Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4982/15.0T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: ACESSÃO INDUSTRIAL
PRESSUPOSTOS
DIREITO DE PROPRIEDADE
AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA
DIREITO POTESTATIVO
BOA -FÉ
TERCEIRO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
REQUISITOS
COMPRA E VENDA
NULIDADE DO CONTRATO
SIMULAÇÃO
CONTRATO DE PERMUTA
RESOLUÇÃO
OPONIBILIDADE
Data do Acordão: 01/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS / DIREITO DE PROPRIEDADE / AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE / MOMENTO DA AQUISIÇÃO / ACESSÃO / ACESSÃO INDUSTRIAL IMOBILIÁRIA.
Doutrina:
- A. Carvalho Martins, Acessão, Coimbra Editora, p. 127 a 128;
- A. Santos Justo, Direitos Reais, Coimbra Editora, p. 269 a 271;
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 4ª ed., Vol. I, p. 474;
- Augusto Penha Gonçalves, Curso de Direitos Reais, 2ª ed., Universidade Lusíada, Lisboa, 1993, p. 353;
- Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 5ª ed., p. 321 e ss.;
- Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 5ª ed., Quid Juris, Lisboa, p. 349 a 351;
- Elsa Sequeira Santos, A aquisição por acessão é potestativa?, Estudos em honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão, Vol. I, Almedina, outubro de 2008, p. 697 a 710;
- Galvão Telles, Obrigações, 3ª ed., p. 136;
- José Alberto González, Direitos Reais e Direito Registal Imobiliário, Quid Juris, 4ª ed. 2009, p. 422 e 423;
- José Alberto Vieira, Direitos Reais, Coimbra Editora, Abril 2008, p. 710 a 711;
- Júlio Gomes, O conceito de enriquecimento, o enriquecimento forçado e os vários paradigmas do enriquecimento sem causa. Universidade Católica Portuguesa, Porto, Maio 1998, p. 354 a 3679;
- Menezes Cordeiro, Direitos Reais, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1979, p. 503, 504, 508 e 509 ; Enriquecimento sem causa no direito civil – Cadernos de ciência e técnica fiscal – Centro de Estudos Fiscais, 1996, p. 699;
- Oliveira Ascensão, Direito Civil - Reais, Coimbra Editora, 5.ª ed., 2000, p. 306 a 309;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, Anotado, 2ª ed. Vol. III, p. 164 e 165;
- Quirino Soares, Construção de obra sobre edifício alheio, in Cadernos de Direito Privado, nº 12 Outubro/Dezembro 2005, p. 7 ; Acessão e Benfeitorias, Separata dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano IV, Tomo I, 1996, p. 22;
- Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 2ª ed., Principia, Fevereiro 2007, p. 92 e 93 ; Dois apontamentos sobre a acessão industrial imobiliária, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquita, Coimbra Editora, 2009, p. 789 e 790 ; A Jurisprudência portuguesa sobre a acessão industrial imobiliária – algumas observações, Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, Ano III, nº 5, 2002, p. 260 e 261.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.ºS 3, 4 E 5 E 639.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1317.º, ALÍNEA D) E 1340.º, N.º 4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 21-10-1993, IN CJSTJ, ANO I, TOMO III, P. 84;
- DE 17-03-1994, PROCESSO N.º 086096;
- DE 12-01-1995, IN CJ STJ, ANO III, TOMO I, P. 19;
- DE 04-04-1995, PROCESSO N.º 086096, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-06-2005, PROCESSO N.º 05B1524, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 08-11-2007, PROCESSO N.º 07B3545, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 27-05-2008, PROCESSO N.º 08B1276, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 30-06-2009, PROCESSO N.º 268/04.3TBTNU.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 02-07-2009, PROCESSO N.º 09B0534, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 03-12-2009, PROCESSO N.º 1102/03.7TILH.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 20-06-2013, PROCESSO N.º 1219 /07.9TBPMS.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. A acessão ocorre quando com uma coisa, que é propriedade de alguém, se une e incorpora outra coisa que não lhe pertence, daí advindo uma ligação material, definitiva e permanente entre a coisa acrescida e o prédio e a impossibilidade de separação das duas coisas sem alteração substancial do todo obtido através da união.

II. A acessão industrial imobiliária prevista no artigo 1340º do Código Civil, depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:

a) a incorporação consistente no ato voluntário de realização de uma obra em terreno alheio;

b) a pertinência inicial dos materiais ao autor da incorporação;

c) a formação de um todo único do terreno e da obra;

d) o maior valor desse todo único em relação ao anterior valor do prédio;   

e) a boa fé do autor da obra, considerando-se como tal o facto de o dono da obra desconhecer que o terreno era alheio ou se foi autorizado pelo dono do terreno, autorização essa que tanto pode ser atribuída  através de uma declaração de vontade expressa, como pode revestir a forma tácita.

III. As consequências da realização, de boa fé, de uma obra em terreno alheio são ditadas pela relação entre o seu valor e o do terreno, pelo que o beneficiário da acessão será, em princípio, o proprietário da coisa de maior valor.

IV. A aquisição da propriedade por via de acessão industrial imobiliária é originária, fazendo surgir um direito ex novo (direito ao conjunto), independente do anterior direito sobre a coisa, e está dependente do pagamento de determinada quantia ou da sua garantia, que funciona aqui como condição suspensiva da aquisição do direito de propriedade do conjunto.

V. Verificados os respetivos pressupostos e efetuado o pagamento devido, a acessão opera retroativamente à data da incorporação, sendo esta o momento jurídico da aquisição do direito de propriedade sobre a nova unidade económica formada pelo terreno e pela construção nele edificada, nos termos do alínea d) do artigo 1317º, do Código Civil. 

VI. A aquisição originária do direito de propriedade por acessão industrial imobiliária tem natureza potestativa, dependendo da manifestação de vontade de adquirir a coisa, por parte do beneficiário da acessão, pelo que, enquanto o respetivo direito não for exercido, cada uma das coisas (obra e terreno) mantém certa individualidade, designadamente para efeitos jurídicos, e os respetivos sujeitos conservam os seus direitos e podem exercê-los, de harmonia com as circunstâncias.

VII. Provado que os proprietários de um prédio rústico, pretendiam aprovar um projeto de construção de um edifício em propriedade horizontal e que, nesse pressuposto, transferiram a propriedade deste terreno para o construtor que, prometeu dar-lhes, por permuta, uma fração do prédio a edificar neste mesmo terreno, a conclusão a tirar é de que aqueles autorizaram tal construção e, consequentemente, que, ao fazê-lo, o construtor agiu de boa fé, nos termos do disposto nº 4 do artigo 1340º, do Código Civil.

VIII. Sendo o valor do terreno inferior ao acréscimo que a este foi trazido pela incorporação da obra, o beneficiário da acessão, ou seja, o titular do direito potestativo de aquisição, é o autor da construção, pelo que os proprietários do terreno onde foi edificada a obra não têm, no contexto da acessão, o direito de obrigar o construtor da obra a adquirir aquele terreno.

IX. Tendo as frações autónomas que compõem o prédio construído sobre terreno alheio sido adquiridas ao construtor deste edifício, por contrato de compra e venda, a título oneroso, os terceiros adquirentes de cada uma destas frações são completamente estranhos à figura jurídica da acessão, não ocupando a posição de sucessores do autor da obra incorporada, pelo que não assiste aos proprietários do terreno o direito de deduzirem contra eles pretensão sustentada no instituto da acessão, designadamente o direito de impor-lhes a aquisição, em compropriedade, do seu terreno e de exigir deles o pagamento do respetivo valor.

X. O enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes três requisitos:

a) que alguém  obtenha um enriquecimento;

b) que o enriquecimento não tenha causa justificativa;

c) e que o obtenha à custa de quem requer a sua restituição.


