Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
302/20.0T8ALQ.E1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA LOBO
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
ADVOGADO
MANDATO FORENSE
INCUMPRIMENTO
JUÍZO DE PROBABILIDADE
OBRIGAÇÃO DE MEIOS E DE RESULTADO
PERDA DE CHANCE
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS
EQUIDADE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
AÇÃO DE DESPEJO
NEGLIGÊNCIA
FALTA DE CONTESTAÇÃO
PATROCÍNIO OFICIOSO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
Compete ao autor a prova de que a actuação processual omissiva da sua mandatária foi a causa dos danos peticionados por o ter feito perder uma probabilidade séria de obstar ao despejo.
Decisão Texto Integral:

I – Relatório

I.1 – relatório

CC apresentou recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 20 de Fevereiro de 2024 que julgou procedente o recurso de apelação independente interposto pela Apelante XL Insurance Company SE, Sucursal em ..., bem como negou provimento ao recurso de apelação subordinado interposto pelo Apelante AA, e, em consequência, absolveu as Rés BB e XL Insurance Campany SE, Sucursal ... do pedido.

O recorrente apresentou alegações que terminam com as seguintes conclusões:

1. No julgado recorrido entendeu-se que no caso em apreço não foi possível “considerar que a apresentação do articulado de contestação por parte do Autor-Apelado geraria uma chance ou oportunidade, do ponto de vista probabilístico, do mesmo vir a ter maior possibilidade de ganho de causa na ação de despejo que lhe foi movida pelo senhorio do que vir a decair nela e ser condenado no despejo, como veio a suceder”;

2. Em voto de vencido, discordou-se da “inexistência de perda de chance quanto à possibilidade de fazer caducar o direito à resolução do contrato de arrendamento e quanto à dedução de reconvenção”, bem como no que respeita à natureza da responsabilidade civil concretamente aplicada e quanto à não ocorrência de ilícitos culposos, por via da alteração da matéria de facto;

3. O AUJ invocado no recorrido diz que o dano de perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem que ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade;

4. No AUJ invocou-se que a não consideração da perda de chance como fundamento da obrigação de indemnizar tinha a consequência indesejável “a que um mandatário - ou patrono - que não agisse com a devida diligência escapasse à responsabilidade com fundamento em se desconhecer qual seria o desenrolar e o desfecho normal do processo caso ele tivesse tido o comportamento devido, sendo que foi exatamente a circunstância de ele ter tido tal comportamento indevido – a ilícita omissão de contestar – que impediu o desenrolar e o desfecho normal da lide;

5. No caso em apreço, a patrona nomeada, no âmbito do apoio judiciário, ao réu demandado na ação de despejo, não apresentou contestação nos autos;

6. A perda de chance é um prejuízo cujo objeto consiste no desaparecimento duma chance preexistente que constituía já, enquanto chance, um elemento do património do lesado;

7. E que a mesma constitui uma posição favorável na esfera jurídica do lesado e tem valor;

8. Este dano de perda de chance é um dano indemnizável;

9. Ademais, a “responsabilidade civil, (…), tem em vista “reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado evento que obriga à reparação (cf.art. 562 do C. Civil), visando colocar o lesado/mandante na situação em que ele se encontraria se não fosse o ato lesivo do seu mandatário (patrono, interpolação)”;

10. Pela incerteza que afeta a indemnização pela perda de chance, e a indeterminação no quantum indemnizatur, e assim observar o mínimo de assertividade compatível com o nexo de causalidade, previsto no art. 563º, do C. Civil, o conceito admite uma “graduação probabilística do nexo de causalidade”;

11. Por conseguinte, se o comportamento indevido do mandatário/patrono, o desenrolar e o desfecho normal dum processo não aconteceu e nem alguma vez acontecerá, não pode exigir-se que o dano decorrente de tal comportamento indevido seja objeto de uma certeza absoluta, ou seja, a realidade hipotética do que se chegou a verificar-se tem sempre de situar-se no domínio das probabilidades (certezas relativas);

12. Assim sendo, a “aferição dum tal dano exigirá sempre a comparação entre uma situação real, atual, e uma situação hipotética, igualmente atual, sendo a prognose sobre a evolução hipotética do processo comprometido que irá permitir determinar a certeza relativa do dano”.

