Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | PIRES DA GRAÇA | ||
Descritores: | MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU RECUSA OBRIGATÓRIA DE EXECUÇÃO FUNDAMENTOS | ||
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Data do Acordão: | 05/10/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO / SENTENÇA / REQUISITOS DA SENTENÇA. DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS – DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS. | ||
Doutrina: | -Anabela Rodrigues, O Direito Penal Europeu Emergente, p. 202; -José Faria Costa, Noções Fundamentais de Direito Penal, 2.ª Edição, p. 96, § 33; p. 97, § 35; p. 98, § 36. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 374.º, N.º 1. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 21.º, 26.º E 33.º, N.ºS 3 E 4. MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU (MDE), APROVADO PELA LEI N.º 65/2003, DE 23 DE AGOSTO: - ARTIGOS 1.º, 2.º, 16.º, N.º 3 E 22.º, N.º 2. REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS (TGIT), APROVADO PELA LEI N.º 15/2001, DE 05 DE JUNHO: - ARTIGO 104.º, N.º 1, ALÍNEA A). | ||
Legislação Comunitária: | DECISÃO-QUADRO DO CONSELHO DE 13 DE JUNHO DE 2002 (2002/584/JAI). CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA. | ||
Legislação Estrangeira: | CÓDIGO PENAL FRANCÊS. CÓDIGO ADUANEIRO FRANCÊS. | ||
Referências Internacionais: | TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA: - ARTIGO 6.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 17-03-2005, PROCESSO N.º 1138/05, IN CJSTJ 2005, TOMO I, P. 220; - DE 25-01-2007, PROCESSO N.º 271/07, IN CJSTJ 2007, TOMO I, P. 178; - DE 08-03-2007, PROCESSO N.º 733/07, IN CJSTJ 2007, TOMO I, P. 206; - DE 09-08-2007, PROCESSO N.º 2847/07; - DE 09-01-2008, PROCESSO N.º 4855/07; - DE 04-03-2009, PROCESSO N.º 685/09; - DE 29-09-2010, PROCESSO N.º 143/10.2YRCBR.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 09-05-2012, PROCESSO N.º 27/12.0YRCBR.S1; - DE 14.07.2014, PROCESSO N.º 165/14.4TRPRT.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT. | ||
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Sumário : | I - O MDE não se destina a sindicar juízos de mérito do procedimento penal do Estado de emissão. II - Encontrando-se verificados os requisitos impostos pela Lei 65/2003, de harmonia com os termos em que a lei é aplicável, não pode concluir-se por qualquer ofensa de natureza constitucional, que afronte qualquer princípio estruturante da cooperação internacional em matéria penal, no caso concreto, não merecendo desta forma provimento o recurso. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça O Tribunal de Grande Instância de Perpignan, França, emitiu em 10 de Março de 2017, Mandado de Detenção Europeu (MDE) contra AA, de nacionalidade portuguesa, identificado nos autos, por ser suspeito da prática, como cúmplice, de crimes de corrupção e fraude, incluindo aquela que afecta interesses financeiros da União Europeia, p. e p., respectivamente, pelos artigos 121º-6, 121º-7, 432-11, 443-17, 126-6 e 121-7, do Código Penal Francês e 369º, 414º, 432ºbis, 435º e 438º do Código Aduaneiro Francês, puníveis com a pena máxima de dez anos de prisão (a que correspondem, na legislação portuguesa, os crimes de corrupção activa, p. e p. pelo artigo 374º, nº 1, do Código Penal e de fraude qualificada, p. e p. pelo artigo 104, nº 1, a), do R.G.I.T.). <> Veio o requerido a ser detido em Portugal, em 28 de Março de 2017, e, oportunamente inquirido no Tribunal da Relação do Porto, declarou não consentir na entrega ao Estado requerente, solicitando prazo para deduzir oposição, o que foi deferido, ficando a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito a detenção. <> Deduzida oposição, o requerido invocou, em síntese, que; não praticou os crimes a se refere o Mandado em apreço , nunca se deslocou ao território de França, sendo que na descrição de factos que consta do mesmo Mandado se refere apenas que estava em contacto com um funcionário da Alfândega francesa; nunca teve intenção de se furtar a qualquer processo em território de França ou de Andorra <> O Tribunal da Relação do Porto, veio a proferir em 10de Abril de 2017, a seguinte decisão: “IV - Nos termos expostos, julga-se improcedente a defesa apresentada e defere-se o cumprimento do Mandado de Detenção Europeu em apreço, emitido pelas autoridades judiciárias francesas, relativo a AA, passando-se, após trânsito, os devidos mandados de captura e entrega, devendo esta última ter lugar no mais curto prazo possível (artigo 29º da Lei nº 65/2003, de 23 de agosto). Consigna-se que, ao abrigo do disposto no artigo 13º, nº 1 b), da Lei nº 65/2003, de 23 de agosto, a entrega fica sujeita à condição de o requerido, após ter sido ouvido, ser devolvido a Portugal a fim de aqui cumprir a pena que, eventualmente, lhe venha a ser aplicada. Sem custas. Após trânsito, comunique à autoridade judiciária de emissão do M.D.E., devendo ser comunicado igualmente o período cumprido em detenção à ordem destes autos para efeitos de desconto no período de prisão eventualmente a cumprir (artigos 28º e 10º, nº1, da Lei nº 65/2003, de 23 de agosto - aqui se consignando que o requerido esteve detido desde as 9 horas do dia 28 de março de 2017). Uma vez que se mantêm os respetivos pressupostos (ver fls 32), o requerido continuará sujeito a detenção.”
<> Inconformado com o acórdão da Relação, dele veio o requerido interpor recurso para este Supremo Tribunal, apresentando na motivação do recurso as seguintes: “VI – CONCLUSÕES a) O Mandado de Detenção Europeu apresenta incongruências que levam ao seu indeferimento liminar, na medida em que não reflete o descrito na decisão judicial que leva à emissão do mesmo, nomeadamente em relação à qualidade do recorrente (cúmplice ou autor) e seu grau de participação, que por sua vez implicará o enquadramento das normas punitivas ao abrigo do direito francês.
NESTES TERMOS, E nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada e ser substituída por outra que se coadune com as pretensões expostas. Assim se fazendo justiça.