XI. A nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda celebrado entre os proprietários do terreno e o construtor da obra, por via do qual aqueles haviam declarado vender a este a parcela de terreno onde foi construída a obra, bem como a resolução do referido contrato promessa de permuta celebrado entre os mesmos, por impossibilidade ou incumprimento imputável ao autor da obra, não são oponíveis aos terceiros de boa fé que, por terem adquirido, a título oneroso, as frações autónomas que compõem o edifício construído, também não  lograram obter qualquer enriquecimento à custa dos proprietários daquele terreno, pelo que sobre eles não recai nenhuma obrigação  de restituição do valor do terreno aos respetivos  proprietários, quer com base na  nulidade do contrato de compra e venda e na resolução do contrato de permuta, quer com fundamento no  enriquecimento sem causa.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL


I. Relatório


1. AA e mulher, BB, intentaram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra CC e mulher, DD; EE e mulher, FF; GG e HH e II e mulher, JJ, pedindo:

a) a título principal, que seja declarado que os primeiros, terceiros a quintos Réus, adquiriram, em compropriedade, o seu terreno, por acessão industrial imobiliária e, em consequência, que sejam solidaria ou conjuntamente condenados a pagar-lhes a quantia de € 80.000, reportada à data da incorporação, atualizada em função da taxa de inflação do INE ao tempo do pagamento;

b) caso assim não se entenda, a título de primeiro pedido subsidiário, que os primeiros, terceiros a quintos Réus, sejam solidária ou conjuntamente condenados a pagar-lhes a quantia de € 80.000, a título de enriquecimento sem causa, quantia esta reportada à data da incorporação, atualizada em função da taxa de inflação do INE ao tempo do pagamento;

c) caso também assim não se entenda, a título de segundo pedido subsidiário, que os Réus sejam condenados a restituírem-lhes o imóvel que lhes pertence, livre de pessoas e de coisas, demolindo a expensas suas, a edificação que nele se encontra implantada, mais se declarando a nulidade da hipoteca constituída a favor do segundo Réu;

d) em qualquer dos casos, que, igualmente, se decrete que gozam do direito de retenção sobre a fração que ocupam até integral satisfação do seu crédito.

A fundamentar estes pedidos alegaram, em síntese, que por escritura pública celebrada a 25 de Maio de 1999, no Primeiro Cartório Notarial de …o,  declararam vender a KK, casado com LL sob o regime de comunhão de adquiridos, que declarou aceitar, mediante o preço já recebido de Esc. 250.000$00, a parcela de terreno com a área de 810 m2 sita no lugar de …, …, descrita na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 60.699 e que, por  escrito datado também de 25 de Maio de 1999, assinado por KK e mulher LL e pelos Autores, com reconhecimento notarial das assinatura dos maridos, os segundos declararam ser donos da referida  parcela de terreno e que pretendiam aprovar um projeto de construção de um edifício em propriedade horizontal e, nesse pressuposto, prometem dar aos primeiros o referido prédio, recebendo deles por permuta, a fração nº 5, correspondente a apartamento ou moradia tipo T3 com garagem, com as características identificadas na cláusula 4ª, no prazo máximo de um ano após a aprovação do projeto de construção.

Não obstante terem acompanhado a construção da aludida fração e de lhe serem entregues as respetivas chaves, em finais de 2006, vieram a apurar que os aludidos construtores haviam vendido aos primeiros Réus aquela fração e que sobre ela havia sido constituída uma hipoteca, pelo que, em 28 de Dezembro de 2010, intentaram contra KK e mulher LL, os Réus CC e mulher DD e Banco MM, S.A.. ação declarativa sob a forma de processo ordinário que correu sob o processo nº 4308/10, no âmbito da qual, foi proferida sentença, transitada em julgado, que decidiu declarar nulo o negócio - compra e venda - outorgado entre os Réus KK, LL, CC e DD quanto ao alegado preço de € 75.000 e o seu pagamento/quitação - mantendo-se a dissimulada compra e venda pelo preço de € 27.000; declarar nulo por simulação a compra e venda identificada, nulidade não oponível aos Réus CC, DD e MM, S.A.; declarar resolvido o contrato promessa de permuta identificado, por impossibilidade de cumprimento imputável aos primeiros Réus; absolver os réus do pedido de indemnização formulado pelos autores.

Sendo os ora Réus proprietários das frações da edificação erigida no seu terreno, que, à data da sua conclusão em 2002, tinha valor não inferior a € 350.000 e dada a inseparabilidade desta construção e do terreno, que à data, valia € 80.000,00, estão os réus obrigados a indemnizarem os autores do valor do respetivo terreno, quer com fundamento na cessão industrial imobiliária ou, no caso de assim não ser entendido, com base no enriquecimento sem causa.

E, na medida em que são credores do primeiros Réus e que esse crédito resulta das despesas emergentes da construção da fração, gozam do direito de retenção até integral satisfação daquele.


2. Os Réus EE, FF, GG, HH, II e JJ contestaram, sustentando, em síntese, serem proprietários das respetivas frações por as haverem adquirido por contrato de compra e venda, estando tais aquisições registadas a favor deles e que  não existe enriquecimento sem causa, porquanto pagaram o preço acordado.


3. Na sua resposta, os autores concluíram como na petição inicial.


4. Dispensada a audiência prévia, foi proferida decisão que, julgando inepta a petição inicial relativamente ao Réu Banco NN, S.A. e quanto aos Réus CC e DD; EE e FF, GG, HH, II e JJ, no que respeita ao segundo pedido subsidiário, absolveu os mesmos da instância.

E, conhecendo das questões de facto e de direito, julgou a ação improcedente, absolvendo estes últimos réus dos demais pedidos formulados pelos autores.


5. Inconformados com esta decisão, dela apelaram os autores para o Tribunal da Relação de …, que, por acórdão proferido em 20 de março de 2018, sem voto de vencido e fundamentação essencialmente diferente, julgou improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.

6. Inconformados com esta decisão, os autores dela interpuseram recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem, na parte não prejudicada pela questão prévia da admissibilidade do recurso de revista excecional:


« (…)

37a - Entendendo-se que os 1ºs e 3ºs a 5ºs Réus não acederam à propriedade dos terreno dos Autores, segue-se que eles têm uma construção edificada em terreno que não lhes pertence, mas sim, aos Autores - o que se trata de uma realidade inegável.

38a - Ou seja, os referidos Réus estariam a beneficiar de um direito alheio, o que se traduz num aumento do seu activo patrimonial, uma vez que a fracção de cada um e as partes comuns de que são comproprietários vêem aumentado o seu valor pelo facto de a construção que as contém se encontrar edificado no terreno dos Autores, que passou por isso a constituir parte comum (Cód. Civil, 1.421º nº 1 al. a)).

39a- Os Réus enriqueceram por isso o seu património sem qualquer causa justificativa; ele tinha uma causa enquanto a compra e venda não foi declarada nula, mas, uma vez como tal declarada, deixou de a ter - e o valor acrescentado que as fracções tiveram como consequência da incorporação corresponde ao valor do prédio dos Autores.

40a- E esse enriquecimento dos Réus foi pois feito à custa do correlativo empobrecimento dos Autores, que viram o seu património lesado na exacta medida do valor do seu terreno, de que ficaram desapossados por força da incorporação ou mistura - o que traduz o seu enriquecimento correlativo do empobrecimento dos Autores (Cód. Civil, art. 473º - cfr. o Ac. STJ de 2007.07.10, Proc. nº 07B374, citado no art. 53º da petição inicial).

41a- Constituindo-se assim na obrigação de indemnizarem os Autores pelos montantes em que se traduziu o empobrecimento deste e o enriquecimento deles - ou seja, pelo valor do terreno, que é de € 80.000,00, solidária ou conjuntamente, neste caso na proporção da permilagem correspondente à fracção de cada um sobre o referido montante.

42a- O Acórdão recorrido fez uma interpretação e aplicação inexacta dos normativos constantes das presentes conclusões».


Termos em que concluem pela procedência do recurso, com a consequente procedência da ação.


