Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
196/23.3JAPDL.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: JORGE RAPOSO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
REJEIÇÃO PARCIAL
NULIDADE SANÁVEL
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Data do Acordão: 10/01/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário :
I. Em casos de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações em recurso (al. b) do art. 432º nº 1 do Código de Processo Penal) não está prevista a possibilidade de recurso com os fundamentos dos nºs 2 e 3 do art. 410º, o que decorre imediatamente da própria letra do preceito – por confronto com as alíneas a) e c) – e da circunstância de nestes casos já estar assegurado o direito ao recurso e ao duplo grau de jurisdição.

II. A inadmissibilidade de recurso abarca a nulidade por recurso a prova proibida.

III. Tal nulidade pode ser sanada pelo Tribunal da Relação.

IV. Se o Tribunal da Relação julga não verificada a qualificativa da al. j) do art. 24º do Decreto-Lei 15/93 de 22.1, a nulidade decorrente da alteração da qualificação jurídica por aditamento dessa qualificativa sem contraditório, fica sanada.

V. Mostra-se justa – proporcional, adequada e necessária – e conforme aos critérios plasmados no art. 71º do Código Penal, a condenação na pena de 8 anos e 6 meses de prisão num quadro de tráfico reiterado por via aérea para os Açores de quantidades muito significativas de produto estupefaciente (pelo menos 5 viagens; apreendidos mais de 17 Kg na última viagem) com recurso a correios.

Decisão Texto Integral:

Acordam – em audiência – na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I – RELATÓRIO

Por acórdão de 28.5.2024, o tribunal coletivo condenou os arguidos:

AA nascido a D de M de 1999, natural de Cabo Verde, filho de BB e de CC, portador do passaporte cabo-verdiano n.º PA....19, título de Residência n.º 0P4K...95, emitido a 16/03/2022 e válido até 16/03/2025, residente na Rua 1, ..., Amadora, sujeito a medida de coacção de prisão preventiva à ordem dos presentes autos desde 28 de Abril de 2023, pela prática, como autor material e na forma consumada, de 1 crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art. 21º e 24º als. c) e j) do DL 15/93 de 22.1, com referência às tabelas I-C, II-A e I-C, anexa àquele diploma legal, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão.

CC pela prática, como autora material e na forma consumada, de 1 crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art. 21º e 24º als. c) e j) do DL 15/93 de 22.1, com referência à tabela I-C, anexa àquele diploma legal, na pena de 6 anos e 2 meses de prisão.

DD pela prática, como autora material e na forma consumada, de 1 crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art. 21º e 24º als. c) e j) do DL 15/93 de 22.1, com referência à tabela I-C, anexa àquele diploma legal, na pena de 6 anos e 2 meses de prisão.

EE pela prática, como autora material e na forma consumada, de 1 crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º do DL 15/93 de 22.1, com referência à tabela I-C, anexa àquele diploma legal, na pena especialmente atenuada, nos termos do artigo 31º do D.L. e 73º do Código Penal, de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, que seja acompanhada de regime de prova que assente na inserção laboral, devendo comprovar nos autos que está laboralmente activa e/ou inscrita na Agência para a Qualificação e Emprego e na sensibilização para a prevenção da reincidência.

FF Filipa Andrade pela prática, como autora material e na forma consumada, de 1 crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º do DL 15/93 de 22.1, com referência à tabela I-C, anexa àquele diploma legal, na pena especialmente atenuada, nos termos dos artigos 72º e 73º do Código Penal, de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, que seja acompanhada de regime de prova que assente na inserção laboral, devendo comprovar nos autos que está laboralmente activa e/ou inscrita na Agência para a Qualificação e Emprego e na sensibilização para a prevenção da reincidência.

Inconformados, os arguidos AA, CC e DD recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 22.4.2025, acordou:

a. em rejeitar, in totum, o recurso interposto pela Arguida DD;

b. em rejeitar, no que tange a recurso e matéria de facto, o recurso interposto pela Arguida CC;

c. em rejeitar, no que tange a recurso e matéria de facto, o recurso interposto pelo Arguido AA;

d. no mais, em negar provimento aos recursos individualmente interpostos pela Arguida CC e pelo Arguido AA, consequentemente, confirmar na íntegra a decisão do Tribunal a quo;

Em discordância com o acórdão da Relação vem agora interposto recurso pelo arguido AA para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

1.ª No julgamento da nulidade do Acórdão, nos termos conjugados dos artigos 345º, n.º 4, e 125º do Código do Processo Penal, o tribunal recorrido presumiu que a primeira instância não valorou as declarações da arguida FF em desfavor do recorrente.

2.ª O Tribunal remotivou a matéria de facto assente, sem as declarações da arguida FF, não para sanar o vicio que sobressai, mas sim para justificar que a primeira instância ponderou dessa forma alternativa.

3.ª Ante a verificação da proibição de prova em que se consubstanciam as declarações da arguida FF contra o recorrente cumpria ao Tribunal recorrido ordenar a baixa do processo para reelaboração do acórdão.

4.ª Quando a primeira instância, em sede de condenação, adita à qualificação jurídica dos factos descritos na acusação outra agravante para além daquela que já vinha indicada, opera a uma alteração da qualificação jurídica nos termos e para os efeitos do n.º 3 do art. 358º do Código do Processo Penal.

5.ª A ausência de comunicação ao arguido da referida alteração/adição da qualificação jurídica antes da prolação do Acórdão condenatório, com a consequente impossibilidade de exercício do direito de defesa, em violação do disposto no artigo 358º do Código de Processo Penal e artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, consubstancia uma nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 379º, n.º 1, al. b) e c) do Código de Processo Penal.

6.ª É inconstitucional por violação do artigo 32º, n.º 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do artigo 358º, n.º 3, do Código de Processo Penal, segundo a qual o aditamento, em sede de condenação, à integração jurídica da acusação, de uma segunda agravante no âmbito no art.º 24º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro não impõe a previa comunicação ao arguido para, pedindo, se pronunciar.

7.ª O facto de o arguido ter praticado o crime de tráfico de estupefacientes juntamente com a sua mãe e companheira é substancialmente insuficiente para demonstrar o preenchimento dos elementos objetivo e subjetivo inerentes à previsão da al. j) do artigo 24º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. Atuar em bando é muito mais que atuar juntamente.

8.ª O que resultou provado da matéria de facto é claramente insuficiente para fundamentar a nova subsunção jurídica dos factos que o Tribunal recorrido alcançou, isto é, que o arguido, no desenvolvimento da atividade criminosa, agia, juntamente com as arguidas CC e GG, como membro de um bando, dando como preenchida a agravante constante da al. j) do artigo 24º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, pelo que ocorre vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, nos termos da al. a) do n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal

9.ª Uma pena de 8 anos e 6 meses, para este arguido e estes factos é excessiva: a personalidade do arguido, as suas condições de vida, a forma como se comportou antes e depois do crime, bem como as concretas circunstâncias do crime, reclamam uma pena mais próxima do seu limite mínimo

Por tudo quanto deixamos exposto, mas ressalvado o doutíssimo suprimento de Vossas Excelências, Colendos Senhores Juízes Conselheiros deste Supremo Tribunal de Justiça, deverá o Acórdão recorrido ser revogado.

Porquanto, assim farão a costumada Justiça!

O recurso foi admitido.

Respondeu o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação, concluindo pela improcedência do recurso:

1. Por acórdão, datado de 22/04/2025, o TRL, além do mais, negou provimento ao recurso interposto pelo recorrente e, em consequência, confirmou a decisão recorrida de 1ª instância.

2. O recorrente, nesta sede, limita-se a repristinar os argumentos que já esgrimiu junto do TRL, quanto ao acórdão de 1ª instância, os quais não mereceram provimento.

3. Refugiando-se em pretensa utilização de prova proibida, alteração de qualificação jurídica dos factos sem contraditório e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que não se verificam, o que visa é debater questões que foram já apreciadas e decididas.

4. As nulidades, vício e a violação de lei que imputa ao acórdão recorrido, salvo o devido respeito, são manifestamente infundados, sendo que, com a invocação destes, por via do recurso, o que pretende é um novo julgamento que a lei não comtempla.

5. E o certo é que, concatenando todos os elementos de prova, outra não podia ser decisão judicial a proferir.

6. Com efeito, da fundamentação de facto do acórdão, assente em abundante prova documental, testemunhal, pericial e declarações dos arguidos produzida em julgamento, apreciada em conjunto e de acordo com as regras da experiência comum, analisando o processo decisório, é inegável que o mesmo, de forma escrupulosa, cumpriu a lei e se mostra fundamentado, nos termos preceituados nos Arts. 97º n.ºs 4 e 5, 374º n.º 2, 379º n.º 1 al. a) e 425º n.º 4 do C. P. Penal para os atos decisórios.

7. Numa leitura atenta observa-se que o acórdão recorrido pronunciou-se exaustiva e fundamentadamente sobre todas as questões relevantes, apreciando criteriosamente toda a matéria em que o tribunal da 1ª instância se fundou, e ainda, escalpelizou todas as questões suscitadas pelo recorrente.

8. Considerar que a decisão judicial objeto de recurso padece de nulidades, vício e está ferida de violação de lei e que deve ser condenado pela prática, apenas, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo Art. 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-C, II-A e I-C, anexa àquele diploma legal, afigura-se-nos, salvo o devido respeito, manifestamente, despropositado/inaceitável, quando bem sabe que inexiste qualquer dúvida da prática do tipo agravado pelo qual foi condenado.

9. Nenhum sentido faz alegar que o acórdão valorou prova proibida.

10. Não enferma de nulidades, ou de qualquer do vício do Art. 410º n.º 2 alínea a) do C. P. Penal, sendo correta a subsunção jurídica dos factos e justas e adequadas à prossecução dos fins punitivos a pena de prisão efetiva imposta, face à culpa do arguido/recorrente e à gravidade do crime cometido.

11. Quem praticou crime com a gravidade do cometido pelo arguido – 1 crime de tráfico de estupefacientes agravado – merece censura severa, já que razões de prevenção geral e especial o exigem tendo em conta a necessidade de proteção dos bens jurídicos tutelados1, bem como a natureza e as circunstâncias em que o arguido praticou o mesmo.

12. A pena de 8 anos e 6 meses de prisão fixada mostra-se adequada e proporcional, em obediência aos critérios estabelecidos nos Arts. 40º, 70º, e 71º do C. Penal.

13. Inexiste qualquer fundamento para a sua redução.

14. O TRL fez correta interpretação e aplicação do direito, mormente, dos Arts. 97º n.ºs 4 e 5, 125º, 345 n.º 4, 358º, 374º n.º 2, 379º n.º 1 als. b) e c) e 410º n.º 2 al. a), 425º n.º 4 do C. P. Penal, 40º, 70º, 71º n.ºs 1 e 2 do C. Penal, 32º da CRP e ainda dos Arts. 21º e 24º, als. c) e j) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-C, II-A e I-C, anexa ao referido diploma legal.

15. O acórdão recorrido deve ser mantido nos seus precisos termos, improcedendo o recurso.

Se, porém, outro, for o Juízo de V.ª s Ex. ª s, por certo, farão JUSTIÇA


*


Nesta instância, foi cumprido o disposto no art. 417º nº 1 do Código de Processo Penal.

O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto tomou posição, terminando com a seguinte síntese e conclusão:

Em síntese:

1)-Deve ser rejeitado, por inadmissibilidade legal – ausência de poderes de cognição –, o recurso quanto à questão da nulidade decorrente da alegada valoração (fora das condições legais) de declarações de co-arguida.

2)-Padece o Acórdão do Colectivo da nulidade prevista na disposição do art. 379º/1-b) do Código de Processo Penal, por “alteração da qualificação jurídica” sem prévia notificação do arguido para exercício do contraditório;

Vício que, no entanto, não haverá de ser declarado – com oportuno reenvio dos autos à 1ª instância, para o seu suprimento, com reabertura da audiência, para cumprimento da disposição do art. 358º/1 e 3 do Código de Processo Penal e com eventual prolação de novo Acórdão nesta parte – porquanto a alteração operada foi revogada pelo Tribunal a quo.

3)-A falta de menção no dispositivo do Acórdão sub judice à procedência do recurso quanto à agravante em questão (que o Tribunal a quo considerou expressamente extensível às co-arguidas) – com omissão da expressa condenação por crime de “tráfico de estupefacientes”, agravado, p. e p. na disposição do art. 24º-c), e não também a alínea j) do DL-15/93, de 22/01, mas devidamente tratada na respectiva fundamentação, embora sem alteração da pena fixada – constitui-se em lapso manifesto, que não bule com a substância da decisão;

Sendo que, reparando tal lapso manifesto – o que não bule com a substância da condenação, nem importa modificação essencial do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa –, deve este Alto Tribunal alterar a parte dispositiva no sentido da procedência parcial do recurso nessa parte, embora com o expresso manter da pena aplicada (cfr, o art. 380º/1-b) e 2 do Código de Processo Penal).

