Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | RUI MACHADO E MOURA | ||
| Descritores: | SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA CUMPRIMENTO INCUMPRIMENTO DECISÃO JUDICIAL RUÍDO OBRAS BOA FÉ ABUSO DO DIREITO PRESSUPOSTOS OBRIGATORIEDADE DE PAGAMENTO | ||
| Data do Acordão: | 01/16/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
| Sumário : | I - A sanção pecuniária compulsória a que alude o art. 829.º-A do CPC, gera uma nova obrigação a obrigação de pagar uma quantia por cada período de atraso ou por cada infracção acessória da obrigação principal, objecto de condenação no cumprimento, no caso de o devedor resistir à injunção do tribunal e se recusar a cumprir a obrigação objecto da condenação principal. II - Por isso, a sanção pecuniária compulsória apenas será devida se o devedor, apesar de poder, não cumpre - de todo - com a obrigação principal a que está vinculado por decisão judicial. III - No caso em apreço, atenta a factualidade apurada nos autos, verificamos que a executada/recorrente contratou uma empresa profissional especializada para fazer as obras relativas ao ruído do posto de lavagem de viaturas, a qual lhe foi indicada pelos exequentes, obras essas que foram realizadas com o intuito de cumprir escrupulosamente o acórdão condenatório, sendo que a empresa que as efectuou garantiu que o ruído, após as obras, ficava resolvido. IV - Assim sendo, constatamos que a executada/recorrente esteve sempre de boa-fé em todo este processo, não tendo a sua conduta demonstrado qualquer intenção de não cumprir ou desobedecer ao que tinha sido determinado no acórdão acima referido, pelo que não estão verificados, de todo, os pressupostos para a sua condenação numa sanção pecuniária compulsória. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Nos presentes autos de execução de sentença, para prestação de facto, intentada por AA, BB, CC, DD e EE contra Rochio - Combustíveis e Lubrificantes, Lda., FF e GG, apresentaram aqueles como título executivo a sentença judicial que condenou a R. Rochio a dotar o sistema de lavagem de automóveis de vedações completas e estanques, o que implica a execução de isolamento acústico da respectiva estrutura, por todos os seus lados, que impeçam, em absoluto, a emissão de ruídos para o prédio dos AA., mantendo-se a decisão relativa à fixação da sanção pecuniária compulsória do valor de 500,00€ por cada dia que passe, a partir do trânsito em julgado da sentença, em que continue a utilizar o sistema de lavagem nas condições actualmente existentes ou qualquer outro que produza ruído para o prédio dos AA. (…) bem como a pagar a referida sanção pecuniária compulsória, pagamento este que é devido desde o trânsito em julgado do acórdão da Relação do Porto, que ocorreu em 16 de Janeiro de 2020, a qual corresponde a 500,00€ diários. Mais requereram nos termos do nº 1, do art. 868º do C.P.C., a fixação de indemnização aos exequentes pelo dano sofrido com o não cumprimento da obrigação exequenda, que deve computar-se em 5.000,00€ por cada semana que os executados permaneçam sem cumprir o que lhes foi determinado pelo acórdão que se executa. Devidamente citados vieram os executados deduzir embargos de executados, nos quais, por sentença datada de 29-06-2021, foi decidido: 1) Julgar os presentes embargos de executado improcedentes, no que tange ao alegado cumprimento integral da prestação de facto em causa, determinando a prossecução da execução para prestação de facto de que estes constituem um apenso com a penhora de bens suficientes para custear a obra a realizar para dar cumprimento integral ao acórdão dado à execução, fixando a quantia exequenda em € 4.000,00 (quatro mil euros), incluindo IVA, acrescida de juros moratórios, à taxa legal de 4% ao ano, a contar da notificação desta sentença e até integral pagamento, bem como custas, incluindo honorários e despesas da Srª agente de execução (cfr. art. 541º do C.P.C.); 2) Absolver os embargantes/executados do pagamento da sanção pecuniária compulsória reclamada pelos embargados/executados, no requerimento executivo, por não ser devida. Por despacho datado de 16-11-2021 foi determinado que os srs. peritos que realizaram a perícia colegial determinada no referido apenso de embargos de executado, elaborem complemento dessa perícia no sentido de apurar que obras foram entretanto realizadas no local em causa nos autos e ainda se as mesmas cumprem, ou não, integralmente, o determinado no acórdão dado á execução. Após junção do determinado complemento da perícia, em 27-01-2023, requereram os exequentes que seja ordenado aos executados que procedam de imediato às obras necessárias para o efeito, fixando-se-lhes prazo não superior a 30 dias para a sua concretização. Além disso, dada a teimosia dos executados, abundantemente evidenciada, no cumprimento da sentença, requereram os exequentes, mais uma vez, que seja fixada sanção pecuniária compulsória, de efeito compulsivo bastante, de modo a propiciar que, desta feita, seja a dita sentença efectivamente cumprida nos seus precisos termos. Por despacho datado de 01-03-2023, foi decidido indeferir o requerido pelos exequentes, no requerimento com data de 27-01-2023, por inexistência de fundamento legal, determinando-se que o processo executivo segue agora a tramitação estatuída no art. 870.