13. Como dispõe o art. 563º, do C. Civil, disposição que consagra a teoria da causalidade adequada, “cujo objetivo é excluir a imputação de danos que tenham ocorrido devido a encadeamento de circunstâncias completamente invulgar e que, de um ponto de vista hipotético, não era de esperar, a ponto de, como é sabido, no domínio da responsabilidade por factos ilícitos e culposos (…) se considera “preferível” a sua formulação negativa, o que significa que a imputação de um dano à conduta do lesante será suficiente, em princípio, que a respetiva concretização não se encontre fora de toda a probabilidade.”;

14. O que quer significar que o lesante, com a sua conduta ilícita, não contestação da ação de despejo, a qual “criou a condição do dano”, este somente é afastado se o facto ilícito for de todo em todo indiferente para a produção daquele.

15. O Direito não é uma ciência exata, como se afirma no AUJ, não pode afirmar-se uma certeza absoluta sobre o resultado do pleito que não se chegou a desenrolar ou desenrolou-se por forma anormal, mas isso não inviabiliza que se possa demonstrar que que o concreto processo judicial tinha circunstancias que fundamentavam a existência de um desfecho favorável e por isso uma posição favorável para o lesado e cuja perda se traduziu num dano;

16. E demonstrado isso, configura-se uma certeza relativa e conforma uma possibilidade séria que permite imputar a certeza relativa ao facto lesivo;

17. Por conseguinte, uma chance com um mínimo de consistência pode aspirar a exprimir a certeza do resultado comprometido e poder ser considerada provável;

18. E o apuramento da consistência da chance, num juízo de prognose póstuma, a ser feito no “julgamento dentro do julgamento” e a ser obtida a decisão hipotética que teria sido tomada no processo em que foi cometida a falta, o que irá estabelecer que, caso a este tinha suficiente probabilidade de sucesso, que há dano certo e o nexo causal entre o ato do mandatário/patrono e o dano certo;

19. Na verdade, e ao contrário do julgado no acórdão recorrido, é manifesta a existência do nexo causal entre o facto e o dano originado pela falta cometida pela Ilustre Patrona e mais provável a existência de sucesso na ação do que o insucesso da mesma para o aqui recorrente, assim houvesse aquela apresentado a contestação;

20. Pelo que, somente se pode concluir pela consistência e seriedade da perda de chance postulada pelo recorrente;

21. Na medida em que, caso tivesse havido contestação, o recorrente ali réu sempre poderia ter feito a discussão do valor das rendas peticionadas pelo senhorio, feito caducar o seu direito à resolução do contrato de arrendamento e/ou deduzir reconvenção quanto à compensação por benfeitorias realizadas no locado, no que foi impedido pela falta profissional cometida;

22. Não sendo, pois, procedente o argumento vertido no acórdão recorrido quanto ao exercício do direito de purgação da mora por parte do inquilino, pois, estando pendente a ação de despejo, por fundamento em suposta mora no pagamento de rendas, é nesta que o mesmo deve exercita-lo se quiser fazer caducar o direito de resolução do contrato de arrendamento;

23. E tal não ocorreu por inércia da Ilustre Patrona ao não o informar e contestar a ação;

24. Ademais, outro pressuposto a mesma não atendeu e é imputável à sua omissão, é que ao recorrente, réu na ação de despejo, era sempre possível discutir a regularidade da notificação quanto ao valor das rendas na ação, já que o seu eventual silêncio sobre esse preciso conspecto não o impedia, mas a falta cometida impedi-o;