4)-Constitui, então, uma falsa-questão, por falta de objecto, a pretensão do decidido com vista à não agravação do crime de “tráfico de estupefacientes” pela via da sua integração na disposição do art. 24º-j) do DL-15/93, de 22/01, pois que o Acórdão recorrido lhe foi favorável precisamente nessa parte, sendo razão para a rejeição do recurso também sesse segmento.

5)-O erro de direito (tipificação) em nada releva como vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, este de todo estranho ao objecto típico-legal do recurso interposto.

6)-Não foi aplicada ao arguido pena excessiva.

Em conclusão:

Motivo por que o Ministério Público dá Parecer que:

-Deverá o presente recurso ser rejeitado, por inadmissibilidade legal, quanto à invocada nulidade da valoração das declarações de co-arguida, e quanto à tipicidade, por falta de interesse em agir.

-No restante, deverá o recurso ser julgado não provido e improcedente, embora com reparação de lapso manifesto na parte dispositiva do Acórdão sub judice, conforme o motivado supra, in II, i, 22.


*


Em resposta ao parecer, clama o Recorrente:

AA, arguido nos autos à margem identificados, tendo sido notificado do douto Parecer do Ministério Público, nesta suprema instância, vem, com respeito e humildade, sublinhar que, no seu modesto, mas honesto, entender, a verdade é só uma: as declarações da coarguida FF, a qual recusou responder a perguntas do defensor do arguido ora recorrente (à altura também defensor das coarguidas CC e GG – mãe e companheira, respetivamente, do recorrente), foram valoradas contra todos os demais arguidos, onde, claro está, se inclui o AA.

O que se fundamenta no Acórdão recorrido, segundo o qual a mudança altitudinal da arguida ficou a dever-se ao exercício desconforme do contraditório (veja-se p. 112, último parágrafo), não esgota a verdade porque, como haveria de constar da respectiva acta, o advogado que tinha a instância era o defensor da co-arguida EE; não era o defensor do arguido que argui a proibição de prova!!!

Perdoar-nos-ão, Vossas Excelências, o tom, mas só conseguimos colocar as coisas desta forma: que culpa tem o AA (já agora, a CC e a GG) que a defesa da EE tenha repetido ou tentado repetir perguntas àTatiana? Que culpa tem o AA que a arguida tivesse sido sujeita à um contraditório que, para a Relação, não foi um “concreto contraditório”!? Tivesse sido a ata bem feita ou ouvido o julgamento com mais atenção e perceber-se-ia que o advogado do AA, o que subscreve esta peça processual, não colocou nenhuma questão à arguida FF porque foi informado formalmente pelo Tribunal que a mesma não queria responder a mais nenhuma questão... o que está gravado!

Entendendo-se que a questão de saber se a arguida se recusou ou predispôs a responder ao advogado do recorrente é questão de facto, então, assentar-se que não houve recusa da arguida em responder ao advogado o arguido AA, em face do que está gravado, consubstancia um clamoroso erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º, n.º 2, al. c) do Código do Processo Penal.

EXCELÊNCIAS, PERMITAM-NOS REITERAR:

No presente caso, o que se apresenta não é uma dose isolada, mas, observando a tramitação desde o início, uma pluralidade de violações à lei processual que, acumuladas, comprometem de forma grave a consistência da justiça deste ponto a que chegámos!

Assim reiteramos, perante Vossas Excelências, Colendos Senhores Juízes Conselheiros, pedido de provimento ao recurso interposto, fazendo-se, pois, dessa forma, JUSTIÇA!

Foram observadas as formalidades legais, nada obstando à apreciação do mérito do recurso (art.s 417º nº 9, 418º e 419º, nºs. 1, 2 e 3, al. c) do Código de Processo Penal).

Cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

O recurso, que é circunscrito a matéria de direito (art. 434º do Código de Processo Penal), tem, pois, por objecto, um acórdão da Relação proferido em recurso, que confirmou a decisão de aplicação de uma pena única superior a 8 anos de prisão, recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça (artigos 399º, 400º nº 1 al. f) e 432º nº 1 al. b) do Código de Processo Penal).

O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (art.s 402º, 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se necessário à boa decisão de direito, de vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410º nº 2 do Código de Processo Penal (acórdão de fixação de jurisprudência 7/95, no DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (nº 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379º nº 2 do Código de Processo Penal, na redação da Lei 20/2013, de 21.2).

Tendo em conta as conclusões da motivação, as questões a decidir são:

1. Rejeição do recurso quanto à nulidade por recurso a prova proibida;

2. Alteração da qualificação jurídica (qualificativa bando): nulidade da sentença; inconstitucionalidade; vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada;

3. Medida da pena (excesso).


***


Na decisão sob recurso é a seguinte a matéria fáctica provada e não provada (expurgada na medida da pertinência para a decisão de factos pessoais atinentes a outros arguidos):

«III – Fundamentação de Facto:

A. Matéria de Facto Provada:

Da audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos com relevo para a boa decisão da causa:

Da acusação pública:

1. O arguido AA, também conhecido como “HH”, “II”, ou “JJ”, natural de Cabo Verde e da mesma nacionalidade, resolveu, juntamente com a sua mãe, a arguida CC, e a sua namorada, a arguida GG, pelo menos desde Junho de 2022, dedicarem-se à detenção e transporte de quilos de canábis-resina, vulgo haxixe, de Portugal continental para Ponta Delgada, S. Miguel, em viagens de avião, com o uso de “correios de droga”, para aqui venderem tal produto estupefaciente pelo dobro do valor.

2. O arguido AA tratava de controlar as chegadas das “correios de droga” a S. Miguel, de lhes entregar 1500 euros por cada viagem realizada e enviar os bilhetes de avião por aplicação de telemóvel, a arguida CC de entregar, na sua casa, as malas com produto estupefaciente às raparigas que aceitavam o transporte, e a arguida GG de as conduzir, com as malas de porão, ao aeroporto de Lisboa no carro do arguido, de matrícula V1, e de controlar a entrega das malas de porão às companhias aéreas e a entrada das “correios de droga” na área reservada aos passageiros.

3. Para não ser apanhado com haxixe em seu poder, o arguido AA, entre Junho de 2022 e Junho de 2023, usou a aplicação Signal, difícil de ser detectada pela polícia, e fez uso de diversos números de telemóvel, a saber: a) .......71 (que usava designadamente para marcar viagens para correios de droga); b) .......72 e .......53 (que usava designadamente para controlar as correios de droga e enviar passagens aéreas pela aplicação Signal); c) .......39 (indicado para o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras); d) .......72 (que usava para contactar a arguida GG, sua namorada, e a sua mãe); e) E ainda os números .......48, .......77 e .......71, que usava designadamente para contactar os senhorios das casas de S. Miguel que usava para receber as correios de droga.

4. O arguido AA abordou assim raparigas também naturais de Cabo Verde, às quais propôs o transporte de malas de porão com quilos de haxixe, em viagens aéreas de Lisboa para S. Miguel, com contrapartidas económicas de receberem mil e quinhentos euros por cada viagem, e sendo os bilhetes de avião e despesas de alojamento custeadas pelo arguido.

5. Assim o arguido, tendo sido colega de liceu, na zona de Lisboa, da arguida EE, quando a encontrou, no início de 2022, logo idealizou usá-la para o transporte de malas com haxixe, pelo que a convenceu a fazer a viagem.

6. A arguida EE, que usava designadamente o telemóvel com o n.º .......39 – que lhe veio a ser apreendido a 13 de Fevereiro de 2023 - aceitou transportar haxixe numa mala de porão, e a 19 de Junho de 2022, ao arguido AA levou esta arguida para o aeroporto de Lisboa, tendo a arguida viajado de Lisboa para Ponta Delgada, no voo da Ryanair FR..25, sem qualquer custo para a arguida, transportando uma mala de porão com produto estupefaciente.

7. A arguida EE, já em Ponta Delgada, na madrugada de 20 de Junho de 2022, foi ter com um indivíduo conhecido do arguido AA, na Rua 2, que dizia querer ser tratado como “tio”, o qual ficou com a mala de porão, com produto estupefaciente, que a arguida trouxera para S. Miguel; a arguida recebeu mil e quinhentos euros.

8. A arguida EE, para também não correr riscos directos com as viagens de Lisboa para S. Miguel, e com contrapartida que não foi possível apurar, resolveu contactar outras raparigas para transportarem o produto estupefaciente, isto com o acordo do arguido AA, que passara a tratar por “HH” ou “II”, ou “KK”, designadamente pela aplicação Signal.

9. A arguida EE convenceu assim, por três vezes, a 4 de Setembro de 2022, 13 de Novembro de 2022 e 22 de Janeiro de 2023, a arguida FF a viajar de avião de Lisboa para S. Miguel, transportando de cada vez uma mala de porão com quilos de haxixe, o que era do conhecimento de FF.

10. Com a contrapartida de a arguida FF ter recebido mil e quinhentos euros por cada viagem; a 4 de Setembro de 2022 a mala que transportou para S. Miguel no voo da Ryanair FR..25 foi-lhe entregue pela arguida CC e em casa desta, na Amadora, tendo a arguida CC colocado perfume tanto na arguida FF como na mala, para disfarçar o cheiro do haxixe; a mala de porão que transportou a 13 de Novembro de 2022 no voo da TAP TP..65 pesava 23 quilos, e a que transportou a 22 de Janeiro de 2023 no voo da TAP TP..65 pesava 28 quilos, tendo neste caso a arguida GG, que transportara sempre a arguida para o aeroporto no veículo de matrícula V1, pago o excesso de peso da bagagem.

11. A arguida FF, que usava o telemóvel .......79, viajou assim naquelas datas para S. Miguel e aqui foi encontrar-se sempre com o arguido AA, que controlava a chegada da mesma; da primeira encontraram-se na encontraram-se na Localização 3, da segunda vez na Pizzaria ..., em Ponta Delgada, e da terceira vez na Rua 4, em Ponta Delgada - ficando sempre o arguido AA na posse das malas de porão com produto estupefaciente.

12. Todas as viagens acima referidas, de ambas as arguidas, foram custeadas pelo arguido AA, que fez reservas através do seu mail ..., e o arguido indicou um dos seus telemóveis, n.º .......71, para contactos das companhias aéreas.

13. No início de Fevereiro de 2023, a arguida EE prontificou-se a fazer, ela mesma, um transporte de produto estupefaciente, e depois de contactos para o telemóvel do arguido AA com o n.º .......71, este informou a arguida EE que no dia 12 de Fevereiro de 2023, ao fim da tarde, ia a arguida GG a casa da arguida, para a levar ao aeroporto de Lisboa, com uma mala; o arguido enviou o bilhete de avião à arguida EE pela aplicação Signal, por aquele telemóvel.

14. A arguida foi então transportada pela arguida GG, que conduzia um veículo ligeiro de passageiros de matrícula V1, marca “BMW”, de cor preta, até ao aeroporto; veículo pertença do arguido AA, que tivera a matrícula estrangeira DY.15QC até 8 de Fevereiro de 2023, sempre segurada em nome do arguido desde 26 de Janeiro de 2023.

15. A arguida GG acompanhou a arguida EE até ao check-in a transportar a mala de porão com produto estupefaciente, e colocou-a no tapete para aferir o peso; após o que controlou a entrada da arguida EE na porta de embarque; isto depois de naquele mesmo dia 12 de Fevereiro de 2023, a arguida GG, pelas 21:33 horas, ter levantado dinheiro numa caixa ATM do aeroporto, para as despesas de táxi e alimentação da arguida EE em Ponta Delgada.

16. Entretanto a arguida EE tinha recebido uma mensagem do arguido AA, pelo telemóvel .......71, a informar que a morada para a entrega da mala era na Rua 4, em Ponta Delgada.

17. A arguida EE viajou assim de Lisboa para Ponta Delgada, no dia 12 de Fevereiro de 2023, com a mala de porão que a arguida GG entregara, mas chegada a Ponta Delgada, pelas 23:40 horas, estava em curso uma ação de fiscalização no Aeroporto João Paulo II pela Polícia Judiciária, que visionava os passageiros junto à recolha das bagagens de porão do voo TP..65, proveniente do aeroporto Humberto Delgado – Lisboa.

18. A arguida EE chamou a atenção pela sua postura inquieta, pelas 23:50 horas daquele dia, junto ao tapete de recolha de bagagem; e quando levantou a mala de porão, de cor castanha, tipo troley, que o arguido AA lhe fez entregar pela arguida GG, foi abordada pela polícia.

19. Foi então realizada uma revista à referida bagagem de porão, tendo-se detectado e apreendido oito embalagens envoltas em plástico de cor preta contendo no seu interior 184 placas de canabis-resina, vulgo haxixe, com o peso total de 17.868,352 gramas, grau de pureza entre 23,6% e 33,4% de THC, perfazendo o total de 104736 doses unitárias para consumo, com o valor, no mercado local do tráfico e consumo de tal produto estupefaciente, de cento e quarenta mil euros.