º do C.P.C., devendo o custo da prestação ser indicado pelos srs. peritos, seguindo o ritualismo da execução para pagamento da quantia certa. Assim, em 20-04-2023, vieram os exequentes deduzir o respectivo incidente de liquidação de indemnização pela mora no cumprimento, assim como da sanção pecuniária vencida pelo atraso no cumprimento, ao abrigo do disposto nos arts. 292º, 358º e 359º do C.P.C., no qual pediram que os executados sejam condenados: a) a pagarem o montante da sanção pecuniária compulsória relativo ao período de 17 de Setembro de 2021 até 12 de Abril de 2023, período em que mantiveram em funcionamento o seu posto de lavagem de automóveis sem terem cumprida a imposição do acórdão exequenda, quanto à sua vedação e isolamento acústico, que ascende a 286,000.00€, montante este do qual os exequentes são credores de metade, ou seja, de 143,000.00€; b) a pagarem aos exequentes uma indemnização pelos danos morais e materiais correspondentes ao facto de os perturbarem no direito ao seu bem estar, conforto, saúde e sossego, assim prejudicando a habitabilidade do seu imóvel, o que contende com o art. 65º, nº 1, da Constituição da República e o art. 70º, nº 1, do C. Civil, e é punido pelo art. 143º, nº 1, do C. Penal, no que se refere à saúde, indemnização essa que computam no valor de 143,000,00€; c) A pagarem aos exequentes uma indemnização pelo acréscimo de honorários a pagarem ao seu mandatário, que se computa em 4.000,00€, motivadas pela sua litigância de má fé; d) Em multa adequada, igualmente pela sua litigância de má fé. Notificados para se pronunciarem sobre tal incidente de liquidação vieram os executados deduzir oposição, na qual pugnaram pela improcedência dos montantes peticionados pelos exequentes. Foi realizada inquirição de testemunhas e, de seguida, foi proferida decisão, datada de 21-09-2023, que declarou improcedente o incidente de liquidação formulado pelos exequentes, relativo à indemnização pela mora no cumprimento, assim como da sanção pecuniária vencida pelo atraso no cumprimento e de condenação dos executados como litigantes de má fé. Inconformados com tal decisão dela apelaram os exequentes para a Relação do Porto que, por acórdão datado de 09-11-2023, decidiu anular a sentença recorrida, devendo o tribunal responder expressamente ao alegado no art.17º do requerimento inicial dos exequentes e, se necessário, alterar a factualidade julgada como não provada. Depois de produzida prova no tribunal de 1ª instância foi proferida nova sentença, datada de 28-02-2024, na qual se decidiu (uma vez mais) declarar improcedente o presente incidente de liquidação de indemnização pela mora no cumprimento, assim como da sanção pecuniária compulsória vencida pelo atraso no cumprimento e de condenação dos executados como litigantes de má fé. Novamente inconformados com esta decisão vieram os exequentes apelar da mesma para a Relação do Porto que, por acórdão datado de 04-07-2024, decidiu o seguinte: I - Pela procedência parcial do recurso: - a. eliminar o ponto a) do elenco dos factos não provados, aditando-se ao elenco dos factos provados o ponto 19, com o seguinte teor: «Durante o período de 17-9-2021 a 12-4-2023, os ruídos continuaram a propagar-se para o prédio dos Exequentes»; - b. fixar em € 190.000,00 o valor da sanção pecuniária compulsória devida pela executada “Rochio – Combustíveis e Lubrificantes, Ldª”, por força da utilização, entre 17 de Setembro de 2021 e 12 de Abril de 2023, do sistema de lavagem de veículos em violação do imposto na decisão final transitada em julgado no âmbito do processo nº 1386/15.8..., valor devido aos exequentes e ao Estado na proporção de ½ para cada um; II- Julgar improcedente o recurso na parte restante, nesse remanescente mantendo a decisão recorrida. A executada “Rochio – Combustíveis e Lubrificantes, Lda.” não se conformando com este acórdão, interpôs recurso de revista para o STJ, sendo que, tendo em conta o valor da causa e da sucumbência, a legitimidade da recorrente, a natureza e o conteúdo do acórdão recorrido e, bem assim, a tempestividade da impugnação, conclui-se pela admissibilidade do recurso de revista apresentado, nos termos do disposto nos arts. 629.º nº1, 631.º nº1, 671.º nº1 e 674.º nº 1 alínea a), todos do C.P.C. Ora, em tal recurso a sociedade executada apresentou as suas alegações, terminando as mesmas com as seguintes conclusões: 1ª A executada não pode ser condenada a pagar a quantia de €190.000,00, a título de sanção pecuniária compulsória, por emitir um ruído que não perturba o bem estar, o conforto, a saúde e o sossego de quem habita o imóvel em causa. 2ª A executada não pode ser condenada a pagar uma sanção pecuniária compulsória quando ela contratou uma empresa profissional especializada para fazer as obras e fez as obras até ao milímetro para cumprir escrupulosamente o acórdão condenatório e a empresa lhe garantiu que o ruído com as obras ficava resolvido 3ª Não pode ser valorado o depoimento dos peritos a avaliar o ruído que nunca entraram no dito prédio a fim de aquilatar a audição do ruído no período temporal identificado, como consta do acórdão. 4ª A decisão final transitada em julgado no âmbito do P.1386/15.8... do Tribunal da Relação carece de ser devidamente interpretada, pois a emissão de ruído não é, em si, um ato ilícito; assim sendo, ninguém pode ser proibido de emitir ruído em absoluto e, consequentemente, não pode ser condenado por um tribunal a não emitir ruído em absoluto; apesar de esta expressão ter sido usada pela Relação do Porto, ela tem de ser entendida no contexto de uma decisão orientada pelo art. 70.