<> O Exmo. Procuradpr-Geral Adjunto naquele Relação, apresentou resposta onde explicita em conclusão: I. O mandado de detenção europeu é executado com base no princípio do «reconhecimento mútuo». O que significa que as decisões penais de um Estado membro são reconhecidas e operam automaticamente em qualquer dos Estados-Membros da União Europeia; II. Não cabe ao estado membro de execução exercer qualquer controlo sobre as provas que sustentam a indiciação que é imputada ao requerido, nem sobre o mérito da decisão da AJ do Estado de emissão em perseguir criminalmente o requerido; III. Ainda assim, apesar de se estar perante «crimes de catálogo», a execução do MDE não foi determinada de forma automática, antes tendo sido ponderado que os factos que determinam a sua emissão, tal como descritos pela autoridade de execução, integram os domínios da criminalidade fixados na Decisão-Quadro; IV. Como foi ponderada a inexistência de causas de recusa [obrigatória ou facultativa] de execução do MDE, tendo a sua execução ficado condicionada – uma vez que a pessoa procurada é de nacionalidade portuguesa – a que, após ser ouvido, o mesmo seja devolvida a Portugal a fim de aqui cumprir a pena que, eventualmente lhe venha a ser aplicada [artº 13º, alínea b), da Lei nº 65/2003, na redacção da Lei nº 35/2015]; V. A transposição da Decisão-Quadro e introdução do procedimento de entrega, no âmbito da União Europeia, baseado no princípio do reconhecimento mútuo em matéria penal, tem cobertura constitucional, tendo pela Revisão Constitucional de 2001, sido excepcionadas das proibições de extradição contidas nos nºs 3 e 4 do artº 33º da CRP, a aplicação das normas de cooperação judiciária penal estabelecidas no âmbito da União Europeia [nº 5, do mesmo artigo e redacção]; VI. Pelo que não se vê que a execução do MDE, de reserva de juiz, ofenda os direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição, nomeadamente no artº 21º [direito de resistência] e 26º [outros direitos pessoais], assim como o Considerando (8) da Decisão-Quadro do Conselho, invocados pelo recorrente; VII. Por sua vez, resultando do respectivo formulário, para além dos demais requisitos de forma e conteúdo, o grau de participação da pessoa procurada como AUTOR [flªs 13, ponto 045], o facto de, no termo Descrição da Circunstâncias [flªs 12 e ss, ponto 044], se referir que, no estado actual do processo, o mesmo é considerado cúmplice destas fraudes e infracções, não releva como causa de recusa [obrigatória ou facultativa] de execução do MDE, nem justifica qualquer pedido de informação complementar ao estado de emissão, uma vez que do formulário consta a indicação da natureza e qualificação jurídica da infracção e a descrição das circunstâncias em que a infracção foi cometida, incluindo o momento e lugar da sua prática, apenas se mostrando, ainda, nesta fase do processo, indeterminado o grau de participação que neles teve a pessoa procurada [autor/cúmplice]; VIII. Acresce que, constando do MDE que a pessoa procurada praticou os factos que consubstanciam as infracções a que é relativo o Mandado em apreço não só em Andorra, mas também em Porta, no território francês, e, mais genericamente, neste território entre 1 de Janeiro de 2015 e 9 de Março de 2017; IX. A prática da infracção apenas parcialmente fora do território do Estado de emissão não justifica a recusa de execução do mandado de detenção europeu ao abrigo do disposto no citado artigo 12º, nº 1, ii), da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto”; X. De todo o modo, nos termos do artigo 7º, nº 1 do Código Penal: “O facto considera-se praticado tanto no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de participação, o agente actuou, ou, no caso de omissão, devia ter actuado, como naquele em que o resultado típico ou o resultado não compreendido no tipo de crime se tiver produzido”; XI. Disposição a que corresponde o artigo 5º do RGIT, nos termos do qual: “As infracções tributárias consideram-se praticadas no momento e no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou, no caso de omissão, devia ter actuado, ou naqueles em que o resultado típico se tiver produzido, sem prejuízo do disposto no artº 3”; XII. Assim, tendo o MDE em execução sido emitido pelas autoridades judiciárias de França, local onde pelo critério do resultado da acção os crimes se têm por praticados, sempre, independentemente do local e modo de participação que neles teve o requerido, é aos tribunais de França, como Estado membro, que compete a prossecução do respectivo procedimento criminal e emissão do MDE; * Temos em que se entende que o recurso não merece provimento, devendo, por isso, ser integralmente confirmado o acórdão recorrido. Assim se fazendo, JUSTIÇA <> Cumprida a legalidade dos vistos, seguiu o processo para conferência, <> Cumpre apreciar e decidir: Diz o recorrente: a) O Mandado de Detenção Europeu apresenta incongruências que levam ao seu indeferimento liminar, na medida em que não reflete o descrito na decisão judicial que leva à emissão do mesmo[…];b) Não pode a entidade que emitiu o Mandado de Detenção Europeu[…], alterar a qualidade do agente de cúmplice para autor, e consequentemente alterar a natureza e qualificação jurídica da infração pelo seu grau de participação. c) Pelo artigo 3.º da Lei 65/2003, de 23 de Agosto, é imposto que o conteúdo e a forma do Mandado de Detenção Europeu tenha por suporte a existência de uma sentença com força executiva, de um mandado de detenção ou de qualquer outra decisão judicial com a mesma força executiva nos casos previstos nos artigos 1.º e 2.º do mesmo diploma, o que pressupõe que a emissão do respetivo Mandado tenha o mesmo suporte legal, o que no caso concreto não acontece, violando desta forma o artigo 3.º da Lei 65/2003, de 23 de Agosto.; d)Caso o Estado de execução não possa decidir da execução por considerar que as informações comunicadas são insuficientes para que possa decidir da entrega, deve solicitar que lhe sejam comunicadas informações complementares, pelo que ao não requerer informações complementares suficientes para a sua decisão viola o n.º 3 do artigo 16.º, o n.º 2 do artigo 22.º da Lei 65/2003, de 23 de Agosto.; e) A decisão de entrega do recorrente ofende os direitos, liberdades e garantias devidamente consagrados na Constituição. f)O recorrente não praticou os crimes de que vem acusado. g) A única ligação que tinha com o funcionário da alfândega francesa, que foi detido em flagrante delito em data em que o recorrente se encontrava em Portugal, que por si só demonstra que após o recorrente ter regressado a Portugal o crime cometido por aquele funcionário se manteve pelo que o recorrente nada tem a haver com as eventuais práticas criminosas praticadas por aquele funcionário da alfândega, era quando o mesmo ligava para realizar uma encomenda, situação completamente legal, até porque o recorrente não sabe nem tem obrigação de saber o fim para que se destinam os bens, muito menos onde os mesmos serão depositados. h) A venda do tabaco e álcool em Andorra é completamente legal, e se feita em quantidades superiores às autorizadas caberá uma multa ou coima administrativa, a ser aplicada a entidade patronal do recorrente e nunca a este: i)A aplicação do princípio do reconhecimento mútuo não implica que as decisões do Estado de execução não sejam objeto de um controlo adequado, uma vez que a decisão-quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.º do Tratado da União Europeia, pelo que assentando o acórdão ora recorrido no Princípio do Reconhecimento Mútuo, viola o artigo 21º e 26.º da Constituição da República Portuguesa, assim como o Considerando (8) da Decisão-Quadro do Conselho de 13 de Junho de 2002 (2002/584/JAI) j) O recorrente nunca praticou qualquer crime em território francês, inclusive encontrava-se em território que não pertence à união europeia, pelo que o Acórdão recorrido viola o ponto ii) da alínea g) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei 65/2003, de 23 de Agosto.