20. Foram ainda apreendidos à arguida EE um telemóvel “IPhone” da marca Apple, modelo “XR”, contendo no seu interior um cartão SIM, bem como foram apreendidos uma etiqueta correspondente ao voo TP..65, com o registo nº 0047 TP ....03, respeitante ao passageiro AA, destino LIS / PDL, ticket; uma mala, tipo trólei, da marca “Suitcase”, de cor acastanhada; uma camisola da marca “Quechua”, cor de rosa; uma meias calças, cor rosa claro; duas capas/mantas de cor preta.

21. A arguida EE acompanhou a polícia ao local de entrega do produto estupefaciente, na Rua 4 em Ponta Delgada, e telefonou ao arguido AA dizendo que não encontrava o local.

22. O arguido AA surgiu então naquela Rua 4, tendo saído para a rua e dirigiu-se para a arguida EE; mas vendo também os vultos de pessoas, logo fugiu, a correr, para parte incerta, apesar das ordens de paragem dos polícias que estavam a vigiar o local.

23. O domicílio do arguido AA sito na Rua 5 foi alvo de busca, a 15 de Fevereiro de 2023, tendo sido apreendidos:

a. 341.739 gramas de produto estupefaciente MDMA, grau de pureza 25.2%, suficiente para 861 doses individuais para consumo, que o arguido destinava a venda a terceiros;

b. 1810 euros em dinheiro derivado do negócio de tráfico de estupefacientes, dos quais 1500 euros iriam ser entregues à arguida EE;

c. Uma etiqueta de mala de viagem, via aérea, com o registo ........77, relativa ao passageiro “Arruda” e voo SP.03;

d. um contrato de arrendamento do local buscado, tendo como senhorio LL e como inquilino o arguido AA;

e. uma embalagem de cartão SIM da Vodafone, n.º .......13, e um suporte de cartão SIM n.º ..........20 da mesma operadora de telemóveis;

f. um talão de depósito da CGD de 1900 euros, em nome de MM, assinado pelo arguido AA;

g. um talão do mesmo banco, de um depósito de 450 euros, assinado pelo arguido AA, para a contra da arguida GG;

h. um talão do mesmo banco, de um depósito de 450 euros, assinado pelo arguido AA, para a contra de NN;

i. Um bilhete electrónico relativo á reserva V3BSC, em nome da arguida GG, data de 31 de Janeiro de 2023;

j. Um telemóvel de marca “Nokia”, com os IMEI .............15 e .............13.

24. O arguido AA manteve-se escondido em locais incertos de S. Miguel, até que foi localizado a 21 de Abril de 2023 na Localização 6, Ponta Delgada.

25. Entretanto, para ocultar bens adquiridos com os proventos do tráfico de estupefacientes, conseguiu, com o apoio da arguida CC, registar o veículo de matrícula V1, no valor de 22.388 euros, em nome desta, em 16 de Março de 2023, e deu ordem para o mesmo não circular na via pública.

26. Esta residência oculta do arguido AA foi alvo de busca, a 26 de Abril de 2023, sendo encontrado e apreendido:

a. em revista ao arguido, um telemóvel da marca Samsung, modelo Galaxy A04s, de cor preta, contendo inserido um cartão SIM da operadora Vodafone;

b. na busca, um telemóvel da marca Apple, modelo iPhone 12, de cor azul, com o IMEI .............90, com o qual o arguido contactava designadamente as arguidas, e que teve designadamente associados o telemóvel .......71, com o qual o arguido indicava as moradas para receber as correios de droga, e o telemóvel .......53, com o qual e através da Signal o arguido AA controlava aquelas correios e fazia o envio de passagens aéreas;

c. um cartão SIM da operadora NOS, que se encontrava no interior do telemóvel da marca Apple atrás referido;

d. m telemóvel da marca Nokia, modelo 105, de cor cinzenta, e respetiva caixa de origem;

e. outro cartão SIM da operadora Vodafone, que se encontrava no interior do telemóvel da marca Nokia atrás referido;

f. uma caixa de cartão correspondente a um telemóvel da marca Samsung Galaxy A04S;

g. uma embalagem de papel da operadora Vodafone;

h. uma embalagem de papel da operadora NOS, correspondente ao cartão SIM com o número .......26;

i. uma embalagem de papel da operadora Vodafone, correspondente ao cartão SIM com o número .......62;

j. e 965 euros em notas, provenientes do negócio de tráfico de estupefacientes.

27. A polícia descobriu o veículo de matrícula V1 no parque de estacionamento da C.P. da Reboleira, sendo ali apreendido a 27 de Julho de 2023.

28. A 27 de Julho de 2023 a residência da arguida GG na Rua 7, foi alvo de busca, aí sendo apreendido:

a. duas balanças de precisão, no móvel da sala;

b. um telemóvel marca Oppo, com a referência ..........72, em cima da cama da arguida;

c. três telemóveis da marca Samsung;

d. uma embalagem de cartão SIM, da WTF, associada ao n.º .......87;

e. 1195 euros em dinheiro, proveniente do negócio de tráfico de estupefacientes;

f. Um conjunto de fato de treino da Adidas, similar ao usado pela arguida quando conduziu a arguida EE ao aeroporto de Lisboa;

g. Revistada a arguida GG, foi-lhe apreendido o telemóvel Iphone n.º .......24, IMEI .............40, com o qual contactava, para além do n.º .......38, os outros arguidos, no negócio de tráfico de estupefacientes.

29. A 27 de Julho de 2023 a residência da arguida CC na Rua 1, ... Amadora foi buscada e aí foi encontrada uma chave do veículo de matrícula V1, veículo que foi então apreendido, estando estacionado no parque de estacionamento da estação da C.P. da Reboleira.

30. Efectuada revista à arguida FF na Praceta 8, na ..., a 27 de Julho de 2023, foi-lhe apreendido o telemóvel Iphone associado ao n.º .......79, com o qual contactara designadamente a arguida EE, aquando da realização das viagens.

31. Os arguidos AA, CC e GG actuaram voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que todas as suas condutas eram proibidas por lei penal, sabendo as qualidades estupefacientes das drogas que detiveram e fizeram transitar, designadamente pelas arguidas EE e FF, com o intuito de obterem elevado lucro com a venda em S. Miguel; drogas que o arguido AA aqui recebeu, e também ia receber em Ponta Delgada para outra traficância posterior não fora a ultima intervenção policial; o arguido AA mais também conhecia as qualidades estupefacientes da substância que detinha no seu domicílio da Rua 5, em Ponta Delgada, também sabendo que o seu comportamento era proibido por lei penal.

32. As arguidas EE e FF actuaram voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei penal, sabendo as qualidades estupefacientes das drogas que detiveram, e fizeram transitar, em viagens de avião, entre Lisboa e Ponta Delgada.

Dos antecedentes criminais, situação pessoal, familiar, profissional e económica do arguido AA:

33. O arguido AA não tem antecedentes criminais.

34. AA, actualmente com 25 anos de idade, à data do início da alegada prática dos factos, encontrava-se integrado no agregado familiar de origem, composto pela progenitora, AA, 48 anos, desempregada, pelo padrasto, OO, e pelas irmãs NN, 27 anos de idade, sub-chefe de cozinha, e PP, 10 anos, estudante.

35. O agregado familiar reside num apartamento arrendado, que pertence ao Instituto da habitação e Reabilitação Urbana, de tipologia T4, situado num Bairro Social, no concelho da Amadora, que apresenta uma dinâmica social adequada, sem registo de problemáticas de maior relevo.

36. A situação socioeconómica do agregado é descrita como adequada, vivendo atualmente dos rendimentos do padrasto e da irmã mais velha do arguido, bem como do subsídio de desemprego que a progenitora recebe. Segundo a progenitora do arguido os rendimentos suportam de forma folgada as despesas mensais do agregado, não sendo conhecidos dificuldades a este nível.

37. De acordo com o arguido, este encontrava-se a residir em Ponta Delgada, há cerca de seis meses, antes de ser preso preventivo, no Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada, à ordem dos presentes autos, em 28 de abril de 2023.

38. AA tem uma filha, atualmente com 5 anos de idade, fruto de uma relação afetiva que iniciou quando tinha cerca de 16 anos e terminou quanto tinha 21 anos de idade, tendo o casal vivido em união facto cerca de dois anos, onde de permaneceram integrados no agregado familiar do arguido. Atualmente a filha reside com a progenitora, mantendo o arguido contacto com esta pontualmente e sempre que possível.

39. AA, à data da alegada prática dos crimes, refere que se encontrava em prospeção de mercado, para trabalhar na Uber Eats (distribuição de refeições), atividade que desenvolvia em território continental. Segundo o próprio, habilitado com 12.º anos de escolaridade, desde cedo que desenvolvia atividade laboral, mesmo quando ainda estudava. A sua primeira experiência profissional situa-se por volta dos 16 anos de idade, no setor da restauração/bar. Aos 19 anos de idade, quando abandonou os estudos, alegadamente por necessidade de ajudar financeiramente o agregado familiar, trabalhou numa empresa de distribuição de água engarrafada e mais tarde na distribuição de refeições (telepizza).

40. Na comunidade não há registo de informações relacionadas com o arguido. A progenitora do arguido e também coarguida nos presentes autos, é descrita na comunidade como sendo uma mulher ativa e que se envolve na ajuda a terceiros, procurando ativamente emprego quando se encontra em situação de desemprego, aceitando trabalhar mesmo em situações temporárias.

41. O arguido encontra-se preso preventivamente, no Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada, desde 28/04/2023, à ordem dos presentes autos.

42. Segundo informações dos Serviços de Acompanhamento da Execução da Pena, o arguido não se encontra integrado em programas terapêuticos e não foi ainda submetido a testes de despiste toxicológico.

43. Em meio prisional encontra-se a frequentar o projeto “Ativa o teu Potencial – Promoção de Competências Empreendedoras em Jovens Reclusos”, desde 26/02/2024, e não regista sanções disciplinares.

44. Relativamente à sua atual condição jurídica, o arguido apresenta diminuta consciência crítica, verbalizando que a sua reclusão está a ter um impacto ao nível familiar, por se encontrar longe da família, apesar desta o visitar mensalmente. De acordo com a progenitora do arguido, a irmã mais nova deste, com quem tem uma grande proximidade, quando soube da reclusão de AA, começou a apresentar sintomatologia de um quadro depressivo encontrando-se a frequentar consultas de psicologia.

45. AA é um indivíduo sem antecedentes criminais que, aparentemente, regista um percurso de vida adequado, quer ao nível pessoal, quer ao nível profissional e familiar. O arguido regista, em meio livre, um suporte familiar minimamente adequado, apesar da mãe ser coarguida nos presentes autos.

46. O arguido, apesar de detentor de competências pessoais e sociais, demarcar-se totalmente da sua situação jurídico-penal, não pretendendo exercer qualquer avaliação crítica face à mesma, centrando as consequências da reclusão em si e na família.

47. Face à avaliação efetuada, em termos de necessidades de reinserção social e em caso de condenação, importaria que o mesmo fosse sujeito a um processo de forte controle comportamental que permitisse a interiorização de regras e limites, no sentido de reforçar as suas competências pessoais e sociais, necessárias ao exercício de uma consciencialização das regras em sociedade e respeito pelo direito vigente.

(…)

Matéria de Facto Não provada:

Não se provaram quaisquer outros factos que não aqueles que acima foram referidos, nomeadamente que:

a. O arguido tinha residência incerta em Portugal.

b. Nas circunstâncias referidas em 7. a arguida EE recebeu o bilhete de avião de regresso, via telemóvel, pela aplicação “Signal”.

c. O veículo mencionado em 27. foi apreendido no parque de estacionamento da Damaia.

d. Na residência da arguida CC nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 29. foram apreendidos: uma balança de precisão, no móvel da sala; e um telemóvel marca Oppo, com a referência ..........72, em cima da cama da arguida.

e. Nas circunstâncias referidas em 22. o arguido AA quando pegou na mala verificou que estava leve.

1. Rejeição do recurso quanto à nulidade por recurso a prova proibida

O Recorrente sustenta que no julgamento da nulidade do Acórdão, nos termos conjugados dos art.s 345º nº 4 e 125º do Código do Processo Penal, o tribunal recorrido presumiu que a primeira instância não valorou as declarações da arguida FF em desfavor do recorrente e remotivou a matéria de facto assente, sem as declarações da arguida FF, não para sanar o vicio que sobressai, mas sim para justificar que a primeira instância ponderou dessa forma alternativa. Porém, face à verificação da proibição de prova em que se consubstanciam as declarações da arguida FF contra o recorrente cumpria ao Tribunal recorrido ordenar a baixa do processo para reelaboração do acórdão.