º, que não proíbe, em absoluto, seja quem for de emitir ruído, mas protege as pessoas contra o excesso de ruído, o ruído que impede as pessoas de descansar, de repousar, de, em suma, desfrutar de um ambiente saudável; 5ª Não existe, por isso, qualquer fundamento para aplicar à executada a sanção pecuniária compulsória prevista no primeiro acórdão da Relação do Porto de 22 de maio de 2019. 6ª O acórdão da Relação do Porto de 4 de julho de 2024, se entendido à letra, viola a liberdade pessoal dos Demandados (art. 47.º da Constituição) e a garantia constitucional de defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, bem como o direito a um processo equitativo (art. 20.º, n.º 1 e n.º 4, da Constituição). 7ª Além disso, e com os mesmos fundamentos, viola os arts. 5.º (direito à liberdade e à segurança) e 6.º (direito a um processo equitativo) da Declaração Universal dos Direitos Humanos; 8ª Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente, absolvendo-se a executada de todos os pedidos, em inteiro ato de Justiça. Pelos exequentes não foram apresentadas contra-alegações. Foram colhidos os vistos junto dos Ex.mos Juízes Adjuntos. Cumpre apreciar e decidir: Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º nº 1 do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem. Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na decisão for desfavorável à recorrente (art. 635º nº3 do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº4 do mesmo art. 635º). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso. No caso em apreço emerge das conclusões do recurso apresentadas pela executada “Rochio – Combustíveis e Lubrificantes, Lda.”, aqui recorrente, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se o acórdão recorrido padece de erro de julgamento na fixação da sanção pecuniária compulsória no montante de € 190.000,00 em que foi condenada a referida executada, por força da utilização, entre 17 de Setembro de 2021 e 12 de Abril de 2023, do sistema de lavagem de veículos, em violação do que havia sido determinado na sentença, já transitada em julgado, no âmbito do P.1386/15.8... Antes de nos pronunciarmos sobre a questão supra referida importa ter presente a factualidade que foi dada como provada nas instâncias, a qual, de imediato, passamos a transcrever: 1 - Foi apresentada à execução de que estes autos constituem um apenso, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, transitado em julgado, na acção declarativa, que correu termos com o nº 1386/15.8..., no Juízo Local Cível da ..., J1, cuja decisão tem o seguinte teor: “DECISÃO Pelo exposto, acordam as Juízas que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso dos Autores e improcedente o dos Réus, e em consequência, condenam a Ré a dotar o sistema de lavagem de automóveis de vedações completas e estanques, o que implica a execução de isolamento acústico da respectiva estrutura, por todos os seus lados, que impeçam, em absoluto, a emissão de ruídos para o prédio dos Autores, mantendo-se a decisão relativa à fixação da sanção pecuniária compulsória do valor de 500,00€ por cada dia que passe, a partir do trânsito em julgado da sentença, em que continuem a utilizar o sistema de lavagem nas condições actualmente existentes ou qualquer outro que produza ruído para o prédio dos Autores, bem como a absolvição dos Autores do pedido reconvencional” (cfr. Acórdão da Relação do Porto junto com o requerimento executivo, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido). 2 - O Acórdão referido em 1- foi integralmente confirmado no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual proferiu Acórdão, em 7-11-2019, que negou provimento ao recurso de revista interposto pelos aqui embargantes/executados e manteve integralmente tal Acórdão aludido em 1- (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça junto com o requerimento executivo, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido). 3 - Logo que a embargante Rochio recebeu o Acórdão do STJ, em 13-11-2019, contactou a empresa “S..., Lda”, especializada no isolamento acústico, e entregou-lhe o acórdão para esta proceder a um estudo quanto às obras a realizar pela embargante para cumprir o mesmo. 4 - Essa empresa foi recomendada pelo técnico dos embargados e pela sua competência técnica especializada no isolamento acústico. 5 - Essa empresa garantiu que com as obras propostas pela mesma, que constam do estudo junto como doc. 1 com a petição inicial nestes autos, o problema da emissão de ruídos ficava resolvido (cfr. doc. 1 junto com a petição inicial nestes autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido). 6 - A embargante adjudicou a essa empresa tais obras, as quais ficaram concluídas em 6-01-2020. 7- Concluídas as obras, a mandatária dos embargantes comunicou ao mandatário dos embargados a sua realização, por e-mail datado de 7-01-2020, nos termos seguintes: “a minha constituinte já efectuou as obras de isolamento acústico do Jet Wash. As obras foram efectuadas pela empresa “S..., Lda”, uma empresa especialista no sector, que aliás foi indicada pelo técnico dos seus clientes que esteve presente na última reunião que tivemos no local para encontrarmos uma solução…” (cfr. doc. 2 junto com a petição inicial nestes autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido). 8- Em 15 de Janeiro de 2020, por e-mail, o mandatário dos embargados respondeu a esse e-mail, nos seguintes termos: “contrariamente ao que diz no seu correio electrónico de 7 de Janeiro, verifiquei ontem por visita efectuada ao local que nada de relevante foi feito que de modo algum possa evitar os ruídos causadores de incómodo para os habitantes da casa dos meus clientes. A vedação estanque do espaço não foi efectuada por qualquer forma, pelo que vou de imediato instaurar processo de execução…” (cfr. doc. 3 junto com a petição inicial nestes autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido). 