25. Outrossim, no respeitante à reconvenção, contrapedido que a ser apresentado, é-o sempre integrado na contestação, foi considerado pelas instâncias de ser insuscetível de obter sucesso, caso, houvesse sido apresentado;

26. Ora, o recorrente fez construções no locado ao longo do tempo, tendo sido prevista uma compensação para as mesmas no final do contrato;

27. Este terminou sem que o recorrente pudesse ter exigido a referida compensação devido a falta profissional, o que comprometeu a lide reconvencional;

28. Ora, caso não tivesse tido esta lugar, o recorrente poderia ter exercitado o seu direito e admitido a provar o quantum indemnizatur;

29. E o tribunal ao apreciar o incidente de “julgamento dentro do julgamento” ter concluído pela existência de um dano de perda de chance consistente e sério, poderia ter fixado aquele com recurso à equidade como previsto no art. 560º, nº 3, do C. Civil;

30. Caso a contestação da ação de despejo tivesse sido apresentada e incluísse a reconvenção era mais provável o sucesso da ação do que o insucesso, pois, o recorrente poderia ter podido oferecer a prova dos valores àquelas respeitantes;

31. E, assim, obter título que poderia opor ao senhorio para dele obter o respetivo pagamento;

32. E, caso de ser instaurada ação executiva, como foi, opor-se a ela mediante embargos de executado, a fim de obter pagamento desses valores ou garantir o mesmo;

33. E, designadamente exercendo o direito de retenção que lhe assistiria, recusando legitimamente a entrega do locado enquanto não fosse pago ou garantido o pagamento;

34. O que ficou inviabilizado por não ter sido apresentada contestação pela patrona nomeada;

35. Sendo, pois, aqui, manifesto que era mais provável o sucesso do que o insucesso da lide;

36. Por outro lado, confunde-se no acórdão recorrido a natureza do dano envolvido coma perda de chance, aqui temos o dano autónomo derivado da falta cometida e não o dano final na ação onde o mesmo deveria ter sido peticionado, não tivesse ocorrido aquela;

37. Afasta-se no julgado recorrido, a inexistência de disposição legal que obrigaria à reconvenção na ação declarativa, quando o disposto no art. 860º, nº 3, do CPC, impõe que somente é atendido o pedido de valor das benfeitorias, caso a sentença condenatória naquela o comtemple;

38. Refere-se no voto de vencido a questão da natureza da responsabilidade civil em causa, no acórdão recorrido não houve pronúncia sobre este preciso conspecto, no entanto, quer numa, quer noutras das modalidades, entende-se que se verificam os respetivos pressupostos, designadamente no que à culpa respeita;

39. Sendo certo que, o recorrente fundamentou a sua pretensão vazada na sua petição inicial na responsabilidade civil contratual, aquela que melhor respeita a igualdade de tratamento dos litigantes, como é paradigma da doutrina e jurisprudência invocadas, mas quanto a este ponto dará esse Alto Tribunal a última palavra.

Nestes termos, o acórdão recorrido fez incorreta interpretação e aplicação da jurisprudência uniformizada vertida no AUJ 2/2022, ao considerar que não foi possível considerar que a apresentação da contestação pelo autor ora recorrente geraria uma melhor chance ou oportunidade, do ponto de vista probabilístico do mesmo vir a ter maior possibilidade de ganho de causa na ação de despejo contra si instaurada pelo senhorio do que nela vir a decair.