Em suma, como bem sintetiza o Exmo. Magistrado do MP junto do Tribunal da Relação:”o recorrente pugna pela recusa da execução do mandado de detenção europeu por, em seu entender, se não mostrarem preenchidos os requisitos para a sua execução, invocando, em síntese: Que do Mandado de Detenção Europeu não consta a natureza da infracção e grau de participação nele da pessoa procurada, nos termos do artº 3º, nº 1, da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto [conclusões a) a d)]; Nega a prática do crime por que é pedida a sua entrega [conclusões f) a i)]; E refere que, nunca praticou qualquer crime em território francês, encontrando-se em território não pertencente à União Europeia [conclusão j)], o que integraria a causa de recusa [facultativa] da execução do MDE prevista no artº 12º, nº 1, alínea h) – ii, da Lei 65/2003 [e não alínea g), como por lapso - segundo cremos - se indica]; <> Sobre o desiderato impugnativo exposto, há que dizer: Foi em cumprimento da Decisão Quadro nº 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de Junho, que a Lei nº 65/2003 de 23 de Agosto, publicada no Diário da República I Série. A, nº 194 de 23 de Agosto de 2003, veio aprovar o regime jurídico do mandado de detenção europeu, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004. Essa Decisão-Quadro de 13 de Junho de 2002 relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros (2002/584/JAI), teve em vista a execução do princípio do reconhecimento mútuo das decisões penais, referido no ponto 37 das conclusões do Conselho Europeu de Tampere e aprovado pelo Conselho em 30 de Novembro de 2000, constituindo o mandado de detenção europeu (MDE) a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de «pedra angular» da cooperação judiciária (ponto 6). O mecanismo do mandado de detenção europeu é baseado num elevado grau de confiança entre os Estados-Membros. A execução desse mecanismo só poderá ser suspensa no caso de violação grave e persistente, por parte de um Estado-Membro, dos princípios enunciados no n. 1 do artigo 6. do Tratado da União Europeia, verificada pelo Conselho nos termos do n. 1 do artigo 7. do mesmo Tratado e com as consequências previstas no n. 2 do mesmo artigo (ponto 10). Considerou-se que o objectivo que a União fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça conduz à supressão da extradição entre os Estados-Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias. Acresce que a instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal permite suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos actuais procedimentos de extradição. As relações de cooperação clássicas que até ao momento prevaleceram entre Estados-Membros devem dar lugar a um sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, tanto na fase pré-sentencial como transitadas em julgado, no espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça (ponto 5). O mandado de detenção europeu deverá substituir, nas relações entre os Estados-Membros, todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição, incluindo as disposições nesta matéria do título III da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen (ponto 11).
Em conformidade com o princípio da proporcionalidade a referida Decisão-Quadro conteve-se no necessário para atingir aquele objectivo (ponto 7), sendo que as decisões sobre a execução do mandado de detenção europeu devem ser objecto de um controlo adequado, o que implica que deva ser a autoridade judiciária do Estado-Membro onde a pessoa procurada foi detida a tomar a decisão sobre a sua entrega (ponto 8). A Decisão-Quadro respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pelo artigo 6.º do Tratado da União Europeia e consignados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,, nomeadamente o seu capítulo VI. Nenhuma disposição da Decisão-Quadro poderá ser interpretada como proibição de recusar a entrega de uma pessoa relativamente à qual foi emitido um mandado de detenção europeu quando existam elementos objectivos que comportem a convicção de que o mandado de detenção europeu é emitido para mover procedimento contra ou punir uma pessoa em virtude do sexo, da sua raça, da sua religião, da sua ascendência étnica, da sua nacionalidade, da sua língua, da sua opinião política ou da sua orientação sexual, ou de que a posição dessa pessoa possa ser lesada por alguns desses motivos. A mesma Decisão-Quadro não impede que cada Estado-Membro aplique as suas normas constitucionais respeitantes ao direito a um processo equitativo, à liberdade de associação, à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão noutros meios de comunicação social (ponto 12). Ninguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes (ponto 13). <> O artº 1º da Lei 65/2003 de 23 de Agosto, actualizada pela Lei n.º 35/2015, de 04/05) esclarece que: 1 - O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade. 2 - O mandado de detenção europeu é executado com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente lei e na Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho.
Nos termos do art° 21.° da mesma Lei, sobre a Oposição da pessoa procurada 1 - Só é admissível recurso: a) Da decisão que mantiver a detenção ou a substituir por medida de coacção; b) Da decisão final sobre a execução do mandado de detenção europeu. Há lugar a despacho liminar sobre a suficiência das informações que acompanham o mandado de detenção europeu, tendo especialmente em conta o disposto no artigo 3º e artº 16º nº 2 da referida Lei, e, somente no caso de as informações comunicadas pelo Estado membro de emissão serem insuficientes para que se possa decidir da entrega, é que “são solicitadas com urgência as informações necessárias, podendo ser fixado prazo para a sua recepção, para que sejam cumpridos os prazos estabelecidos no artigo 26º.” – artº 22º nº2 da mesma Lei. Sendo certo que: Conforme acórdão deste Supremo, de 04-03-2009, proc. n.º 685/09 - 3.ª Secção: Como tem entendido a jurisprudência, a ausência dos requisitos de conteúdo e de forma do MDE, a que se refere o art. 3.º da Lei 65/2003, não é causa de recusa obrigatória ou de recusa facultativa, previstas, respectivamente, nos seus arts. 11.º e 12.º. A falta desses requisitos importa uma irregularidade sanável, nos termos do art. 123.º do CPP, aplicável subsidiariamente por força do art. 34.º da Lei 65/2003 – cf., neste sentido, Acs. do STJ de 25-01-2007, Proc. n.º 271/07 - 5.ª, CJSTJ 2007, tomo 1, pág. 178; de 08-03-2007, Proc. n.º 733/07 - 5.ª, CJSTJ 2007, tomo 1, pág. 206; de 09-08-2007, Proc. n.º 2847/07 - 5.ª; e de 09-01-2008, Proc. n.º 4855/07 - 3.ª –, que, , é de ter por sanada seo recorrente não tomou sobre ela qualquer posição, em tempo útil. Como se diz no Ac. de 17-03-2005, Proc. n.º 1138/05 - 5.ª (CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 220), a propósito da integração de eventuais insuficiências pelo pedido de informações complementares, o que importa, deste ponto de vista, é, não tanto a correcção inicial do mandado, antes que, segundo um actuante “princípio da actualidade”, com informação posterior ou sem ela, o Estado requerido, por intervenção do tribunal competente, no momento de decidir esteja na posse de todos os elementos necessários sobre o destino a dar à pedida execução do mandado..