7. Os réus responderam, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem, na parte não prejudicada pela questão prévia da admissibilidade do recurso de revista excecional:


«(…)

14. Os Recorrentes interpuseram recurso de revista do acórdão que negou provimento ao seu recurso, alegando que, face à declaração de nulidade da compra e venda, eles são os proprietários do imóvel (terreno) onde se encontra edificada a construção que contém as quatro frações autónomas em causa e que, nessa medida, verificam-se os requisitos da acessão industrial imobiliária, constante do artigo 1340 n.° 1 do Código Civil porque há uma construção de boa-fé (porque autorizada) em terreno alheio, a inseparabilidade de uma e de outro e o valor resultante da incorporação ser maior do que aquele que o terreno tinha antes.

15. Ora, não lhes assiste razão, pois que, no caso previsto no artigo 1340° n° 1 do Código Civil, para que o interventor ou autor da obra, sementeira ou plantação possa reivindicar, com sucesso, o direito a aceder no direito de propriedade sobre o terreno onde as obras foram incorporadas, a lei exige que estejam verificados os sequentes pressupostos materiais ou substantivos:

a) que a incorporação realizada resulte de um ato voluntário do interventor na feitura de uma obra, sementeira ou plantação;

b) que essa incorporação seja efetivada em terreno que não lhe pertença ou seja propriedade de outrem;

c) que os materiais utilizados na obra, sementeira ou plantação pertençam ao interventor ou autor da incorporação;

d) que da incorporação da obra, sementeira ou plantação resulte a constituição de uma unidade inseparável, permanente, definitiva e individualizada entre o terreno e a obra, sementeira ou plantação;

e) que o valor acrescentado pela obra, sementeira ou plantação acrescente valor (económico e substantivo) aquele que o prédio possuía antes de ter sofrido a incorporação da obra, sementeira ou plantação ser superior ao valor que o prédio tinha antes da incorporação;

f) que o interventor da obra, sementeira ou plantação tenha agido de boa fé (psicológica);

g) que atue potestativamente de modo a formular uma pretensão de adquirir para si o direito de propriedade da coisa que sofreu a sua intervenção.

16. No caso sub judicie, a obra em que se traduz o edifício implantado no prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n° 60.699 da freguesia de …, foi construída por KK e não pelos aqui Réus, os quais celebraram contratos de compra e venda das frações do prédio submetido ao regime da propriedade horizontal descrito sob o n° 742-…, após a respetiva conclusão.

17. Assim, ao contrário do alegado pelos Recorrentes, o artigo 1340° n° 1 do Código Civil não se aplica aos Réus na medida em que o titular do direito potestativo nele previsto é o construtor da obra, de boa fé, em terreno alheio e os Alegantes/Réus não ocuparam juridicamente a posição do construtor, pois os negócios jurídicos translativos do direito de propriedade que outorgaram tiveram por objeto "unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou da via pública" de que se tornaram titulares exclusivos, unidades essas incindíveis das partes comuns de que passaram a ser contitulares, designadamente, do solo onde o prédio se encontra implantado, ou seja, uma realidade completamente distinta daquela que subjazia ao contrato promessa de permuta que veio a ser declarado resolvido pela decisão proferida no processo n° 4308/10.9TJVNF.

18. Ademais, os Autores/Recorrentes não são titulares de qualquer direito potestativo na medida em que a norma relativa à acessão estabelece que o autor da incorporação de obra tem que ter trazido ao prédio alheio valor maior do que aquele que tinha antes pode adquiri-lo, o que não é o seu caso: pois que, naquela data, o terreno valia 80.000,00 Euros e a obra valia, na data da sua conclusão, 350.000,00.

19. Assim, não se aplica o artigo 1340° n.° 2 e 3 aos casos em que o legislador conferiu ao proprietário do terreno a possibilidade de adquirir, por acessão, a propriedade da construção, pelo que não assiste aos AA./Recorrentes legitimidade para lançar mão do instituto da acessão.

20. De igual modo, não há aplicação do instituto subsidiário do enriquecimento sem causa previsto nos artigos 473.° e 474.° Código Civil, pois que o enriquecimento sem causa consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial que pode assumir-se como um aumento de ativo patrimonial, uma diminuição do passivo, no uso ou consumo de coisa alheia ou exercício de um direito alheio suscetíveis de avaliação pecuniária ou na poupança de despesas.

21. Ora, a causa do empobrecimento dos Autores/Recorrentes radica no vício da nulidade por simulação do contrato de compra e venda formalizado por escritura pública de 25 de Maio de 1999 que operara a traslação do direito de propriedade da parcela de terreno com 810 m2, situada no lugar de …, freguesia de …, concelho de …, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n° 60.699 e na resolução do contrato promessa de permuta por impossibilidade de cumprimento imputável a KK e esposa.

22. O artigo 289° do Código Civil estatui que a declaração de nulidade tem efeito retroativo devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. Por sua vez, o n° 2 estabelece que se alguma das partes tiver alienado gratuitamente coisa que devesse restituir e não podendo tornar-se efetiva contra o alienante a restituição do valor dela, o adquirente fica obrigado em lugar daquele, mas só na medida do seu enriquecimento.

23. De igual forma, o artigo 433° do Código Civil prevê que, na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, com ressalva do disposto nos artigos 434° e 435°.

24. Assim, a decisão proferida e em a nulidade não é oponível:

- nem aos primeiros Réus que foram parte no processo n° 4308/10.9TJVNF,

- nem aos restantes RR. em que se incluem os aqui Alegantes, na medida em que, quer o artigo 243°, quer o artigo 291° do Código Civil, os protegem, enquanto terceiros de boa fé: desde 4 de Junho de 1999 que KK e esposa eram presumíveis titulares do direito de propriedade do terreno em causa e haviam feito registar em 27 de Agosto de 2002 a constituição em propriedade horizontal do edifício de cave, rés-do-chão e andar, composto pelas frações "A", "B", "C" e "D" destinadas a habitação.

25. Note-se que decorre do artigo 435° que a resolução não prejudica direitos adquiridos por terceiro, sendo-lhe oponível apenas se o registo da ação de resolução respeitante a imóveis ou móveis sujeitos a registo for anterior ao registo do direito por aquele adquirido, pelo que a aplicação do regime do enriquecimento sem causa é subsidiário, não tendo aplicação nos casos em que o empobrecimento tenha origem na nulidade de um negócio jurídico, na medida em que as normas jurídicas que regem as causas de invalidade contêm a solução, o mesmo se passando com a resolução.

26. Ademais, os Alegantes não beneficiaram de qualquer enriquecimento, pois se é certo que o património de cada um passou a integrar as frações autónomas transmitidas em propriedade exclusiva e as partes comuns em contitularidade entre si, não deixa de resultar dos negócios causais da traslação do direito que houve pagamento de uma contrapartida negociada.

27. Refira-se aliás que a ação judicial que apreciou o pedido de resolução dos Autores foi intentada no ano de 2010 e os primeiros e os segundos Réus registaram as suas aquisições, respetivamente, em 27 de Agosto de 2002 e 2 de Outubro de 2006, ao passo que os terceiros e quartos Réus não adquiriram as frações "B" e C" diretamente ao construtor e respetiva esposa, mas a terceiros, os quais, por sua vez, haviam registado o direito em 27 e 28 de Agosto de 2002, respetivamente.

28. Estamos, pois, perante uma cadeia de transmissões que clarifica a inexistência de qualquer relação jurídica entre os Autores/Recorrentes e os Réus, pelo que não é possível estabelecer um nexo de causalidade entre o empobrecimento dos primeiros e a integração na esfera jurídica patrimonial dos segundos das frações e das partes comuns do edifício implantado no prédio objeto do contrato promessa de permuta.