Na verdade, tal conclusão não se contem nos factos provados, designadamente não fora a falta profissional cometida, o recorrente poderia ter oposto a irregularidade da notificação que lhe foi efetuada pelo senhorio relativa à passagem do contrato para o NRAU e consequente atualização de rendas no âmbito do referido regime jurídico arrendatício, cf. jurisprudência do Tribunal Constitucional, como poderia ter feito caducar o direito à resolução do contrato de arrendamento e, em consequência, posto termo à ação, assim houvesse sido informado pela patrona nomeada dessa faculdade, bem como poderia ter deduzido reconvenção, a fim de ser ressarcido do valor das benfeitorias por si realizadas no locado, e provada a perda de chance consistente e séria e a obrigação de indemnizar dela adveniente, o dano originado pela falta cometida, mesmo que não se oferecendo ao tribunal o conhecimento da integralidade dos danos, dada a incerteza, sempre o poderia fazer entre o nível mínimo e máximo admissível nestes casos ou com o recurso à equidade, pelo que perdendo o recorrente assim a chance de fazê-las valer no processo em causa, sendo pois, contrariamente, ao decidido no acórdão recorrido e ao arrepio da jurisprudência uniformizada, aquela caso não fosse a falta cometida era mais provável que o recorrente obtivesse um desfecho favorável da lide contra si instaurada, do que desfavorável.

Pelo que, o acórdão recorrido ao assim decidir ofendeu o disposto nos arts. 562º, 563º, 564º, 566º, nº 3, 798º e 799º, todos do Código Civil.

As recorridas prescindiram do prazo de resposta ao recurso de revista.


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I.2 – Questão prévia - admissibilidade do recurso

O recurso de revista é admissível ao abrigo do disposto no art.º 671.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.


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I.3 – O objecto do recurso

Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar a seguinte questão:

1. Perda de chance processual.


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I.4 - Os factos

O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:

1. Contra o Autor foi interposta uma acção de despejo por I..., Lda, com fundamento na falta de pagamento de rendas, que deu origem à acção n.º 113/18.2..., que correu termos no Juízo Local Cível de ...do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte.

2. Citado para os termos da acção, o Autor, ali réu, requereu a concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento da compensação de patrono, que foi deferido, tendo sido nomeada patrona a 1ª Ré.

3. Quando teve conhecimento da nomeação, o Autor entrou em contacto com a 1ª Ré, tendo combinado encontrar-se.

4. O encontro ocorreu no parque de estacionamento de um supermercado perto da quinta arrendada pelo Autor.

5. O Autor fez-se acompanhar de um saco contendo vários papéis, onde seguramente se encontravam os documentos da citação que recebera, designadamente uma petição inicial, tendo entregue estes últimos à Co-Ré BB que os recebeu.

6. A 1.ª Ré não informou o Autor de que poderia proceder ao pagamento das rendas alegadamente em dívida com vista a pôr fim à mora e evitar o decretamento do despejo.

7. Findo o prazo previsto, a 1ª Ré não apresentou contestação.

8. (…) nessa sequência foram considerados reconhecidos os factos alegados na petição inicial, facto de que o Autor teve conhecimento quando se deslocou ao Tribunal.

9. Na acção foi proferida, a 06.11.2018, sentença na qual se decidiu:

julgo a acção procedente, por provada, e, em consequência, declaro resolvido o contrato de arrendamento misto havido como urbano sobre o prédio misto, denominado Quinta dos ..., Quinta das ..., Quinta de ... ou Várzea ..., situado em ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 14 da Secção AE, 2ª Secção CJ e na matriz predial urbana sob os artigos .04, .41 e ..33 da freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..48 e, em consequência, condeno o réu, AA, a entregar á autora, I..., Lda, o identificado prédio, livre de pessoas e coisas.

Mais condeno o réu a:

a. Pagar à autora a quantia de €3.445,22 (…) a título de rendas vencidas até à propositura da acção, verificada a 18 de Fevereiro de 2018, e as vencidas e não pagas na pendência da acção, no montante mensal de €101,33 (…), até ao trânsito em julgado desta sentença;

b. Pagar à autora juros de mora à taxa legal de 4% ao ano sobre as rendas vencidas e vincendas, até efectivo e integral pagamento;

c. A indemnizar a autora em valor equivalente ao da renda mensal, no montante de €101,33 (…), após o trânsito em julgado da presente sentença e até à efectivação do despejo.” – cf. certidão junto aos autos.