<> O mandado de detenção europeu (MDE) é um processo de cooperação judiciária internacional em matéria penal, sujeito a regras processuais específicas, consubstanciadas na Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, com a actualização da referida Lei n.º 35/2015, de 04/05) não fazendo tábua rasa das regras do processo penal comum, cuja aplicação é meramente subsidiária, nos termos do artº 34º da mesma Lei. Assim, da mesma forma que não se destina á apreciação dos elementos fácticos definidores da ilicitude, também não se destina a produzir e valorar todas as provas respeitantes à verificação ou não da ilicitude, dos seus agentes e da responsabilidade criminal. O MDE não é um inquérito, nem representa qualquer fase processual de investigação, Para efeitos de execução de MDE, não se coloca qualquer problema de presunção de inocência, que é apenas inerente ao processo no Estado de emissão, a que respeita a pessoa procurada. Por outro lado, como se salientou no acórdão deste Supremo de 09-05-2012, proc. nº 27/12.0YRCBR.S, o art. 22.° da LMDE, ao estatuir que o tribunal profere decisão fundamentada sobre a execução do MDE, parece querer excluir a aplicação do regime do processo penal em matéria de requisitos da sentença. Com efeito, se a vontade do legislador fosse a de submeter a decisão de execução do MDE ao regime estabelecido no processo penal para a elaboração da sentença, por certo não teria aludido no texto à fundamentação da decisão, alusão que seria, nesse caso, pura redundância. Ademais, parte dos requisitos estabelecidos no art. 374.° do CPP, são intransponíveis para o processo de execução do MDE, o que decorre da simples leitura do respectivo texto legal, tanto mais que a sentença, enquanto acto processual que conhece a final do objecto do processo – al. a) do n.º 1 do art. 97.º do CPP –, constitui acto processual bem distinto da decisão sobre a execução do MDE, consabido que a sentença constitui um acto processual complexo, em que o juiz se pronuncia de forma exaustiva e ilimitada sobre a acusação ou o despacho de pronúncia, tendo em vista determinar se o arguido cometeu ou não os factos delituosos que lhe são imputados, para o que dispõe dos mais amplos poderes de investigação – arts. 97.°, n.° 1, al. a), e 340.°, n.º 1, do CPP –, acto que é precedido e suportado por muitos outros actos processuais, com destaque para a audiência, sendo que, no processo de execução de MDE, ao invés, a actividade judicial a exercer, obviamente no Estado receptor, é muito limitada, restrita à verificação dos requisitos formais do mandado e à ocorrência de eventual situação de recusa da sua execução, bem como ao controle dos direitos fundamentais, visto que a decisão do Estado emitente do MDE, desde que seja tomada por autoridade judiciária competente à luz do direito interno daquele Estado e em conformidade com aquele direito, tem um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União, produzindo a decisão judiciária do Estado emitente efeitos pelo menos equivalentes a uma decisão tomada pela autoridade judiciária nacional. Daqui que a decisão sobre a execução do MDE, em matéria de fundamentação, se baste com a especificação dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão – corpo do n.º 2 do art. 374.° do CPP –, tal qual a regra geral de matriz constitucional consagrada no art. 205.°, n.º 1, da CRP. Ónus que o tribunal recorrido cumpriu escrupulosamente, indicando circunstanciadamente as razões de facto e de direito que conduziram à decisão proferida.” <> Verifica-se dos autos, como aliás noticia o acórdão recorrido em seu relatório, que: “I- Pelas autoridades judiciárias de França, no âmbito do processo nº BOP16/096/124, do Tribunal de Grande Instância de Perpignan, foi emitido, em 10 de março de 2017, Mandado de Detenção Europeu (MDE) contra AA (de nacionalidade portuguesa, melhor identificado a fls. 2), o qual é nesses autos suspeito da prática, como cúmplice, de crimes de corrupção e fraude, incluindo aquela que afeta interesses financeiros da União Europeia, p. e p., respectivamente, pelos artigos 121º-6, 121º-7, 432-11, 443-17, 126-6 e 121-7, do Código Penal Francês e 369º, 414º, 432ºbis, 435º e 438º do Código Aduaneiro Francês, puníveis com a pena máxima de dez anos de prisão (a que correspondem, na legislação portuguesa, os crimes de corrupção ativa, p. e p. pelo artigo 374º, nº 1, do Código Penal e de fraude qualificada, p. e p. pelo artigo 104, nº 1, a), do R.G.I.T.). Na sequência desse Mandado, o requerido veio a ser detido no dia 28 de março de 2017, pelas 9 horas, na via pública, na Rua ... (cfr. fls. 7) e posteriormente conduzido a este Tribunal da Relação para audição. Ouvido o detido, com observância das formalidades legais, em diligência iniciada pelas 11h15m do dia 29 de março de 2017, declarou o mesmo não consentir na entrega ao Estado requerente, solicitando prazo para deduzir oposição, o que foi deferido, sendo-lhe concedido o prazo de 5 dias para o efeito e determinando-se que aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito a detenção. Nessa oposição, o requerido invocou, em síntese, o seguinte: - não praticou os crimes a que é relativo o Mandado em apreço; - nunca se deslocou ao território de França, sendo que na descrição de factos que consta do Mandado em apreço se refere apenas que estava em contacto com um funcionário da Alfândega francesa; - nunca teve intenção de se furtar a qualquer processo em território de França ou de Andorra […]” <> Ora, perante as questões postas e perscrutando o acórdão recorrido, consta do mesmo: “II - O objecto do presente processo encontra-se delimitado pelos termos do Mandado de Detenção Europeu, importando decidir se a pessoa procurada deve, ou não,ser entregue às autoridades judiciárias requerentes. III 1. – Analisemos cada uma das questões suscitadas pelo opoente. Vem este alegar que não praticou os crimes de que vem acusado e que nunca teve intenção de se furtar a qualquer processo em território de França ou de Andorra. Não é esta, no entanto, a sede própria para analisar estas questões. O regime do mandado de detenção europeu baseia-se no princípio do “reconhecimento mútuo” (artigo 1º, nº 2, da Lei nº 65/2003, de 23 de agosto), que pressupõe a “confiança mútua” e se traduz no reconhecimento automático das decisões judiciárias penais de um Estado membro por parte dos outros Estados membros. Daí decorre que os únicos fundamentos da oposição à execução de um mandado de detenção europeu sejam, nos termos do nº 2 do artigo 20º da referida Lei nº 65/2003, o erro na identidade do requerido ou a existência de alguma das causas de recusa de execução taxativamente indicadas nos artigos 11º (recusa obrigatória) ou 12º (recusa facultativa) dessa mesma Lei. Ora, nenhuma destas duas situações invocadas pelo opoente e ora em apreço integra alguma dessas causas de recusa, obrigatória ou facultativa, de execução de um mandado de detenção europeu. Assim, não se verifica, quanto a estes dois aspectos, qualquer obstáculo à execução do Mandado de Detenção Europeu em apreço.”