29. De igual modo, inexiste direito e retenção por não se verificarem os requisitos do disposto nos artigos 754.° e 755.° al. f) do Código Civil, pois que os Autores/Recorrentes não lograram demonstrar a titularidade de qualquer direito de crédito que tenha os Réus como sujeitos passivos, pelo que o pedido de reconhecimento do direito de retenção tem que ser julgado improcedente.

30. Assim, bem andou o Digno Tribunal a quo ao ter negado provimento ao recurso interposto pelos AA».


Termos em que concluem pela improcedência do recurso.


8. A Formação de Juízes a que alude o art. 672º, nº 3 do CPC, admitiu a revista excecional.


9. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.



***



II. Delimitação do objeto do recurso


Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].


Assim, a esta luz, as questões a decidir consistem em sabe:


1ª- se os autores, na qualidade de proprietários do terreno onde foi incorporada a obra podem exigir dos réus, na qualidade de sucessores do construtor da obra, a aquisição do terreno por acessão;


2ª- e, subsidiariamente, se sobre os réus recai a obrigação de pagarem aos autores a quantia de € 80.000,00, a título de enriquecimento sem causa.



***



III. Fundamentação


3.1. Fundamentação de facto

As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

1. Por escritura pública celebrada a 29 de Outubro de 1998, no Segundo Cartório Notarial de …, OO e mulher PP declararam vender ao Autor, casado na comunhão de adquiridos com a Autora, que declarou aceitar, mediante o preço já recebido de Esc. 200.000$00, parcela de terreno destinada à construção urbana, com a área de 810 m2, sita no lugar de …, freguesia de …, descrita na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 60.699 e omissa à matriz, mas participada em 19 do mês corrente [documento de fls. 41 a 43].

2. Por escritura pública celebrada a 25 de Maio de 1999, no Primeiro Cartório Notarial de …, os Autores declararam vender a KK, casado com LL sob o regime de comunhão de adquiridos, que declarou aceitar, mediante o preço já recebido de Esc. 250.000$00, a parcela de terreno identificada em 1) [documento de fls. 60 a 62].

3. Por escrito datado de 25 de Maio de 1999, assinado por KK e mulher LL e pelos Autores, com reconhecimento notarial das assinatura dos maridos, os segundos declararam ser donos do prédio identificado em 2) e que pretendiam aprovar um projeto de construção de um edifício em propriedade horizontal e, nesse pressuposto, prometer dar de permuta aos primeiros o referido prédio, recebendo deles por permuta, a fração nº 5, correspondente a apartamento ou moradia tipo T3 com garagem, com as características identificadas na cláusula 4ª, no prazo máximo de um ano após a aprovação do projeto de construção [documento de fls. 58 e 59],

4. Na sequência do negócio identificado em 2), o prédio identificado em 1) foi registado a favor de KK, casado com LL sob o regime de comunhão de adquiridos, pela Ap. 13 de 4 de Junho de 1999 (documento de fls 44 a 57)

5. O prédio identificado em 1) encontra-se atualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 742/20020827-… correspondendo a edifício de cave, rés-do-chão e andar constituído em propriedade horizontal, registada pela Ap. 6 de 27 de Agosto de 2002, sendo composto pelas frações "A", "B", "C" e "D", destinadas a habitação [documento de fls. 44 a 57).

6. A fração "A" do prédio identificado em 5), respeitante a moradia nº 1, encontra-se descrita a favor dos Réus EE e FF, pela Ap. 9 de 27 de Agosto de 2002, tendo por sujeito passivo KK, casado com LL e causa "compra" [documento de fls. 44 a 57],

7. A fração "B" do prédio identificado em 5), respeitante a moradia nº 2, encontra-se descrita a favor dos Réus GG e HH, pela Ap. 1500 de 20 de Abril de 2011, tendo por sujeitos passivos QQ e RR e causa "compra" [documento de fls. 44 a 57].

8. A fração identificada em 7) foi registada a favor de QQ, casado com SS no regime de comunhão de adquiridos pela Ap. 7 de 27 de Agosto de 2002 , tendo por sujeito passivo KK, casado com LL e causa "compra" e pela Ap. 2503 de 19 de Abril de 2011, a favor de QQ e RR, respetivamente, na proporção de 3/4 e 1/4, por adjudicação em partilha judicial [documento de fls. 221 a 223].

9. A fração "C" do prédio identificado em 5), respeitante a moradia nº 3, encontra-se descrita a favor dos Réus II e JJ, pela Ap. 23 de 27 de Setembro de 2005, tendo por sujeito passivo TT, casado com UU e causa "compra" [documento de fls. 44 a 57].

10. A fração identificada em 9) foi registada a favor de TT, casado com UU no regime de comunhão de adquiridos pela Ap. 14 de 28 de Agosto de 2002, por "compra" [documento de fls. 224 a 226]

11. A fração "D" do prédio identificado em 5), respeitante a moradia nº 4, encontra-se descrita a favor dos Réus CC e DD, tendo por sujeito passivo KK, casado com LL e causa "compra" [documento de fls. 44 a 57],

12. Os ora Autores intentaram contra KK e mulher LL, os Réus CC e mulher DD e Banco MM, S.A.. ação declarativa sob a forma de processo ordinário que correu sob o processo nº 4308/10.9TJVNF pedindo que:

I) sejam os negócios celebrados entre todos os Réus declarados nulos e consequentemente ser reconhecida a titularidade do direito de propriedade aos Autores, ordenando-se o cancelamento de todos os registos a favor daqueles e por outro lado a realização do registo de propriedade a favor dos Autores;

II) para o caso de assim não se entender, sempre deverá ser considerada a resolução do contrato promessa de permuta celebrado entre os Autores e os primeiros Réus, por impossibilidade ou incumprimento imputável aos primeiros Réus e, nesse caso, ser reconhecido o direito de os Autores serem indemnizados pela fração em questão, acrescido dos respetivos juros legais calculados até efetivo e integral pagamento, sendo certo que para inteira satisfação deste crédito deverá ser reconhecido o direito de retenção dos Autores sobre aquela, perante terceiros, nomeadamente os aí Réus [documento de fls. 301 vs a 327].

13. Por sentença proferida em 26 de Maio de 2014, transitada em julgado a 22 de Junho de 2015, no processo identificado em 12) foi decidido:

A) declarar nulo o negócio - compra e venda - outorgado entre os Réus KK, LL, CC e DD quanto ao alegado preço de € 75.000 e o seu pagamento/quitação - mantendo-se a dissimulada compra e venda pelo preço de € 27.000;

A) declarar nulo por simulação a compra e venda identificada em 2), nulidade não oponível aos Réus CC, DD e Banco MM, S.A.;

B) declarar resolvido o contrato promessa de permuta identificado em 3), por impossibilidade de cumprimento imputável aos primeiros Réus;

D)     absolver os Réus dos restantes pedidos [documento de fls. 301 v a 327], 14. O prédio identificado em 5) a 9) foi construído por KK.



***



3.2. Fundamentação de direito


3.2.1. Conforme já se deixou dito no presente recurso está, essencialmente, em causa decidir se os autores, na qualidade de proprietários do terreno onde foi incorporada a obra podem exigir dos réus, na qualidade de sucessores do construtor da obra, a aquisição do terreno por acessão, o que implica, desde logo, tomar posição sobre a questão de saber se da factualidade dada como provada nos presentes autos decorre a verificação dos pressupostos de direito para a constituição da acessão industrial imobiliária.

  


*



Nesta matéria dispõe o art. 1325.º do C. Civil que «dá-se a acessão, quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia».

Preceitua o art. 1326.º, n.º 1, do mesmo diploma que, “dá-se a acessão industrial, quando, por facto do homem, se confundem objectos pertencentes a diversos donos, ou quando alguém aplica trabalho próprio a matéria pertencente a outrem, confundindo o resultado desse trabalho com propriedade alheia”, estabelecendo o seu nº 2, que «a acessão industrial é mobiliária ou imobiliária, consoante a natureza das coisas».

