Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2759/17.7T8VNG.P2.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE DIAS
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
OBSCURIDADE
AMBIGUIDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/31/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário :
I- Não se verifica a nulidade da al. c) do nº 1, do art. 615º, do CPC, quando o reclamante manifesta discordância com a decisão, pois que, se o reclamante manifesta discordância é porque entendeu o conteúdo dessa mesma decisão, logo, esta não é ambígua.

II- A ambiguidade só relevará se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que do respetivo texto ou contexto não se torne possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se reclama de ambíguo.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.


AA instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra, BB, onde concluiu pedindo a condenação do réu no pagamento da quantia de €95.622,54, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento.

O réu requereu a intervenção principal provocada da “Companhia de Seguros Mapfre, SA”, e “Companhia de Seguros Tranquilidade, SA”, por ter com estas contratado seguro de responsabilidade civil que cobre os danos invocados pelo autor.

Na 1ª Instância foi proferida sentença, que julgou a ação parcialmente procedente e condenou o réu BB a pagar compensação ao autor AA, a liquidar em decisão ulterior com recurso a juízos de equidade, com o limite de € 75.893,04, pela perda de oportunidade de apreciação do fundamento do pedido de pagamento dos créditos salariais reclamados no âmbito da ação nº 1336/13...., perda decorrente na demora na propositura da ação, julgando a ação improcedente na parte restante.

Recorreram, o réu BB e as chamadas, Mapfre - Seguros Gerais, S.A. e G..., S.A., sendo, após deliberação, decidido pelo Tribunal da Relação, julgar procedentes os recursos de apelação interpostos, revogando a decisão recorrida.

Recorreu o autor para este STJ, sendo aqui decidido, por acórdão de 11-10-2022, julgar improcedente o recurso, negando-se a revista e, mantido o acórdão recorrido.


*


Deste acórdão vem reclamar o autor, e conclui.

“1. O Réu advogado confirmou ter, no exercício da sua actividade profissional de advogado, estabeleceu uma relação contratual com o Autor, que visava a protecção dos seus interesses no âmbito do despedimento colectivo, subjacente aos presentes autos.

2. O Réu advogado, porém, não instaurou, a respectiva acção laboral atempadamente e os créditos laborais, aflorados e identificados no processo de despedimento colectivo, prescreveram.

3. Não houve, pois, um “primeiro julgamento”, de âmbito laboral, pelo que não foi possível nesse âmbito o chamado “julgamento dentro do julgamento”.

4. Comportamento omissivo do qual resultou, um acto lesivo, isto é, a prescrição dos direitos de crédito do Autor e a responsabilização do Réu advogado, dado o incumprimento das regras de diligência profissional.

5. Isto é, ao Réu advogado foi imputado e provado a prática de um acto ilícito violador de direitos subjectivos do Autor, designadamente, o de ter interposto a acção de reclamação dos créditos laborais fora do tempo.

6. Pelo que não pode ser arredada a responsabilidade contratual do n.º 1 do art.º 483.º do Código Civil onde se encontra consagrado o instituto da responsabilidade por factos ilícitos.

7. Aliás, daí a ambiguidade, por estarem reunidos todos os pressupostos, nomeadamente, o facto ilícito - não observância de um dever de actuação, a não entrega da acção atempadamente), que redundou na prescrição dos direitos do Autor que, por seu turno, originou um dano.

8. Sendo entre estes factos inegável a existência de um nexo de causalidade.

9. Além de que tendo ficado provado que o Réu advogado incumprimento dos deveres contratuais assumidos perante o Autor, esse incumprimento, nos termos do n.º 1 do art.º 799.º do Código Civil, se presume culposo.

10. Assim, o Réu Advogado, ao não ter instaurado a acção para que havia sido mandatado, cometeu com culpa, um erro de ofício, lesivo, gerador de um dano, e por via disso o Autor viu negada a oportunidade de reclamar os seus direitos, perdeu, pois, numa palavra, a chance, a oportunidade, de o fazer.