9- No dia 16 de Janeiro de 2020, por e-mail, a mandatária dos embargantes esclareceu o mandatário dos embargados nos moldes que constam do doc. 4 junto com a petição inicial nestes autos, onde conclui: “(…) Agradeço assim que avalie a situação e me diga concretamente que ruído existe ainda no interior da casa do seu cliente” (cfr. doc. 4 junto com a petição inicial nestes autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido). 10- Os embargados não responderam ao e-mail referido em 11-. 11- No dia 2 de março de 2020, após serem citados para a presente execução nessa data, os embargantes encerraram o Jet Wash (equipamento de lavagem de veículos automóveis). 12- Os embargantes contactaram a empresa “S..., Lda” e comunicaram-lhes que os embargados exigiam o cumprimento integral do acórdão, ou seja, tapar completamente os lados norte e sul do túnel de lavagem, tendo essa empresa, perante esse contacto, reafirmado aos embargantes que o problema da emissão de ruídos para o prédio dos embargados estava resolvido. 13- Os embargantes pediram ainda à referida empresa “S..., Lda” uma proposta para tapar completamente por todos os lados o posto de lavagem em causa, a qual apresentou a proposta que constitui o doc. 9 junto com a petição inicial nestes autos (cfr. doc. 9 junto com a petição inicial do apenso A, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido). 14- O custo da obra necessária para dar cumprimento integral ao Acórdão referido em 1-, de acordo com o relatório pericial elaborado nestes autos, ascende a € 4.000,00, incluindo IVA (vide relatório pericial junto aos autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido). 15- Os Executados recomeçaram a lavagem de carros no posto de lavagem aqui em causa em 17 de Setembro de 2021, altura em que remeteram aqui aos autos requerimento anunciando que tinham concluído as obras. 16- No dia 18-4-2022, após ter sido determinado pelo tribunal, vieram os Senhores Peritos que realizaram a perícia constante do processo em apenso, esclarecer se os trabalhos se encontravam realizados, tenho dito o seguinte: - Perito da Autora/Exequente Na sentença proferida pelo Tribunal da Relação, condenam a Ré a: “ … dotar o sistema de lavagem de automóveis de vedações completas e estanques, o que implica a execução de isolamento acústico da respectiva estrutura, por todos os seus lados, que impeçam, em absoluto, a emissão de ruídos para o prédio dos Autores…” Acontece que precisamente do lado da Autora a estrutura não possui isolamento acústico eficaz. - Perito do Tribunal Por um lado na sentença proferida pelo Tribunal da Relação, condenam a Ré a: “dotar o sistema de lavagem de automóveis de vedações completas e estanques, o que implica a execução de isolamento acústico da respectiva estrutura, por todos os seus lados, que impeçam, em absoluto, a emissão de ruídos para o prédio dos Autores…” Para cumprir estritamente esta Sentença, salvaguardando o Alçado Sul – da Entrada – sem a qual a Cabina não funciona - há que substituir: • Alçado Poente As 6 placas intermédias em “thermoclear” por placas com sistema opaco Silentium PI75. • Alçado Nascente o As 6 placas intermédias em “thermoclear” por placas com sistema opaco Silentium PI75. o As 2 placas Sul em tiras de PVC por placas com sistema opaco Silentium PI75. Por outro lado na Proposta da Empresa Especializada “S..., Lda”, de 2020-03-05, no 2º parágrafo do preâmbulo da secção “1. ÂMBITO”, afirma-se: “ … (a questão acústica será irrelevante, porque já resolvida), …” (sic) e isto, realça o Perito, já antes da intervenção correspondente à Proposta. O Perito, na prossecução do cumprimento essencial da composição das 2 Posições – Tribunal da Relação e Especialista Acústico -, propõe que se faça apenas a intervenção no Alçado Poente, que é o que fica do lado da Autora/Exequente. Tal opção parece também ao Perito ir de encontro ao percebido na Resposta do Perito da Autora/Exequente. - Perito do Réu/Executado O Perito, na prossecução do cumprimento do Regulamento Geral do Ruído, DL 09/2007 de 17 de Janeiro, e conforme verificado no local com o Perito do Tribunal e posteriores medições com laboratório acreditado L0377 do IPAC e opinião transmitida a todos os peritos pelo Especialista Acústico - propõe que o executado é suficiente para cumprir Regulamento Geral do Ruído, DL 09/2007 de 17 de Janeiro. Se restarem dúvidas aos restantes peritos, proponho fazer uma medição de ruído de incomodidade, para definitivamente verificar se existe ou não incomodidade na habitação da autora”. 17- No dia 5 de janeiro de 2023, os Senhores Peritos esclareceram ainda que “(…) o isolamento acústico só pode ser obtido com a aplicação de material que possa dar garantias disso acontecer. Esse material poderá ser as placas com sistema opaco Silentium P175. Acrescentam ainda que, contrariamente do que é afirmado pelos executados, as placas termoclear não são adequadas para o isolamento acústico. Concluem afirmando que as placas termoclear existentes deverão ser substituídas por placas Silentium P175, bem como deverão preenchidos com o mesmo material as aberturas que subsistem entre os painéis, e deverão desenvolver-se até ao solo”. 