Na verdade, como supra referimos o MDE, “da mesma forma que não se destina á apreciação dos elementos fácticos definidores da ilicitude, também não se destina a produzir e valorar todas as provas respeitantes à verificação ou não da ilicitude, dos seus agentes e da responsabilidade criminal” E. como assertivamente assinala o Digmo Procurador-Geral Adjunto em sua resposta: “não cabe ao estado membro de execução exercer qualquer juízo de mérito sobre a decisão da autoridade judiciária de emissão de proceder criminalmente contra a pessoa procurada; 4.4 Neste sentido, se pronunciou o STJ, por acórdão de 14.07.2014, proferido no processo nº 165/14.4TRPRT.P1.S1 (Relatora: Isabel Pais Martins)[1], com o seguinte sumário: 4.5 Acresce que, preenchendo o MDE, seja quanto ao seu conteúdo, seja quanto à forma, os requisitos previstos no artº 8, nº 1 alíneas a) a g), da Decisão-Quadro do Conselho, de 13 de Junho de 2002 [que corresponde artº 2º, alíneas a) a g) da Lei nº65/2003], não sendo obrigatória, sempre se mostraria inútil a eventual instrução do MDE com prova que suporta a indiciação {…] dos crimes em causa que vêm imputados ao requerido; 4.6 Posto que dele consta, nomeadamente, a natureza e qualificação jurídica da infracção [alínea d)] bem como a descrição das circunstâncias em que a infracção foi cometida, incluindo o momento, lugar e o grau de participação – como melhor se verá infra - da pessoa procurada [alínea e), ambas da Lei nº 65/2003], que permitem o controlo pela autoridade judiciária de execução dos factos que motivaram a emissão do MDE; 4.7 Mas apenas para exercer, como refere Anabela Rodrigues[2] “(…) em primeiro lugar, um controlo genérico, ou seja, verificar se o facto ou factos que dão origem ao mandado fazem parte da lista, referindo-se a um «domínio de criminalidade aí previsto»; depois um controlo jurídico que se analisa num controlo da incriminação do facto ou factos no Estado de emissão”. Contudo, como adverte a mesma A, cit. estudo: “(…) Nesta segunda fase do controlo, a autoridade judiciária fica subordinada à definição dos factos pelo direito do Estado de emissão, isto é, tem de se ater aos elementos constitutivos do tipo legal de crime tal como estão previstos na lei do Estado de emissão e não aos elementos constitutivos na lei do seu estado”; 4.8 Razão por que, integrando os factos que deram origem à emissão do presente MDE, tal como eles se mostram definidos pelo direito do Estado de emissão, os crimes de Corrupção passiva de uma pessoa em situação de autoridade pública e de Fraude da previsão, respectivamente, dos artigos 121-6, 121-7, 432-11, 443-17 e 126-6, 121-7, do Código Penal Francês e 369, 414, 432bis, 435, 438 do Código Aduaneiro Francês; 4.9 E verificando-se, como já se assinalou, que aos mesmos corresponde pena de prisão superior a 3 anos, correspondendo a crime de catálogo [artº 2º, nº 2, alínea o) da Lei 65/2003] e, como tal, se mostrando assinalado no respectivo MDE [flªs 11], mostram-se, assim, esgotados os assinalados poderes de controlo da autoridade judiciária do Estado de execução, a quem não cabe, nem pode, exercer qualquer controlo sobre as provas que sustentam a indiciação que é imputada ao requerido, nem sobre o mérito da decisão da AJ do Estado de emissão em perseguir criminalmente o requerido;”
No artº 3º da Lei 65/2003,versando sobre o conteúdo e forma do mandado, estabelecem-se os requisitos necessários à existência legal de um mandado de detenção europeu. Tais requisitos consubstanciam-se em informações necessárias de viabilidade, e relevam de aspectos formais e, também substanciais, estruturantes do mandado de detenção europeu. Há um modo próprio de explicitação, - em conformidade com o formulário anexo - donde consta a identificação da pessoa que se procura, com a indicação das ilicitudes e sua descrição circunstancial, pena aplicada no caso de a sua finalidade ser a do cumprimento de pena pela pessoa procurada ou da pena aplicável à infracção nos temos da legislação do Estado emissor, no caso de se tratar do procedimento penal em curso. O formulário anexo, é a concretização da homogeneização de procedimentos em espaço europeu comum. Sendo que a detenção do requerido encontrava-se inserida no Sisterna de Infornaçäo Schengen (S IS), para efeito da Decisão Art° 26 SIS II, com vista a sua entrega/extradição para Franca. E, conforme Artigo 4.ºda Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto. Sobre “Transmissão do mandado de detenção europeu” […] 2 - A autoridade judiciária de emissão pode, em qualquer caso, decidir inserir a indicação da pessoa procurada no sistema de informação Schengen (SIS). […] 4 - Uma indicação inserida no SIS produz os mesmos efeitos de um mandado de detenção europeu, desde que acompanhada das informações referidas no n.º 1 do artigo 3.º 5 - As autoridades de polícia criminal que verifiquem a existência de uma indicação efectuada nos termos do número anterior procedem à detenção da pessoa procurada.