11. Não obstante o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2022, de Uniformização de Jurisprudência, publicado no Diário da República n.º 18/2022, Série I de 2022-01-26, o fundamento da responsabilidade assacada ao Réu Advogado jaz no instituto da responsabilidade civil contratual, previsto no art.º 798.º do Código Civil, não prescindindo, antes pelo contrário, para a sua aplicação, dos requisitos previstos no art.º 483.º do mesmo Código, que compulsados os autos, como vimos, entendemos existir.

12. O Autor, face à omissão do Réu advogado, perdeu a probabilidade séria de procedência dos seus alegados direitos, que existiria caso a acção fosse apresentada tempestivamente em juízo, com os inerentes danos.

13. Assim o Autor estruturou a sua pretensão no facto do Réu advogado ter omitido um dever, que determinou a extinção do seu direito, juntou aos autos documentos sérios, consistentes, que incidiram sobre as negociações que culminaram no despedimento colectivo, designadamente, uma acta de uma reunião havida entre as estruturas sindicais, representantes oficiais, representantes da entidade patronal e também dos trabalhadores, no caso do Autor, o Réu advogado.

14. No qual foram já adiantados valores, próximos dos que na acção prescrita seriam reclamados.

15. Donde decorre a seriedade da pretensão do Autor, séria, consistente e verosímil, apoiado numa outra acção laboral em tudo idêntica no qual o trabalhador logrou obter ganho de causa.

16. Tivesse a acção sido proposta atempadamente, certamente que a mesma procederia, sendo muito provável que o Autor, obteria ganho de causa.

17. Entende assim o Autor que os factos constantes dos autos ao encontro do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2022, de 26 Janeiro de 2022, que sumariamente estabelece que o dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério.

Termos em que deverá a presente reclamação ser atendida e esclarecida a ambiguidade surgida que não obstante a verificação dos requisitos da responsabilidade civil, ser recusar a existência de um dano indemnizatório.

Destas conclusões apenas resulta que o autor/recorrido discorda da decisão do acórdão de que diz reclamar.

Mas não se verifica a nulidade da al. c) do nº 1, do art. 615º quando o reclamante manifesta discordância com a decisão, pois que, se o reclamante manifesta discordância é porque entendeu o conteúdo dessa mesma decisão, logo, esta não é ambígua. Ou, como refere o Ac.  deste STJ de 13-11-2002, no Proc. nº 02B2381, “Não há ambiguidade na decisão quando o reclamante a compreendeu embora com ela não concorde.”

Na alegação reclamatória diz o reclamante que “vem nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC arguir a ambiguidade da sentença” e, “uma vez confrontados os fundamentos com o próprio sentido da decisão, ver esclarecidos determinados aspectos”.

Mas em momento algum concretiza qualquer contradição entre os fundamentos e o dispositivo do acórdão.

No acórdão reclamado é dito expressamente a pág. 27, linhas 27 e 28, “No que respeita à probabilidade de sucesso, como dissemos, nada consta na factualidade provada que a sustente.”

E a fls. 26 se disse, “Não é toda a perda de chance que pode ser reconhecida como um dano indemnizável, mas, apenas, a perda de chance que se manifeste consistente e séria e com um grau razoável de concretização.

E a apurar-se facto ilícito e dano (conduta do mandatário judicial e consequências dessa conduta) terá, ainda, de se apurar a existência, ou não, de nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.

No juízo de prognose póstuma efetuado tem o sucesso da chance de se manifestar superior à possibilidade do insucesso.”

E se refere a fls. 28 que “não se analisa, sendo irrelevante, a eventual censurabilidade que possa merecer a conduta do mandatário que tardiamente intenta a ação, deixando desguarnecido o mandante que nele confiou e lhe conferiu mandato, estando apenas em causa, nesta sede, a probabilidade de êxito, de sucesso da pretensão do ora autor naquela outra ação.”

E se diz a fls. 25, “Não resulta provado nos autos que a probabilidade de ganho de causa naquela ação era razoavelmente elevada, uma “possibilidade real” de sucesso que se malogrou em face da conduta do advogado.

Ao autor, na qualidade de lesado competia a alegação e prova dessa probabilidade de êxito, o que não fez.