Como bem salienta o Digníssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, citando jurisprudência pertinente2, o Supremo Tribunal de Justiça, por regra, conhece apenas de direito, pelo que nesta parte a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa não é susceptível de recurso, nos termos das disposições dos arts. 432º nº1 al. b) e 434º do Código de Processo Penal, porquanto a impugnação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa pela via da declaração da nulidade decorrente da alegada valoração (fora das condições legais) de declarações de co-arguida, consistindo caso de impugnação por arguição de nulidade foi já suscitada ao acórdão de 1ª instância e decidida pelo Tribunal da Relação, e, embora se traduza em pressuposto de ponderação, interpretação e aplicação de uma norma jurídica (o art. 345º nº 4 do Código de Processo Penal), o certo é que decisão sobre a matéria é atinente à questão-de-facto da competência dos tribunais de Relação, pois que a anulação das provas contende tipicamente com o concreto arranjo dos factos provados ou não provados.

Efectivamente, em casos de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça “de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações em recurso” (al. b) do art. 432º nº 1 do Código de Processo Penal) não está prevista a possibilidade de recurso com os fundamentos dos nºs 2 e 3 do art. 410º, o que decorre imediatamente da própria letra do preceito – por confronto com as alíneas a) e c) – e da circunstância de nestes casos já estar assegurado o direito ao recurso e ao duplo grau de jurisdição.

É o caso da questão em apreço, o que justifica a rejeição do recurso nesta parte.

Ainda assim, tendo em atenção o dever de conhecer de nulidades insanáveis e ponderando a dimensão constitucional da questão suscitada, justifica-se a exposição da ponderação efectuada.

O acórdão recorrido, em trabalho exaustivo, debruça-se sobre a questão, com a seguinte fundamentação “no concreto” (colocamos a bold as partes essenciais para a análise que importa realizar nesta e nas subsequentes transcrições)

No concreto dos autos, o Arguido AA e a Arguida CC fundam a sua individual – mas concomitante - pretensão por via duma suposta violação da valoração do silêncio de parte de declarações da Arguida FF. É dizer, após esta ter respondido e prestado declarações, em que confessou integralmente e sem reservas os factos de reporte à sua atuação, ter-se-á esta recusado a prestar declarações quando a inquirição se fundava em perguntas da defesa dos demais co-arguidos, assim inviabilizando o contraditório.

Temos como de óbvia conformidade ao Direito, que o Tribunal possa, e deva ponderar as declarações de co-arguidos no processo penal. Tal possibilidade decorre, desde logo, do art. 125.ºCPP, conjugado com outras normas de onde resulta essa possibilidade. É que, sendo certo que não está especificamente previsto no CPP as declarações de co-arguido como meio de prova, igualmente é certo que o art. 345.º/4CPP só lhe nega o valor probatório quando operar recusa a responder às perguntas formuladas em contrainterrogatório. É dizer, do que se trata, aqui, é de retirar valor probatório a declarações totalmente subtraídas ao contraditório. (sobre o tema, cfr. Joaquim Jorge da Cruz, in Valor probatório das declarações processuais do coarguido: (breves notas sobre a incriminação de coarguido nas fases preliminares do processo, que em julgamento exerce o direito ao silêncio), Julgar online, setembro2024; Tiago Caiado Milheiro, in Breve excurso pela prova penal na jurisprudência nacional, Julgar, 18, 2002)

Ora, é precisamente esta a questão a dilucidar.

E para decisão da mesma ouviu este Tribunal Superior integralmente as declarações da Arguida FF, prestadas que foram as mesmas em dois momentos: 14maio2024 (16h34:42 até 17h04:47, ficheiro 20240514170447_12338451_2870234), relativo a prestação de depoimento, onde confessou os factos, de reporte à sua atuação, integralmente e sem reservas, respondendo especificadamente a questões formuladas pelo Tribunal; e 21maio2024 (09h39:07 até 09h43:08, ficheiro 20240521094325_12338451_2870234), relativo a continuação de prestação de depoimento, onde perguntada pelo Tribunal referiu que mantinha o propósito de continuar a prestar depoimento, após o que respondeu a perguntas do Ministério Público, sendo que quando inquirida com relação a perguntas formuladas por mandatário/defensor de co-arguido – que não se vislumbra qual – invocando que já havia respondido às perguntas em causa, as quais diz estavam a ser repetidas, declarou que não mais prestava declarações.

É, pois, facto, que não operou um concreto contraditório. Mas também é verdade que nenhum contraditório estava a ser feito. Simplesmente estavam, inicialmente, a ser repetidas perguntas por parte do mandatário/defensor, razão essa que parece ser a que despoletou a atitude da Arguida FF. Ouvido o depoimento, não se estando perante o quadro factual que nos é dado a conhecer num Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (rel. Juiz Desembargador António Gama, 1junho2016, NUIPC 1345/10.7JAPRT, acessível in www.dgsi.pt/jtrp) – em que o cessar do depor opera face a insistência e indução à recusa a depoimento – não se pode deixar de constatar a profunda mudança atitudinal da Arguida FF entre o depoimento de 14maio2024 e o de 21maio2024. No inicial, após as declarações dos demais co-arguidos, longamente foi interrogada pelo Tribunal e, quando necessário, foram repetidas perguntas em moldes de esclarecimentos, em nada a mesma tendo manifestado desconforto no depor. Interrompida a inquirição, face ao adiantado de hora a 14maio2024, retomada a inquirição a 21maio2024, iniciada esta com questões do Ministério Público nada obstou, mas logo que virada para inquirição de mandatário/defensor doutro co-arguido operou espontânea afirmação da Arguida FF que não estaria disposta a responder a mais perguntas, o que mesmo após esclarecimento da Sr.ª Juíza Presidente, no sentido de se tratarem de situações a enquadrar, digamos, em meros esclarecimentos, concretização e retirar de dúvidas, nada a demoveu, com a curiosidade de sendo o argumento a repetição se ter recusado a responder a uma pergunta que nada de repetida o era. Fica a nota perante a estranheza atitudinal, mas da qual não podemos, nos autos, retirar mais.

Certo é que, independentemente de tudo esse mais não retirável, per se o depoimento da Arguida FF, à luz do art. 345.º/4CPP, não pode ser a base da convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à prova dos factos relacionados com os co-arguidos. Ora, igualmente é certo que não o foi por parte do Tribunal a quo, pois tendo servido como convicção para a condenação da Arguida FF, dado que confessou integralmente e sem reservas a sua pessoal atuação, no demais e para a prova da atuação dos outros co-arguidos não foi com base nesse depor que o Tribunal a quo firmou convicção.

Vejamos.

A Arguida FF assume que efetuou transporte de produto estupefacientes, por três vezes, entre Lisboa e S. Miguel.

O Arguido AA admite que foi através de contacto com a Arguida Sandra que marcou viagens para a Arguida FF, por três vezes.

A Arguida EE assume ter contactado a Arguida FF para os fins em causa, afirmando que o fez a pedido do Arguido AA. Mais assumiu que quando a Arguida FF chegava a S. Miguel a contactava a solicitar a morada de entrega. Para tanto de imediato contactava o Arguido AA que lhe indicava a morada de encontro consigo. Após o que a fornecia à Arguida FF.

Já a Arguida GG assume que a pedido do Arguido AA levou a Arguida FF ao Aeroporto, tendo até pago o excesso de peso da bagagem. Note-se que a Arguida GG é namorada do Arguido AA, pelo que a única razão compreensível para pagar o excesso de bagagem de quem com este ia ter, seria o interesse do mesmo na bagagem em causa. Ora, o Arguido AA confirma que recebeu dessas três vezes a Arguida FF em S. Miguel. Nega, porém, ter recebido as malas, afirmando que foi terceiro – o dito Cota/Tio. Cota/Tio que nunca é referido pela Arguida FF, sendo que a mesma refere que não sabe quem o mesmo seja e que não esteve com ninguém, que não o Arguido AA, em S. Miguel, o que permite valoração quanto àquela parte: não ter estado com outrem, sendo que o Arguido AA admite ter estado com a Arguida FF.

Existe, por seu turno, documentação que comprova as datas de viagem da Arguida FF, bem como o reporte ao peso da bagagem da mesma.

Não se descura, por seu turno, que a Arguida FF reconheceu a Arguida CC em sede de julgamento – quadro diferenciado de declarações -.

Como não se deixa de firmar que existem conversações entre a Arguida FF e a Arguida EE de onde decorre que o modus operandi passava pela entrega da mala em casa da Arguida CC, mãe do Arguido AA, ao correio - seja a Arguida FF, seja a Arguida EE – após o que a Arguida GG fazia o transporte do correio e mala até ao aeroporto de Lisboa, com controle de embarque, sendo reconhecido pelo Arguido AA que era quem em S. Miguel ia buscar o correio.

Ninguém que não o Arguido AA – e por vezes a sua namorada, a Arguida GG - era visto na residência do Arguido AA em S. Miguel – como o afirma a testemunha LL -, nunca a Arguida FF tendo estado ou visto outrem, que não o Arguido AA, em S. Miguel, reconhecendo este que com a mesma esteve nessas deslocações, tendo o Arguido AA fugido de casa quando a Arguida EE em 13fevereiro apareceu como correio, sabendo – como o confessa o Arguido AA – que os transportes eram de “algo de errado”.

Acresce que o Arguido AA fazia uso de diferenciados números de telefone consoante as questões a tratar em sede de conversação.

Desta conjugação de prova direta e de prova indireta, estabeleceu o Tribunal a quo a sua convicção, o que fez à luz das regras da experiência comum, firmando que os Arguidos atuavam conjuntamente. De facto, face ao apresentado naipe de prova documental, prova testemunhal e prova por declarações dos vários Arguidos, como prova direta a chamar à colação as regras da experiência da vida para a sua valoração (quanto à dos depoimentos dos arguidos, por não se tratarem de depoimentos confessórios), conjugou o Tribunal a quo a sua globalidade, pelo que à luz da normalidade, causalidade e oportunidade, determinantes da redução das causas possíveis a uma única, fortaleceu a razão que conjuntamente tudo conexiona numa presunção que reportando à naturalidade de facto (praesumptiones facti ou hominis), judicial, simples ou de experiência (das máximas de experiência), do curso ou andamento natural das coisas, da normalidade dos factos (as regras da vida; quod plerumque accidit), foi assim livremente apreciada (art. 351.ºCC). cfr. Pedro Miguel Lago Torres Varanda in A prova indireta e a sua fundamentação na sentença penal na era da IA, Revista Julgar Digital, online, março2025) O que nada tem a ver com inversão de ónus da prova ou errada transformação de indícios suficientes em prova, ao contrário do alegado pela Arguida CC. O respeito pela presunção de inocência dos Arguidos mantém-se, assim, respeitado. Assim o é porque se à luz do art. 125.ºCPP não é ilegítimo o recurso a presunções nos termos conceptuais do art. 349.°CC - tirar de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido - sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art. 351.°CC), não estabelece a Lei um qualquer limite quantitativo.

Como nos diz Cavaleiro Ferreira (in Curso de Processo Penal, volume 1, p. 333ss., assim como Vaz Serra, in Direito Probatório Material, BMJ 112.º/99) as presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção e encontram-se na base de qualquer juízo, pois são o produto das regras de experiência; se o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência da vida, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto ou mesmo é a consequência típica desse outro facto, procede então mediante uma presunção ou regra da experiência ou de uma prova de primeira aparência. Obviamente que estas presunções não são presunções de culpa. Constituem, antes, parcelas de um processo de pensamento lógico de que o julgador não pode prescindir, sob pena de não ser a prova apreciada e valorada em toda a sua extensão.

Consequentemente, sendo a decisão do julgador, devidamente fundamentada, uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção. (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Souto de Moura, 17junho2010, NUIPC 1/08.0FAVRS.E1-A.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj)

Regras de experiência na qual a cultura do julgador, o saber de vida do mesmo, a capacidade de perceção da realidade envolvente ao caso sub judice, são nucleares. Em especial porque é das mesmas que se logra firmar a presunção do facto não demonstrado diretamente, tudo a exigir que essa correlação seja forte e devidamente fundamentada, pois só assim a convicção máxima provável que, como tal nunca é certa, se pode ter como válida processualmente. (cfr. Susana Aires de Sousa, in Prova indireta e fundamentação da decisão. Anotação ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de julho de 2018, RPCC, A29.T2, p.406)

Voltando ao concreto, o que se alcança é que o Tribunal a quo firmou a sua convicção de reporte à atuação dos demais co-arguidos, que não a Arguida FF, não com base nas declarações de imputação desta, sim nas declarações dos próprios co-arguidos conjugadas com a documentação junta aos autos e o depor testemunhal.

E, como tal, inexiste qualquer viciação atuacional por parte do Tribunal a quo, pois o mesmo ao fazer as referências que faz às declarações da Arguida FF o faz em moldes de valoração da confissão da mesma e de circunstancialismo, mas não em moldes e exclusividade que sempre seria proibida à luz do art. 345.º/4CPP.

