Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | NUNO PINTO OLIVEIRA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL ACIDENTE DE VIAÇÃO CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO RETRIBUIÇÃO LÍQUIDA INCONSTITUCIONALIDADE PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS | ||
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Data do Acordão: | 03/21/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / REVISTA EXCEPCIONAL – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / RECURSOS / REVISTA. | ||
Doutrina: | - Maria da Graça Trigo, Adopção do conceito de ‘dano biológico’ pelo direito português, Revista da Ordem dos Advogados, vol. 72 (2012), p. 147-178 ; Responsabilidade civil. Temas especiais, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, p. 69-87; - Mário Tavares Mendes, Joaquim de Sousa Ribeiro e Jorge Ferreira Sinde Monteiro, Relatório do Conselho constituído para fixação dos critérios das indemnizações por morte das vítimas dos incêndios em Portugal, nos meses de junho e outubro de 2017, Revista da Faculdade de Direito e de Ciência Política da Universidade Lusófona do Porto, p. 144. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 672.º, N.º 3 E 854.º. REGIME DO SISTEMA DE SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL, APROVADO PELO DL N.º 291/2007, DE 21-08, NA REDACÇÃO DO DL N.º 153/2008, DE 06-08: - ARTIGO 64.º, N.º 7. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 07-01-2013, PROCESSO N.º 2395/06.3TJVNF.P1.S1; - DE 07-02-2013, PROCESSO N.º 3557/07.1TVLSB.L1.S1; - DE 19-10-2016, PROCESSO N.º 1893/14.0TBVNG.P1.S1; - DE 10-11-2016, PROCESSO N.º 175/05.2TBPSR.E2.S1; - DE 25-05-2017, PROCESSO N.º 868/10.2TBALR.E1.S1; - DE 25-05-2017, PROCESSO N.º 806/12.8TBVCT.G1.S1; - DE 14-06-2018, PROCESSO N.º 8543/10.1TBCSC.L1.S1; - DE 25-10-2018, PROCESSO N.º 2416/16.1T8BRG.G1.S1; - DE 09-01-2019, PROCESSO N.º 1649/14.14.0T8VCT.G1.S1. | ||
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Sumário : | A inconstitucionalidade do art. 64.º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, na redacção do Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de Agosto, na parte em que determina que, “[p]ara efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao lesado, o tribunal deve basear-se nos rendimentos… que se encontrem fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações declarativas relativas àquele período, constantes de legislação fiscal”, não obsta a que deva atender-se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I. — RELATÓRIO
1. AA requereu incidente de liquidação de sentença contra BB – Companhia de Seguros, SA, actualmente com a denominação de CC, Companhia de Seguros, SA, pedindo que, na sequência de sentença condenatória, a Ré lhe pague um total de 304200,00 euros, fraccionado do seguinte modo: a) €290.000,00 a título de danos patrimoniais futuros, decorrentes das sequelas sofridas em consequência do acidente, nomeadamente a IPP de 6 pontos. b) €8.000,00 a título de trabalho extraordinário do Hospital Egas Moniz, entre a data do acidente e 28/01/2007; c) €4.200,00 referente ao valor que deixou de auferir pelas seis cirurgias que tinha marcadas e não realizou, na Clinica Europa, entre 15/12/2006 e 15/01/2007; d) €1000,00 correspondente ao computador portátil que transportava consigo no interior do automóvel no momento do acidente; e) €400,00 correspondente ao valor dos óculos de sol que transportava no momento do acidente; f) €600,00 correspondente ao valor do telemóvel que também transportava consigo na data do acidente.
2. Citada a Ré para contestar o presente incidente, veio esta, em síntese, alegar não poder aceitar tal pedido indemnizatório, por os valores mencionados se basearem em estimativas e a valores brutos, ao invés de se reportarem a rendimentos líquidos.
3. A 1.º instância condenou a Ré ao pagamento da quantia total de € 148.455,00 (cento e quarenta e oito mil, quatrocentos e cinquenta e cinco euros), acrescidos de juros de mora à taxa legal de 4% desde a notificação da sentença e até integral pagamento, absolvendo-a no demais peticionado.
4. A Ré CC, Companhia de Seguros, SA, interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, requerendo assim a revogação da sentença no valor de indemnização atribuído, “substituindo-o por outro valor mais justo”. O Autor AA interpòs recurso subordinado, no qual incluiu as suas “contra-alegações” ao recurso apresentado pela CC, Companhia de Seguros, S.A.. A Ré CC, Companhia de Seguros, SA, contra-alegou.
5. O Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso de apelação interposto pela CC, Companhia de Seguros, S.A., e concedeu parcial provimento ao recurso de apelação interposto por AA, confirmando a sentença recorrida quanto às condenações nela decididas e condenando a ré CC, Companhia de Seguros, S.A. na sanção pecuniária compulsória legal, prevista no n.º 4 do artº 829º-A do Código Civil, ou seja no pagamento de juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transite em julgado.