Nos autos está em causa a responsabilidade contratual de advogado por eventual incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de mandato.”

E como se disse no acórdão reclamado não é revelador de chance o facto de no processo de um outro trabalhador se ter relegado para decisão final o conhecimento da prescrição nem o facto de aí, as partes, terem efetuado uma transação.

Como se diz no acórdão do STJ referido, “o raciocínio no mesmo [acórdão reclamado] plasmado revela-se perfeitamente cristalino e clarividente para qualquer destinatário normal e médio, que é o suposto ser querido pela ordem jurídica.

Só existe, com efeito, obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido um tal destinatário não possa alcançar. A ambiguidade só relevará se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que do respectivo texto ou contexto não se torne possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se reclama de ambíguo. Se dessa reclamação ressaltar à evidência que o reclamante compreendeu bem os fundamentos da decisão e apenas com os mesmos não concordou, bem como com o sentido decisório final, não ocorre a reclamada obscuridade/ambiguidade.”

O reclamante não pretende que “seja esclarecida qualquer nebulosidade ou falta de clareza, mas sim insurgir-se contra o conteúdo e sentido decisório adotado pelo acórdão aclarando, pretensão que este Supremo Tribunal não pode evidentemente coonestar.”

No mesmo sentido, o Ac. deste STJ de 22-01-2019, no Proc. nº 19/14.4T8VVD.G1.S1, ao referir: “2. A nulidade ancorada na ambiguidade ou obscuridade da decisão proferida, remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, quando a decisão, em qualquer dos respectivos segmentos, permite duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade).

3. A nulidade do aresto, sustentada na contradição entre os seus fundamentos e decisão, pressupõe um erro lógico na argumentação jurídica, dando conclusão inesperada e adversa à linha de raciocínio adoptada, ou seja, apenas ocorre, quando os fundamentos invocados pelo Tribunal deviam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que veio expresso no dispositivo do dito acórdão.

Acresce que o CPC de 2013 não abrange pedidos de esclarecimento de obscuridade ou ambiguidade, como facultava o anterior CPC nº art. 669º, nº 1 al. a).

Trata-se de uma opção legislativa clara, comentada por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil anotado, Volume 2.º, 3.º Edição, Almedina, 2018, a p.p. 741, que referem que “o atual código, porém, não seguiu esta orientação: por um lado eliminou os pedidos de aclaração da sentença; por outro lado, passou a considerar causa de nulidade da sentença a ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (art.º 615-1-c), o que significa, além da introdução deste novo requisito da ininteligibilidade, que a ambiguidade ou obscuridade da respetiva fundamentação, não só não constitui objeto de aclaração, mas também não pode ser arguida nos termos do art. 615º”.

Assim que, não havendo lugar a aclaração, não se pode satisfazer a pretensão de “ver esclarecidos determinados aspectos”. No entanto a fundamentação justificativa da não verificação da nulidade da al. c), do nº 1, do art. 615º, serve de esclarecimento.

Como refere o Ac. deste STJ de 25-11-2020, no Proc. nº 3283/18.6T8MTS.P1-A.S1 , “A ambiguidade ou obscuridade da sentença pode, contudo, integrar a nulidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do código em vigor, quando torne a decisão ininteligível.” (sublinhado nosso).

Face ao exposto deve ser indeferido o requerimento de arguição de nulidade.


*


Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art. 663 nº 7 do CPC:

I- Não se verifica a nulidade da al. c) do nº 1, do art. 615º, do CPC, quando o reclamante manifesta discordância com a decisão, pois que, se o reclamante manifesta discordância é porque entendeu o conteúdo dessa mesma decisão, logo, esta não é ambígua.

II- A ambiguidade só relevará se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que do respetivo texto ou contexto não se torne possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se reclama de ambíguo.

Decisão:

Em face do exposto, acorda-se em indeferir o requerimento de arguição de nulidade do acórdão desta Secção de 11-10-2022.

Custas pelo autor, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) Ucs.


Lisboa, 31-01-2023


Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro relator

Jorge Arcanjo – Juiz Conselheiro 1º adjunto

Isaías Pádua– Juiz Conselheiro 2º adjunto