10. Quando o Autor teve conhecimento desta sentença, solicitou a substituição do patrono nomeado.

11. Em consequência, foi considerado interrompido o prazo para interposição de recurso,

12. (…) o que não veio, contudo, a acontecer.

13. O Autor vivia no locado desde 1981, destinando os terrenos do mesmo à pecuária.

14. Na sequência do trânsito da sentença e da não entrega voluntária do locado, o Autor foi despejado em Novembro de 2019, vendo-se obrigado a deslocar os animais para espaço da propriedade de familiares e vender outros a preço menor do que o de mercado.

15. O Autor, ao longo dos autos, construiu no locado:

1 - uma vedação composta de postaletes de cimento, paus tratados e rede, com um portão;

2 – uma vedação para gado;

3 – um moinho de vento com bomba de água;

4. – furo de água com bomba de água trifásica;

5. – procedeu à electrificação de parte do terreno rústico;

6 – edificação para armazenagem de alimentação dos animais;

7 – redil ou edificação para guarda dos animais;

8 – um tanque reservatório de água;

9 – um edifício que dedicava à criação de aves;

16. (…) estas construções não puderam ser levantadas antes do despejo.

17. Do contrato de arrendamento celebrado em 1990, relativo ao arrendamento que teve início em 15.08.1981, com os anteriores proprietários do prédio constava: “O arrendatário pode alterar as construções existentes e as benfeitorias ficarão a pertencer ao Senhorio, depois de elaborar o seu valor a ser reembolsado o arrendatário” – cf. certidão junta a 02.07.2020.

18. O Autor tinha comprovativos do pagamento de 400€ anuais a título de renda, relativos aos anos de 2015, 2016, 2017 e ....

19. O Autor vivenciou grande sofrimento em virtude de ser despejado do locado aos 80 anos, tendo de recomeçar a sua vida noutro lugar.

20. A 1ª Ré encontra-se inscrita na Ordem dos Advogados, pelo Conselho Regional de... desde ... de 2017.

21. A Ordem dos Advogados Portuguesa celebrou com a 2ª Ré um contrato de seguro de grupo do ramo de responsabilidade civil titulado pela apólice n.º ES......15...OA, que tem por objecto a responsabilidade civil profissional decorrente do exercício da advocacia com um limite de 150.000,00€ por sinistro, estabelecendo-se nas condições particulares “uma franquia de 5.000,00 € por sinistro, não oponível a terceiros”.


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Factos não provados

Com relevância para a decisão da causa, não resultaram provados quaisquer outros factos, nomeadamente que:

1. No encontro mencionado no ponto 4- e 5- dos factos considerados como provados o Autor se tenha feito acompanhar de documentos, que entregou à 1.ª Ré e que no seu entender demonstravam que as rendas se encontravam todas pagas, tendo afirmado tal à mesma.

2. A 1ª Ré tenha ficado na posse de documentos entregues pelo Autor, além dos relativos à citação.

3. Nos contactos posteriores do Autor, a 1ª Ré não lhe pediu mais documentação.

4. O Autor não prestou a colaboração devida à 1ª Ré, nomeadamente não entregando documentos, nem prestando as informações solicitadas.

5. As construções referidas em 16 tenham o valor de:

- 10.345,00€ no que respeita à descrita em 16.1;

- 2.105,00€ no que respeita à descrita em 16.2;

- 8.800,00€ no que respeita à descrita em 16.3;

- 16.900,00€ no que respeita às descritas em 16.4 e 16.5;

- 7.600,00€ no que respeita à descrita em 16.6;

- 54.000,00€ no que respeita à descrita em 16.7;

- 28.090,00€ no que respeita à descrita em 16.8;

- 657.000,00€ no que respeita à descrita em 16.9.