6. A Ré CC Comapanhia de Seguros, SA, interpôs recurso de revista. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:
1. — O presente recurso de revista excepcional incidirá somente na condenação da recorrente no pagamento da quantia de € 140.000,00 {cento e quarenta mil euros) a título de dano patrimonial futuro, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal de 4% desde a notificação da sentença e até integral pagamento. 2. — O Tribunal da Relação de Lisboa, negou provimento ao recurso de apelação apresentado pela recorrente, confirmando a sua condenação no pagamento das quantias acima especificadas, para além de ter concedido parcialmente provimento ao recurso subordinado apresentado pelo Autor, no pagamento de juros à taxa de 5% ao ano como sanção pecuniária compulsória). 3. — Perante o exposto, constata-se que em relação à recorrente verificar-se-á a dupla conforme, nos termos do disposto no n.° 1 do art. 672.° do C.P.C. 4. — Tendo havido um voto de vencido no referido Acórdão, do Venerando Desembargador Doutor Farinha Alves, nos termos do disposto no n.° 3 do art. 671.° do C.P.C, a contrário. 5. — Também nos termos do disposto na alínea c) do n.° 1 do art. 672.° do C.P.C., e uma vez que o douto Acórdão da Relação manteve a decisão, quando a mesma, para contabilizar o quantum indemnizatório a atribuir ao recorrido, indicou um valor encontrado com base nas fórmulas matemáticas e depois com base na equidade, contrariou Acórdãos proferidos tanto pela Relação como pelo STJ relativamente a este tema, como por exemplo, cuja cópia se anexa como docs. 1 e 2. 6. — Por último, o Acórdão agora recorrido também manteve uma decisão que considerou, para determinar o quantum indemnizatório a atribuir ao lesado os valores de retribuição brutos, ao invés de considerar os valores líquidos como a recorrente defendeu, defende e defenderá. 7. — Ao faze-lo foi contra ao decidido por jurisprudência já existente, isto também nos termos do disposto na alínea c) do n.° 1 do art. 672.° do C.P.C, como é o exemplo do Acórdão, cuja cópia se anexa como doc. 3. 8. — Pelo exposto, requer-se que V. Exas. considerem justificada a interposição do presente recurso de Revista Excepcional nos termos do art. 672.° e n.° 3 do art: 671.° a contrario, ambas as disposições constantes do C.P.C. 9. — Caso assim não se considere, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, mas sem conceder, juiga-se estar na presença de uma caso cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, será claramente necessária para melhor aplicação do direito, nos termos do disposto na alínea a) do n.° 1 do art. 672.° do C.P.C. 10. — De facto, situações como a dos presentes autos, surgem inúmeras vezes, e será imperioso que haja harmonia e coerência nas decisões adoptadas, em nome dos princípios da legalidade e da segurança no direito. 11. — E no caso dos presentes autos, isso implica uma diferença muito grande em termos de valores económicos a atribuir em termos de quantum indemnizatório, em comparação por exemplo com o valor atribuído na acção declarativa, e já transitado em julgado, referente aos danos morais do recorrido em consequência do acidente dos presentes autos - € 12.500,00. 12. — Com efeito, defende a recorrente, que com a decisão mantida pela Relação de Lisboa, está-se a derrogar a lei civil, nomeadamente as normas da responsabilidade civil extra-contratual. 13. — Pelo que será ainda, de todo justificado, o presente recurso de Revista Excepcional, também nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do n.° 1 do art. 672.° do C.P.C. 14. — Âmbito do presente recurso: - Uma vez que o presente recurso estará delimitado a questões de direito, o âmbito do presente recurso limitar-se-á à Determinação dos Danos Patrimoniais Futuros e à forma seguida para a alcançar. 15. — Dos critérios para determinar o Quantum Indemnizatório: 16. — Antes de mais, a recorrente concorda com o facto do dano biológico poder ser valorado como dano patrimonial futuro e, como tal, objecto de indemnização, mesmo que tal incapacidade não implique perda de rendimentos, como é o caso dos presentes autos. 17. — Sendo que a sentença a quo no terceiro § referente aos "Danos patrimoniais futuros" reconhece, que o Autor não perdeu rendimentos: " De facto, in casu, a incapacidade em causa não implicou perda de rendimentos.” 18. — Antes pelo contrário, nos anos de 2006 a 2009 o Autor registou um aumento dos mesmos. 19. — O douto Acórdão da Relação manteve a decisão de primeira instância quanto à utilização de " fórmulas matemáticas" para determinar o quantum indemnizatório a atribuir ai Autor, bem como o recurso à equidade ! : "Lançando-se mão das fórmulas matemáticas ... e do critério da equidade, o qual deverá prevalecer sobre qualquer fórmula…"! 20. — É paradoxal e contraditório, não se compreendendo esta opção e nem se aceitando a mesma. 21. — Acresce, que para contabilizar o quantum indemnizatório, a sentença a quo e o Acórdão da Relação manteve, indicou um valor encontrado com base nas fórmulas matemáticas e depois com base na equidade, aumentou esse valor quase para o dobro ! no fundo por um lapso de apenas 16 anos ! mas já lá iremos mais à frente. 22. — A sentença a quo e o douto Acórdão recorrem a um terceiro critério híbrido que recorre em primeiro lugar a cálculos matemáticos (que nada terão de equidade) para atingir determinado valor, e posteriormente, e aí segundo juízos de equidade, aumentar o valor anteriormente encontrado, em prejuízo claro e manifesto da recorrente! 23. — Sublinhando-se que em termos comparativos, que o valor que foi decidido a indemnizar a título de danos morais na acção declarativa e que já transitou em julgado foi de €12.500,00! 24. — Relativamente a esta decisão de fundo da sentença a quo e mantida pelo Acórdão da Relação, quanto ao quantum indemnizatório, não se poderá deixar de sublinhar que, após a aplicação de operações matemáticas se chega ao valor de € 71.199,93 ou ao valor de € 73.869,48 (se se aplicarem os valores constantes da Portaria). 25. — Para depois se referir que: "...considerando que a IPP se prolongará para além da idade da reforma, considerando o tendencial aumento da idade da reforma e da própria esperança de vida, o aumento da inflação, o tendencial agravamento da limitação com o aumento da idade, a circunstância especial de o A. ser cirurgião, e o mesmo em nada ter contribuído para o acidente, entendo adequado atribuir o montante de € 140.000,00 a título de indemnização pelos danos futuros.”!!! 26. — Não se pode aceitar, esta quase duplicação do valor encontrado inicialmente! 27. — Relativamente às justificações utilizadas na sentença a quo ter quase duplicado o valor que resultaria da aplicação as fórmulas matemáticas utlizadas: 28. — ”considerando que a IPP se prolongara para além da idade da reforma": se já estava reformado a questão não se colocaria, porque o Autor já não estaria a trabalhar. 29. — "considerando o tendencial aumento da reforma": os cálculos resultantes" da identificada portaria, e utilizados pela sentença a quo já prevêem e consideram a idade da reforma aos 70 anos, logo, superior aos 65 anos. 30. — "o aumento da inflação": actualmente quase que não existe inflação; 31. — "o tendencial agravamento da limitação com o aumento da idade": esta limitação foi tida em conta e como tal valorada no relatório do IML, quando atribui esforços acrescidos, subiinhando-se que não atribui dano futuro. 32. — "a circunstância especial do A. ser cirurgião": a profissão do lesado tem foi obviamente tida em conta no relatório do IML através da incapacidade atribuída, e dos esforços acrescidos previstos, e contemplados pelos peritos em avaliação de dano civil, em função da sua actividade profissional especifica. 33. — "e o mesmo em nada ter contribuído para o acidente", mal seria se assim não fosse, não se estaria a falar na assunção total da responsabilidade por parte da Ré. 34. — Em face do exposto, não se poderá estar de acordo com esta duplicação do valor alcançado após a aplicação de critérios baseados em fórmulas matemáticas constantes por exemplo do Ac. do STJ de 25/06 e com base na 679/2009 de 25.06. 