<> Refere o acórdão recorrido: “III 2. – Vem o opoente alegar, por outro lado, que nunca se deslocou ao território de França, sendo que na descrição de factos que consta do Mandado em apreço se refere apenas que esteve em contacto com um funcionário da Alfândega francesa. Invoca, assim, o opoente, a causa de recusa facultativa de execução do Mandado de Detenção Europeu que decorre do artigo 12º, nº 1, ii), da Lei nº 65/2003, de 23 de agosto: que a infracção tenha sido praticada fora do território do Estado membro de emissão desde que a lei penal portuguesa não seja aplicável aos mesmos factos quando praticados fora do território nacional. Não nos cabe analisar nesta sede se a descrição dos factos (incluindo a sua localização espacial) imputados ao opoente no Mandado em apreço corresponde, ou não, à verdade. Teremos que nos ater a essa descrição, pura e simplesmente. Ora, segundo essa descrição, o opoente praticou os factos que consubstanciam as infracções a que é relativo o Mandado em apreço não só em Andorra, mas também em Porta, no território francês, e, mais genericamente, neste território entre 1 de janeiro de 2015 e 9 de março de 2017 (ver fls. 13 e fls. 18, verso). Dessa descrição não consta apenas, ao contrário do que sustenta o opoente, que este tenha contactado um funcionário da Alfândega francesa. A prática da infracção apenas parcialmente fora do território do Estado de emissão não justifica a recusa de execução do mandado de detenção europeu ao abrigo do disposto no citado artigo 12º, nº 1, ii), da Lei nº 65/2003, de 23 de agosto. “ Assim, não se verifica, também quanto a este aspeto, qualquer obstáculo à execução do Mandado de Detenção Europeu em apreço. Uma vez que o requerido tem nacionalidade portuguesa, e residência em Portugal, ao abrigo do disposto no artigo 13º, nº 1, b), da Lei nº 65/2003, de 23 de agosto, a sua entrega fica sujeita à condição de este, após ter sido ouvido, ser devolvido a Portugal, a fim de aqui cumprir a pena que, eventualmente, lhe venha a ser aplicada. “ Com efeito: Dispõe o Artigo 12.º da referida lei,, sobre "Causas de recusa facultativa de execução do mandado de detenção europeu” 1 - A execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando: […] ii) Tenha sido praticada fora do território do Estado membro de emissão desde que a lei penal portuguesa não seja aplicável aos mesmos factos quando praticados fora do território nacional. Por sua vez, dispõe o artigo 5º nº 1 c) do Código Penal: “1 - Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional: […] e) Por portugueses, ou por estrangeiros contra portugueses, sempre que: i) Os agentes forem encontrados em Portugal; ii) Forem também puníveis pela legislação do lugar em que tiverem sido praticados, salvo quando nesse lugar não se exercer poder punitivo; e iii) Constituírem crime que admita extradição e esta não possa ser concedida ou seja decidida a não entrega do agente em execução de mandado de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português; <> A aplicação extraterritorial da lei penal justifica-se quando estão em causa bens ou interesses que não admitem a impunidade da respectiva ofensa, entrando-se no campo do princípio da universalidade ou da aplicação universal, que tem na cooperação internacional a sua mais lídima expressão, e daí a ressalva dos tratados e convenções, procurando-se com a mesma garantir a tutela de interesses ou bens que importam a toda a Humanidade e partilhando outros interesses com alguns ou todos os demais Estados, em termos de se justificar, a propósito, a punição dos crimes correlativos, sejam quais forem os seus agentes. Uma das condições para que seja aplicável a lei portuguesa a factos praticados fora do território nacional, é a de que o agente dessa prática seja encontrado em Portugal e não possa ser entregue em resultado de execução de um mandado de detenção europeu.
O recorrente é português foi encontrado em Portugal Recusa facultativa poderia haver se a pessoa procurada não pudesse ser entregue em execução de MDE. Ora pelas razões já supra expostas, no âmbito do presente MDE, não está verificada a cumulativa condição a que alude a parte final da alínea c) do nº 1 do artigo 5º do Código Penal,
Acresce que segundo o MDE os factos delituosos, ocorreram também em França e segundo as autoridades francesas foram praticados pelo requerido, ora recorrente, português, que foi detido em Portugal, sendo que, referente a ele está pendente um processo-crime apenas em França que pede a sua entrega para efeitos de procedimento penal, no âmbito do presente MDE, instrumento de cooperação internacional que vincula ambos os Estados em presença. Somente nestas situações em que a pessoa procurada se encontre em território nacional, tenha nacionalidade portuguesa ou resida em Portugal, o Estado Português pode recusar sem mais formalidades que as previstas na lei (compromisso de executar em território nacional e de acordo com a lei portuguesa a pena ou medida de segurança a que a pessoa procurada tenha sido condenada) a entrega desta ao Estado emitente
(Fora destes casos, a competência do tribunal português é subsidiária e instrumental no caso de se vir a operar a transferência de processo, através do mecanismo previsto desde 1999, na lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal – Lei 144/99 – mais concretamente do previsto no Capítulo II (Delegação num Estado estrangeiro da instauração ou continuação de procedimento penal) do Título III (Transmissão de processos penais). Situação esta não verificável na situação em análise.) <> Como analiticamente refere o Exmo. Magistrado do Ministério Público em sua resposta, que vale a pena transcrever sobre a recusa facultativa prevista no artº 12º nº 1 al. ii da referida Lei 65/2003: “5.6 Esta causa de recusa facultativa de execução do MDE desdobra-se em dois pressupostos negativos [cumulativos]. Ou seja, que a infracção tenha sido praticada fora do Estado membro de emissão (a), e que a lei portuguesa não seja aplicável aos mesmos factos quando praticados fora do território nacional (b); 5.7 Sucede, assim, que aquele primeiro requisito convoca, desde logo, a questão da aplicação do princípio da territoralidade, o que pressupõe resolvida a questão da sede do crime; 5.8 Ora, sobre o lugar da prática do crime, estabelece o artigo 7º, nº 1 do Código Penal que “O facto se considera praticado tanto no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de participação, o agente actuou, ou, no caso de omissão, devia ter actuado, como naquele em que o resultado típico ou o resultado não compreendido no tipo de crime se tiver produzido”; 5.9 Como refere José Faria Costa[3], resulta desta formulação que “(…) está em conformidade com todas as legislações do nosso espaço cultural …[que] … o legislador, aqui, adoptou uma solução mista, também designada por plurilateral. Queremos com isto significar que não deu primazia ao critério da acção sobre o critério do resultado, nem vice-versa. O lugar da prática do facto é tanto aquela da conduta como aqueleoutro da produção do resultado, sendo ambos os critérios igualmente válidos e de valor equivalente”. É que – esclarece – “O motivo que levou o legislador a consagrar esta solução …. prende-se com a necessidade de evitar lacunas de punibilidade que derivariam da adopção de diferentes critérios por diferentes Estados. Basta pensarmos que se fosse adoptado o critério do resultados, muitos crimes cuja acção tivesse decorrido em Portugal – e cujo resultado se tivesse produzido em outros Estados – não poderiam ser punidos”; 5.10 Acrescentando, mais adiante[4], que, analisando o texto do nº 1, do artº 7 do CP, “(…) podemos verificar que são ainda consideradas as situações de acção sob «qualquer forma de participação”, o que dizer que “(…) para efeitos de aplicação do critério da acção, basta que qualquer um dos comparticipantes tenha actuado em determinado lugar”. 