Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | PEDRO BRANQUINHO DIAS | ||
Descritores: | RECURSO PENAL PORNOGRAFIA DE MENORES PENA DE PRISÃO PENA ÚNICA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA REGIME DE PROVA MEDIDA CONCRETA DA PENA PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL | ||
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Data do Acordão: | 07/06/2022 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I - Verificado o pressuposto favorável do instituto da suspensão da execução da pena, ter-se-á de averiguar se o seu pressuposto material, ou seja, o da adequação da mera censura do facto e da ameaça da pena às necessidades preventivas do caso concreto, sendo certo que o tribunal não pode afastar a suspensão da execução da pena de prisão com base em considerações assentes na culpa grave do arguido. II - De acordo com os ensinamentos do Professor Figueiredo Dias, não se trata aqui de mera faculdade em sentido técnico-jurídico, antes um poder estritamente vinculado e, portanto, nesta aceção, de um poder-dever. III - Ora, tendo o arguido sido condenado pela prática de 2 crimes de pornografia infantil agravados pp. e pp. pelos arts. 176.º, n.º 1, c) e d) e 177.º, n.ºs 6 e 7, do CP, na pena única, em resultado do cúmulo jurídico efetuado, de 5 anos e 3 meses de prisão, entendemos mais adequada uma pena única de 5 anos de prisão e atendendo ainda ao comportamento anterior e posterior aos factos do arguido e tendo-se, particularmente, em consideração não ter antecedentes criminais, ter assumido e confessado os factos, ter espírito crítico e manifestado disponibilidade em se sujeitar a acompanhamento psicológico/psiquiátrico, pensamos que é possível, apesar de tudo, fazer-se um juízo de prognose favorável, em relação ao seu comportamento futuro, pelo que consideramos estarem reunidos todos os requisitos da suspensão da execução da pena (art. 50.º do CP). IV - Assim, revogando-se a decisão proferida pelo tribunal coletivo, condena-se o arguido numa pena única de 5 anos de prisão e suspende-se a execução da mesma pena, pelo período de 5 anos, com regime de prova e com a imposição da regra de conduta do arguido se sujeitar a tratamento psicológico especializado, sob supervisão dos serviços de reinserção social, no âmbito do plano de reinserção social a elaborar (arts. 53.º e 54.º n.º 3, também do CP). | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. Por acórdão do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ... -J..., da comarca ..., datado de 10/01/2022, foi o arguido AA condenado pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, e em concurso real, de dois (2) crimes de pornografia de menores pp. e pp. pelo arts. 176.º n.º 1 c) e d), do Código Penal, agravados nos termos dos arts. 177.º n.ºs 6 e 7, do mesmo diploma legal, nas penas parcelares de 4 anos de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de cindo (5) anos e três (3) meses de prisão, sendo absolvido de tudo o mais. Foram ainda declarados perdidos a favor do Estado o computador e o disco externo apreendidos nos autos (art. 109.º n.º 1, do Código Penal). 2. Inconformado com tal decisão, interpôs recurso o arguido, concluindo nos seguintes termos (Transcrição): A - O recorrente conforma-se com a matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido, cingindo-se o presente recurso ao “quantum” concreto da pena e ainda à substituição da pena de prisão, por uma pena não privativa da liberdade, nomeadamente através da suspensão da execução da pena. B - A pena de prisão e 5 (cinco) anos e três meses aplicada ao Arguido, ora Recorrente é excessiva e desproporcional, atentas as circunstâncias enunciadas no artigo 71º do Código Penal, pugnando assim pela aplicação de uma pena mais leve, nunca superior a 5 (cinco) anos. C - A escolha da pena terá assim de ser perspetivada em função da adequação, proporção e potencialidade para atingir os objetivos estipulados no referido artigo 40.