18- No dia 12-4-2023, Rochio- Combustíveis e Lubrificantes, Lda. e outros, executados nos autos acima identificados vieram dizer que a empresa “S..., Lda” concluiu todos os trabalhos discriminados no Requerimento/Esclarecimento dos Senhores Peritos. 19- Durante o período de 17-9-2021 a 12-4-2023, os ruídos continuaram a propagar-se para o prédio dos Exequentes (facto aditado pela Relação). Apreciando, de imediato, a questão suscitada pela executada, ora recorrente – saber se o acórdão recorrido padece de erro de julgamento na fixação da sanção pecuniária compulsória no montante de € 190.000,00 em que foi condenada a referida executada, por força da utilização, entre 17 de Setembro de 2021 e 12 de Abril de 2023, do sistema de lavagem de veículos, em violação do que havia sido determinado na sentença, já transitada em julgado, no âmbito do P.1386/15.8... (valor devido aos exequentes e ao Estado na proporção de 1⁄2 para cada um deles) – importa dizer a tal respeito que sustenta aquela que a decisão que a condenou em sanção pecuniária compulsória, proferida no P.1386/15.8..., carece de ser devidamente interpretada, sendo certo que a condenação neste incidente de liquidação não pode subsistir, uma vez que a executada contratou uma empresa profissional especializada para fazer as obras, as quais foram realizadas com o intuito de cumprir escrupulosamente o acórdão condenatório, tendo a empresa que as efectuou garantido que o ruído, após as obras, ficava resolvido e, por outro lado, não foi dado como provado que o ruído emitido perturbe o bem estar, o conforto, a saúde e o sossego de quem habita o imóvel em causa, propriedade dos exequentes. Antes de mais e por cautela, desde já se refira que a alegação que a recorrente faz na conclusão 3.ª não pode ser considerada impugnação da matéria de facto, pois a forma como alega não constitui uma verdadeira impugnação que permita o seu conhecimento, pois a mesma nem sequer invoca quais os factos que pretende ver reapreciados. Mas, ainda assim, sempre se dirá que, por força do disposto nos arts. 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do C.P.C., o recurso de revista mostra-se limitado à reapreciação da matéria de direito, sendo que a reapreciação da matéria de facto apenas tem lugar nos casos em que ocorra ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto, ou imponha a força de determinado meio de prova, com força probatória plena. Na verdade, a sindicância pelo STJ da matéria de facto mostra-se limitada, uma vez que está arredado do seu “campo de fiscalização” a decisão de facto que se mostra ancorada em meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador, podendo apenas actuar quando ocorre erro de direito na referida apreciação da prova, designadamente na prova pericial que não goza de força probatória plena e está sujeita à livre apreciação (cfr. arts. 396.º do C.C. e 489.º do C.P.C.), sendo que o STJ só poderá intervir correctivamente em caso de manifesta desadequação ou ilogicidade da sua fundamentação - cfr. neste sentido, entre outros, os Acs. do STJ de 21-03-2023, Revista n.º 549/21.1T8VCT-B.G1.S1 (in www.dgsi.pt); de 28-09-2023, Revista n.º 690/19.0T8VRL.G1.S1; e de 15-09-2022, Revista n.º 3664/16.0T8LRA.C1.S1 (estes dois últimos in juris.stj.pt). Temos, assim, que é matéria que não será conhecida, não só por não ter sido concreta e devidamente alegada, mas também por não poder ser sindicada por este STJ. Voltando agora ao tema que nos ocupa constata-se que no acórdão recorrido, para fundamentar a decisão sob censura - de condenação da executada no pagamento da sanção pecuniária compulsória - foi afirmado o seguinte: - (…) O mesmo já não se pode dizer quanto à actividade de lavagem de veículos na proximidade do imóvel dos recorrentes, que se re-iniciou a 17 de Setembro de 2021, propagando ruído em violação do comando judicialmente imposto [pontos 15- e 19- da matéria de facto provada]. Os recorrentes pretendem a aplicação do valor da sanção pecuniária diária fixada [€ 500,00] por cada dia que decorreu entre 17 de Setembro de 2021 e 12 de Abril de 2023. Mas não parece que assim deva ser. É que a condenação aplicada, nesta parte em concreto, coloca o seu acento tónico na utilização do sistema de lavagem - «por cada dia que passe (…) em que continuem a utilizar o sistema de lavagem»; trata-se de uma sanção por cada dia de utilização. Como se deixou claro, aliás, na sentença proferida no âmbito do apenso de embargos de executado - «Com efeito, esta sanção apenas tem lugar caso se provasse que os embargantes desrespeitaram tal decisão exequenda, estando o posto de lavagem em funcionamento». Nesta sequência, também, os recorrentes invocaram, no artigo 16º do requerimento com que deram início ao presente incidente, que os executados re-iniciaram a actividade de lavagem a 17 de Setembro de 2021, e «nunca mais interromperam a lavagem de carros até ao presente, 12/4/2023». Mas apenas temos por demonstrado que, «durante o período de 17-9-2021 a 12-4-2023, os ruídos continuaram a propagar-se para o prédio dos Exequentes» [ponto 19- da matéria de facto provada, agora aditado], sem se mostrar preciso se a utilização foi ou não feita em todos ou em cada um dos dias de tal período. Movemo-nos no âmbito de um incidente de liquidação, em que compete ao tribunal oficiosamente diligenciar pela fixação da quantia devida [nº 4 do artigo 360º do Código de Processo Civil], ainda que com recurso ao princípio da equidade [cfr, a este propósito, por todos, o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 10 de Maio de 2021, processo nº 35505/12.1YIPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.jstj.pt]. No