O que nos leva a considerar improcedente o peticionado pela Arguida CC e pelo Arguido AA, também porque não se verifica qualquer desrespeito do comando constitucional dos art.s 3.º/2 e 32.º/1/5CRP.

Pelos termos em que a questão é colocada, o Recorrente partiu do princípio de que a decisão recorrida apenas poderia remeter os autos ao tribunal de julgamento para ser proferida nova sentença/acórdão.

Discordamos.

As normas processuais penais apontam a possibilidade de, alternativamente ao reenvio, haver modificação da matéria de facto no Tribunal da Relação (art. 431º do Código de Processo Penal). Se é possível ao Tribunal da Relação modificar a decisão, uma vez que conhece de facto (art. 428º do Código de Processo Penal), por maioria de razão, é possível manter a decisão quanto à matéria de facto, formulando um novo juízo sobre a prova, por virtude da invalidade de um meio de prova, mesmo não havendo recurso de impugnação ampla da matéria de facto.

A possibilidade de resolver a questão por essa via está consagrada na jurisprudência, desde que se verifiquem os pressupostos da al. a) do art. 431º do Código de Processo Penal:

«A Relação não está, assim, impedida de, se necessário, embora com fortes restrições, alterar a matéria de facto constante da sentença da 1.ª instância, mesmo que não seja interposto recurso da decisão em matéria de facto, por alegado erro de julgamento [caso previsto na al. b)]. Porém, como se consignou nos acórdãos de 22.06.2022 e de 19.12.2023, proferidos nos processos 215/18.5JAFAR.E1.S1 e 1066/16.7T9CLD.C3.S1, em www.dgsi.pt, que se seguem de perto, esta possibilidade só pode ocorrer por via e na sequência da verificação e declaração de vício a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP nas condições impostas pelos artigos 426.º e 431.º, al. a), do CPP, em vista da superação desse vício, para uma boa decisão de direito.

Estabelece o n.º 1 do artigo 426.º que «sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objeto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio». O que obriga o tribunal da relação a uma dupla decisão ou a uma decisão em dois momentos: em primeiro lugar, à deteção e aferição (determinação e concretização) do vício e, em segundo lugar, à verificação e avaliação das possibilidades de sanação do vício e, sendo caso disso, a respetiva sanação, com base num juízo sobre a suficiência das provas necessárias para essa finalidade, que são as provas existentes no processo que serviram de base à decisão [al. a) do artigo 431.º do CPP].

Fora do âmbito do recurso em matéria de facto ou dos casos de renovação da prova – que depende sempre do recurso em matéria de facto e de pedido [artigos 412.º, n.ºs 1 e 3, al. c), 423.º, n.º 2 e 430.º do CPP] –, o tribunal da Relação apenas pode modificar a matéria de facto, para remover um vício que for identificado e que impeça a decisão de direito, «se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base» [al. a) do artigo 431.º do CPP]3»

Mas, efectivamente, porque está em causa essencialmente uma nulidade4, que não deve ser declarado e sanada na lógica das disposições dos arts. 410º/2 e 426º do Código de Processo Penal, mas, isso-sim, uma proibição de prova, que – não fosse, em concreto, sanável na 2ª Instância – poderia implicar a anulação do Acórdão do Colectivo, com a sua repetição (cfr, os arts. 122º, 126º, 345º/4, 357º e 410º/3 do mesmo diploma legal, afigura-se claro que se trata de uma nulidade que pode ser suprida pelo tribunal de recurso, por força do disposto no art. 379º nº 2 do Código de Processo Penal.

Efectivamente, “se, após ter anulado um meio de prova – as declarações de um co-arguido –, o acórdão da Relação consegue segmentar a concreta relevância probatória do depoimento em causa, o reenvio dos autos à 1.ª instância não tem qualquer justificação”5.

Esta formulação é aplicável ao caso dos autos, como aparece devidamente fundamentado na decisão recorrida, nas partes transcritas, considerando que a decisão recorrida entende que a 1ª instância valorou as declarações da arguida FF “em moldes de valoração da confissão da mesma e de circunstancialismo, mas não em moldes e exclusividade que sempre seria proibida à luz do art. 345.º/4CPP”.

Basta, aliás, reler a fundamentação da matéria de facto na decisão de 1ª instância para compreender que a valoração das declarações da arguida FF não violou o disposto no art. 345º nº 4 do Código de Processo Penal, tanto mais que a intervenção do Recorrente resulta também das suas próprias declarações apenas relativamente refutatórias quanto ao seu papel, razões e motivos (tal como sintetizadas na fundamentação da matéria de facto) analisadas concomitantemente com os demais meios de prova e de acordo com as regras da experiência. Transcreve-se parcialmente:

O arguido AA, prestou declarações, referindo que conhecia um indivíduo que tratava por “Cota” e/ou “Tio”, morador no bairro da Localização 9, o qual – sabendo que uma das “ocupações profissionais” do arguido era comprar viagens na Internet para quem precisasse (a par de outras, como comprar carros no estrangeiro para revender, alugar motas e mochilas para a Uber Eats) – lhe pediu a partir de inícios de 2021 para comprar viagens para si, para a sua família e para outras pessoas, recebendo por cada compra de viagem a quantia de cerca de 10,00/20,00 €. Disse que esse “Cota”/”Tio” um dia perguntou-lhe “se conhecia alguém que quisesse fazer viagens, que ele pagava para essas pessoas fazerem as viagens”, tendo o arguido respondido que ia ver. Por cada uma dessas viagens as pessoas receberiam 1.500,00 €. Explicou que comentou esta abordagem com um amigo, que na altura “namorava” com a EE, o qual por sua vez comentou com esta. Então, disse que um dia foi abordado pela EE que lhe referiu que “queria fazer isso”, tendo o arguido falado com o “Cota”/”Tio” que iria então dizer a data em que tal viagem ocorreria. Disse que ainda questionou a EE se tinha a certeza se queria mesmo fazer aquele tipo de viagens porque “isso” não era brincadeira, o que a EE ainda assim aceitou. Nessa sequência, diz, a mando do “Cota”/”Tio” comprou a passagem para a EE e, no dia da viagem, porque o carro do tal amigo que era namorado da EE estava avariado, levou-a ao aeroporto. Referiu que no regresso dessa viagem a EE encontrou-se consigo, trazendo dinheiro para lhe pagar as despesas da viagem, mas ao contrário do que acontecia das outras vezes, a diferença que lhe foi entregue não era apenas de 10,00/20,00 €, mas de cerca de 400,00 €, tendo questionado o “Cota” da razão desse acréscimo ao que este lhe respondeu que era uma compensação pela ajuda – não só por ter comprado a viagem mas também por ter arranjado uma pessoa para fazer a viagem naquelas circunstâncias. Referiu que sabia que estas viagens tinham a ver com o transporte de malas que continham algo de “errado”, mas não sabia precisamente o quê. Disse que em Setembro de 2022 veio a S. Miguel passar uns dias com um amigo e viu nesta ilha a viabilidade de exercer aqui o seu negócio e aluguer de motas da Uber Eats, altura em que decidiu que viria viver para cá para implementar esse negócio. Nessa altura, o “Cota”/”Tio” sabendo que o arguido vinha viver para S. Miguel propôs-lhe que pagaria a renda da casa ao arguido (cerca de 400,00 €) em contrapartida de o arguido permitir que fosse em sua casa que as pessoas que transportavam as malas ficassem quando chegassem a S. Miguel , sendo que a esse local “Cota”/”Tio” teria total acesso para se encontrar com essas pessoas, sendo este que recebia a mala e fazia o pagamento. Esclareceu que o “Cota/”Tio” também tinha casa em S. Miguel mas foi esta a proposta que lhe fez, negando o arguido que fosse o destinatário da mala e que fosse ele que efectuasse o pagamento às pessoas que realizavam o transporte. Relativamente ao transporte da EE ao aeroporto na última viagem pela sua namorada, GG, referiu que foi o arguido que lhe pediu para ir buscar a EE a casa, dizendo que, ao que sabe, a mala já estava com a EE. Disse que foi a EE que lhe pediu para marcar as três viagens da FF, o que fez, recebendo por cada uma dessas viagens o mesmo valor de 400,00 €. Confirmou que nessas três vezes recebeu a FF em S. Miguel, que não foi ele que procedeu à recepção efectiva das malas nem ao pagamento dos 1.500,00 €, mas sim o “Cota/”Tio” que se deslocou ao encontro deles e tratou das coisas directamente com a FF. Referiu que comprou o carro com a matrícula AX no estrangeiro para a sua mãe (com dinheiro dela e da irmã), mas como não era legalmente possível colocá-lo imediatamente no nome da mãe, só o fez mais tarde, em Março. Questionado sobre a fuga no momento em que a EE se aproxima de si com a mala, referiu que fugiu porque a EE lhe disse para fugir e que acabou por o fazer instintivamente. Quanto aos depósitos constantes dos documentos bancários que foram apreendidos na residência da Rua 4 – nos valores de 1.900,00 €, 450,00 €, e 450,00 € – disse que o primeiro era para proceder ao pagamento do arranjo de um carro, o segundo era para pagar dívidas às finanças e o terceiro era para o pagamento de multas/coimas. Em relação ao dinheiro (1.810,00€) e MDMA apreendidos nessa residência referiu que não eram seus, mas sim do “Cota/”Tio”, pois que, como já referira, o mesmo tinha livre acesso àquela casa. Relativamente aos inúmeros cartões de telemóvel que foram apreendidos, explicou que estava sempre a mudar de cartão por causa da Internet. Referiu que o dinheiro apreendido na residência de S. Roque - 965,00 € - era seu, correspondente a uma fatia de dinheiro que tinha trazido do continente para abrir o seu negócio em S. Miguel, não sendo dinheiro que lhe tivesse sido entregue pelo “Cota/”Tio” para pagamento de nenhuma das viagens que comprou.

Confrontado com a escuta telefónica da sessão 424 (conversação entre AA e GG, no dia 30.03.2023), e transcrita a fls. 1321 e 1322, referiu que a conversa sobre o amigo guineense que lhe ia trazer “notas maiores” e os depósitos que falava com GG tinham que ver, quanto ao primeiro com uma dívida que esse seu amigo que jogava futebol em Rabo de Peixe tinha para consigo, e lhe ia pagar em dinheiro, e quanto aos depósitos tinha a ver com depósitos feitos em caixas multibanco e os limites de notas que é possível depositar dessa forma.

(…).

2. Alteração da qualificação jurídica (qualificativa bando); nulidade da sentença; inconstitucionalidade; vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada

Sustenta o Recorrente que quando a 1ª instância, em sede de condenação, adita à qualificação jurídica dos factos descritos na acusação outra agravante para além daquela que já vinha indicada, opera uma alteração da qualificação jurídica nos termos e para os efeitos do n.º 3 do art. 358º do Código do Processo Penal e que a ausência de comunicação ao arguido da referida alteração/adição da qualificação jurídica antes da prolação do acórdão condenatório, com a consequente impossibilidade de exercício do direito de defesa, em violação do disposto no artigo 358º do Código de Processo Penal e artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, consubstancia uma nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 379º nº 1 al. b) e c) do Código de Processo Penal.

Simultaneamente invoca a inconstitucionalidade por violação do artigo 32º nº 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, da interpretação do artigo 358º nº 3 do Código de Processo Penal, segundo a qual o aditamento, em sede de condenação, à integração jurídica da acusação, de uma segunda agravante no âmbito no art. 24º do Decreto-Lei 15/93 de 22.1 não impõe a prévia comunicação ao arguido para, pedindo, se pronunciar.

Mais uma vez o Recorrente pretende a reapreciação da nulidade já antes invocada e apreciada, o que, mais uma vez, com os fundamentos supra referidos e de acordo com a jurisprudência referenciada, justificaria a rejeição do recurso.

Poder-se-ia afirmar também que é manifesta a improcedência, não fosse a circunstância do acórdão recorrido não ter extraído as devidas e necessárias consequências da sua fundamentação ao abordar esta questão. Esse lapso impõe uma maior análise.

Vejamos, então.