º, do Código Penal, onde, a par da proteção de bens jurídicos, se pugna pela reintegração do arguido na sociedade. D - Face às condições pessoais do recorrente e ao Relatório Social elaborado pela DGRSP junto aos autos, entendemos que deveria ter sido aplicada ao arguido uma pena nunca superior a 5 (cincos) anos de prisão, e a mesma ser suspensa na sua execução. E - O Arguido, ora Recorrente nunca sofreu qualquer condenação por crimes anteriores, estamos em crer que, a suspensão na sua execução da pena, associado a uma obrigatoriedade de acompanhamento do foro psiquiátrico/psicológico, sujeita a regime de prova, salvaguardariam de forma adequada e suficiente os imperativos de prevenção geral e prevenção especial vertidos na norma do art.º 50.º, n.º 1 do Cód. Penal. F – o Arguido, ora Recorrente sempre pautou a sua conduta e vida em sociedade pelo respeito para com os demais, com observância e cumprimento das regras sociais e aceitação das mesmas. G - O Arguido, ora Recorrente, tem 49 (quarenta e nove) anos de idade, nunca teve qualquer condenação penal, mostrou arrependimento sincero, colaborou com o tribunal no apuramento da verdade sem quaisquer reservas, pediu ajuda especializada e acompanhamento psiquiátrico/psicológico e está social e profissionalmente regularmente inserido na sociedade. Os factos praticados foram um episódio irrepetível na sua vida. H – A vergonha, o juízo de censura e o facto de ter sido arguido e condenado pelos factos praticados, são por si só suficientes para afastar o Arguido, ora Recorrente, da prática de novos ilícitos e de considerar que o mesmo vai adotar comportamentos adequados e reavaliar criticamente a sua conduta. I - O presente circunstancialismo permite formular um juízo positivo quanto ao comportamento futuro do Arguido, ora Recorrente, e de considerar que o mesmo vai adotar comportamentos adequados e reavaliar criticamente a sua conduta, pelo que deverá proceder-se à suspensão da execução da pena, nos termos do artigo 50.ºCP. Termos em que, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser a pena do Arguido, ora Recorrente AA, reduzida para 5 (cinco) anos de prisão, suspensa por igual período na sua execução associada a uma obrigatoriedade de acompanhamento do foro psiquiátrico/psicológico com regime de prova. 3. O recurso em causa foi admitido para o Tribunal da Relação ..., com efeito suspensivo, em 15/02/2022. 4. O Ministério Público da primeira instância respondeu ao mesmo, defendendo a sua improcedência, salientando, porém, que, caso se verificasse o pressuposto formal da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena, poderia ser configurável a suspensão da execução da pena, com regime e com a obrigatoriedade de acompanhamento psiquiátrico/psicológico ao arguido. 5. Por despacho do Senhor Desembargador relator, proferido em 28/04/2022, foram os autos remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que pertence, em exclusivo, a este Tribunal o conhecimento do presente recurso. 6. O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, junto do Supremo, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto pelo arguido, dado, em seu entender, a pena única de 5 anos e 3 meses de prisão ajustar-se à culpa e personalidade do arguido, tal como emergem da globalidade dos factos e por responder adequadamente às assinaláveis exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir. Observado o contraditório, não houve resposta ao referido parecer. 7. Colhidos os vistos legais, teve lugar a Conferência, cumprindo, agora, apreciar e decidir. II. Objeto do recurso Sendo o objeto do recurso delimitado pelas Conclusões da respetiva motivação, está apenas em causa a medida da pena única aplicada ao arguido, que o mesmo entende que deve ser reduzida para 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com a obrigatoriedade de acompanhamento psiquiátrico/psicológico e com regime de prova. III. Fundamentação 1. Dos factos Na parte que ora nos interessa, foram dados como provados os seguintes factos, que passamos a reproduzir: 1) Através de comunicação efetuada pela Europol, as autoridades espanholas deram conhecimento que no âmbito de uma investigação por distribuição de imagens de exploração e abuso sexual foi detetada atividade a partir do endereço de I.P. ...69, pertencente à operadora ..., no dia 29/11/2016, pelas 00:48:40, utilizado através do contrato de internet celebrado em nome de BB, residente Rua ..., ..., ..., em .... 