caso não parece de todo possível obter com precisão o número de dias em que o sistema de lavagem foi utilizado em violação do comando judicial, ainda que com nova produção de prova sobre a matéria. Mas também não parece razoável supor que a utilização foi feita todos os dias entre Setembro de 2021 e Abril de 2023 – desde logo porque é comum constatar que este tipo de equipamentos se encontra encerrado pelo menos aos Domingos e Feriados. Estamos perante um período de 19 meses, sensivelmente correspondente a 570 dias. Tendo em conta a natureza da actividade em causa [utilização do sistema de lavagem de veículos pelos clientes de um posto de abastecimento de combustível] e o facto de bastar uma utilização em cada dia para se afirmar a obrigação de pagamento da sanção pecuniária compulsória, afigura-se razoável fixar em 2/3 daquele período o número de dias em que ocorreu violação da injunção judicial [ou seja, um total de 380 dias], fixando-se a quantia devida em [380 x 500 =] € 190 000,00. Este valor é devido aos exequentes e ao Estado, na proporção de ½ para cada [nº 3 do artigo 829º-A do Código Civil]. E, obviamente, este valor é apenas devido pela executada “Rochio – Combustíveis e Lubrificantes, Ldª”, por notoriamente ter sido apenas ela a abrangida pela condenação no pagamento da sanção pecuniária compulsória. Assim, importa saber se, no caso em apreço, deve ser mantida, ou não, a sanção pecuniária compulsória em que a executada/recorrente foi condenada, nos termos decididos no acórdão recorrido, questão que se reconduz à interpretação da sentença judicial dada à execução, em conjugação com todos os demais factos que foram apurados no presente incidente de liquidação Ora, a sentença exequenda, enquanto acto jurídico (cfr. art. 295.º do C.C.), mostra-se sujeita às regras de interpretação previstas nos arts. 236.º e ss. do C.C., pelo que tal sentença deve ser interpretada de acordo com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa depreender do texto - cfr., nesse sentido, entre outros, os Acs. do STJ de 26-05-2021, Revista n.º 1608/14.2T8SLV-A.E3.S1 (in juris.stj.pt) ; de 01-07-2021, Revista n.º 726/15.4T8PTM.E1.S1; e de 18-01-2022, Revista n.º 3396/14.3T8GMR.2.G1.S1 (estes dois últimos in www.dgsi.pt). A sentença em análise, que constitui título executivo, condenou a executada a dotar o sistema de lavagem de automóveis de vedações completas e estanques, o que implica a execução de isolamento acústico da respectiva estrutura, por todos os seus lados, que impeçam, em absoluto, a emissão de ruídos para o prédio dos AA. (aqui exequentes) e no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de 500,00€ por cada dia que passe, a partir do trânsito em julgado da sentença, em que continuem a utilizar o sistema de lavagem nas condições actualmente existentes ou qualquer outro que produza ruído para o prédio dos AA. A este propósito o art. 829.º-A do C.C., estipula, no seu n.º 1, que, “nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso”. E acrescenta, no seu n.º 2, que “a sanção pecuniária compulsória será fixada, segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar”, sendo que, nos termos do n.º 3, o seu montante reverte, em partes iguais, a favor do credor e do Estado. Ora, da análise deste normativo resulta que a sanção pecuniária compulsória apenas pode ser aplicada em obrigações de prestação de facto infungível – no caso impedir o funcionamento do sistema de lavagem de veículos, enquanto esta actividade produza ruídos para o prédio dos aqui exequentes. Não visa, assim, a fixação desta sanção, a realização das obras a que a executada também foi condenada, por se tratar de facto fungível, isto é, que pode ser realizado pelo próprio ou por outrem. Como é afirmado por Calvão da Silva, a sanção pecuniária compulsória gera uma nova obrigação – a obrigação de pagar uma quantia por cada período de atraso ou por cada infracção – acessória da obrigação principal, objecto de condenação no cumprimento, no caso de o devedor resistir à injunção do tribunal e se recusar a cumprir a obrigação objecto da condenação principal – cfr. Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, p. 407. Podemos, assim, concluir que a sanção pecuniária compulsória apenas será devida se o devedor, apesar de poder, não cumpre - de todo - a obrigação principal a que está vinculado por decisão judicial. No caso dos presentes autos, a executada estava adstrita à obrigação principal de dotar o sistema de lavagem de automóveis com vedações completas e estanques, com execução de isolamento acústico da respectiva estrutura, por todos os seus lados, que impeçam a emissão de ruídos para o prédio dos ora exequentes. E, estava, igualmente, adstrita à obrigação acessória, daquela principal, de impedimento de utilização do sistema de lavagem de automóveis sem que se mostrem realizadas as obras que impeçam a propagação de ruído para o prédio dos exequentes, tendo que pagar uma sanção pecuniária compulsória no valor de 500,00€ por cada dia de utilização nestes termos. Deste modo, constata-se que existe uma ligação directa e uma verdadeira interdependência entre aquela obrigação principal, a de realização das obras, e a obrigação acessória resultante da sanção pecuniária compulsória, o impedimento do funcionamento do sistema de lavagens enquanto esta actividade produza ruídos para o prédio dos exequentes. Ora, de acordo com a factualidade apurada no presente incidente - nomeadamente os pontos 3 a 6, 14, 15 e 18 dos factos