No acórdão recorrido discorre-se exaustivamente sobre a nulidade do acórdão por alteração da qualificação jurídica dos factos sem contraditório (fls. 94 a 99) acrescentando elementos pertinentes para essa discussão adiante, a propósito da qualificação jurídica (fls. 128, 132 e 137 a 139) e da medida da pena (fls. 142):

Invoca o Arguido AA (desde a p. 3 à p. 21 da sua motivação – com tentativa de condensação nas conclusões 1.ª a 10.ª) que a consideração contida a fls. 66 a 69 do Acórdão - em que o Tribunal a quo chamou à colação o enquadramento da conduta dos Arguidos AA, CC e GG como também integrante na agravante da alínea j) do art. 24.º DL15/93-22janeiro, como não enquadrável em alteração substancial dos factos, mas sim como de mero enquadramento jurídico, e na consideração de que tal não afetando as garantias de defesa não exige à mesma prévia comunicação – determina violação da norma do art. 32.ºCRP, uma vez que perante alteração de qualificação jurídica – mesmo que sem alteração de factos, sem se aditar aos ou excluir dos factos já imputados, mesmo não reportada a crime diverso ou mesmo sem a agravação de limites de pena -, por a mesma ser enquadrável na alteração não substancial – por transformação do objeto do processo uma vez que é aditada uma agravante, com influência ao nível da pena -, sempre há lugar a comunicação e contraditório em prazo, face à nova e acrescida conotação, interpretação e enquadramento jurídico. Conclui pela nulidade de reporte às alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 379.ºCPP, mais reportando a inconstitucionalidade da interpretação do art. 358.º/3CPP, por violação do art. 32.º/5CRP, “segundo a qual a alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, com o aditamento de uma nova agravante do tipo criminal, não impõe previamente a sua comunicação ao arguido, com a possibilidade, se ele o requerer, de concessão de prazo para defesa”.

Em resposta, entende o Ministério Público que, imutáveis que estão os factos objeto dos autos, como delimitados o foram pela acusação e sem aposição doutros pela defesa, sequer se está perante alteração de qualificação jurídica, por a mesma não ser diversa, sim na presença de indicação duma nova qualificativa, o que não se equipara a alteração não substancial dos factos. Pugna, assim, pelo decaimento do pretendido.

Vejamos.

É facto que a acusação descreve um quadro de factos imputados ao Arguido AA e conclui que os mesmos se integram no preenchimento dos elementos do tipo do art. 21.º e 24.º, al. c) DL15/93-22janeiro.

São precisamente esses factos que vêm a ser objeto de prova em sede de audiência de discussão e julgamento, os quais – no que se cuida – o Tribunal a quo fundamentadamente dá como provados.

Porém, ao fazer o enquadramento jurídico, o Tribunal a quo não os tem como meramente integrantes da referida alínea c), mas também da alínea j) do art. 24.º, sendo que perfilha o entendimento de que tal não integra qualquer enquadramento no lugar paralelo que o art. 358.º/3CPP confere às situações de alteração de qualificação jurídica dos factos.

Decidindo.

No nosso processo penal vigora o princípio da vinculação temática do Tribunal, princípio este umbilicalmente ligado às garantias de defesa do Arguido, uma vez que impede que sejam efetuadas alterações significativas do objeto do processo que possam prejudicar, ou mesmo inviabilizar, a defesa. Impõe-se por esta via que o objeto do processo, balizado pela acusação – em termos e como limite da atividade cognitiva (thema probandum) e decisória (thema decidendum) do Tribunal -, se mantenha na essência idêntico até que seja proferida a decisão final no processo - princípio da identidade -. Obviamente sem prejuízo do que seja carreado para os autos nos termos e limites do art. 339.º/4CPP. Sob pena de nulidade – art. 379.º/2b)CPP -, salvo nas excecionais situações consagradas por lei em que, respeitadas certas condições, opera viabilidade duma alteração daqueles factos (arts. 303.º, 358.º e 359.ºCPP). Acresce que o princípio da identidade tem ainda como significância que ao Tribunal cabe conhecer e julgar o objeto que lhe foi proposto na sua totalidade, de forma unitária e indivisível. Objeto do processo que, delimitado pela acusação, é constituído pelos factos concretos que da mesma constam integradores de um ou vários crimes, imputados a um concreto Arguido, limitando a atividade cognitiva e decisória do Tribunal. A decisão do Tribunal pronuncia-se, a final, sobre se aqueles concretos factos devem ser tidos como provados ou não provados, nas suas dimensões objetiva e subjetiva, subsumindo-os ou não ao tipo ou tipos legais de crime correspondentes - os indicados na acusação -, eventualmente com as alterações permitidas nos termos dos indicados art.s 358.º e 359.ºCPP, e extraindo as consequências jurídicas correspondentes, a saber, condenando ou absolvendo o Arguido. (sobre a temática, cfr. Mário Tenreiro in Considerações sobre o objeto do processo penal, Revista da Ordem dos Advogados, ano 47º, III, dezembro1987, p. 997 e ss.; Acórdão do Supremo Tribuna de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Rodrigues da Costa, 13outubro2011, NUIPC 141/06.0JALRA.C1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj)

Para o quadro em presença, inexiste concreta definição do que sejam factos ou a alteração destes, mas tão só se define o que seja a alteração substancial dos factos como sendo aquela (alteração) que tiver por efeito a imputação ao Arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis (art. 1.ºf)CPP). Certo, contudo, o entendimento aceite de que factos, para o sentido a colher nos arts. 358.º e 359.ºCPP, sempre são os acontecimentos históricos com relevância jurídico-penal integrantes de ocorrências da vida real, eventos materiais e concretos ou mudanças operadas no mundo exterior que, de acordo com certos elementos, nomeadamente temporais, espaciais, lógicos, cronológicos, subjetivo-motivacionais, à luz da valoração social, devam ser reconduzidos a uma unidade de sentido suscetível de ser, por via substantiva, reconduzida a preceito incriminador. (sobre a delimitação, cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume III, p. 206 e, Pedro Soares de Albergaria, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, p. 631).

No que concerne a alteração remete o conceito para a ideia de modificação, mudança ou variação, pelo que a alteração dos factos, seja ela substancial ou não substancial, pressupõe, desde logo, uma mudança factual.

O que está assente e aceite por todos – incluindo o Arguido AA - não ter acontecido no concreto dos autos.

Assim sendo, o que ocorre em concreto nos autos tão só e apenas consubstancia uma outra maneira de encarar juridicamente os factos já constantes da acusação.

Como tal, não tendo operado qualquer comunicação por força de inexistência duma qualquer alteração a nível da factualidade imputada no despacho de acusação, não cabe questionar se a mesma é substancial ou não, qualificativos apenas previstos para a alteração dos factos, ainda que daí resulte, na prática, a aplicação de pena mais grave. (cfr. Pedro Soares de Albergaria, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, p. 632) (cfr. Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, para fixação de jurisprudência, então Assento 2/93, rel. Juiz Conselheiro Bernardo Fisher Sá Nogueira, 10março1993, Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, para fixação de jurisprudência 4/95, rel. Juiz Conselheiro Ferreira Vidigal, de 7junho1995, Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, para fixação de jurisprudência, então Assento 3/2000, rel. Juiz Conselheiro Bernardo Fisher Sá Nogueira, 13dezembro1999, todos acessíveis in www.dgsi.pt/jstj ou in www.dre.pt) (a atender que o Acórdão do Tribunal Constitucional 445/97, rel. Juiz Conselheiro Bravo Serra, 25junho1997, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral - por violação do princípio constante do nº 1 do artigo 32º da Constituição -, a norma ínsita na alínea f) do nº 1 do artº 1º do Código de Processo Penal, em conjugação com os artigos 120º, 284º, nº 1, 303º, nº 3, 309º, nº 2, 359º, nºs 1 e 2 e 379º, alínea b) do mesmo Código, quando interpretada, nos termos constantes do acórdão lavrado pelo Supremo Tribunal de Justiça em 27 de Janeiro de 1993 e publicado, sob a dedignação de «Assento nº 2/93», na 1ª Série-A do Diário da República de 10 de Março de 1993 - aresto esse entretanto revogado pelo Acórdão nº 279/95 do Tribunal Constitucional -, no sentido de não constituir alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica, mas tão somente na medida em que, conduzindo a diferente qualificação jurídica dos factos à condenação do arguido em pena mais grave, não se prevê que este seja prevenido da nova qualificação e se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de defesa.”) (a considerar, igualmente que pelos Acórdãos 22/96, de 16janeiro1996 – rel. Juiz Conselheiro Messias Bento – e 596/96, de 12março1996 – rel. Juiz Conselheiro Tavares da Costa – o Tribunal Constitucional considerou apenas que era exigível que o arguido fosse prevenido da possibilidade do tribunal superior vir a qualificar os factos de forma diferente do que fizera o tribunal de 1.ª instância.)

Assim o é porque nem as garantias de defesa, nem o princípio do contraditório e muito menos a estrutura acusatória do processo impõem que o Tribunal do julgamento se conserve vinculado à qualificação jurídica dada ao facto pelo Ministério Público, antes a independência dos Tribunais demanda a liberdade da qualificação jurídica. É isso precisamente que à luz do art. 339.º/4CPP se impõe quando se estabelece que - sem prejuízo do regime aplicável à alteração dos factos, questão em relação à qual unanimemente há acordo no sentido da sua não verificação - a discussão da causa tem por objeto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida na audiência de julgamento, bem como todas as soluções jurídicas, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia. (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código do Processo Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2008, p. 904)

Assim vista a questão, dado que o invocado art. 379.º/1b)CPP tão só reporta à situação em que a condenação cuide de factos diversos daqueles que constavam no despacho de acusação ou no despacho de pronúncia, fora dos casos e das condições previstas nos arts. 358.º e 359.ºCPP, necessariamente que a nulidade de reporte só se verificaria caso a condenação tivesse por base factos diversos dos constantes do despacho de acusação, o que, por todos aceite, não se verificou. (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, rel. Juiz Desembargador João Abrunhosa, 22novembro2012, NUIPC 1667/10.7TDLSB.L1-9, acessível in www.dgsi.pt/jtrl; José Mouraz Lopes, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, p. 799; Maria João Antunes, in Direito Processual Penal, 2023, p. 219 a 223)

No mais, igualmente é certo, que o Arguido AA apoda a circunstancia ora em análise como integrante da nulidade do art. 379.º/1c)CPP. É dizer, uma omissão de pronúncia.

Sói dizer-se que a Sentença (in casu Acórdão) deve ser autossuficiente, no sentido de conter todos os elementos indispensáveis à compreensão do juízo decisório. Se não aprecia e decide segmentos da matéria de facto ou questões jurídicas relevantes para a correta aplicação do direito à facticidade assente, enferma de incompletude que compromete a sua compreensão e aceitação.

O devesse a que se reporta a norma do art. 379.º/1c)CPP comporta o significado literal de injunção, pelo que, é pacífico que ao Tribunal se impõe que se pronuncie sobre todas as questões pertinentes à decisão da causa, o que se prende com a natureza dos interesses que se visam proteger. É dizer, a nulidade por omissão de pronúncia ocorre quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões de facto ou de direito, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual, que lhe foram submetidas pelos sujeitos processuais (ausência de conhecimento ou de decisão sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa) ou que deve conhecer oficiosamente (isto é, de que o Tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida) e que não estejam prejudicadas pela solução dada a outras (art 608.º/2CPC ex vi art 4.ºCPP) ou em que não esteja o Tribunal legalmente impedido de se pronunciar, entendendo-se por questões os assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões e que se traduzem nos problemas concretos a decidir (o thema decidendum) e não os simples argumentos, opiniões, pontos de vista e doutrinas, expendidos em amparo das teses em presença. Só em relação à primeira categoria, e já não em relação às demais, se podendo equacionar a possibilidade de o Tribunal ter omitido pronúncia. É dizer, a falta de apreciação das primeiras consubstancia a verificação da nulidade; o não conhecimento dos segundos será irrelevante. (neste sentido, Oliveira Mendes, in Código de Processo Penal Comentado, p. 1182, quando nos diz que “A nulidade resultante da omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou questões que a lei impõe que o tribunal conheça, ou seja, questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar – artº 608º, nº 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artº 4º, do CPP. Evidentemente que há que excecionar as questões cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outra ou outras, como estabelece o citado nº 2 do artº 608º do Código de Processo Civil”.) (igualmente, em Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Juiz Conselheiro Simas Santos, a 9março2006, processo 06P461; Juiz Conselheiro Henrique Gaspar, a 16setembro2008, processo 08P2491; Juiz Conselheiro Raúl Borges, a 15dezembro2011, NUIPC 17/09.0TELSB.L1.S1; Juiz Conselheiro Santos Cabral, a 24outubro2012, NUIPC 2965/06.0TBLLE.E1, todos acessíveis in www.dgsi.pt/jstj; Juiz Desembargador Orlando Gonçalves, Acórdão do TRCoimbra, de 9março2016, NUIPC 506/10.3GBLSA.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrc, citando Alberto dos Reis in Código de Processo Civil anotado, vol. V, p. 143)

Concluindo, a omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do Tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Traduz-se num non liquet. (neste sentido, Juiz Conselheiro Pires da Graça, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27abril2011, NUIPC 20/10.7S5LSB.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj)

Descendo ao caso concreto e delimitando finais fronteiras, não consubstanciando o encarar juridicamente os factos já constantes da acusação uma qualquer situação de alteração da qualificação jurídica, como tal a não chamar à colação o expediente de reporte ao art. 358.º/1/3CPP, a omissão in casu deste expediente nunca poderá enquadra-se numa omissão de pronuncia, sendo que se tal expediente operasse antes podia vir a consubstanciar a prática dum ato inútil.