2) Através do seu computador e no interior da sua residência, a partir do referido endereço de IP, o arguido AA, acedeu na data referida à rede ‘Freenet’ (peer to peer), na Darkweb. 3) No dia 23/01/2018, pelas 09H40, o arguido detinha no interior da sua residência, sita na Rua ..., ..., ..., em ...: um computador portátil da marca HP, modelo Pavillon, com o número de série ...PQ e um disco rígido portátil da marca Toshiba, com o número de série ...X3. 4) No interior do computador portátil apreendido ao arguido, pertença deste e por este utilizado, o mesmo tinha armazenados, um total de 102 (cento e dois) ficheiros de imagem e vídeo, contendo imagens que retratam abusos sexuais de menores. 5) No interior do disco externo apreendido ao arguido, pertença deste e por este utilizado, o mesmo tinha armazenados, um total de 14.286 (catorze mil, duzentos e oitenta e seis) ficheiros de imagem e vídeo, contendo imagens que retratam abusos sexuais de menores. 6) No total, o arguido tinha armazenados 14.388 (catorze mil, trezentos e oitenta e oito) ficheiros de imagem e vídeo contendo abusos sexuais de menores. 7) Desses 14.388 ficheiros, 10.032 ficheiros reportam-se a abusos sexuais de crianças com menos de 14 anos de idade e 4.356 ficheiros retratam abusos sexuais de crianças com mais de 14 anos de idade e menos de 16 anos de idade, com, entre outras as seguintes designações: Ficheiros de imagem: 0513282248.jpg, …. ll_02-31.jpg dcp01349.jpg dcp01352.jpg dcp01353.jpg dcp01359.jpg dcp01361.jpg dcp01361r.jpg dcp01367.jpg dcp01369s.jpg dcp01372.jpg dcp01373.jpg dcp01410.jpg dcp01502.jpg dcp01503.jpg dcp01692.jpg dcp01693.jpg dcp01780.jpg dcp01910.jpg felisahas_dad2.jpg felisahas_dad_is_at_it_again_.jpg felisah_on_knees.jpg felish (3).jpg felisha's_8yro_pus.jpg felisha's_dad_rubs_balls_on_her_but_crack.jpg felisha-00.jpg felisha-10.jpg felisha-13.jpg felisha-20.JPG felisha-21.JPG felisha-26.jpg felisha.JPG Ficheiros de vídeo: (((KINGPASS))) darkrob_us11.mpg Bonus-Lsm-11Y Masturbate 06-01-01.avi Nanako (11yo).avi, pedo maria (full).mpg !!! NEW Pthc ((Hussyfan)) mirror-mirror on the wall.mpg !!!New!!! (Pthc) colette (cute 7yo french girl) - sound.mpg !!!NEW!!!BEST!!!PRETEEN!HOLYDAY!!!.AVI … 8) Nos ficheiros de imagem que o arguido tinha armazenados tanto no seu computador como no disco externo, visualizam-se, entre outras, imagens e sequências de imagens de: menores de idade do sexo feminino a introduzirem os pénis erectos de adultos na boca; menores de 6 anos de idade a introduzirem os pénis de outros menores na boca; adultos do sexo masculino, a introduzirem os seus pénis erectos na boca e no ânus de crianças menores de idade; menores de 6 anos de idade a introduzirem os seus dedos nas suas vaginas e ânus; adultos a introduzirem os seus pénis erectos no interior do ânus de crianças menores de 17 anos de idade do sexo masculino e na vagina e ânus de crianças do sexo feminino; menores de 17 anos de idade, a introduzirem os seus pénis erectos no ânus de outros menores de 6 anos de idade; menores de idade, acompanhados por mais do que um adulto a introduzirem o pénis na boca e a efectuarem movimentos de vai e vem com a mão no pénis do outro adulto; menores de 10 anos de idade, com objectos introduzidos no ânus e na vagina; menores de 17 anos de idade, do sexo feminino, deitados sobre camas e sobre o chão com as pernas e os braços amarrados com cordas, e um adulto a introduzir um objecto na vagina e ânus daquelas; adultos do sexo masculino a ejacularem para a boca e vagina de menores de 10 anos de idade e também para a vagina de menores de 18 anos de idade, do sexo feminino; menores de 18 anos de idade a colocarem os seus dedos nas vaginas e adultos a introduzirem nas mesmas e no ânus, os seus pénis erectos; adultos a lamberem as vaginas de menores de 14 e de 18 anos de