35. — A recorrente defende o recurso a critérios de equidade para se chegar ao quantum indemnizatório nos casos em que não se verifique uma redução dos valores de vencimento do lesado. 36. — Discordando da utilização de um critério híbrido, que recorra a fórmulas matemáticas para alcançar o quantum indemnizatório, e depois corrija o mesmo através de critérios de equidade, dobrando o valor alcançado primeiramente. 37. — Ao que acresce que o valor somado ao valor que resultou da aplicação das fórmulas matemáticas na sentença a quo, resultante da aplicação de critérios de equidade, é claramente exagerado. 38. — Requer-se pelo exposto a revogação do Acórdão no valor de indemnização atribuído, substituindo-o por outro valor justo e equilibrado de acordo com a IPP determinada de 6 pontos! mas consideravelmente inferior, alcançado segundo juízos de equidade, pensando-se que dessa forma se faria a Acostumada Justiça. 39. — Se assim não se considere, o que só se admite para efeitos de patrocínio, mas sem conceder, e pelo contrário V. Exas. optem por recorrer no presente caso às "fórmulas matemáticas" para determinarem o quantum indemnizatório, requer-se que considerem os valores efectivamente auferidos pelo recorrido. 40. — Isto é, recorram aos valores líquidos auferidos pelo lesado, e não aos valores brutos, como aconteceu com a sentença a quo, e manteve o Acórdão da Relação. 41. — Ora, isso constituiu uma derrogação à lei, nomeadamente os arts. 562.° e 563.° do Código Civil. 42. — Com efeito, aquele que está a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não tivesse verificado o acidente, sendo que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. 43. — Como esta bem de ver, o Autor teria que pagar impostos sobre os valores auferidos, portanto, o Autor não auferiu efectiva e objectivamente o valor considerado em bruto. 44. — Assim, não poderá beneficiar para efeitos de cálculos matemáticos de uma situação que não se reflectiria na realidade, porque o Autor não receberia nunca o valor declarado em bruto. 45. — Para que exista nexo de causalidade, haverá que deduzir o valor pago a título de impostos pelo lesado, para determinar o quantum indemnizatório, só assim se respeitará o "instituto" da responsabilidade civil e as suas normas reguladoras. 46. — Tudo conforme jurisprudência existente, cujas copias se anexam. 47. — Pelo exposto, com o devido respeito, que é muito, mais uma vez andou mal o Acórdão da Relação de Lisboa, requerendo-se por isso a sua revogação, e caso os Ilustres Conselheiros optem pelo recurso às fórmulas matemáticas, requer-se, nos termos da aplicação das normas da responsabilidade civil, que considerem o valor líquido e não o valor bruto dos rendimentos do lesado. 48. — E no presente caso foram juntas aos autos as declarações de rendimentos do Autor de 2001 a 2009, pelo que através do recurso às mesmas, facilmente se chegará ao seu rendimento liquido. 49. — Quanto aos rendimentos de trabalho dependente constam das declarações as retenções na fonte e as contribuições. 50. — E quanto ao trabalho independente, categoria B regime simplificado, ter-se-ia que deduzir no mínimo 25% referentes aos impostos a pagar. 51. — Concretizando, decorre dos documentos supra referidos, declarações de rendimento, que o Autor liquidou anualmente a título de impostos categoria A um valor aproximado de 25% do seu rendimento bruto. 52. — Por outro lado, e no tocante aos rendimentos da categoria B o Autor optou pelo Regime Simplificado de Tributação apresentando rendimentos de actividade com o CAE 7014 (médicos de clinica geral) e pela consequente aplicação automática do art. 31° CIRS, ou seja em 75% desse rendimento. 53. — Pelo que a admitir-se que o valor da indemnização deverá ter como base de cálculo o valor dos rendimentos médios do A., o valor a ter em conta com vista a uma eventual indemnização deveria ser 75% do valor considerado na decisão recorrida, € 88.998,00, e que resultaria em € 66.748,50. 54. — Chama-se a especial atenção para os valores constantes da declaração de rendimentos do Autor do ano de 2005, relativamente a rendimentos da categoria B, isto é de trabalhador independente, que são excepcionalmente altos em relação aos todos outros, fazendo presumir que no ano do acidente, a declaração de rendimentos entregue pelo mesmo nesse ano (2006) referente a 2005 poderá ter servido para regularizar/declarar uma série de rendimentos relativos a outros anos. 55. — Em suma, para efeitos de cálculo de indemnização devida por danos patrimoniais sofridos pelos lesados, a lei é clara, como se pode ver do art° 1 do Decreto-Lei n° 153/2008 de 6 de Agosto, que alterou o art° 64° do D.L. 291/2007, de 21 de Agosto. 56. — Pelo exposto, andou mal o douto Acórdão da Relação de Lisboa que manteve a consideração dos valores brutos do vencimento do Autor de 2005. 57. — O Tribunal da Relação argumentou com a declarada inconstitucionalidade da referida norma, mas salvaguardado o devido respeito, julga-se que aquilo que se defende em sede de alegações, nada tem a ver com isso. 58. — De facto, o que foi considerado pelo Tribunal Constitucional é que as pessoas não estariam vinculadas/limitadas aos valores declarados fiscalmente para fazerem prova dos seus rendimentos. 59. — Ora, o recorrido nunca veio alegar que auferia mais rendimentos daqueles que declarava fiscalmente. 60. — O recorrido juntou as suas declarações fiscais aos presentes autos para provar os seus rendimentos, e a sentença a quo considerou para efectuar os cálculos para definir o quantum indemnizatório, os valores brutos declarados! E não os valores líquidos auferidos. 61. — Ora, isto é que é contrário à jurisprudência que se identifica e contra as normas apontadas 62. — Requerendo-se por isso a sua revogação/correcção nesta parte, porque caso contrário a indemnização recebida pelo recorrido será calculado com base em valores que o mesmo nunca auferiu! 63. — Sendo, contrário ao princípio da reconstituição natural e de forma mais genérica, contra o instituto da responsabilidade civil extra contratual. 64. — Requerendose respeitosamente a V. Exas., Ilustres Conselheiros que também neste ponto essencial alterem o Acórdão da Relação, e que considerem o valor líquido de retribuição e não o valor bruto, conforme a jurisprudência dominante, caso optem pelo recurso a cálculos aritméticos para determinaram o valor de indemnização. Nestes termos, nos mais de direito, e sempre com o mui Douto Suprimento do omitido, deverá dar-se provimento ao presente recurso, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA!”
7. O Autor AA contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade e, no caso de ser admitido, pela improcedência do recurso.
8. A formação prevista no n.º 3 do art. 672.º do Código de Processo Civil admitiu a revista como excepcional, destacando-se da fundamentação do acórdão o seguinte excerto:
“A questão principal gira em torno do cálculo da indemnização quando, apesar da existência de sequelas físicas, não haja redução dos rendimentos auferidos. Ainda que, subsidiariamente, também foi questionado critério determinativo da indemnização por danos patrimoniais futuros, com base no rendimento bruto ou com base no rendimento líquido do lesado. Ora, pese embora o número de recursos que chegam ao Supremo emergentes de acções de responsabilidade civil por acidentes de viação, cada uma das requeridas questões suscitadas ainda não encontra na jurisprudência dos tribunais superiores uma orientação uniforme, como bem o demonstram, aliás, os arestos que foram apresentados pela recorrente para sustentar a admissibilidade excepcional da revista. Assim, sem necessidade de averiguar a existência de uma verdadeira contradição entre o acórdão recorrido e os acórdãos que foram apresentados, cremos que as questões suscitadas justificam uma pronúncia deste Supremo em sede de revista excepcional, de forma que se possa estabelecer uma orientação jurisprudencial tendencialmente uniforme, com efeitos expansivos para as instâncias”.
9. Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do Recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes: 1.º — se, na aplicação do critério da equidade, pode duplicar-se o resultado da aplicação das fórmula de cálculo da indemnização dos danos patrimoniais futuros (conclusões n.ºs 16 a 38); 2.° — se, na aplicação das fórmulas de cálculo relativas à indemnização dos danos patrimoniais futuros resultantes de lesão corporal, deve atender-se ao rendimento bruto ou ao rendimento líquido do lesado (conclusões n.ºs 39 a 54).
II. — FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
1. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes, constantes da sentença da 1.ª instância:
1 - No dia 12 de Dezembro de 2006, cerca da 15 horas e 45 minutos, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo Mercedes de matrícula 000000, conduzido pelo seu proprietário, o ora autor, e o veículo Ford Focus de matrícula 000000, propriedade de DD Lda. e, no momento, conduzido por FF- (A). 2 – À data do acidente a responsabilidade civil inerente ao veículo Ford Focus de matrícula 000000, encontrava-se transferida pela respetiva proprietária para a ré, mediante contrato de seguro do Ramo Automóvel, titulado pela Apólice 00000000 - (B); 3 – O acidente ocorreu na Estrada da Luz, em Lisboa, sensivelmente em frente das bombas de combustível da BP - (C); 4 – O autor circulava na Estrada da Luz, no sentido Sete Rios - Largo da Luz (SE/NW) na segunda fila de trânsito, a contar da direita para a esquerda, atento o seu sentido de marcha, a uma velocidade nunca superior a 50 Km/hora - (D); 5 – O veículo 000000 circulava no mesmo sentido de trânsito, na primeira fila de trânsito (também a contar da direita) mas um pouco à frente do autor - (E); 6 – Quando circulava à frente do veículo do autor, o 000000 guinou para a sua esquerda e atravessou-se completamente à frente do autor - (G); 7 – (...) acabando por embater, com a parte lateral esquerda, na parte da frente do veículo do autor - (G); 8 – A conduta completamente inesperada e repentina do condutor do veículo seguro na ré, não permitiu ao autor efetuar qualquer manobra de recurso ou de evasão - (H); 9 – (...) acabando os veículos por se imobilizar totalmente na faixa de rodagem contrária - (I); 10 – O condutor do veículo seguro na ré não sinalizou de forma alguma a sua intenção de mudar de fila ou de direção, nem assegurou antecipadamente a possibilidade de o fazer - (J); 11 – O condutor do veículo seguro na ré fazia-o por conta, no interesse e sob a direção da respetiva proprietária - (L); 12 – A ré assumiu em sede extrajudicial a responsabilidade pelos danos decorrentes do acidente - (M); 13 – O autor acionou a cobertura de danos próprios do seu contrato de seguro automóvel, tendo sido a sua seguradora Mapfre a suportar os custos da reparação - (N); 14 – O autor é médico - (O); 15 – Em consequência direta da colisão o autor sofreu fractura da base do segundo metacarpo da mão esquerda - (P); 16 – O autor disponibilizou-se para ser avaliado pelos serviços médicos da ré - (Q); 17 – O autor foi encaminhado para a consulta externa de ortopedia da ré - (R); 18 – Após a alta que lhe foi atribuída pelos serviços da ré, o autor contactou esta solicitando a continuidade dos tratamentos - (S); 19 – (...) o que não foi aceite pela ré - (T); 20 – (...) pelo que o autor teve de recorrer aos serviços médicos do hospital para continuação de acompanhamento médico - (U); 21 – O autor foi observado em consulta de avaliação do dano corporal pelo GADAC (Gabinete de Avaliação de Dano Corporal), Gabinete escolhido pela ré, sendo-lhe atribuída uma IPP de 5% - (V); 22 – O custo da reparação do veículo com a matrícula 000000 foi de € 21.565,72 - (1º); 23 – Em consequência do acidente o autor esteve privado da utilização do BD desde a data do sinistro até ao dia 1 de Março de 2007 - (2º); 24 – Entre a data do acidente e o dia 1 de Março de 2007, o autor, nas suas deslocações, utilizou serviços de táxis, transportes públicos e valeu-se de boleias de amigos e familiares - (3º); 25 – (...) o que acarretou para o autor incómodos acrescidos em virtude da sua profissão de médico - (4º); 26 – À data do acidente o BD encontrava-se em bom estado de conservação - (5º e 6º); 27 – À data do acidente o autor transportava no BD um computador portátil - (8º); 28 – Em consequência do acidente o computador portátil referido em 27. sofreu estragos que o tornaram inoperacional - (9º e 10º); 29 – À data do acidente o autor transportava uns óculos de sol no BD, os quais ficaram destruídos em consequência do embate referido em 7. - (12º); 30 – Em consequência do acidente ficou destruído o telemóvel que o autor então utilizava - (14º); 31 – Desde a data do acidente e até ao dia 1 de Março de 2007, o autor despendeu, em deslocações, a quantia de € 45,80 - (16º); 32 – Em consequência do embate referido em 7., o autor sofreu traumatismo da coluna, sobretudo cervical, cujas sequelas são cervicobraquailgias persistentes de moderada intensidade - (17º); 33 – A lesão referida em 15. foi diagnosticada ao autor no próprio dia do acidente, no serviço de urgências do Hospital de Santa Maria, onde deu entrada após o embate referido em 7. - (18º e 19º); 34 – Ainda no serviço de urgências do Hospital de Santa Maria: a) foi feita redução, alinhamento e imobilização gessada da fratura do 2º metacárpico da mão esquerda do autor, o que lhe provocou dores; b) foi dada indicação ao autor para manter elevado o membro afectado, aplicar gelo local e cumprir terapêutica analgésica - (20º a 22º e 25º); 35 – Nos primeiros dias após o acidente, além de manter imobilização gessada da fractura do 2º metacárpico da mão esquerda, o autor desenvolveu quadro de dores cervicais, em consequência do que: a) esteve impedido de se deslocar, de conduzir e de trabalhar; b) esteve dependente de terceiros para a sua higiene pessoal, para se vestir e despir e para confeccionar refeições - (23º, 24º e 76º a 78º); 36 – O autor manteve imobilização gessada durante seis semanas - (26º); 37 – A imobilização gessada da fractura do 2º metacárpico da mão esquerda provocou no autor atrofia muscular dessa mão e limitação da mobilidade dos dedos da mesma mão - (27º); 38 – Em consequência do descrito em 37., o autor realizou fisioterapia para recuperação da mobilidade dos dedos da sua mão esquerda - (28º); 39 – A recuperação da mão esquerda do autor era fundamental para o exercício da sua actividade de médico assistente hospitalar de cirurgia geral - (29º); 40 – Nos dias que se seguiram ao