Por sua vez e na parte que aqui interessa, estatui o artigo 1340.º do C. Civil que:

«1. Se alguém, de boa-fé, construir obra em terreno alheio (…) e o valor que as obras (…) tiverem trazido à totalidade do prédio for maior que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras (…).

2. Se o valor acrescentado for igual, haverá licitação entre o antigo dono e o autor da incorporação, pela forma estabelecida no nº 2 do artigo 1333º.

3. Se o valor acrescentado for menor, as obras (…) pertencem ao dono do terreno, com obrigação de indemnizar o autor delas do valor que tinham ao tempo da incorporação».

E segundo o nº 4 deste mesmo artigo, «entende-se que houve boa fé, se o autor da obra (…) desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno».  

Decorre, assim, deste quadro normativo que a acessão ocorre quando com uma coisa, que é propriedade de alguém, se une e incorpora outra coisa que não lhe pertence, daí advindo uma ligação material, definitiva e permanente entre a coisa acrescida e o prédio e a impossibilidade de separação das duas coisas sem alteração substancial do todo obtido através da união [2].

Mais decorre, segundo entendimento unânime na doutrina[3] e na jurisprudência[4], que a acessão é uma forma de aquisição originária da propriedade.

Nas palavras de Oliveira Ascensão, o beneficiário da acessão «recebe um novo direito totalmente independente das vicissitudes que possa ter sofrido o anterior direito que se extingue»[5].

E decorre ainda depender a acessão industrial imobiliária prevista no citado art. 1340º do C. Civil, da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:

a) a incorporação consistente  no ato voluntário  de realização de uma obra em terreno alheio;

b) a pertinência inicial dos materiais ao autor da incorporação;

c) a formação de um todo único do terreno e da obra;

d) o maior valor desse todo único em relação ao anterior valor do prédio;   

e) a boa fé do autor da obra, considerando-se como tal  o facto de o dono da obra desconhecer  que o terreno era alheio  ou se foi autorizado pelo dono do terreno.

De realçar que a autorização para praticar os atos materiais em que a acessão se traduz, tanto pode ser atribuída através de uma declaração de vontade expressa, como pode revestir a forma tácita, ou seja, pode assentar em factos que, com toda a probabilidade, a revelem, como pode ainda, segundo Pires de Lima e Antunes Varela[6], resultar, por exemplo de um contrato translativo nulo por falta de forma. 

De sublinhar ainda que a opção do Código Civil no que respeita à acessão industrial imobiliária consistiu em atribuir a propriedade da coisa a uma só pessoa, quer para evitar a destruição do edificado e, desse modo, preservar o valor económico da nova realidade constituída pelas coisas unidas e incorporadas, quer ainda para evitar situações de conflito potencial no futuro entre o dono do terreno e o construtor da obra, além de que tal solução produz clareza nas situações jurídicas e segurança no comércio jurídico[7].

No dizer de Quirino Soares[8], a norma do artigo 1340º do C. Civil tem subjacente uma opção do legislador de carácter sócio-económico, centrada na ideia de favor aedificandi, embora não levada às últimas consequências, na medida em que o direito potestativo de aquisição do construtor tem como requisito essencial o de a mais valia por ele introduzida exceder o valor anterior do prédio.

Segundo Menezes Cordeiro[9], o que ressalta daquela norma é que o princípio superfícies solo cedit[10] foi abandonado pelo direito português a favor dos critérios da boa fé e do valor.

No mesmo sentido afirma Júlio Gomes[11] que «quando ambas as partes estão de boa fé, o Código seleciona, em princípio, o beneficiário  da acessão como sendo o proprietário da coisa de maior valor».

As consequências da realização, de boa fé, de uma obra em terreno alheio são, assim, ditadas pela relação entre o seu valor e o do terreno. O maior valor de um dos bens em causa determina, para o respetivo titular, a aquisição do outro[12].  

Dito de outro modo e nas palavras do Acórdão do STJ, de 02.07.2009 (processo nº 09B0534)[13] ,o art. 1340º, nºs 1, 2 e 3 do Código Civil, «decide sobre a propriedade do conjunto (obras mais terreno) de acordo com o valor relativo dos elementos que o integram. E assim, esse conjunto, formado pelas obras e respectivo terreno, pertencerá ao dono da obra, desde que o acrescimento de valor directamente trazido pela dita obra ao conjunto seja superior ao valor primitivo do terreno, pagando o autor da incorporação a quantia correspondente a este valor, para não se enriquecer à custa do dono do terreno. Se, ao invés, o valor primitivo do terreno superar o valor que a obra aditou ao conjunto, o dono do terreno faz a obra sua, indemnizando o autor dela pelo valor desta ao tempo da incorporação»[14].

Mas, de harmonia com o disposto no art. 1340º, nº 1 do C. Civil, esta aquisição está ainda dependente do pagamento de determinada quantia ou da sua garantia[15], que, no dizer do Acórdão do STJ de 04.04.1995 (processo nº 086096) [16], funciona aqui como condição suspensiva da aquisição do direito de propriedade do conjunto.

Podemos, pois, dizer que a aquisição da propriedade por via de acessão é originária, radicando na verificação dos respetivos pressupostos legais e fazendo surgir um direito ex novo, independente do anterior direito sobre a coisa.

Verificados os respetivos pressupostos e efetuado o pagamento devido, a acessão opera retroativamente à data da incorporação, sendo esta o momento jurídico da aquisição do direito de propriedade sobre a nova unidade económica formada pelo terreno e pela construção nele edificada, nos termos do art. 1317º, al. d), do C. Civil.

A verdade, porém, é que esta norma, ao estabelecer que, no caso da acessão, o momento de aquisição do direito de propriedade é «o da verificação dos factos respectivos», suscitou controvérsia no seio da doutrina.

Assim, enquanto que Pires de Lima e Antunes Varela[17], Augusto Penha Gonçalves[18] e Júlio Gomes[19], defendem que a acessão tem carácter automático e imperativo, ipso jure, pelo que o direito ao todo adquire-se  desde o momento da incorporação, a corrente maioritária, defendida por Oliveira Ascensão[20], Carvalho Fernandes[21], José Alberto Vieira[22], Rui Pinto Duarte[23], Menezes Cordeiro[24], Menezes Leitão[25], A. Santos Justo[26], A. Carvalho Martins[27], José Alberto González[28] e seguida de forma praticamente unânime pela nossa jurisprudência[29], tem entendido que na acessão não há uma aquisição automática, mas apenas um direito potestativo de adquirir, que o respetivo titular pode exercer, ou não, conforme lhe aprouver e daí a acessão  ter carácter facultativo, dependendo a aquisição do direito de propriedade do conjunto da manifestação de vontade nesse sentido por parte daquele a quem aproveita.

Mas, para além destas duas correntes, existem também na doutrina portuguesa teses mistas.

É o caso de Quirino Soares[30] que defende a natureza potestativa da acessão, nos casos previstos nos nºs 1 e 2 do citado art. 1340º, na medida em que nestas situações o legislador, tendo em conta o valor ou a natureza da incorporação, entendeu tutelar o interesse do construtor, fazendo depender a aquisição do direito de propriedade de manifestação de vontade do mesmo, com efeitos retroativos até ao momento da incorporação.

Todavia, já quanto à situação prevista no nº 3 deste mesmo artigo, entende que a acessão tem caráter automático, valendo o princípio da superfícies solo cedit (a superfície cede ao solo).        

Por sua vez, Elsa Sequeira Santos[31], sustenta que o escopo principal do instituto da acessão não é atribuir imediatamente a titularidade do direito de propriedade, mas, antes, desfazer uma situação de contitularidade que é criada automaticamente.

Entende, assim, que o que ocorre na acessão não é uma aquisição automática do direito de propriedade, mas a «constituição automática de uma situação de contitularidade» e que a possibilidade de desfazer esta situação deve ser concedida não só aos intervenientes mas a todos os interessados.

