. Respeitosamente, o recurso interposto pelo Recorrente carece de fundamento, atendendo que a decisão proferida pelo Tribunal a quo limitou-se a aplicar o Direito em conformidade com a matéria de facto dos presentes autos;

ii. Contrariamente ao alegado pelo Recorrente, a decisão sufragada na decisão a quo é correta e adequada;

iii. Não obstante o douto tribunal pronunciou-se relativamente à prova, incidindo em saber se foi produzida qualquer prova que minimamente aponte no sentido de que os condóminos do A. se reuniram e, por maioria, deliberaram fixar determinada prestação de condomínio - e em que montante -, para os anos de 2014 a 2016, considerando que é esse o período de tempo relevante para o processo;

iv. “Ou seja, formando a sua decisão sobre se poder-se-ia, ou não, concluir que tendo a assembleia de condomínio de deliberar, com vista à fixação do valor da prestação a pagar referente à quota de condomínio, bem como, o concreto valor devido, para o período em causa, se o pagamento do valor peticionado, referente a quotas de condomínio, era da responsabilidade do R, nos termos do art.°1424.°, n.° 1 do CC.”

v. Temos assim uma ação declarativa de condenação e não executiva, pelo que, que não existe qualquer abuso por parte do Tribunal a quo relativamente ao seu dever de gestão processual, nem mesmo no suprimento de eventual ónus de alegação e da prova das partes, não se aceitando a conclusão Q e R;

vi. As provas entregues foram analisadas, foi feita prova dos factos apresentados pela Recorrida e comprovado o dever de pagamento com a consequente condenação a pagar as quotas em atraso;

vii. Por tal análise foi decidido “revogar a sentença do Tribunal de 1.ª instância, condena-se o Réu/Apelado a pagar ao A./Apelante a quantia de € 31.192,28 acrescido de juros de mora à taxa legal, no valor de € 1.663,03 até à data da entrada da ação”;

viii. Ao contrário do alegado pelo Recorrente, e tal como já havia sido referido em sede de recurso para o tribunal a quo, as actas da assembleia constam dos autos, muito embora, sendo esta uma acção declarativa;

ix. A Recorrida pede a condenação do Recorrente no pagamento das quotas em atraso;

x. E apuraram-se com base nas actas, Código Civil e propriedade horizontal os valores em dívida pelo Recorrente para com a Recorrida;

xi. Entende ainda a Recorrida, com o devido respeito, que, ao contrário do afirmado pelo Recorrente na conclusão S, não houve qualquer violação da lei substantiva, nem mesmo qualquer erro na aplicação do direito;

xii. Mais, entende a Recorrida que deveria o Recorrente fazer prova do pagamento ou de algo que impedisse a formação do direito de crédito da ora Recorrida;

xiii. Ora, o Recorrente não fez prova de quaisquer factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, pelo que foi condenado a pagar o valor em falta à Recorrida;

xiv. Por conseguinte, é válido o direito invocado pela Recorrida porque foi feita prova dos factos constitutivos do mesmo, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 CC;

xv. Já o contrário não foi feito por parte do Recorrente;

xvi. Por todo o exposto, entende a Recorrida que o recurso deverá ser considerado improcedente, seguindo-se a orientação do Tribunal da Relação e mantendo-se a sua decisão inalterada».


6. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.



***



II. Delimitação do objeto do recurso


Como é consabido, de harmonia com o disposto nos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].


Assim, a esta luz, a única questão a decidir consiste em saber se sobre o réu impende a obrigação de pagar se sobre o réu impende a obrigação de pagar as quotas de condomínio respeitantes aos anos de 2004, 2005 e 2006.



***



III. Fundamentação


3.1. Fundamentação de facto


«1. A Autora efetua a Administração do Condomínio do Edifício AA.


2. O ora Réu é o proprietário das denominadas villas 72 (fração autónoma BT) e 74 (fração autónoma BV) inseridas no supra identificado Condomínio.