provados - constata-se que a executada, em 13/11/2019, assim que foi notificada da decisão definitiva que forma o título executivo apresentado nos autos, veio a contactar a empresa “S..., Lda”, especializada no isolamento acústico, e entregou-lhe o acórdão em que tinha sido condenada, a fim desta empresa proceder a um estudo quanto às obras a realizar, com o intuito de cumprir com o que aí estava determinado. E, a este propósito, não será despiciendo salientar que a executada, na sua boa-fé, escolheu a empresa supra referida, não só porque foi recomendada pelo técnico dos exequentes, mas também pela sua competência técnica especializada no isolamento acústico, a qual lhe garantiu que, com as obras propostas, o problema da emissão de ruídos ficaria resolvido. Por isso, foi com base neste cenário que, a sociedade executada, adjudicou a essa empresa tais obras, as quais ficaram concluídas em 6/01/2020, tendo dado conhecimento de tal facto aos exequentes, os quais vieram dizer que, apesar das obras, os ruídos ainda se mantinham, pelo que a executada veio solicitar aos exequentes que fossem concretizados quais os ruídos que, afinal, ainda persistiam, muito embora não tenha obtido qualquer resposta dos exequentes – cfr. pontos 6 a 11 dos factos provados. Acresce que, no dia 2/03/2020, após serem citados para a presente execução, veio a sociedade executada a encerrar o equipamento de lavagem de veículos automóveis, tendo solicitado à dita empresa “S..., Lda” a realização de obras complementares com vista à eliminação total dos ruídos, as quais foram efectuadas e tiveram um custo de € 4.000,00, sendo concluídas em 17/09/2021, data em que a executada recomeçou a lavar carros no seu posto de lavagem e remeteu aos presentes autos (incidente de liquidação) um requerimento em que anunciava que tinham sido concluído as obras - cfr. pontos 12 a 15 dos factos provados. Posteriormente, em 18/04/2022, os peritos prestaram esclarecimentos ao tribunal, no sentido de se apurar se as obras em causa, levados a cabo pela dita empresa “S..., Lda” se encontravam devidamente realizadas - depreendendo-se das declarações do perito dos exequentes e do perito do tribunal que tal não se verificava, pois os ruídos, afinal, ainda não tinham sido totalmente eliminados - tendo aqueles referido, em esclarecimentos complementares que prestaram em 5/01/2023, quais os materiais que, em concreto, deviam ser utilizados e que davam garantias de se poder obter um isolamento acústico total do referido posto de lavagem E, uma vez mais, foi a aludida empresa “S..., Lda” incumbida de realizar todos os trabalhos que agora tinham sido discriminados pelos peritos, pelo que, 12/4/2023, a sociedade executada veio informar os autos, que os referidos trabalhos já se mostravam concluídos (de acordo com os ensinamentos e os esclarecimentos dos peritos em causa) – cfr. pontos 16 a 18 dos factos provados. Ora, a sanção pecuniária compulsória foi fixada por referência ao período de 17/09/2021 a 12/04/2023, data em que a executada já tinha concluído as obras de acordo com o determinado, quer na sentença exequenda, quer no relatório pericial realizado no âmbito dos embargos de executado e do presente incidente de liquidação, as quais terão tido um custo de € 4.000,00. Assim sendo, constata-se, de todo o circunstancialismo fáctico apurado nos autos, que a executada, em momento algum, se tentou furtar ao cumprimento do que foi determinado na sentença exequenda, pois, enquanto os ruídos do posto de lavagem perduraram, sem que fossem totalmente eliminados, contactou a empresa que lhe foi indicada pelos exequentes (S..., Lda) - o que, como vimos, ocorreu mais do que uma vez - no sentido da mesma proceder às obras que fossem necessárias para a eliminação total dos ruídos do posto de lavagem, não se eximindo, também, de suportar o pagamento das ditas obras. Por isso, resulta claro quanto a nós que todo este comportamento e actuação da sociedade executada e seus representantes foi sempre pautado pelos ditames da boa-fé, não demonstrando a sua conduta qualquer intenção de não cumprir, resistir ou até desobedecer ao que tinha sido determinado na sentença exequenda, sendo certo que a fixação da sanção pecuniária compulsória (cfr. art.829ºA do C.P.C.) efectuada em tal sentença apenas seria devida no pressuposto do devedor - “in casu” a sociedade executada - apesar de poder, não cumprir a obrigação principal a que estava vinculada o que, como vimos, não ocorreu. Na verdade, os factos carreados para os presentes autos (incidente de liquidação) demonstram que a executada envidou os esforços necessários para cumprir a obrigação principal determinada na sentença exequenda e directamente correlacionada com a sanção pecuniária que lhe foi fixada. Com efeito, não será demais aqui repetir que, através da realização das obras pela sociedade executada, por empresa que lhe foi aconselhada e sugerida pelos exequentes (“S..., Lda”), tendo a executada reiniciado a actividade de lavagem de carros, tão somente, após a realização daquelas obras, podemos concluir que a mesma não se recusou, de todo, a cumprir a obrigação objecto da condenação principal. Como se viu, a sociedade executada tratou logo de envidar esforços nesse sentido, contratando uma empresa que lhe foi indicada pelos exequentes para levar a cabo as obras, a qual as veio a realizar e concluir. E se, porventura, as obras iniciais não resolveram totalmente o problema do ruído emanado do posto de lavagem, vindo a ser complementadas com mais obras em dois períodos