Daí defender que «podemos considerar a aquisição por acessão, quando ocorra, não como um direito potestativo do adquirente, mas como uma consequência da aplicação da lei, aplicação essa que pode ser desencadeada por qualquer sujeito, mesmo sem a vontade, ou contra a vontade, do beneficiário», evitando-se, desta forma que, perante a inércia do beneficiário da acessão, a parte sacrificada fique presa a uma situação de incerteza, podendo «exigir judicialmente a atribuição da coisa ao beneficiário da acessão, com a sua consequente condenação no pagamento previsto na lei ».  

Quanto a nós, sufragamos a tese já consolidada na nossa jurisprudência de que a aquisição originária do direito de propriedade por acessão industrial imobiliária tem natureza potestativa, dependendo da manifestação de vontade de adquirir a coisa, por parte do beneficiário da acessão, por considerarmos ser a mais conforme com o nosso sistema legal, sendo a que melhor se conjuga com o princípio  da autonomia privada, com as regras administrativas sobre a divisão dos prédios e com a necessidade de determinação dos valores relativos da obra e do prédio[32].

De realçar, por isso, como consequência da natureza potestativa da acessão e enquanto o respetivo direito não for exercido, cada uma das coisas ( obra e terreno)  mantém  certa individualidade, designadamente para efeitos jurídicos, e os respetivos sujeitos conservam os seus direitos  e podem exercê-los, de harmonia  com as circunstâncias[33] .

  


*

Analisando, agora, a esta luz a factualidade provada e supra descrita no ponto no ponto 3.1 dúvidas não restam que, no caso dos autos, ocorre uma situação de construção de obra própria (edifício de cave, rés-do-chão e andar composto pela frações “A”, “B”, “C”, e “D” constituído em propriedade horizontal), por parte de KK em terreno alheio (prédio rústico dos autores), situação contemplada no at. 1340º, nº 1 do C. Civil, ou seja, no domínio da acessão industrial imobiliária.

E tendo a construção do referido edifício pelo KK ocorrido na base de um contrato de compra e venda e de permuta celebrado entre ele e os autores, segundo qual estes declararam vender o prédio rústico em causa àquele, que, em contrapartida, obrigava-se a dar de permuta aos autores a fração nº 5, correspondente a apartamento ou moradia tipo T 3 com garagem, do edifício a construir no prédio rústico dos autores, deve concluir-se que, malgrado a declarada nulidade, por simulação, do mencionado contrato de compra e venda e da resolução do contrato promessa de permuta, o KK, ao construir o dito edifício, não só agiu com autorização dos autores como agiu também de boa fé.

É que, conforme já se deixou dito, a autorização para praticar os atos materiais em que a acessão se traduz não carece de ser expressa, podendo ser tácita e resultar, designadamente, de um negócio que pretende ter por consequência a transmissão do prédio a favor do autor da incorporação.

E a verdade é que, no caso dos autos, a circunstância de ter ficado provado que os autores, na qualidade de proprietários do referido prédio rústico, pretendiam aprovar um projeto de construção de um edifício em propriedade horizontal e que, nesse pressuposto, prometeram dar ao KK o dito terreno, recebendo dele, por permuta, a fração nº 5, correspondente a apartamento ou moradia tipo T3 com garagem do prédio a construir (cfr. factos dados como provados e supra descritos sob o nº 3), basta para fundamentar a verificação de uma tal autorização.

Com efeito, querendo os autores receber do KK, como contrapartida da transferência para este da propriedade do terreno, uma fração do edifício a construir por ele neste mesmo terreno, a conclusão a tirar não pode deixar de ser a de que os autores autorizaram, pelo menos tacitamente, o KK a realizar a construção do referido edifício e, consequentemente, que, ao construir tal obra  no terreno dos autores, o KK agiu de boa fé, nos termos do disposto nº 4 do art. 1340º, do C. Civil.

E mesmo admitindo, para efeito de afirmação do preenchimento de todos os demais pressupostos substantivos de acessão, designadamente do supra enunciado na alínea d), que os autores lograriam provar os factos por eles alegados nos artigos 25 e 26 da sua petição inicial - ou seja, que a «construção, na sua totalidade, à data da sua conclusão, no ano de 2002, tinha um valor não inferior a 350.000,00€» e que «o terreno dos AA, também na mesma ocasião, tinha o valor de 80.00,00€ - correspondente ao valor da fração que, pelo menos havia sido prometido permutar (…)»[34] - e, consequentemente, aceitando ser de € 270.000,00 a valorização patrimonial  que a construção do edifício trouxe ao terreno dos autores, temos por certo que, ainda assim, o pedido formulado pelos autores no sentido de ser declarado que os primeiros, terceiros a quintos réus adquiriram, em compropriedade, o seu terreno, por acessão industrial imobiliária e de os mesmos serem condenados, solidária ou conjuntamente, a pagar-lhes a quantia de € 80.000,00, atualizada em função da taxa de inflação do INE, desde a data da incorporação  até à data do pagamento, nunca poderia lograr atendimento.

Desde logo, porque, conforme já se deixou dito, as consequências da realização, de boa fé, de uma obra em terreno alheio são ditadas pela relação entre o seu valor e o do terreno, pelo que, sendo o valor do terreno inferior ao acréscimo que a este foi trazido pela incorporação da obra, o beneficiário da acessão, ou seja o titular do direito potestativo de aquisição, sempre seria o autor da construção, ou seja, o KK.

Ora, não sendo os autores os beneficiários da acessão e porque, em nosso entender, a acessão não opera automaticamente, dependendo da manifestação de vontade de adquirir a coisa, por parte do beneficiário da acessão, não se vê que assista aos autores, no contexto da acessão, o direito de obrigar o construtor da obra (no caso o KK) a adquirir o terreno sobre o qual foi construído o edifício em causa.

Acresce que, estando, no caso vertente, a aquisição do direito de propriedade do conjunto dependente do pagamento aos autores do valor do terreno anterior à construção da obra[35], que funciona, aqui, como condição suspensiva desta aquisição, também não se vê como poderiam os autores obrigar o construtor da obra e beneficiário da acessão a efetuar e/ou garantir esse pagamento.

Mas se uma tal pretensão sempre improcederia caso tivesse sido deduzida contra o autor da obra incorporada ( o que não acontece posto que a presente ação nem sequer foi instaurada contra o mesmo), por maioria de razão ela terá que improceder relativamente aos ora réus.

É que, contrariamente ao defendido pelos recorrentes, na situação dos presentes autos, os réus não ocupam a posição de sucessores do autor da obra incorporada no terreno deles, figurando, antes, como terceiros de boa fé relativamente à relação jurídica de acessão estabelecida entre o KK, enquanto construtor da obra, e os autores, na qualidade de donos do terreno onde tal obra foi incorporada.    

Com efeito, resultando da matéria de facto provada e supra descrita nos nºs 6 a 11, terem os mesmos adquirido, por contrato de compra e venda, a título oneroso, cada uma das frações “A”, “ B”, “C” e “D” que compõem o edifício construído pelo KK no terreno dos autores, são eles completamente estranhos à figura jurídica da acessão, pelo que não se vislumbra que assista aos autores o direito de deduzir contra os réus pretensão sustentada no instituto da acessão, designadamente o invocado direito de impor aos ora réus a aquisição, em compropriedade, do seu terreno e de exigir deles o pagamento do respetivo valor.

Como sublinha o Acórdão do STJ, de 17.03.1994 (processo nº 086096), «a cessão pressupõe, necessariamente, uma relação entre o autor da obra incorporada em terreno alheio e o dono deste de tal modo que a ação destinada ao reconhecimento do respetivo direito tem de processar-se entre os titulares dessa relação jurídica».

E porque isso não se verifica neste processo, manifesto se torna concluir pela improcedência do pedido principal formulado pelos autores contra os réus.

Termos em que, por todo o exposto, se julga improcedente, nesta parte, o recurso dos autores.