idade; menores de 10 anos de idade, vestindo apenas meias de ligas e soutiens, pese embora não se visualize peito saliente, deitadas sobre camas e adultos do sexo masculino a introduzirem os seus pénis erectos nas vaginas e ânus das mesmas; menores de 10 anos de idade com adultos a introduzirem nas suas bocas, pénis erectos ao mesmo tempo que introduzem no ânus e vagina diferentes objectos, nomeadamente vibradores e dildos em forma de pénis; adultos a introduzirem os seus pénis erectos no ânus e vagina de menores de 4 anos de idade; menores de 10 anos de idade desnudadas ou vestindo apenas roupa interior, a efectuarem poses para a câmara, menores de 14 anos, do sexo feminino, desnudados, com dildos e vibradores e ainda outros objectos, introduzidos no ânus e na vagina; menores de 10, 14, 16 e 18 anos, do sexo feminino, desnudados, com as pernas abertas exibindo para a câmara, tanto a vagina como o ânus; menores de 18 anos, a introduzirem os dedos nos seus órgãos sexuais, vários menores de 14 e 18 anos a manterem relações sexuais entre si e com adultos; adultos a ejacularem para cima do corpo e da vagina de menores de 10 anos. 9) Nos ficheiros de vídeo que o arguido tinha armazenados tanto no seu computador como no disco externo, visualizam-se, entre outras: crianças de sexo feminino, menores de catorze anos, a despirem-se diante de ‘webcams’, exibindo e acariciando os órgãos genitais; crianças de sexo feminino, menores de catorze anos, nuas, a introduzir na boca e a massajar pénis erectos de adultos, efectuando movimentos de vaivém; crianças de sexo feminino, menores de catorze anos, a exibir os corpos nus e os órgãos genitais, dilatados; adultos de sexo masculino a abrir com os dedos as vaginas de crianças com idades inferiores a catorze anos; adultos de sexo masculino a esfregar, no exterior dos órgãos genitais de crianças com idades inferiores a catorze anos, os pénis erectos, fazendo movimentos de vaivém e ejaculando nos corpos dos menores; adultos de sexo masculino a forçar crianças de sexo feminino, com idades inferiores a doze anos, a introduzir, na boca, os seus pénis erectos e ali ejaculando; adultos de sexo masculino a introduzir os seus pénis erectos nos órgãos genitais (vagina e ânus) de crianças com idades inferiores a catorze anos, realizando movimentos de vaivém e ejaculando, ai também introduzindo os seus dedos; adultos de sexo masculino a lamber os órgãos genitais de menores de catorze anos de idade e crianças menores de 14 anos a introduzirem pénis erectos de adultos nas suas bocas, lambendo-os e friccionando-os com as mãos ate ejacularem; adultos de sexo masculino a friccionar e a realizar movimentos de vaivém com os seus pénis nos órgãos genitais de crianças de sexo feminino, com idade inferior a catorze anos. 10) Para efectuar uploads e downloads de ficheiros contendo abusos sexuais de crianças, o arguido instalou no seu computador o programa Freenet, o qual é uma plataforma peer-to-peer, efectuando pesquisa de imagens e vídeos contendo abusos sexuais de crianças no domínio www.imasrc.ru, os quais armazenava e partilhava com outros utilizadores de tais redes. 11) Desde pelo menos 29.11.2016 e até pelo menos 23.01.2018 (data em que foi realizada a busca à residência do arguido) que o arguido tem vindo a aceder à rede Freenet (peer to peer) na darkweb da internet, a partir de onde efectuou os downloads e procedeu a partilhas de ficheiros contendo abusos sexuais de crianças. 12) O arguido sabia que os ficheiros de vídeo e imagem acima descritos, que detinha nos aludidos dispositivos de armazenamento, continham imagens e vídeos relativos a abusos sexuais perpetrados contra menores de dezoito, dezasseis e catorze anos, bem sabendo que a sua aquisição, detenção e partilha eram proibidas. 13) Não obstante, quis descarregá-los, guardá-los e partilha-los, como fez, por um grupo não determinado de pessoas, colocando os mesmos à disponibilização para upload, na internet, através de programas P2P, a fim de assim satisfazer a sua libido e os seus instintos sexuais, o que conseguiu. 