acidente, o autor manteve cervicalgias e lombalgias que apenas cediam à medicação analgésica - (30º); 41 – O autor, a expensas suas: a) no dia 13 de Dezembro de 2006 realizou tomografia computorizada da coluna lombar, no Centro de Diagnóstico Computorizado, sito na Rua ...., nº ..., ,...., em Lisboa; b) no dia 5 de Junho de 2007 realizou, no mesmo Centro, ressonância magnética, onde são evidenciados “debruns osteofibróticos posteriores escalonados C4/C5 e C5/C6, medianos, sem significativa repercussão sobre a imagem da medula” - (31º e 32º); 42 - Provado apenas que em consequência do acidente, o autor apresenta dor à pressão da coluna cervical baixa e paravetebral (muscular) direita, que se acentua em inclinação ipsilateral do pescoço, sem défices neurológicos - (33º); 43 – A laparoscopia é a área cirúrgica a que o autor mais se dedica - (37º); 44 – O autor mantém cervicobraquailgias persistentes à direita - (38º); 45 – As sequelas referidas em 44. são susceptíveis, de causar ao autor dores de intensidade moderada na realização e um cansaço acrescido na realização de cirurgias laparoscópicas - (39º e 41º); 46 – Em consequência do acidente o autor ficou afectado de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 6 pontos - (45º e 46º); 47 – O autor sofreu um “quantum doloris” de grau 4 (na escala de 1 a 7) - (47º); 48 – O autor esteve em situação de Incapacidade Temporária Absoluta desde o acidente até ao dia 28 de Janeiro de 2007 - (48º); 49 – (...) e um período de Incapacidade Temporária Parcial de 20% durante 90 dias - (49º); 50 – Após retomar a sua actividade laboral, durante um período de tempo não concretamente apurado, o autor não realizou cirurgias - (50º e 51º); 51 – Nos primeiros meses após lhe ter sido dada alta, ao realizar cirurgias, o autor suportou dores e cansaço acrescidos, causados pelas cervicobraquailgias referidas em 44. - (52º e 53º); 52 – Entre o dia do acidente e a data em que voltou a realizar cirurgias, o autor sofreu diminuição dos seus rendimentos - (54º); 53 – Com referência ao período compreendido entre a data do acidente e o dia 28 de Janeiro de 2007 o autor deixou de auferir: a) as quantias de € 2.723,78, a título de remuneração base, e de € 131,87, a título de subsídio de refeição; b) quantias correspondentes a trabalho realizado em horário extraordinário que até à data do acidente vinha realizando no Hospital de Egas Moniz - (56º e 57º); 54 – Em 10 de Janeiro de 2007 o autor exercia funções de coordenador de urgência da Clínica Europa, auferindo um vencimento médio mensal de cerca de € 1.000,00, tendo «programadas 6 cirurgias (totalizando um valor de 600 K) para o período entre os dias 15 de Dezembro [de 2006] e 15 de Janeiro [de 2007], que não pode realizar por estar de baixa médica», tendo tais procedimentos sido realizados por outros colegas do autor daquele estabelecimento - (58º a 61º); 55 – O autor receou e receia que as sequelas físicas para si resultantes do acidente lhe afectem a capacidade de realização de cirurgias e o prejudiquem na carreira de médico - (64º a 66º, 72º e 75º); 56 – Antes do acidente o autor era uma pessoa saudável - (67º); 57 – O autor era resistente aos esforços que a sua profissão impõe - (69º); 58 – (...) e tinha a capacidade adequada à perícia e concentração impostas pela sua profissão - (70º); 59 – O autor sente realização e prazer no exercício da medicina, actividade que exerce por vocação - (73º e 74º).”.
2. O acórdão recorrido deu ainda como provados os factos seguintes:
2. Nos autos de acção declarativa com processo ordinário proposto por AA contra CC-Companhia de Seguros, S.A., foi proferida sentença em 1ª instância, já transitadas em julgado, cujo teor se dá por reproduzido, onde se decidiu o seguinte: “Por todo o exposto, julgo a presente acção intentada por AA contra BB – Companhia de Seguros, S.A., parcialmente procedente, por parcialmente provada, em consequência do que: “(…).; 5.3 – condeno a ré a pagar ao autor, a título de indemnização, a quantia que vier a fixar-se em sede de incidente de liquidação, correspondente ao valor, à data do acidente, do computador portátil que este então transportava consigo no interior do veículo automóvel identificado em 5.1, até ao montante de € 1.000,00 (mil euros), por ser o peticionado, descontado que seja o valor do salvado; 5.4 – condeno a ré a pagar ao autor, a título de indemnização, a quantia que vier a fixar-se em sede de incidente de liquidação, correspondente ao valor, à data do acidente, dos óculos de sol que este então transportava consigo no interior do veículo automóvel identificado em 5.1, até ao montante de € 400,00 (quatrocentos euros), por ser o peticionado, descontado que seja o valor do salvado; 5.5 – condeno a ré a pagar ao autor, a título de indemnização, a quantia que vier a fixar-se em sede de incidente de liquidação, correspondente ao valor, à data do acidente, do telemóvel que este então transportava consigo no interior do veículo automóvel identificado em 5.1, até ao montante de € 600,00 (seiscentos euros), por ser o peticionado, descontado que seja o valor do salvado; (…); 5.9 – condeno a ré a pagar ao autor, a título de indemnização, a quantia que vier a fixar-se em sede de incidente de liquidação, correspondente ao valor que este deixou auferir a título de trabalho extraordinário do Hospital de Egas Moniz, entre a data do acidente e o dia 28 de Janeiro de 2007, até ao montante de € 8.000,00 (oito mil euros), por ser o peticionado; 5.10 – condeno a ré a pagar ao autor, a título de indemnização, a quantia que vier a fixar-se em sede de incidente de liquidação, correspondente ao valor que este deixou auferir pelas seis cirurgias que tinha marcadas e não realizou, na Clínica Europa, entre 15 de Dezembro de 2006 e 15 de Janeiro de 2007, até ao montante de € 4.200,00 (quatro mil e duzentos euros), por ser o peticionado; 5.11 – condeno a ré a pagar ao autor, a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, a quantia que vier a fixar-se em sede de incidente de liquidação, até ao montante de € 290.000,00 (duzentos e noventa mil euros), por ser o peticionado; 5.12 – condeno a ré a pagar ao autor juros de mora civis à taxa legal que se encontrar em vigor, sobre cada um dos montantes indemnizatórios que vier a ser apurado em sede de incidente de liquidação, nos termos referidos em 5.3, 5.4, 5.5, 5.9, 5.10 e 5.11, contados a partir da data em que a ré for notificada da sentença que, no âmbito daqueles incidentes fixar o respectivo valor indemnizatório, até efectivo e integral pagamento; (…)”.