5.11 Aditando, ainda, o mesmo A. na ob. cit.[5], a seguinte nota quanto ao nº 1 do artigo 7º do CP, que: “(…) em consonância com o artigo 10, para efeitos de critério de acção é também abrangida a omissão adequada a evitar o resultado”. 5.12 Acontece que, no caso dos autos, tal como resulta do respectivo MDE, o resultado típico – de corrupção de uma pessoa em situação de autoridade pública, no caso de um funcionário da alfândega francesa colocado na Porta (departamento francês nº 66), ocorreu em França; 5.13 Como, por sua vez, por equiparação da omissão à acção e independentemente da forma como actuou o requerido, a ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária, consubstanciadores da prática do crime de Fraude qualificada, ocorreu, também, em França, entre 01.01.2015 e 09.03.2017, e não em Andorra como pretende o requerido; 5.14 É que, a este propósito, como se refere no Acórdão do STJ de 29/09/2010, processo nº 143/10.2YRCBR.S1 [Rel: Conselheiro Raúl Borges][6], numa situação em que estava em causa crimes de sonegação de imposto sobre o volume de vendas e de impostos; (…) 5.15 Deste modo, tendo o MDE em execução sido emitido pelas autoridades judiciárias de França, local onde pelo critério do resultado da acção os crimes se têm por praticados, sempre, independentemente do local e modo de participação que neles teve o requerido, é aos tribunais de França, como Estado membro, que compete a prossecução do respectivo procedimento criminal e emissão do MDE; 5.16 Razão por que inexiste, assim, fundamento legal para a recusa (facultativa) de execução do MDE, nomeadamente fundada no pressuposto invocado – que se tem por não verificado - de os factos terem sido praticados fora do território do Estado membro de emissão [da 1ª parte do item ii, do nº 1, alínea h), do artº 12º da Lei nº 65/2003]; 5.17 Acresce que, como refere Anabela Rodrigues[7], reportando-se, em especial, à correspondente alínea b) do nº 7 do artº 4 da Decisão-Quadro: “(…) o motivo de não execução facultativa que diz respeito ao facto de a infracção ter sido praticado fora do Estado-Membro de emissão e o direito do Estado-Membro de execução não autorizar o procedimento penal por uma infracção idêntica praticada fora do seu território nacional – deve notar-se que, na medida em que ela só se aplica quando um critério de competência extraterritorial idêntico ao do Estado de emissão existe no Estado de execução face à infracção, a sua aplicação reintroduz necessariamente a dupla incriminação, já que os critérios de competência extraterritorial definem-se relativamente a tipos legais de crimes (o facto tem de ser crime à luz do direito do Estado de execução). 5.18 Sucede que, como foi já referido, os factos pelos quais é pedida a entrega do requerido constituem, igualmente, infracções puníveis pela lei portuguesa, como crimes de corrupção activa e de fraude qualificada, p. e p., respectivamente, pelo artº 374º, nº 1, do Código Penal Português e 104º, nº 1, alínea a), do RGIT, pelo que, para além de serem crimes de catálogo elencado no nº 2, alíneas g) e h), do artº 2 da Lei nº 65/2013, se verifica, também, independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua qualificação, a dupla incriminação dos factos [artº 2º, nº 3, da lei nº 65/2003]; 5.19 O que determina a execução do MDE e entrega da pessoa procurada; 5.20 E daí que, apesar de cometidos fora do território nacional, a lei portuguesa sempre seria aplicável aos mesmos factos se colocada na posição de Estado de emissão; 5.21 Mostrando-se, por isso, também verificada a denominada «dupla cláusula de territoralidade» (artº 12º, nº 1, alínea h), item ii) – 2ª parte - da Lei nº 65/2003); 5.21 Razão por que se entende que, por esta via, também, o fundamento de recusa (facultativo) invocado pelo requerido, baseado na disposição constante do artº 12º, nº 1, alínea h), item ii) da Lei nº 65/2003, nunca poderia proceder;” <> Note-se, por outro lado, que, como salienta o mesmo douto Magistrado, “apesar de se tratar de crimes de catálogo, a execução do MDE não foi determinada de forma automática, antes foi ponderado que os factos que determinam a sua emissão, tal como descritos pela autoridade de execução, integram os domínios da criminalidade fixados na Decisão-Quadro[8], bem como a inexistência de causas de recusa [obrigatória ou facultativa] de execução do MDE, tendo a sua execução ficado condicionada – uma vez que a pessoa procurada é de nacionalidade portuguesa – a que, após ser ouvido, o mesmo seja devolvida a Portugal a fim de aqui cumprir a pena que, eventualmente lhe venha a ser aplicada [artº 13º, alínea b), da Lei nº 65/2003, na redacção da Lei nº 35/2015]; 4.13 Pelo que, mostrando-se a transposição da Decisão-Quadro e introdução do procedimento de entrega, no âmbito da União Europeia, baseado no princípio do reconhecimento mútuo em matéria penal – salvaguardadas pela Revisão Constitucional de 2001, que excepcionou das proibições de extradição contidas nos nºs 3 e 4 do artº 33º da CRP, a aplicação das normas de cooperação judiciária penal estabelecidas no âmbito da União Europeia [nº 5, do mesmo artigo e redacção] - não se vê em que medida a execução do MDE, de reserva de juiz, ofenda os direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição, nomeadamente no artº 21º [direito de resistência] e 26º [outros direitos pessoais], assim como o Considerando (8) da Decisão-Quadro do Conselho, invocados pelo recorrente [conclusões e) e i)]; 4.14 Por sua vez, resultando do respectivo formulário, para além dos demais requisitos de forma e conteúdo, o grau de participação da pessoa procurada como sendo AUTOR [flªs 13, ponto 045], o facto de, no termo Descrição da Circunstâncias [flªs 12 e ss, ponto 044] se referir que, no estado actual do processo, o mesmo é considerado cúmplice destas fraudes e infracções, não releva como causa de recusa [obrigatória ou facultativa] de execução do MDE, nem justifica qualquer pedido de informação complementar ao estado de emissão, uma vez que do formulário consta já, nomeadamente, a indicação da natureza e qualificação jurídica da infracção e a descrição das circunstâncias em que a infracção foi cometida, incluindo o momento e lugar da sua prática, apenas se mostrando, ainda, nesta fase do processo, indefinida o grau de participação da pessoa procurada [autor/cúmplice].”