Inexiste, como tal, fundamento para nesta parte alterar nos moldes peticionados o decidido pela 1.ª instância, também porque não se verifica qualquer desrespeito do comando constitucional do art. 32.º/5CRP.

(…)

O Tribunal a quo, enquadrando a ação encetada pela Arguida CC e Arguido AA no âmbito do “detenção” e “transporte”, com vista à obtenção de contrapartida monetária elevada, por quem não possuía autorização para detenção e transporte da substância em causa, conhecedores da sua natureza estupefaciente e cientes do caráter penal da conduta voluntariamente encetada, firmou estar-se perante situação de crime de estupefacientes agravado, p.p. pelo art. 21.º e 24.º, als. c) DL15/93-22janeiro. Entendeu, ainda, que se estava perante quadro de factos, já constantes da acusação, a chamar à colação a alínea j), por consideração de bando.

(…)

Resta, ainda assim, perceber se se trata de situação a manter no campo das qualificativas de reporte ao art. 24.º, ou se antes só se está perante o tipo base do art. 21.º. Questão esta similar aos recursos da Arguida CC e do Arguido AA, ainda que mais lata na esfera do desta, uma vez que também chama à colação a validade da agravante da alínea j) do art. 24.º.

(…)

Improcede, assim, este segmento do recurso, mantendo-se o enquadramento jurídico dos factos provados e encetados pela Arguida CC e pelo Arguido AA no crime de tráfico de estupefacientes agravado, p.p. pelo art. 21.º e 24.º, al. c) DL15/93-22janeiro.

O que se consigna sem prejuízo do quanto se determinará infra à face do recurso interposto pelo Arguido AA, quanto à integração dos factos na alínea j) do art. 24.º.

De facto, não fosse essa circunstância de necessidade de apreciação da questão, como integrante do objeto dos autos e a firmar o aproveitamento inerente ao art. 402.º/2a)CPP, sempre a mesma seria aqui apreciada, pois tal não significaria que este Tribunal Superior da mesma não pudesse conhecer uma vez que se trata de questão de direito relevante cujo conhecimento não está vedado, sem prejuízo, naturalmente, do respeito pelo princípio da reformatio in pejus. (neste sentido cfr. Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6.ª Ed., 2007, p. 86., qualificando tal entendimento como “tributário da concepção dos poderes de cognição do Tribunal Superior em matéria de indagação e aplicação do Direito (v.g. da qualificação jurídica), poderes só limitados pela proibição da reformatio in pejus.”; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Raul Borges, processo 07P4197, 2abril2008, acessível in www.dgsi.pt/stj, onde se pode ler que “Mesmo quando o recorrente não ponha operativamente em causa a incriminação definida pelas instâncias, não pode nem deve o STJ - enquanto tribunal de revista e órgão por excelência e natureza, mentor de direito - dispensar-se de reexaminar a correcção das subsunções.”, quadro este extensível aos Tribunais da Relação, como se aponta no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, rel. Juiz Desembargador José Piedade, processo 0841369, 10setembro2008, acessível in www.dgsi.pt/jtrp).

Entendeu o Tribunal a quo – nos moldes já amplamente descritos nos autos – que os factos trazidos a juízo pela acusação igualmente integravam a alínea j) do art. 24.º.

Sobre tal o Arguido AA se insurge, sendo que o Ministério Público em resposta nada mais disse que o citar o Tribunal a quo.

Percebamos de que lado está a razão, adiantando que está do lado do Arguido AA.

Relativamente ao preenchimento da alínea j) do art. 24.º - “o agente atuar como membro de bando destinado à prática reiterada dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º, com a colaboração de, pelo menos, outro membro do bando ” jurisprudencial e doutrinalmente, vem-se entendendo que o preenchimento do conceito de bando assenta numa designação de cariz criminológico, que se situa, em razão da existência de um líder, entre algo menos do que a associação e algo diferente da co-autoria. Sói dizer-se, em consequência, que nesta figura se aglutinam aquelas situações em que uma pluralidade de agentes, através duma atuação voluntária e concertada, de colaboração mútua, mas ainda assim com uma incipiente estruturação de funções, que embora mais graves - e portanto mais censuráveis - do que a mera co-autoria ou comparticipação criminosa, não são ainda assim de considerar verdadeiras associações criminosas, por nelas inexistir uma organização perfeitamente caracterizada, com níveis e hierarquias de comando e com uma certa divisão e especialização de funções de cada um dos seus componentes ou aderentes. (sobre a evolução do conceito, delimitação do mesmo e comparação, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, rel. Juiz Conselheiro Pires da Graça, NUIPC 138/09.9JELSB.L1.S2, 17abril2013, acessível in www.dgsi.pt/jstj)

A figura do bando – novidade que foi a mesma no nosso ordenamento jurídico pela via do DL15/93-22janeiro – mantém-se problemática máxime perante as dificuldades de a demarcar das figuras de participação plúrima pré-existentes, de que se distancia, com o meio caminho em que se situa com relação aos crimes associativos, assim como das figuras da mera comparticipação - propriamente dita - que ultrapassa. (neste sentido, cfr. a cítica de Faria e Costa, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo 1, em comentário ao art. 204.º/2g)CP, p. 81, ao afirmar que a importação da noção de bando talvez não tenha sido filtrada convenientemente pela crítica da adequação ao real social nacional)

Sendo indubitável que a atuação dos Arguidos GG, CC e AA, sendo conjunta, se enquadra numa convergência comparticipativa com vista à realização de certo resultado, sempre a cair no âmbito mínimo da co-autoria, necessário é que se colham dos factos concretamente provados uma atuação que se enquadre não só numa repetição de factos criminosos – mais quando se sabe que o crime de tráfico de estupefacientes, como o caso dos autos, se desenvolve através duma atuação de trato sucessivo, em execução permanente, em que a incriminação se completa nos primeiros atos de execução, por isso exaurido – mas sim também com vista à prática reiterada de crimes – in casu de tráfico de estupefacientes - , em que cada agente não tem consciência e ou intenção de pertença a um ente coletivo com personalidade distinta da sua e objectivos próprios - o que afastará a associação criminosa típica - mas em que os diversos colaboradores, inseridos numa orgânica ainda incipiente, reconhecem, todavia, a existência de uma liderança de facto a que se subordinam.

E, para tanto, não basta uma qualquer situação de atuação com “tarefas muito concretas, em grupo, com estas características numa cadeia de distribuição de produto estupefaciente”, pois que ainda que assim as mesma se possam já proximamente visualizar no concreto, necessário é que se vislumbre a tal situação de liderança. É que existindo diferentes tarefas – tais quais a guarda inicial, a ajuda à deslocação do correio, ou a receção – certo é que não se pode afirmar que essa atuação seja estanque por parte de cada um dos co-arguidos, podendo operar substituições. Do mesmo modo não se pode afirmar com perentoriedade que o planeamento, ou a adesão ao mesmo, sempre inerente a uma atuação conjunta seja já tal que se possa firmar no campo duma organização de grupo, muito menos a apodar de atividade com modos profissionais.

Sendo certo que alguma organização existe – o que até se torna mais fácil de perceber, como de delinear pela circunstância de se tratar de arguidos entre si ligados por laços familiares ou relacionais – igualmente é certo que não se pode afirmar que em qualquer um destes arguidos se denote um sentimento de pertença a um grupo concreto em que um deles assuma um exclusivo papel de liderança, o qual sempre nos remeteria – ainda que no lugar paralelo da associação criminosa, mas como modo delimitador negativo - para o “chefiar ou dirigir tem o sentido de comandar, governar, administrar, guiar, mandar. Promover é fomentar, impulsionar, fazer avançar. Fundar significa constituir, formar.” (cfr. Leal-Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, p. 1357)

Como tal, procede, nesta parte, o recurso interposto pelo Arguido AA, o quanto aproveita às demais coautoras CC e GG.

(…)

Atendeu o Tribunal a quo às sobreditas circunstâncias concretamente aplicáveis, que valorou corretamente enquanto agravantes ou atenuantes?

Uma linha inicial cumpre esclarecer: a de que a concreta medida da pena se determina a partir do que resulta dos factos provados (e do que deles se pode deduzir) e não a partir de considerações feitas pela ArguidaCC ou pelo Arguido AA que não se extraem ou que não encontrem apoio nesses mesmos factos dados como provados ou, no que ora se cuida, em qualquer ponderação que seja em seu desfavor.

Referimo-nos, em concreto, a uma reiterada preocupação do Arguido AA, manifestada no seu recurso, de acordo com o qual uma das fontes da sua oposição ao julgado se acolhia na agravação da concreta dosimetria da pena pela via de uma acrescida qualificativa.

Ora, desde já se diga, que tal circunstância agravativa, como supra se determinou, não se verifica e, como tal, não poderia ser de considerar. Mas mais. Como se colhe do modo em que se mostra exposto o raciocínio do Tribunal a quo nunca tal agravante foi per se considerada a qualquer nível, o que se compreende por o Tribunal a quo não a ter como um vero acréscimo, mas sim como uma constatação do seu entendimento de que já dos factos objeto dos autos a mesma se retirava.

Numa síntese explicativa apertada, dir-se-á que a decisão recorrida decidiu conceder provimento ao recurso do ora Recorrente nesta parte porque “não se pode afirmar que em qualquer um destes arguidos se denote um sentimento de pertença a um grupo concreto em que um deles assuma um exclusivo papel de liderança”, julgando assim não verificada a qualificativa da al. j) do art. 24º do Decreto-Lei 15/93 de 22.1. Considera a referência a essa alínea no acórdão de 1ª instância como “não consubstanciando o encarar juridicamente os factos já constantes da acusação uma qualquer situação de alteração da qualificação jurídica”, expressão que encontra a sua clarificação na circunstância de que “nunca tal agravante foi per se considerada a qualquer nível, o que se compreende por o Tribunal a quo não a ter como um vero acréscimo, mas sim como uma constatação do seu entendimento de que já dos factos objeto dos autos a mesma se retirava”, ou seja, o tribunal de julgamento considerou a possibilidade de se verificar a circunstância qualificativa bando mas não extraiu daí qualquer consequência porquanto essa circunstância não foi ponderada na medida da pena.

Conclui-se assim que, por via da procedência parcial do recurso e consequente eliminação da circunstância da al. j) do art. 24º do Decreto-Lei 15/93 de 22.1, a nulidade (manifestamente cometida, como assinala o Digno Procurador-Geral Adjunto) foi suprida pelo tribunal de recurso, por força do disposto no art. 379º nº 2 do Código de Processo Penal. Esse suprimento foi facilitado pela circunstância de não se verificar a qualificativa, de acordo com o decidido pelo acórdão recorrido, e de apesar da 1ª instância a poder ter considerado não a usou (não a mencionou sequer), não tendo afectado a determinação da moldura penal nem a medida da pena, logo na 1ª instância, o que sempre seria determinante da inutilidade do conhecimento da questão.

Embora o caminho trilhado pudesse ter sido mais claramente explanado, o resultado alcançado corresponde à pretensão do Recorrente, mostrando-se sanada a nulidade e eliminada a qualificativa em causa.

Porém, o acórdão recorrido falhou ao não ter inserido na parte decisória/deliberativa a parcial procedência do recurso do ora Recorrente. Não extraiu dessa procedência parcial a necessária consequência quanto à eliminação, na condenação, da menção à circunstância da al. j) do art. 24º do Decreto-Lei 15/93 de 22.1, havendo de extrair as necessárias consequências quanto à responsabilidade por custas.

Por isso, apesar de estar em causa lapso evidente, a sua reparação acarreta modificação essencial – procedência parcial em vez de improcedência; eliminação da referência à al. j) do art. 24º; não condenação em custas porquanto o decaimento não foi total (art. 513º nº 1 do Código de Processo Penal) – não se tratando, assim, de mera correcção da sentença, nos termos do art. 380º do Código de Processo Penal.


*


Face ao exposto, reparada a decisão de 1ª instância nessa parte, não subsiste nenhuma alteração da qualificação jurídica e, consequentemente, nenhuma inconstitucionalidade de interpretação do art. 358º nº 3 do Código de Processo Penal.

*


Ainda a propósito da actuação como membro de um bando, o Recorrente suscita a ocorrência de vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, nos termos da al. a) do n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, porquanto “o que resultou provado da matéria de facto é claramente insuficiente para fundamentar a nova subsunção jurídica dos factos que o Tribunal recorrido alcançou, isto é, que o arguido, no desenvolvimento da atividade criminosa, agia, juntamente com as arguidas CC e GG, como membro de um bando, dando como preenchida a agravante constante da al. j) do artigo 24º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro”.

Está claramente em causa questão prejudicada pela resposta dada às questões anteriores porquanto se regressou à subsunção jurídica dos factos constante da acusação, sem qualquer alteração.