3. O requerente nasceu a 15.03.1972. 4. No ano de 2000 o requerente auferiu um rendimento bruto de PTE 12.485.398$00; 5. No ano de 2001 o requerente auferiu um rendimento bruto de € 64.305,09; 6. No ano de 2002 o requerente auferiu um rendimento bruto de € 73.212,86; 7. No ano de 2003 o requerente auferiu um rendimento bruto de € 80.442,54; 8. No ano de 2004 o requerente auferiu um rendimento bruto de € 86.442,79; 9. No ano de 2005 o requerente auferiu um rendimento bruto de € 145.048,14; 10. Entre Janeiro de 2005 e Julho de 2006, o requerente auferia a título de trabalho extraordinário no Hospital Egas Moniz a média mensal de € 3.350,00;”.
3. O acórdão recorrido deu como não provados os factos seguintes:
a) O requerente por não ter realizado as 6 cirurgias programadas na Clínica Europa deixou de auferir € 4.200,00 (H); b) À data do acidente, o computador portátil do autor, da marca Toshiba, tivesse o valor de € 1.000,00 (I); c) À data do acidente, os óculos de sol do autor, da marca Ray-ban, tivessem o valor de € 400,00 (J); d) À data do acidente, o telemóvel do autor, da marca “QTECK S100”, tivessem o valor de € 600,00 (K); e) Os salvados do computador, óculos de sol e telemóvel não tivessem qualquer valor (L).
O DIREITO
1. O art. 854.º do Código de Processo Civil é do seguinte teor:
“Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependentes de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução”.
Ora o cálculo dos danos patrimoniais futuros reveste-se de “grande complexidade”; “obriga a uma previsão dificilmente fundamentável em termos objectivos sobre danos que, naturalmente, se destinam a compensar perdas patrimoniais apenas futuramente concretizadas e, consequentemente, apenas futuramente quantificáveis” [1]; pelo que não depende de simples cálculo aritmético.
2. Em concreto, a Ré, agora Recorrente, coloca em causa duas coisas. — Coloca em causa, em primeiro lugar, a decisão da 1.ª instância, confirmada pela Relação, de duplicar o valor alcançado através da aplicação das tabelas constantes da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio de 2008, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 26 de Junho de 2009, e do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 2007, proferido no processo n.º 07A3836. — Coloca em causa, em segundo lugar, a decisão da 1.ª instância, confirmada pela Relação, de determinar os danos patrimoniais futuros considerando o rendimento bruto do lesado.
3. O princípio de que, na fixação da indemnização por danos patrimoniais futuros, deverá atender-se a critérios de equidade, decorre dao princípio do art. 566.º, n.º 3, do Código Civil:
“Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
Em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Janeiro de 2019 — proferido no processo n.º 4378/16.6T8VCT.G1.S1 — diz-se, de uma forma paradigmática, que as tabelas “funcionam apenas como uma orientação para o cálculo da indemnização”. O aplicador do direito não fica, de forma nenhuma, dispensado de formular um juízo de equidade [2]. Entre as razões por que os resultados da aplicação das tabelas devem corrigir-se estão as duas seguintes: — a aplicação das tabelas só poderá conduzir a uma justiça abstracta, insensível à circunstância de o caso concreto ter especificidades juridicamente relevantes; — a aplicação das tabelas só poderá conduzir a uma justiça estática, insensível à circunstância de, entre as especificidades juridicamente relevantes do caso concreto, estarem variantes dinâmicas [3]. O termo variantes dinâmicas designará, p. ex., a “evolução provável na situação profissional do lesado”, o “aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível” e a “melhoria expectável das condições de vida”, ou a “inflação provável ao longo do extensíssimo período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização”.
4. A sentença da 1.ª instância determinou a indemnização devida pelos danos patrimoniais futuros em três tempos: (i) aplicou ao caso as fórmulas constantes das duas tabelas, (ii) com dedução da percentagem de 33,33%, correspondente àquilo que o lesado gastaria consigo próprio, e (iii) corrigiu o resultado da aplicação das fórmulas, convocando critérios de equidade. I. — Em primeiro lugar, aplicou ao casos concreto as fórmulas de tabelas: — a fórmula da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio de 2008, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 26 de Junho de 2009, fê-la chegar à quantia de 110.804,21 euros; — a fórmula constante do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 2007m proferido no processo n.º 07A3836 [4], fê-la chegar à quantia de 106.799,89 euros. II. — Em segundo lugar, deduziu de cada uma das quantias a percentagem de 33,33%, correspondente àquilo que o lesado gastaria consigo próprio. Com a aplicação da fórmula constante das Portarias n.º 377/2008 e n.º 679/2009, conclui que a indemnização dos danos patriminiais deveria corresponder à quantia de 73.869,48 euros; com a aplicação da fórmula constante do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 2007, conclui que a indemnização deveria corresponder à quantia de 71.199,93 euros. III. — Em terceiro lugar, corrigiu o resultado convocando critérios de equidade:
“considerando que a IPP [= incapacidade parcial permanente] se prolongará para além da idade da reforma, considerando o tendencial aumento da idade da reforma e da própria esperança de vida, o aumento da inflação, o tendencial agravamento da limitação com o aumento da idade, a circunstância especial de o A. ser cirurgião, e o facto de o mesmo em nada ter contribuído para o acidente, entend[eu] adequado atribuir o montante de 140.000,00 euros a título de indemnização pelos danos futuros”.
5. O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a sentença da 1.ª instância, considerando que “os factores atendidos na sentença recorrida [eram] perfeitamente justos e equilibrados” e que o resultado da aplicação dos factores atendidos — 140 000 euros — era um “valor ponderado e objectivamente equilibrado”.