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3.2.2. Na improcedência do pedido principal dos autores, vejamos, então, se, tal como sustentam os recorrentes, sobre os réus recai a obrigação de pagarem aos autores a quantia de € 80.000,00, a título de enriquecimento sem causa. 

Nesta matéria, estabelece o art. 473º, n.º 1 do C. Civil, que «Aquele que, sem causa justificativa, enriquece à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo que injustamente se locupletou».

No dizer de Júlio Gomes[36], o enriquecimento sem causa, como fonte da obrigação de restituir, tem a sua razão «na necessidade de restituir o que se obteve à custa de outrem, quando falta uma causa justificativa para reter o obtido», ou seja, «nos casos em que o ordenamento jurídico não vê razão para reter o obtido ou o seu valor».

E tal enriquecimento pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes três requisitos:

a) que alguém obtenha um enriquecimento;

b) que o enriquecimento não tenha causa justificativa[37];

c) e que o obtenha à custa de quem requer a sua restituição[38].

Conforme ensina, Pereira Coelho[39], «O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial susceptível de ser encarada sob dois ângulos: o do enriquecimento real, que corresponde ao valor objectivo e autónomo da vantagem adquirida; e o do enriquecimento patrimonial, que reflecte a diferença, para mais produzida na esfera económica do enriquecido e que resulta da comparação entre a sua situação efectiva (situação real) e aquela em que se encontraria se a deslocação se não houvesse verificado».

A inexistência de causa justificativa - quer porque nunca a tenha tido, quer porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido - traduz-se na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz do direito, da ordenação jurídica dos bens ou dos princípios aceites pelo ordenamento jurídico, legitime tal enriquecimento.

Como refere Antunes Varela[40], «o enriquecimento é injusto porque, segundo a ordenação substancial dos bens aprovada pelo Direito, ele deve pertencer a outro». 

E o nexo causal, que resulta da fórmula legal “à custa de outrem”, significa que entre o enriquecimento e o empobrecimento deve existir uma certa conexão ou correspondência, exigindo ainda parte da doutrina[41] (muito embora se trate de requisito não expressamente formulado no artigo 473º e, quando muito dedutível do artigo 481º do C. Civil) que o primeiro tenha sido obtido direta e imediatamente do segundo, derivando a vantagem e o sacrifício do mesmo facto ou circunstância.

De referir que, nos termos do art. 342º, n.º1 do C. Civil, incumbe ao autor, ou seja, a quem pede a restituição, o ónus de prova destes requisitos, não bastando, no que respeita à prova da falta de causa justificativa da deslocação patrimonial, que, segundo as regras do onus probandi, não se prove a existência de uma causa da atribuição, sendo preciso convencer o tribunal da falta de causa[42], devendo,in dubio, considerar-se que a deslocação patrimonial verificada teve justa causa[43].

De realçar ainda que, de acordo com o disposto no art. 474º do C. Civil, o instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, apenas funcionando  quando a lei não faculte ao empobrecido outro meio de reagir contra o enriquecimento para desfazer a deslocação patrimonial.

Significa isto, nas palavras de Galvão Telles[44], que se alguém obtém um enriquecimento à custa de outrem, sem causa,  mas a lei faculta ao empobrecido algum meio específico de desfazer a deslocação patrimonial, será esse o meio que ele devera recorrer, não se aplicando as normas  dos ats. 473º e segs.

É o que acontece, para além do mais, nos casos em que a reposição do património empobrecido é alcançada mediante o funcionamento dos regimes da nulidade e da anulação dos negócios jurídicos (art. 289º do C. Civil) e da resolução do contrato por impossibilidade de uma das prestações dos contratos bilaterais, estando a correlativa já realizada (art. 433º do C. Civil).  

Enquadrando, agora, neste cenário jurídico a factualidade dada como provada nos presentes autos, o que se colhe, desde logo, é que a causa do empobrecimento dos autores advém da circunstância de, por sentença proferida no processo 4308/10.9TJVNF e transitada em julgado 22 de Junho de 2015, ter sido declarada quer a nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda celebrado através da a escritura pública de 25 de maio de 1999 e, por via do qual, os autores haviam declarado vender ao KK a supra referida parcela de terreno, quer a resolução do contrato promessa de permuta celebrado entre os ora autores e os então réus, KK e mulher, LL, por impossibilidade ou incumprimento imputável a estes, sendo certo que, nesta situação e por força do disposto no art. 289º, nº1do C. Civil, sobre o KK impenderia a obrigação de restituição aos autores do terreno em causa, ou, na impossibilidade dessa restituição, o valor correspondente.

E se é certo ter a referida sentença declarado expressamente que a nulidade proveniente do contrato simulado não era oponível aos então réus CC e mulher, DD e réus também na presente ação, não menos certo é que, ante o estipulado nos arts 243º, 291º e 435º, todos C. Civil, quer essa mesma nulidade, quer a resolução do contrato promessa de permuta também não serão oponíveis aos demais réus na presente ação, EE e FF; GG e HH; e II e JJ, na medida em que, resultando dos factos provados e supra descritos nos nºs 4 e 5 [45] e 6 a 11 [46] , estarmos perante aquisições onerosas e registadas com data muito anterior à da instauração do processo nº 4308/10.9TJVNF, são os mesmos  terceiros adquirentes  de boa fé, o que tanto basta para afastar a aplicação ao caso vertente do disposto no  nº 2 do citado art. 289º , não recaindo, por isso, sobre eles qualquer obrigação de, em substituição, do KK, procederem à restituição do terreno objeto do contrato declarado nulo ou do respetivo valor.

Acresce que, tendo os réus adquirido, a título oneroso, as ditas frações autónomas também não se descortina que os réus tenham logrado obter qualquer enriquecimento à custa dos autores.

Daí que por todo o exposto não se possa deixar de concluir, em consonância com o acórdão recorrido, que, no caso em apreço, não se mostram verificados nenhum dos enunciados requisitos do enriquecimento sem causa, não impendendo, por isso, sobre os réus a obrigação de restituir aos autores a peticionada quantia de € 80.000,00.


Improcedem, por isso, todas as demais conclusões das alegações de recurso.

 


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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

As custas do recurso ficam a cargo dos recorrentes.



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Supremo Tribunal de Justiça, 10 de janeiro de 2019

Maria Rosa Oliveira Tching (Relator)