3. A Autora emitiu e enviou ao Réu as seguintes faturas respeitantes à Villa 72:


a. Ft 1/32 de 6/03/2015, referente ao primeiro semestre de 2015, no valor de €3.376,40, que se junta e dá aqui por reproduzida.


b. Ft 1/83 de 2/07/2015, referente ao segundo semestre de 2015, no valor de €3.376,40, que se junta e dá aqui por reproduzida.


c. Ft 1/33 de 11/03/2016, referente ao primeiro semestre de 2016, no valor de €3.468,98, que se junta e dá aqui por reproduzida.

d. Ft 1/86 de 5/07/2016, referente ao segundo semestre de 2016, no valor de €3.468,98, que se junta e dá aqui por reproduzida.


4. Já quanto à Villa 74, a Autora emitiu e enviou ao Réu as seguintes faturas:


a. Ft 1/77 de 30/07/2014, referente ao segundo semestre de 2014, no valor de €4.239,68, que se junta e dá aqui por reproduzida.

b. Ft 1/33 de 6/03/2015, referente ao primeiro semestre de 2015, no valor de €4.051,68, que se junta e dá aqui por reproduzida.

c. Ft 1/84 de 2/07/2015, referente ao segundo semestre de 2015, no valor de €4.51,68, que se junta e dá aqui por reproduzida.

d. Ft 1/35 de 11/03/2016, referente ao primeiro semestre de 2016, no valor de €4.162,77, que se junta e dá aqui por reproduzida.

e. Ft 1/88 de 5/07/2016, referente ao segundo semestre de 2016, no valor de €4.162,77, que se junta e dá aqui por reproduzida.


5. Interpelado por carta registada com AR datada de 20/09/2016, o Réu não a recebeu ou diligenciou pelo seu levantamento.


6. O réu adquiriu, por compra, as villas referidas em 2) à sociedade Imobiliária CC, S.A., representada por DD, no dia 10-08-2009, sendo que, após tal aquisição, se deparou com problemas de pintura naquelas, tendo junto do Administrador do condomínio, Dr. DD, perguntado como poderia resolver tais danos.


7. Desde a ocorrência do facto descrito em 6) o Réu tem vindo a solicitar a reparação dos danos nas frações, motivo pelo qual não efetuou o pagamento dos montantes descritos nas faturas referidas em 3) e 4).


8. O réu remeteu ao Eng. DD a seguinte missiva:

«Como é do seu conhecimento, a Villa 74 tem alguns problemas de construção e pintura, que nós já vimos a pedir que fossem reparados, desde que compramos a casa.

Inicialmente, disse-me para estar descansado que isso seria corrigido, mas que era melhor esperar mais um tempo para ver se outras deficiências apareciam, e seriam corrigidas todas de uma vez.

Segundo a nossa conversa, garantiu-me que não me preocupasse pois tinham uma retenção do construtor para efetuar essas obras.

Como nada foi feito, e continuei a insistir nas mesmas, voltamos a conversar, e a tal retenção tinha sido gasta, o construtor tinha ido à falência, e solução seria pagarmos as obras a meio, o qual foi rejeitado.

Anos mais tarde, nada foi feito, e continuo com a propriedade no mesmo estado, enviamos uma carta através dos nossos advogados, que não se dignaram responder.

O que nós pedimos para reparar, foi:

A pintura que sempre foi uma lástima (não sei quem foi Q fiscal da obra, mas é lamentável que tenha aprovado esta construção e pintura);

O Cheiro a bolor dentro de casa (segunde a sua opinião, é de fácil resolução, mas não foi feito, e está a deteriorar os tetos, os armários dos quartos, os chuveiros das casa de banho, que ficam todos cheios de bolor, além da saúde de quem habita a propriedade);

As pedras partidas (pedra branca não é apropriada para o tipo de clima e casa, estão sempre a partir-se desde o inicio).

Gostaríamos de saber quando vão resolver estas situações, senão nós procedemos a estas reparações e debitaremos na conta da vossa companhia.


   Respeitosos cumprimentos,

   BB

   EE



9. Factos não provados:


Que o administrador tenha assumido ao Réu que a própria administração do condomínio resolveria os danos referidos em 6) dos factos dados como provados, constatados, também por este, nas frações autónomas do réu.



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3.2. Fundamentação de direito


Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se única e exclusivamente com a questão de se sobre o réu impende a obrigação de pagar as quotas de condomínio respeitantes aos anos de 2004, 2005 e 2006.