6. A Recorrente insurge-se contra a quase duplicação do resultado da aplicação das tabelas, com dedução da percentagem de 33% — de 73.869,48 euros para 140 000 euros — e contra os argumentos deduzidos para explicar / para justificar a quase duplicação. Quanto à duplicação, ou quase duplicação, do resultado da aplicação das tabelas, dir-se-á que os critérios de equidade são incompatíveis com uma fixação abstracta de limites mínimos e máximos. O facto de as instâncias terem condenado a Ré em indemnização que quase duplica o resultado da aplicação das tabelas seja, só por si, insuficiente para que deva formular-se um juízo de censura sobre o acórdão recorrido. Quanto aos argumentos deduzidos para explicar / para justificar a quase duplicação do resultado, dir-se-á em todo o caso o seguinte: I. — A circunstância especial de o Autor, agora Recoreido, ser cirurgião está ligada a elementos como a “evolução provável na situação profissional do lesado” ou como o “aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível”. II. — O argumento do previsível aumento da idade da reforma não fica prejudicado pela circunstância de as Portarias n.º 377/2008 e n.º 679/2009 determinarem que deve atender-se à idade de reforma de 70 anos e o argumento do previsível aumento da inflação, no período considerado, não fica prejudicado pela circunstância de actualmente quase não haver inflação. O período considerado é extenso, é extensíssimo — 36 anos —, e é altamente improvável que ao longo do período considerado não haja nunca uma inflação significativa. III. — O facto de o Autor, agora Recorrido, ser cirurgião deverá relacionar-se com o facto de a incapacidade parcial permanente se prolongar para além da idade da reforma. As instâncias não se referem aos danos previsíveis depois da reforma e sim aos danos previsíveis depois da idade da reforma; ora, em algumas profissões, como a de médico, é frequente que continue a prestar-se serviço, e serviço remunerado, depois da idade da reforma. O raciocínio simplista, sugerido pela Ré, “se já estava reformado, a questão [do dano patrimonial futuro] não se colocaria, porque o Autor já não estaria a trabalhar”, não pode, por consequência, subscrever-se. IV. — A circunstância de o Autor, agora Recorrido, “em nada ter contribuído para o acidente”, essa, é em princípio juridicamente irrelevante para a determinação do dano. Em todo o caso, a fundamentação da sentença e do acórdão sugerem que não terá tido peso significativo na correcção dos resultados das tabelas em função de critérios de equidade.
7. Em relação ao segundo problema, à alternativa entre o rendimento bruto e o rendimento líquido, o acórdão recorrido argumenta que o art. 64.º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, na redacção do Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de Agosto, foi julgada inconstitucional.
“Face a este juízo de inconstitucionalidade […],” escreve-se no acórdão recorrido — “impõe-se a não aplicação, ao caso dos autos, do disposto no nº 7 do art. 64.º do DL nº 291/2007, de 21.08, devendo ser considerados os montantes brutos das retribuição apurada nos autos para efeitos de fixação da devida indemnização, tal como considerou a sentença recorrida”.
8. O Tribunal da Relação chama ao caso dois acórdãos do Tribunal Constitucional — o acórdão n.º 383/2012, de 12 de Julho de 2012, e o acórdão n.º 273/2015, de 19 de Maio de 2015. Em cada um dos dois arestos decidiu-se “julgar […] inconstitucional […] a interpretação normativa extraída do n.º 7 do artigo 64.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de Agosto, correspondente ao entendimento segundo a qual, nas acções destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado, no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao mesmo, o tribunal apenas pode valorar os rendimentos líquidos auferidos à data do acidente, que se encontrem fiscalmente comprovados, após cumprimento das obrigações declarativas legalmente fixadas para tal período”.
I. — O acórdão n.º 383/2012, de 12 de Julho de 2012, qualificou a inconstitucionalidade como material. O art. 64.º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, seria inconstitucional por violar dois direitos fundamentais: por violar o direito à justa reparação dos danos, decorrente do art. 2.º da Constituição da República Portuguesa, e por violar o direito à tutela jurisdicional efectiva, “na vertente da garantia de um processo equitativo”, decorrente do art. 20.º, n.º 4, em ligação com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. II. — O acórdão n.º 273/2015, de 19 de Maio de 2015, qualificou a inconstitucionalidade como orgânica, com o argumento de que “[a] limitação da liberdade probatória […] significa […] cercear a possibilidade de demonstrar em juízo que se tem razão, impedindo-se, desse modo, que o tribunal possa chegar a uma apreciação exata da realidade fáctica; “corresponde a uma restrição ao direito à tutela jurisdicional efectiva”; e, como corresponde a uma restrição, está sujeita à reserva de lei em sentido formal — só pode resultar de uma lei da Assembleia da República ou de um decreto-lei autorizado do Governo [art. 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa]:
“Não foi isso que sucedeu no caso presente, visto que o Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de agosto, foi aprovado ao abrigo da competência legislativa genérica do Governo (cfr. o artigo 198.º, n.º 1, alínea a), da Constituição). Consequentemente, o artigo 1.º do citado Decreto-Lei n.º 153/2008 — preceito que altera o Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, aditando ao artigo 64.º deste último o n.º 7 aqui em análise — enferma de inconstitucionalidade orgânica por versar matéria integrada na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República”.
Constatada a inconstitucionalidade orgânica, o Tribunal Constitucional considerou-se dispensado de apreciar a inconstitucionalidade material.
O acórdão teve, em todo o caso, uma declaração de voto do relator — Conselheiro Pedro Machete — em que se sustentava que havia, cumulativamente, uma inconstitucionalidade orgânica e uma inconstitucionalidade material: inconstitucionalidade orgânica, por violação do art. art. 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa; inconstitucionalidade material, por violação do art. 13.º, n.º 1, da Constituição da Republica Portuguesa, na vertente de princípio da proibição do arbítrio.
III. — Em conformidade com os acórdãos n.º 383/2012 e n.º 273/2015 foi proferida nos presentes autos a decisão sumária do Tribunal Constitucional n.º 520/2018, de 19 de Julho de 2018 (fls. 979-982).
9. O sentido dos acórdãos n.º 383/2012 e n.º 273/2015 foi confirmado recentemente pelo acórdão n.º 565/2018, de 7 de Novembro de 2018. Conjugando os argumentos em favor da inconstitucionalidade orgânica deduzidos no acórdão n.º 273/2015 e os argumentos no sentido da inconstitucionalidade material deduzidos na declaração de voto junta ao acórdão n.º 273/2015, o Tribunal Constitucional decidiu
“julgar inconstitucional, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias prevista no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição e do princípio da igualdade consignado no seu artigo 13.º, n.º 1, a norma do n.º 7 do artigo 64.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de agosto, correspondente ao entendimento segundo o qual, nas ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado, no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao mesmo, o tribunal apenas pode valorar os rendimentos líquidos auferidos à data do acidente, que se encontrem fiscalmente comprovados, após cumprimento das obrigações declarativas legalmente fixadas para tal período”.
10. Face ao exposto, pergunta-se: a doutrina acolhida nos três acórdãos do Tribunal Constitucional — n.º 383/2012, n.º 273/2015 e n.º 565/2018 — determinará que deva abandonar-se a referência ao rendimento líquido do lesado, em favor da referência ao rendimento bruto, para efeitos de cálculo da indemnização dos danos patrimoniais futuros?
I. — O art. 64.º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 291/2007, na redacção do Decreto-Lei n.º 153/2008, é do seguinte teor:
“Para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao lesado, o tribunal deve basear-se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente que se encontrem fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações declarativas relativas àquele período, constantes de legislação fiscal”.