posteriores, a verdade é que os eventuais defeitos na sua realização não poderão ser imputados à sociedade executada, de todo, pois esta limitou-se a contratar uma empresa especializada para aquele efeito, assumindo integralmente os respectivos custos. Dito por outras palavras, temos que a executada, “Rochio- Combustíveis e Lubrificantes, Lda.” e seus representantes legais contrataram uma empresa profissional especializada para fazer as obras, sob a indicação dos exequentes, as quais foram realizadas com o intuito de cumprir escrupulosamente o acórdão condenatório, tendo a empresa que as efetuou garantido que o ruído, após as obras, ficava resolvido, sendo certo que a sociedade executada e os seus representantes legais estiveram sempre de boa-fé em todo este processo, como se constata, aliás, de toda a factualidade apurada nos autos (veja-se, entre outros, os seguintes factos: (7) - Concluídas as obras, a mandatária dos embargantes comunicou ao mandatário dos embargados a sua realização; (8) o mandatário dos embargados respondeu a esse e-mail, nos seguintes termos: “contrariamente ao que diz no seu correio electrónico de 7 de Janeiro, verifiquei ontem por visita efectuada ao local que nada de relevante foi feito que de modo algum possa evitar os ruídos causadores de incómodo para os habitantes da casa dos meus clientes; (9) por e-mail, a mandatária dos embargantes esclareceu o mandatário dos embargados “(…) Agradeço assim que avalie a situação e me diga concretamente que ruído existe ainda no interior da casa do seu cliente”; (10) Os embargados não responderam ao e-mail referido; (11) No dia 2 de março de 2020, após serem citados para a presente execução nessa data, os embargantes encerraram o Jet Wash (equipamento de lavagem de veículos automóveis); (12) Os embargantes contactaram a empresa “S..., Lda” e comunicaram-lhes que os embargados exigiam o cumprimento integral do acórdão; (13) Os embargantes pediram ainda à referida empresa “S..., Lda” uma proposta para tapar completamente por todos os lados o posto de lavagem em causa; (16) Perito do Réu/Executado O Perito, Se restarem dúvidas aos restantes peritos, proponho fazer uma medição de ruído de incomodidade, para definitivamente verificar se existe ou não incomodidade na habitação da autora”; (17) No dia 5 de janeiro de 2023, os Senhores Peritos esclareceram ainda que “(…) o isolamento acústico só pode ser obtido com a aplicação de material que possa dar garantias disso acontecer; (18) No dia 12-4-2023, Rochio- Combustíveis e Lubrificantes, Lda. e outros, executados nos autos acima identificados vieram dizer que a empresa “S..., Lda” concluiu todos os trabalhos discriminados no Requerimento/Esclarecimento dos Senhores Peritos). Deste modo, ao contrário do que foi sustentado no acórdão sob censura, entendemos ser excessivo afirmar e reconhecer que o devedor - a sociedade executada - apesar de poder, não cumpriu a obrigação principal a que estava vinculado, pois, ao invés, cremos que será de afastar, “in totum”, a aplicação de qualquer sanção pecuniária compulsória, uma vez que não será razoável exigir da referida sociedade executada e dos seus representantes legais outra conduta, diversa da apurada nos autos, a qual é reveladora de que os mesmos não podiam fazer mais. Assim sendo, atentas as razões e os fundamentos supra explanados, forçoso é concluir que o aresto recorrido não se poderá manter, na parte em que condenou a executada “Rochio – Combustíveis e Lubrificantes, Lda.”, a pagar uma sanção pecuniária no valor de € 190.000,00, revogando-se o mesmo em conformidade. *** Finalmente, atento o estipulado no nº 7 do art.663º do C.P.C. passamos a elaborar o seguinte sumário: - A sanção pecuniária compulsória a que alude o art.829ºA do C.P.C. gera uma nova obrigação – a obrigação de pagar uma quantia por cada período de atraso ou por cada infracção – acessória da obrigação principal, objecto de condenação no cumprimento, no caso de o devedor resistir à injunção do tribunal e se recusar a cumprir a obrigação objecto da condenação principal. - Por isso, a sanção pecuniária compulsória apenas será devida se o devedor, apesar de poder, não cumpre - de todo - com a obrigação principal a que está vinculado por decisão judicial. - No caso em apreço, atenta a factualidade apurada nos autos, verificamos que a executada/recorrente contratou uma empresa profissional especializada para fazer as obras relativas ao ruído do posto de lavagem de viaturas, a qual lhe foi indicada pelos exequentes, obras essas que foram realizadas com o intuito de cumprir escrupulosamente o acórdão condenatório, sendo que a empresa que as efectuou garantiu que o ruído, após as obras, ficava resolvido. - Assim sendo, constatamos que a executada/recorrente esteve sempre de boa-fé em todo este processo, não tendo a sua conduta demonstrado qualquer intenção de não cumprir ou desobedecer ao que tinha sido determinado no acórdão acima referido, pelo que não estão verificados, de todo, os pressupostos para a sua condenação numa sanção pecuniária compulsória. *** Decisão: Pelo exposto acordam os Juízes que constituem este Tribunal em julgar procedente o presente recurso de revista e, em consequência, revoga-se o acórdão recorrido na parte em que condenou a executada “Rochio – Combustíveis e Lubrificantes, Lda.” no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de € 190.000,00 €. Custas pelos recorridos/exequentes. *** Lx., 16/1/2025 Rui Machado e Moura (Relator) Oliveira Abreu (1ª Adjunto) Fátima Gomes (2ª Adjunta) |