No sentido afirmativo decidiu o acórdão recorrido, considerando que o pedido formulado pelo autor/Condomínio tem cobertura legal no disposto no art. 1424º, nº1 do C. Civil e que estando-se no âmbito duma ação declarativa o direito que o autor pretende exercer não está obrigatoriamente condicionado à apresentação das Atas do Condomínio em que os valores peticionados tenham sido aprovados, podendo a prova da existência da dívida e dos montantes das quotas de condomínio que a integram ser comprovados por outros elementos de prova, o que o autor logrou fazer, pelo que sobre o réu recaía o ónus de provar que procedeu a esse pagamento.   


Contra este entendimento reage o réu, sustentando que dos elementos probatórios juntos pelo autor não se demonstra nem se comprova que o pagamento dos montantes peticionados seja da sua responsabilidade, sendo sobre a autora que recaía o ónus de prova desta factualidade, tanto mais que o réu impugnou os valores peticionados pela autora, afirmando que os mesmos não seriam devidos por serem indeterminados e englobarem despesas cujo pagamento não é da responsabilidade dos condóminos face ao disposto no art. 1424º, nº1 do C. Civil.



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3.2.1. Antes, porém, de entrarmos na apreciação desta questão e por se considerar ser relevante para a boa decisão da causa, importa, em desenvolvimento dos factos descritos sob o ponto 2.1. e ao abrigo do preceituado no art. 607º, nº4, 2ª parte, aplicável por via do disposto nos arts. 663º, nº 2 e 679º, todos do CPC, aditar aos factos dados como provados a seguinte factualidade, resultante dos elementos constantes dos autos:


9. Os valores das faturas supra referidas nos ponto 3 dos factos dados como provados dizem respeito a quotas de condomínio, incluindo encargos do condomínio e comparticipações para o Fundo Comum de Reserva (cfr. teor das referidas facturas, dado como reproduzido).


10. Na Assembleia geral de proprietários, realizada no dia 24 de Fevereiro de 2015, foram aprovadas as contas do condomínio para o ano de 2014, foi aprovado o orçamento para o ano de 2015 e o responsável pelo condomínio foi autorizado a abrir uma conta poupança-condomínio para o depósito do Fundo Comum de Reserva (cfr. ata nº 3, junta a fls. 176).


11. Na Assembleia geral de proprietários, realizada no dia 24 de Fevereiro de 2016, foram aprovadas as contas do condomínio para o ano de 2015, foi aprovado o orçamento para o ano de 2016, com os votos contra dos proprietários das casas 43, 72 e 74 (cfr. ata nº 4, junta a fls. 10 e 11).


12. Na Assembleia geral de proprietários, realizada no dia 24 de Fevereiro de 2017, foram aprovadas as contas do condomínio para o ano de 2016, foi aprovado o orçamento para o ano de 2017, com os votos contra dos proprietários das casas 43, 72 e 74 (cfr. ata nº 5, junta a fls. 73 a 75).


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3.2.2. Posto isto e tomando, agora, posição sobre a questão de saber se sobre o réu impende a obrigação de pagar as quotas de condomínio respeitantes aos anos de 2004, 2005 e 2006, importa salientar que estamos no âmbito da chamada propriedade horizontal, cujo regime está previsto nos arts. 1414 segs do C. Civil, e que, nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela[2], traduz-se na congregação de duas «situações jurídicas distintas. Uma de “propriedade singular”, no que respeita às fracções autónomas (…); e outra de “compropriedade “, cujo objecto é constituído pelas partes comuns referidas no artigo 1421º» e carateriza-se pela «fruição de um edifício por parcelas ou fracções independentes, mediante a utilização de partes ou elementos afectados ao serviço do todo. Trata-se, em suma, da coexistência, num mesmo edifício, de propriedades distintas, perfeitamente individualizadas, ao lado da compropriedade de certos elementos, forçadamente comuns».

Daí a figura do “Condomínio” que Henrique Mesquita[3] define como a «situação em que uma coisa materialmente indivisa ou com estrutura unitária pertence a vários titulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial (…) sobre fracções determinadas» e em que «(…) cada condómino está vinculado, no exercício do seu direito, a diversas limitações de origem legal ou negocial impostas em benefício dos demais proprietários de fracções do prédio (…)».

Segundo o disposto no art. 1430º, nº1 do C. Civil, a administração dessas partes comuns compete à assembleia de condóminos (órgão deliberativo) e a um administrador [órgão executivo, a quem cabe, para além do mais, executar as deliberações da assembleia - art. 1436º, al. h)].       