Rosa Maria Ribeiro Coelho

José Manuel Bernardo Domingos

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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[2] Neste sentido, cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in, “ Código Civil, Anotado”, 2ª ed. Vol. III, pág. 164; Antunes Varela, “Acessão Imobiliária Industrial”, in, parecer, publicado na CJ/STJ, Ano VI, tomo II, págs 5 e segs; Carvalho Fernandes, in, “Lições de Direitos Reais”, 5ª ed., págs. 321 e segs e Quirino Soares, “ Acessão e Benfeitorias”, in, CJ/STJ, ano IV, tomo I, pág. 12.  
[3] Cfr. Luís A. Carvalho Fernandes, “Aquisição do Direito de Propriedade na Acessão Industrial Imobiliária”, in, Estudos em honra do Professor doutor José de Oliveira Ascensão”, organizados pelos Professores Doutores António Menezes Cordeiro, Pedro Pais de Vasconcelos e Paula Costa e Silva, pág. 664 
[4] Cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ, de 22.06.2005 (processo nº 05B1524), de 27.05.2008 (processo nº 08B1276), de 20.06.2013 ( processo  nº 1219 /07.9TBPMS.C1.S1) , disponíveis na Internet –http://www.dgsi.pt/jstj.
[5] In “Direito Civil - Reais”, Coimbra Editora, 5.ª Edição (reimpressão), 2000, pág. 309 e ainda artigo intitulado Acessão, publicado na Revista Scientia Iuridica, Ano XII, págs. 356-358.
[6] In, “ Código Civil, Anotado”, 2ª ed. Vol. III, pág. 164.
[7] Neste sentido, Júlio Gomes, in, “O conceito de enriquecimento, o enriquecimento forçado e os vários paradigmas do enriquecimento sem causa”. Universidade Católica Portuguesa, Porto, Maio 1998, págs. 358 e 359 e Rui Pinto Duarte, “ Dois apontamentos sobre a acessão industrial imobiliária”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquita, Coimbra Editora, 2009, pág. 787.
[8] In Artigo “Construção de obra sobre edifício alheio”, publicado nos Cadernos de Direito Privado, nº 12 Outubro/Dezembro 2005, pág. 7.  
[9] In, “Direitos Reais”, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1979, págs. 508 e 509.
[10] Segundo o qual, tudo o que se incorpora na coisa pertence a ela.
[11] In “O conceito de enriquecimento, o enriquecimento forçado e os vários paradigmas do enriquecimento sem causa”. Universidade Católica Portuguesa, Porto, Maio 1998, pág. 359.
[12] Luís A. Carvalho Fernandes, in, “Lições de Direitos Reais”, 3ª ed., pág. 328 e 329.
[13] Disponível na Internet–http://www.dgsi.pt/jstj.
[14] Neste mesmo sentido, cfr. Luís A. Carvalho Fernandes, in, “Lições de Direitos Reais”, 3ª ed., pág. 328 e 329.
[15] Cfr. Vaz Serra, in, RLJ, 107, pág. 48 e A. Menezes Cordeiro, in, “Direitos Reais”, Vol. II, pág. 721.
[16] Disponível na Internet–http://www.dgsi.pt/jstj.
[17] In, “ Código Civil, Anotado”, 2ª ed. Vol. III, pág. 165.
[18] In, “Curso de Direitos Reais”, 2ª ed., Universidade Lusíada, Lisboa, 1993, pág. 353.
[19] In, “O conceito de enriquecimento, o enriquecimento forçado e os vários paradigmas do enriquecimento sem causa”. Universidade Católica Portuguesa, Porto, Maio 1998, págs. 354 a 367.
[20] In “Direito Civil - Reais”, Coimbra Editora, 5.ª Edição (reimpressão), 2000, págs. 306 a 309.
[21] In, “Lições de Direitos Reais”, 5ª ed., Quid Juris, Lisboa, págs. 349 a 351.
[22] In, “ Direitos Reais”, Coimbra Editora, Abril 2008, págs. 710 a 711.
[23] In “Curso de Direitos Reais”, 2ª ed., Principia, Fevereiro 2007, págs. 92 e 93; “ Dois apontamentos sobre a acessão industrial imobiliária”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquita, Coimbra Editora, 2009, págs. 789 e 790 e “ A Jurisprudência portuguesa sobre a acessão industrial imobiliária – algumas observações”, in Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, Ano III, nº 5, 2002, pág. 260 e 261.     
[24] In, “Direitos Reais”, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1979, págs. 503 a 504.
[25] In “Enriquecimento sem causa no direito civil – Cadernos de ciência e técnica fiscal – Centro de Estudos Fiscais, 1996, pág. 699.
[26] In “Direitos Reais”, Coimbra Editora, págs. 269 a 271.
[27] In, “Acessão”, Coimbra Editora, págs. 127 a 128.
[28] In, “Direitos Reais e Direito Registal Imobiliário”, Quid Juris, 4ª ed. 2009, pág. 422 e 423.
[29] Neste sentido, cfr., entre outros, Acórdãos do STJ de 04.04.1995 (processo nº 086096); de 08.11.2007 (processo nº 07B3545); de 27.05.2008 (processo nº 08B1276); de 03.12.2009 (processo nº 1102/03.7TILH.C1.S1); de 30.06.2009 (processo nº 268/04.3TBTNU.C1.S1); de 20.06.2013 (processo nº 1219/07.9TBPMS. C1.S1), todos disponíveis na Internet –http://www.dgsi.pt/jstj.
[30] In, “Acessão e Benfeitorias”, Separata dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano IV, Tomo I, 1996, pág. 22.
[31] Cfr.  “A aquisição por acessão é potestativa? ”, in “Estudos em honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão”, Vol. I, Almedina, outubro de 2008, págs. 697 a 710.
[32] Neste sentido, cfr. Rui Pinto Duarte “ Dois apontamentos sobre a acessão industrial imobiliária”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquita, Coimbra Editora, 2009, pág. 793.
[33] Neste sentido, Oliveira Ascensão, in “Direito Civil - Reais”, Coimbra Editora, 5.ª Edição (reimpressão), 2000, pág. 403.
[34] Factos que, nesta fase processual, não foram dados como provados, mas que também não se vislumbra fundamento para determinar a ampliação da decisão de facto nos termos do art. 682º, nº 3 do C. P. Civil, na medida em que a prova dos  mesmos  em nada alteraria a decisão a tomar. 
[35] Luís A. Carvalho Fernandes, in, “Lições de Direitos Reais”, 3ª ed., pág. 328 e 329.
[36] In, “O Conceito de Enriquecimento, o enriquecimento forçado e os vários paradigmas do enriquecimento sem causa”. Universidade Católica Portuguesa, Porto, Maio 1998, págs. 222 e 224.
[37] Sendo doutrina praticamente pacífica e jurisprudência largamente dominante a que perfilha a tese de, não obstante se tratar de um facto negativo, caber ao autor a demonstração da falta de causa para a deslocação patrimonial verificada. Neste sentido cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ de 17.10.2006 (processo nº  06A2741, com desenvolvimento sobre tal questão e com alusão aos limites de tal ónus); 05.12.06 (processo nº 06A3902);  de 29.05.07 ( processo nº  07A1302); de 4.10.07 (processo nº 07B2772) e de 16.09.08 (processo nº 08B1644), todos disponíveis na Internet –http://www.dgsi.pt/jstj.
[38] Neste sentido, cfr. Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, Vol. I, 11ª ed., pág. 369 e entre outros, os Acórdãos deste Tribunal de 27.09.2011, de 06.06.2013, de 20.06.2013, de 26.03.2014 e de 29.04.2014, todos disponíveis na Internet –http://www.dgsi.pt/jstj.
[39] In, “o Enriquecimento e o Dano”, págs. 27 e 42 e segs.
[40] In, “Das Obrigações em Geral”, 4ª ed.,  Vol. I, pág. 474.
[41] Neste sentido, vide Pires de Lima e Antunes Varela, in, “Código Civil, Anotado”, vol. I, 4ª ed., pág. 457; Antunes Varela in, “Das Obrigações em Geral”, 4ª ed., pág. 481 ; Almeida Costa, in, “Direito das Obrigações”, 5ª ed., págs. 379 e segs e Pereira Coelho, obra e local citados, pág. 42 e segs.
[42] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil, Anotado”, vol. I, pág. 456
[43] Neste sentido, Acórdão do STJ de 16/10/08 (processo nº 08A2709), disponível na Internet –http://www.dgsi.pt/jstj.
[44] In, “Obrigações”, 3ª ed. , pág. 136.
[45] Ou seja, que o terreno em causa foi registado a favor de KK em 4 de junho de 1999 e, desde 27 de agosto de 2002, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial como correspondendo a edifício de cave, rés-do-chão e andar, constituído em propriedade horizontal, sendo composto pelas frações “A”, “B” e “C”, destinadas a habitação
[46] Ou seja, que a fração “A” foi adquirida, por compra, pelo réus, EE e FF a KK, tendo tal aquisição sido registada, em 27 de agosto de 2002; a fração “B” foi adquirida, por compra, pelos réus GG e HH a QQ e RR que, por sua vez, a havia, adquirido, por compra, a KK, tendo tais aquisições sido registadas, respetivamente, em 20 de abril de 2011 e 27 de agosto de 2002; a fração “C” foi adquirida, por compra, pelos réus II e JJ a TT que, por sua vez, a havia, adquirido, por compra, tendo tais aquisições sido registadas, respetivamente, em 27 de setembro de 2005 e 28 de agosto de 2002