Na verdade, consta do requerimento do MDE apresentado no Tribunal da Relação do Porto, pelo Ministério Público: “Este mandado tem por fundamento a pendência de Processo Numero: Bopl6/096/124, Trial investigation N°: JICABJI 5-16-6, do Tribunal da Comarca de PERPIGNAN, França, em que o requerido é suspeito da autoria dos crimes de corrupção passiva e Fraude, incluindo aquela que afecta os interesses financeiros da Comunidade Europeia no sentido da Convenço de 26 de Julho 1995 de protecção dos interesses europeus das Comunidades Europeias, previsto e punido, respectivamente, pelos artigos 121-6, 121-7, 432-11, 443-17 e 126-6, 121-7, do Código Penal Francês e 369, 414, 432bis, 435, 438 aduaneiro Francês e a que corresponde a pena máxima de 10 anos de prisão; Sendo-lhe imputada a prática dos seguintes factos [segue-se tradução]: “Em 04.06.2015, o denominado BB, um cidadão Português a viver em Andorra, foi detido pela Alfândega Francesa porque transportava 335 quilos do cigarros. Ele foi rapidamente julgado pelo Tribunal de Perpignan em 08.06.2015 e condenado a 3 meses do prisão sem remissão e a urna multa de 117,250 Euros. No entanto, as informações fornecidas pelo Sr. BB sugerem que ele era apenas urn membro de uma rede mais vasta de traficantes. Foi iniciada urna investigação preliminar pelo Ministério Público de Perpignan, o que levou a identificação do urna rede mais ou menos organizada do indivíduos, que se dedicavam ao contrabando de álcool entre Andorra e Franca. A investigação conduziu o implicação de dos nacionais Portugueses (CC e DD, empregados assalariados em de uma loja em Andorra em El Pás de la Casa (...,), que forneceram enormes quantidades de produtos com o objectivo defraude, e que também estavam em contacto com um funcionário da alfândega francesa, através do qual as contrabandistas tinham informações sobre o modo corno a estância aduaneira de Porta está a trabalhar. Foi neste contexto que se abriu um inquérito judicial perante um juiz de instrução em Perpignan por factos de contrabando e corrupção, 0 inquérito judicial permitiu demonstrar que as actos criminosos foram cometidos em El Pás de Ia Casa (Andorra) e em Porta (França /departamento francês n° 66) e no território nacional entre 01.01.2015 e 09.03.2017. No estado actual do processo, a Sr. CC é considerado cúmplice destas fraudes e infracções. Uma vez que o Sr. CC está localizado em Andorra e já é provável que va tanto para França como para Espanha, foi emitido um mandado de prisão em 10.03.2017 contra ele, pelo juiz de instrução (Fim de texto)” . Como assinala o Digno Procurador-Geral Adjunto em sua resposta: “.1 Ao requerido vem indiciariamente imputada a prática dos crimes de Corrupção passiva de uma pessoa em situação de autoridade pública e de Fraude da previsão, respectivamente, dos artigos 121-6, 121-7, 432-11, 443-17 e 126-6, 121-7, do Código Penal Francês e 369, 414, 432bis, 435, 438 do Código Aduaneiro Francês; 3.2 Tais factos, que são puníveis com pena de prisão superior a 3 anos [no caso de duração máxima até 10 anos de prisão], mostram-se assinalados no MDE como constituindo, de acordo com a legislação do Estado de emissão, crimes de Corrupção e de Fraude, incluindo a fraude dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, na acepção da Convenção de 26 de Julho de 1995 relativa à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, pelo que, como crimes de catálogo elencado no nº 2, alíneas g) e h), do artº 2 da Lei nº 65/2013, sempre determina a concessão da entrega da pessoa procurada, mesmo sem verificação da «dupla incriminação do facto»; 3.3 Todavia, os factos pelos quais é pedida a entrega do requerido constituem, igualmente, infracção punível pela lei portuguesa como crimes de corrupção activa, e de fraude qualificada, p. e p., respectivamente, pelo artº 374º, nº 1, do Código Penal Português e 104º, nº 1, alínea a), do RGIT, pelo que, independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua qualificação, se verifica a «dupla incriminação dos factos» [artº 2º, nº 3, da lei nº 65/2003, com as alterações introduzidas pela Lei nº 35/2015, de 4 de Maio];
Sendo que, conforme artº 12º nº 2 da referida Lei nº 65/2003. 2 - A execução do mandado de detenção europeu não pode ser recusada, em matéria de contribuições e impostos, de alfândegas e de câmbios, com o fundamento previsto no n.º 1, pela circunstância de a legislação portuguesa não impor o mesmo tipo de contribuições ou impostos ou não prever o mesmo tipo de regulamentação em matéria de contribuições e impostos, de alfândegas e de câmbios que a legislação do Estado membro de emissão.
O MDE não se destina a sindicar juízos de mérito do procedimento penal do Estado de emissão. Encontrando-se verificados os requisitos impostos pela Lei nº 65/2003, de harmonia com os termos em que a lei é aplicável, não pode concluir-se por qualquer ofensa de natureza constitucional, que afronte qualquer princípio estruturante da cooperação internacional em matéria penal., no caso concreto,
O recurso não merece provimento.
<> Termos em que, decidindo
Acordam os deste Supremo – 3ª Secção -, em negar provimento ao recurso e, em consequência, mantêm o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente com taxa de justiça em 6 UC nos temos dos artº 8º nº5 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
Supremo Tribunal de Justiça, Elaborado e revisto pelo relator Pires da Graça (Relator) Raul Borges
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