O texto deve analisar-se em dois segmentos autónomos ou, em todo o caso, autonomizáveis. Em primeiro lugar, diz que, “[p]ara efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais… o tribunal deve basear-se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente”. Em segundo lugar, diz que “o tribunal deve basear-se nos rendimentos… que se encontrem fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações declarativas relativas àquele período, constantes de legislação fiscal”. II. — O juízo de inconstitucionalidade não incidiu sobre o primeiro segmento; não incidiu sobre a parte do art. 64.º n.º 7, em que se determina que o tribunal deve basear-se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente; incidiu sobre o segundo, e só sobre o segundo; incidiu sobre a parte do art. 64.º, n.º 7, em que se determina que o tribunal deve basear-se nos rendimentos que se encontrem fiscalmente comprovados, e só sobre a parte em que se determina que o tribunal deve basear-se nos rendimentos que se encontram fiscalmente comprovados. O facto de o art. 64.º, n.º 7, dizer que o tribunal deve basear-se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente não implica nenhuma limitação da liberdade probatória; o facto de dizer que o tribunal deve basear-se nos rendimentos que se encontrem fiscalmente comprovados, sim — “significa […] cercear a possibilidade de demonstrar em juízo que se tem razão, impedindo-se, desse modo, que o tribunal possa chegar a uma apreciação exacta da realidade fáctica” [5].
11. Entendendo, como entendemos, que os três acórdãos do Tribunal Constitucional não determinam que deva abandonar-se a referência ao rendimento líquido do lesado, o cálculo da indemnização por danos patrimoniais futuros deverá conformar-se com os critérios conformados pela lei e pela jurisprudência — designadamente, pelo Supremo Tribunal de Justiça. Entre os critérios constantes na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça estão o de que a aplicação das fórmulas constantes tabelas da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio de 2008, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 26 de Junho de 2009, e / ou do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 2007 deve atender ao rendimento líquido do lesado e o de que o resultado da aplicação das fórmulas deverá corrigir-se, considerando critérios de equidade.
12. O princípio de que, na fixação da indemnização por danos patrimoniais futuros, deverá atender-se ao rendimento líquido do lesado decorre dos princípios gerais dos arts. 562.º ss. do Código Civil e, por consequência, deverá aplicar-se independentemente da regra do art. 64.º n.º 7, do Decreto-Lei n.º 291/2007, na redacção do Decreto-Lei n.º 153/2008. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 2013, proferido no processo n.º 2395/06.3TJVNF.P1.S1, diz que “no cálculo da indemnização por danos patrimoniais decorrentes da perda da capacidade de ganho deve ser considerado, entre outros factores, o salário líquido (e não o bruto) recebido pelo lesado”; o acórdão de 7 de Fevereiro de 2013, proferido no processo n.º 3557/07.1TVLSB.L1.S1, e o acórdão de 19 de Outubro de 2016, proferido no processo n.º 1893/14.0TBVNG.P1.S1, dizem que “deve ser contabilizado o valor líquido do salário”, porque “assim o exige a teoria da diferença”; e, finalmente, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Maio de 2017, no processo n.º 806/12.8TBVCT.G1.S1, explica-se que
“o montante que o autor deixou de receber não foi o montante ilíquido, mas o montante líquido e, por isso, o ressarcimento não poderia nunca considerar o valor de retribuição ilíquido”.
A Ré, agora Recorrente pede que o acórdão recorrido seja substituído, em termos de se condenar numa indemnização consideravelmente inferior; alega que o rendimento bruto deve ser deduzido de, pelo menos, 25%, para se determinar o rendimento líquido; ainda que a Ré o alegue, não há nada nos factos provados que prove qual foi o rendimento líquido do Autor. O processo deverá, por consequência, baixar ao tribunal recorrido.
III. — DECISÃO
Pelo exposto, concede-se provimento à revista e revoga-se o acórdão recorrido, nos termos seguintes: I. — determina-se a baixa do processo ao tribunal a quo, para que seja liquidada a indemnização devida ao Autor por danos patrimoniais futuros; II. — determina-se que, ao liquidar a indemnização devida por danos patrimoniais futuros, o tribunal recorrido considere o rendimento líquido do lesado.
Custas pela Recorrente CC, Companhia de Seguros, SA, e pelo Recorrido AA, na proporção do respectivo decaimento.
Lisboa, 21 de Março de 2019
Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator) Paula Sá Fernandes Maria dos Prazeres Beleza _________________ [1] Mário Tavares Mendes / Joaquim de Sousa Ribeiro / Jorge Ferreira Sinde Monteiro, “Relatório do Conselho constituído para fixação dos critérios das indemnizações por morte das vítimas dos incêndios em Portugal, nos meses de junho e outubro de 2017”in: Revista da Faculdade de Direito e de Ciência Política da Universidade Lusófona do Porto, cit., pág. 144. [2] Cf. designadamente Maria da Graça Trigo, “Adopção do conceito de ‘dano biológico’ pelo direito português”, in: Revista da Ordem dos Advogados, vol. 72 (2012), págs. 147-178; ou Maria da Graça Trigo, Responsabilidade civil. Temas especiais, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, págs. 69-87. [3] Expressão dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Novembro de 2016 — processo n.º 175/05.2TBPSR.E2.S1 — e de 25 de Maio de 2017 — processo n.º 868/10.2TBALR.E1.S1. [4] Citado, designadamente, pelos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Novembro de 2016 — processo n.º 175/05.2TBPSR.E2.S1 —, de 25 de Maio de 2017 — processo n.º 868/10.2TBALR.E1.S1 —, de 14 de Junho de 2018 — processo n.º 8543/10.1TBCSC.L1.S1 — e de 25 de Outubro de 2018 — processo n.º 2416/16.1T8BRG.G1.S1. [5] Em todo o caso, ainda que a inconstitucionalidade atingisse o segmento em que se diz que o tribunal deve basear-se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente, sempre se poderia dizer, como diz o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Janeiro de 2019, proferido no processo n.º 1649/14.14.0T8VCT.G1.S1, que “[a] circunstância de a norma ser julgada organicamente inconstitucional […] não impede que a norma que o juiz construir (se for esse o caso) tenha idêntico alcance normativo, nem que, perante o conjunto das normas previstas na legislação vigente, designadamente no Código Civil se entenda que o cálculo do montante da indemnização por danos patrimoniais devida ao lesado deve ser determinado com base nos rendimentos líquidos por ele auferidos na data do acidente, posto que o dano por ele sofrido corresponde somente ao que ele deixou de auferir e não também às receitas (impostos) do erário público (arts. 562.º, 564.º, e 566.º do Código Civil)”. |