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II – Fundamentação

1. Perda de chance processual

A análise da matéria de facto permite concluir, indubitavelmente, que tendo sido proposta uma acção de despejo contra o autor, com fundamento em falta de pagamento de rendas, veio a mesma a ser julgada procedente e decretado o despejo do locado referido no ponto 14 da matéria de facto, muito embora nesta acção, como nas demais que constam destes autos, o autor se identifique como residente no locado objecto da acção de despejo.

A ré, na qualidade de patrona oficiosa do autor não apresentou contestação.

Importa, pois, dilucidar se, como se alega na petição inicial, a falta de apresentação da contestação foi causa da procedência da acção de despejo e se, da sua apresentação, provavelmente resultaria um diferente desfecho da acção. Está mais que esclarecido que a não apresentação do recurso da decisão que decretou o despejo não foi da responsabilidade da ré BB, pelo que não será aqui analisada.

Os diversos documentos juntos aos autos relativos a acções e tentativas de alteração do contrato de arrendamento que cessou com a dita acção não contestada, contrariamente ao que parece ter sido entendido pelo Tribunal de 1.ª instância evidencia que o autor, apesar da sua idade, tem substancial experiência em lides judiciais, por si próprio ou acompanhado de um profissional do foro.

Seguindo a matéria de facto provada dispunha ele de comprovativo de ter pago 400€ anuais a título de renda, relativos aos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018. Porém não alegou, e muito menos demonstrou, que tem agora em seu poder tais documentos, mas que eles estavam em posse da ré BB para contestar a acção. Assim, o saco de documentos que entregou à sua advogada, teria a nota de citação, mas não teria estes documentos comprovativos do que sabemos ser o pagamento parcial da renda anual devida, que estavam em posse do autor. Neste mesmo sentido fundamentou o Tribunal de 1.ª instância que:

Desde logo, cremos que efetivamente o Autor entregou à 1ª Ré os documentos que entendia demonstrar que tinha as rendas pagas, contudo não ficamos convencidos de que os mesmos tenham ficado na posse desta, para além dos que respeitavam à nomeação e citação.

Tal como se verifica na fundamentação da matéria de facto, e as instâncias acharam credível, o autor sempre terá dito que a renda devida era de 400,00€ anuais, mesmo que haja uma série de correspondência dele com o senhorio demonstrativa de diverso montante de renda devida. O certo é que o autor, que propõe esta acção queixando-se do prejuízo que lhe foi causado pela falta de apresentação da contestação, em momento algum alega que a sua advogada deveria ter feito prova de que ele tinha pago as rendas ditas ali em dívida, porque tinha documentos bastantes em sua posse para o fazer. Ora isto sim, evitaria o despejo. A apresentação da contestação na ausência de prova do pagamento das rendas, que verificamos era impossível ter sido feita, tinha apenas a consequência de atrasar a decisão da acção de despejo.

Numa acção de despejo com fundamento em falta de pagamento de rendas, mais essencial que a contestação é a demonstração documental de que as rendas foram oportunamente pagas.

Bem certo que o réu até ao termo do prazo da contestação pode obstar ao despejo, e é este, que a ter-se efectivamente verificado, é, na perspectiva do autor gerador de grande dano patrimonial e não patrimonial, se depositar o valor das rendas alegadamente em falta acrescido da indemnização legalmente estabelecida para a mora. Provado está que a 1.ª Ré não informou o Autor de que poderia proceder ao pagamento das rendas alegadamente em dívida com vista a pôr fim à mora e evitar o decretamento do despejo, e esta informação parece importante. Todavia, é natural que tal informação não seja prestada a um réu que diz que tem todas as rendas pagas. Nesta situação, o patrono nomeado deve é fazê-lo ciente de que carece de comprovar o pagamento das rendas em questão. Mas o autor nunca alega que a sua mandatária recebeu o tal saco de documentos e lhe disse que ficasse tranquilo e nada mais seria necessário, nem mesmo provar o pagamento das rendas.