A assembleia de condóminos reúne-se anualmente para discussão e aprovação das contas respeitantes ao último ano e aprovação do orçamento das despesas a efetuar durante o ano (art. 1431º, nº1), sendo as deliberações tomadas, salvo disposição especial, por maioria dos votos representativos do capital investido (art. 1432º, nºs 3 e 4 ), ou aprovadas por unanimidade dos votos (art. 1432º, nº 5).

E tal como sublinha Henrique Mesquita[4], «uma vez aprovadas as deliberações da assembleia elas vinculam todos os condóminos mesmo os que não compareçam, ou aqueles que, tendo participado se abstiveram ou votaram contra e ainda aqueles que ingressem no condomínio após a sua aprovação. O transmitente não é obrigado, salvo se a isso se vinculou, a comunicar ao adquirente as deliberações anteriormente aprovadas. Se uma deliberação não está ainda executada, pode o novo condomínio propor que seja revogada ou substituída por outra».

De realçar constituir entendimento dominante que a obrigação dos condóminos pagarem as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e aos serviços de interesse comum, é uma típica obrigação “ propter rem”, decorrente não de uma relação creditória autónoma, mas do estatuto do condomínio»[5], que, no dizer de Henrique Mesquita[6], é integrado por normas consagradas diretamente na lei, por um título de origem negocial (o título constitutivo da propriedade horizontal) e relativamente à gestão das coisas comuns, por deliberações  da assembleia dos condóminos.

No mesmo sentido, afirma Pires de Lima e Antunes Varela[7], que «todo aquele que ingresse no condomínio (ou exerça com base numa relação creditória, os poderes que aos condóminos competem: caso do arrendatário ou do comodatário), fica automaticamente subordinado às regras do respetivo estatuto, seja qual a sua origem (legal ou negocial)».

Daí sobre ele recair, nos termos do disposto no art. 1424º, nº1 do C. Civil, a obrigação de pagamento, na proporção do valor da respetiva fracção ou fracções, das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e aos serviços de interesse comum, que constarem do orçamento elaborado anualmente e forem aprovadas pela assembleia geral de condóminos.

Ora, analisando neste contexto jurídico, a factualidade supra descrita no pontos 3.1 e 3.2.1, diremos que, reportando-se os valores das faturas supra referidas nos ponto 3 dos factos dados como provados a quotas de condomínio, que compreendem as despesas do condomínio e comparticipações para o Fundo Comum de Reserva, resultantes dos orçamentos relativos aos anos de 2014, 2015 e 2016 e que foram aprovados nas assembleias de condóminos realizadas em 24 de Fevereiro de 2015, 2016 e 2917, respetivamente, dúvidas não restam recair sobre o réu a obrigação de pagamento dos referidos valores.

É que, como já se deixou dito, tendo as assembleias de condóminos deliberado, por maioria, aprovar tais despesas orçamentadas, estas deliberações vinculam todos os condóminos mesmo aqueles que, como o réu, votaram contra. 

E sendo assim, nenhuma censura merece o acórdão recorrido ao condenar o réu no seu pagamento das quantias peticionadas pelo autor.

  

Termos em que improcedem as todas razões invocadas pelo recorrente



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IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

As custas da ação e dos recursos ficam a cargo do recorrente.



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Supremo Tribunal de Justiça, 11 de julho de 2019

Maria Rosa Oliveira Tching (Relator)

Rosa Maria Ribeiro Coelho

Catarina Serra

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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[2] In “ Código Civil, Anotado”, Vol. III, 2ª ed., pág. 397.
[3]  “ A Propriedade Horizontal no Código Civil Português”, in Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXIII, nºs 1-2-3-4-, págs. 147, 150 e 151.
[4] In “ Revista de Direito e Estudos Sociais”, 23º, págs. 134 e 135.
[5] Neste sentido, Henrique Mesquita, in “ Revista de Direito e Estudos Sociais”, 23º, pág. 130 e Pires de Lima e Antunes Varela, in “ Código Civil, Anotado”, Vol. III, 2ª ed., pág. 432.
[6] In “ Revista de Direito e Estudos Sociais”,  23º, pág. 134.
[7] In “ Código Civil, Anotado”, Vol. III, 2ª ed., pág. 447.