Não pode deixar de se deixar expresso que, não fosse a questão estar prejudicada, verificar-se-ia, como assinala o Digno Procurador-Geral Adjunto, que se trata da invocação de um erro de tipificação sempre suprível pelo tribunal.

3. Medida da pena (excesso)

Na conclusão 9ª o Recorrente exprime as razões do seu dissídio em relação à medida da pena, considerando que uma pena de 8 anos e 6 meses de prisão, para este arguido e estes factos é excessiva: a personalidade do arguido, as suas condições de vida, a forma como se comportou antes e depois do crime, bem como as concretas circunstâncias do crime, reclamam uma pena mais próxima do seu limite mínimo. Invoca circunstâncias atinentes à sua personalidade, condições da vida, conduta anterior e posterior à prática do crime e as concretas circunstâncias do crime.

Quanto à medida da pena, o acórdão recorrido fundamentou a manutenção da pena aplicada em 1ª instância, afirmando (excluem-se, na medida do possível, as referências a outra arguida):

(…).

Firmou o Acórdão do Tribunal a quo uma pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão a aplicar ao Arguido AA.

(…)

Quanto ao Arguido AA, delimitado pelo limite abstrato duma pena que se estendia entre 5 (cinco) anos e 15 (quinze) anos, após avaliar as necessidades de prevenção geral como significativas no âmbito dos crimes de tráfico de estupefacientes, expor que in casu as necessidade de prevenção especial não são de descurar, uma vez que ainda que destituído de antecedentes criminais o Arguido AA atuou logo inicialmente em forte obstrução à Justiça, não revela censura, antes atitude de indiferença e irrelevância, ponderou: a culpa, atuada na forma de dolo direito e intenso; a ilicitude elevada, à face da natureza, quantidade e qualidade do produto estupefaciente detido e transacionado; a posição de admissão de factos, sem contributo para a descoberta da verdade material; a ausência de antecedentes criminais; a relação com a inserção familiar e social e desta com a razão dos factos; a ausência de atitude contrita e a ausência de relacionamento com dependência.

Entende o Arguido AA (desde a p. 87 à p. 101 da sua motivação – com tentativa de condensação nas conclusões 96.ª a 104.ª) que tal volume concreto de pena é excessiva, desde logo porque os factos não revelam uma tendência da personalidade, muito menos um sentido de vida, sendo mero desvio acidental de pessoa sem antecedentes criminais e sem histórico de comportamento desviante, é pessoa com passado de trabalho, desde a proximidade do final de adolescência, com integração e vínculo familiar; possui bom comportamento prisional, assim pugnando deveria ser até um máximo de 5 (cinco) anos, sendo suspensa na execução.

Apreciando.

Entrando agora na questão de fixação da pena e considerando que a mesma se faz segundo o art. 71.ºCP, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (n.º 1) e atendendo-se (n.º 2) a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, urge perceber se a decisão sob recurso tal percurso efetuou, em que moldes o fez e se, a final, fixou adequada e justa individual pena de prisão face ao crime perpetrado pela Arguida CC.

Numa simples nota inicial, quanto à questão em apreço e porque basilar para o consistente da posição assumida por este Tribunal Superior nesta matéria da fixação da medida concreta das penas, relembra-se que “[o] recurso dirigido à medida da pena visa o controlo da (des)proporcionalidade da sua fixação ou a correção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, e não a concretização do quantum exato da pena aplicada.” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, rel. Juiz Desembargador Joaquim Gomes, 2novembro2013, NUIPC 180/11.0GAVLP.P1, acessível in www.dgsi.pt/jtrp)

É já longa a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de entender que a intervenção dos Tribunais de 2.ª instância ao nível da apreciação das penas fixadas pela 1.ª instância deve ser parcimoniosa, sendo disso exemplo muito recente o dito pelo Juiz Conselheiro Jorge Raposo (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 5fevereiro2025, NUIPC 2/23.9PTCHV.G1.S1, acessível in www.dgsi.pt/jstj) onde se colhe que “[o] recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico também em matéria de pena e a sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada reconhecendo-se, assim, uma margem de actuação do juiz dificilmente sindicável se não mesmo impossível de sindicar .”

Atendeu o Tribunal a quo às sobreditas circunstâncias concretamente aplicáveis, que valorou corretamente enquanto agravantes ou atenuantes?

Uma linha inicial cumpre esclarecer: a de que a concreta medida da pena se determina a partir do que resulta dos factos provados (e do que deles se pode deduzir) e não a partir de considerações feitas pela Arguida CC ou pelo Arguido AA que não se extraem ou que não encontrem apoio nesses mesmos factos dados como provados ou, no que ora se cuida, em qualquer ponderação que seja em seu desfavor.

Referimo-nos, em concreto, a uma reiterada preocupação do Arguido AA, manifestada no seu recurso, de acordo com o qual uma das fontes da sua oposição ao julgado se acolhia na agravação da concreta dosimetria da pena pela via de uma acrescida qualificativa.

Ora, desde já se diga, que tal circunstância agravativa, como supra se determinou, não se verifica e, como tal, não poderia ser de considerar. Mas mais. Como se colhe do modo em que se mostra exposto o raciocínio do Tribunal a quo nunca tal agravante foi per se considerada a qualquer nível, o que se compreende por o Tribunal a quo não a ter como um vero acréscimo, mas sim como uma constatação do seu entendimento de que já dos factos objeto dos autos a mesma se retirava.

Perante os factos apurados e o que deles se pode deduzir, como veremos, no essencial, estamos de acordo com as considerações feitas pelo Tribunal a quo, quanto à determinação das medidas das penas individuais que foram impostas (…) ao Arguido AA, acima já transcritas, considerando a moldura abstrata (pena de prisão de 5 anos a 15 anos) do crime de tráfico de estupefacientes agravado pelos mesmos cometido em co-autoria.

O alegado pela Arguida CC que extravasa o que se extrai dos factos dados como provados não pode ser atendido.

Nenhuma censura objetiva a tal apreciação pode ser feita à luz da justeza na mesma expressa ao nível das considerações de prevenção, geral e especial, culpa dolosa da Arguida CC, consciente ilicitude de reporte aos factos encetados e considerações, positivas e negativas, da esfera pessoal da mesma.

Como tal, ao contrário do que alega a Arguida CC, não se vê que haja qualquer exagero na ponderação feita ao nível da fixação duma pena concreta que, ainda assim, perante os factos encetados é fixada no imediato limiar do mínimo, tão só 1 (um) ano e 2 (dois) meses desse limite e a 8 (oito) anos e 10 (dez) meses do limite máximo, como tal bem abaixo do primeiro sexto de dosimetria.

O mesmo vale para o Arguido AA, quer no quanto a sua alegação extravasa o quanto se extrai dos factos dados como provados, como tal a não atender, quer no que o mesmo – numa visão, que só se aceita por o ser em termos de defesa, de valorização do positivo e de descurar do negativo - subjetivamente critica a decisão do Tribunal a quo. Para tanto, não se descure que a pena concreta aplicada, ainda assim, perante os factos encetados é fixada no subsequente limiar do mínimo, 3 (três) anos e 6 (seis) meses além desse limite e a 6 (seis) anos e 6 (seis) meses do limite máximo, como tal situada no primeiro terço dessa dosimetria.

Assim, tudo ponderado, considerando o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro, (…) do Arguido AA, olhando aos factos apurados e tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa, bem como os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, ponderando a individualidade das condutas, julga-se, (…) para o Arguido AA, adequada e ajustada a fixada individual pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses, que lhes foram impostas em 1.ª instância e agora se mantêm, uma vez que as mesmas favorecem a sua reinserção social, como intenção reportada no art. 42.º/1CP e 2.ºCEP.

Mantidas as individuais penas de (…) 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão, considerando o limite de pena a que se reporta o art. 50.ºCP, necessariamente que esta questão fica prejudicada, o que se consigna.

Improcede, pois, totalmente a individual argumentação (…) do Arguido AA, não tendo sido violados os princípios e normas por si chamados à colação.

Vejamos.

Decorre da análise efectuada pelo acórdão recorrido, designadamente do que consta dos factos provados 33 a 47 e da medida da pena concreta fixada que, relativamente ao Recorrente, toda a factualidade atinente à personalidade, condições da vida, conduta anterior e posterior à prática do crime e as concretas circunstâncias do crime, foi devidamente valorada e ponderada quer no que de favorável se lhe reconhece, quer nas circunstâncias que militam contra ele.

Atendeu-se à culpa como limite superior da pena e às exigências de prevenção, ponderando todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, respeitando o disposto nos art.s 40º e 71º do Código Penal, ao contrário do alegado.

O recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico também em matéria de pena e a sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas, de acordo com Figueiredo Dias6 não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se “tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”7 reconhecendo-se, assim, uma margem de actuação do juiz dificilmente sindicável se não mesmo impossível de sindicar8.

Conclui-se, assim, pelo respeito dos princípios gerais que presidem à determinação da medida da pena e pelas operações de determinação impostas por lei, com a indicação e consideração dos factores de medida da pena, tendo sido sopesadas todas as circunstâncias atendíveis.

Resta, então apreciar se a pena definida pelo tribunal a quo é excessiva ou se, ao invés, se mostra justa, adequada e proporcional, sendo certo que não sendo caso de manifesta desproporcionalidade9, não se justifica qualquer compressão.

A pena foi fixada em oito anos e seis meses de prisão, pouco acima do 1/3 da moldura penal, sendo particularmente impressivo que a conduta do arguido foi essencial num quadro de tráfico reiterado por via aérea de quantidades muito significativas de produto estupefaciente (pelo menos 5 viagens; apreendidos mais de 17 Kg na última viagem). A pena está em sintonia com a jurisprudência deste Supremo Tribunal para casos semelhantes10.

A pena está assim plenamente fundamentada, mostrando-se justa – proporcional, adequada e necessária – e conforme aos critérios plasmados no art. 71º do Código Penal, não merecendo qualquer censura, a condenação na pena fixada.

Improcede o recurso nesta parte.

III – DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça em:

1. Rejeitar o recurso, no que respeita à nulidade por recurso a prova proibida;

2. Conceder parcial provimento ao recurso interposto, eliminando da condenação a referência ao art. 24.º, al. j) do DL 15/93, de 22.01, qualificativa que não se verificou, mantendo apenas a condenação do arguido AA pela prática, como autor material e na forma consumada, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo artigo 21.º e 24.º, al. c) do DL 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I-C, II-A e I-C, anexa àquele diploma legal;

3. Revogar a condenação em custas do ora Recorrente, no acórdão recorrido;

4. Na parte restante, negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, consequentemente em confirmar a condenação na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Sem custas (art. 513º nº 1 do Código de Processo Penal).

Lisboa, 01-10-2025

Jorge Raposo (relator)

Antero Luís

António Augusto Manso

__________


1. Em particular, a saúde pública, a integridade física e a vida dos cidadãos consumidores.

2. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.1.2025, no proc. 707/19.9PBFAR.E1.S1; no mesmo sentido, a generalidade da jurisprudência deste tribunal, entre outros, o acórdão de 5.3.2025, no proc. 2953/22.9T9SNT.L1.S1, com referências jurisprudenciais sobre o tema.

3. Neste sentido, designadamente, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 30.1.2002 (Armando Leandro), Proc. 3264/01-3.ª, apud Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal, Notas e Comentários, 3.ª ed., Quid Juris, 2020, p. 1067-1068, de 23.3.2006 (Santos Carvalho), Proc. 06547, em www.dgsi.pt, e de 24.5.2018 (Carlos Almeida), Proc. 632/13.7PARGR.L2.S1, apud Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar et alii, cit., 3.ª ed., p. 1384.

4. Poderia também estar em causa o vício de erro notório na apreciação da prova se o mesmo resultasse de forma evidente do texto da decisão recorrida, o que não acontece.

5. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12.3.2008, no proc. 08P694 e de 14.5.2025, no proc. 562/22.1T9VPV.L1.S1.

6. Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 2ª reimpressão, 2009, §255, pg. 197.

7. Neste sentido também os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15.10.2008 e 11.7.2024, respectivamente nos proc.s 08P1964 e 491/21.6PDFLSB.L1.S1.

8. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.3.2004, CJ 2004, 1, pg. 220 e de 20.2.2008, proc. 07P4639.

9. “A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da CRP), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos, – adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na justa medida, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.12.2020, proc. 565/19.3PBTMR.E1.S1)

10. Em situação com contornos semelhantes, embora estivesse em causa quantidade francamente menor de estupefacientes, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.10.2013, proc. 156/07.1JAPDL.L2.S1 considerou “inteiramente adequada a pena de 7 anos e 6 meses de prisão”. Também estando em causa quantidade menor, e tráfico não agravado, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.5.2025, proc. 562/22.1T9VPV.L1.S1 manteve a pena de 8 anos e 2 meses de prisão.