Há entre este encontro do autor com a ré nomeada sua patrona oficiosa e o esgotamento do prazo para apresentar contestação uma carência de factos que permitam estabelecer que haveria uma probabilidade séria de a contestação impedir o decretamento do despejo, não tanto pelo seu conteúdo mas se fosse acompanhada do comprovativo de que o pagamento das rendas peticionadas na acção de despejo como estando em falta, tinham sido pagas.

Como consta da sentença que decretou o despejo era do conhecimento do autor que o valor da renda anual há muito que tinha sido aumentado, tendo ele até procedido, pelo menos, ao pagamento da renda actualizada num dos anos que se seguiram a essa actualização.

Mas a apresentação da contestação sempre poderia ter interesse para que o autor fosse indemnizado do valor das benfeitorias que tinha realizado, entende o autor. Todavia, só admitindo que teria sempre de ser decretado o despejo por falta de pagamento de rendas, única causa de pedir dessa acção, poderia o autor obter indemnização pelas benfeitorias que tivesse realizado e não pudessem ser retiradas. Isto é, o autor só poderia obter esta indemnização se fosse despejado, e seria despejado se não tivesse pago as rendas devidas, e, efectivamente tinha comprovativo de ter pago montantes inferiores à renda devida. Mas não há prova de que junto da sua advogada haja indicado com clareza, e transparência, a real situação em que se encontrava e era do seu conhecimento pessoal. Parece uma versão enfermando de contradições insanáveis. Em todo o caso, não provou o valor das benfeitorias que subiram mais de 3 vezes de valor, na sua avaliação pessoal, entre a fase prejudicial, quando contactou com a ré seguradora solicitando indemnização, e, a fase judicial. Aquelas benfeitorias, que poderão ter indiscutível utilidade para o autor, foram descritas pelo Tribunal de 1.ª instância do seguinte modo:

temos de ter em consideração que resulta já das fotografias que tais construções ou edificações se encontravam degradadas pela passagem do tempo, tendo sido afirmado por DD que as construções já existiam quando passou a viver na localidade, há cerca de 22 anos, sedimentando a perceção do desgaste/degradação pelo decurso do tempo (facto provado 18)”, não se provando o valor que lhes foi atribuído pelo autor.

Assim, sem prejuízo de poder ter sido apresentada uma contestação em que fosse alegado o pagamento de rendas, caso a mandatária tivesse acreditado no autor que lhe dizia que tinham sido pagas, com indicação de que até ao termo do prazo de contestação seriam juntos os documentos disso comprovativos, eles nunca poderiam ter sido juntos, por não existirem. Não é legalmente admissível usar a contestação para suscitar questiúnculas que apenas multipliquem o trabalho do Tribunal e atrasem a decisão, nomeadamente suscitando problemas formais, não esclarecidos nem alegados na petição inicial, sobre a regularidade da citação que, afinal atingiu o seu objectivo de dar a conhecer ao réu, aqui autor, que pendia contra ele a acção, para que pudesse validamente exercer a sua defesa.

Tendo em conta os contornos da realidade locatícia do aqui autor e o incumprimento do seu dever de pagar a renda devida, apurada nestes autos, é inquestionável que a apresentação da contestação sempre seria bastante inútil, e, insusceptível de obstar ao despejo que foi ordenado.

Tal como o Tribunal recorrido, entendemos, pelas razões expressas, que o autor não demonstrou, como lhe competia, que a actuação processual omissiva da sua mandatária foi a causa dos danos peticionados por o ter feito perder uma probabilidade séria de obstar ao despejo que sempre seria decretado.

Pelas indicadas razões, improcede o recurso.


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III – Deliberação

Pelo exposto acorda-se em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente, atento o seu decaimento.


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Lisboa, 04 de Julho de 2024

Ana Paula Lobo (relatora)

Maria Graça Trigo

Afonso Henrique Ferreira