14) O arguido quis ainda deter no seu computador programas de navegação anónima na internet e programas de partilha de dados (peer to peer), que lhe permitiam aceder, guardar e partilhar, como fez, os aludidos ficheiros de vídeo e de imagem contendo abusos sexuais de menores, dessa forma satisfazendo a sua libido, o que logrou. 15) O arguido tinha ainda conhecimento de que, através destes programas e do domínio supra identificado, partilhava os ficheiros que ali guardava com diversas pessoas, o que, igualmente, quis e conseguiu. 16) Tinha ainda conhecimento que estes programas de partilha têm muitos acessos e utilizadores, e que todos os ficheiros que ali se partilham são visualizados e difundidos por milhares de pessoas, assim conduzindo à sua difusão por um número não concretamente apurado de pessoas, o que, igualmente, quis e conseguiu. 17) O arguido, em todas as suas condutas, agiu sempre com o objectivo de se satisfazer sexualmente, o que conseguiu, indiferente ao sofrimento que os actos supra descritos provocam nos menores que são abusados sexualmente. 18) Agiu, em todos os momentos, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. * Mais se apurou (do relatório social junto aos autos): 19) O arguido nasceu em ... e é filho único de um casal composto por dois ..., tendo ficado entregue aos cuidados da avó materna nos primeiros anos de vida, juntamente com alguns primos, tendo posteriormente a sua mãe deixado o trabalho para se dedicar ao seu cuidado e às tarefas domésticas. 20) O arguido frequentou o ensino público, com registo de algumas reprovações no terceiro ciclo do ensino básico, por dificuldades em determinadas matérias e desmotivação. 21) Em paralelo frequentou sempre uma escola de música, integrando uma ... na infância e adolescência. Concluiu o 9º ano de escolaridade com 17 anos, tendo ainda frequentado o 10º ano em ..., que não chegou a concluir. 22) Na sequência do abandono dos estudos, o arguido ingressou como voluntário na ..., onde se manteve como ... militar durante cerca de três anos. Optou por abandonar a carreira militar por não existirem perspetivas de ingresso no quadro, tendo iniciado o percurso laboral como operário na área da ..., em empresa integrada no Pa..., onde permaneceu cerca de nove anos, tendo tido a oportunidade de realizar várias formações profissionais. 23) Em 2000/2001 passou a trabalhar como ... para a empresa P..., sita em ..., por um período de cerca de oito anos, tendo ficado desempregado no contexto de um despedimento coletivo. 24) Esteve cerca de dois anos inativo, beneficiando do subsídio de desemprego, até ter conseguido trabalho para outra empresa sediada no Pa..., como ... e até 2014, não lhe tendo sido renovado o contrato, ao que se seguiu mais um período de dois anos de desemprego. Desde 2016 trabalha como ... para a empresa I... no P.... 25) Em paralelo, apesar de manter o gosto pela música, optou por não reintegrar a ... onde ... antes do seu ingresso na .... Nos tempos livres dedicava-se à leitura, ao visionamento de televisão e internet e ao ..., prática que abandonou há cerca de oito anos na sequência de uma lesão. 26) A nível do seu desenvolvimento psicossexual, o arguido tomou consciência da sua sexualidade por volta dos 13/14 anos de idade, tendo iniciado o visionamento regular de pornografia ainda na adolescência, em conjunto com alguns amigos, com início da sua experiência sexual, no contexto de uma relação de namoro com uma colega da escola. 27) Viveu em união de facto com a namorada, durante cerca de cinco anos, relacionamento que terminou com o falecimento daquela vítima de .... Posteriormente manteve mais um ou dois relacionamentos de média duração, mas este foi único com coabitação, tendo de resto permanecido sempre integrado no agregado familiar de origem. 28) Desde a adolescência e com maior intensidade nos períodos que mediaram os relacionamentos afetivos e nos períodos de desemprego, manteve o visionamento regular de pornografia, com adultos, admitindo um recurso progressivamente mais frequente e intenso ao longo dos anos, que considera com características de adição. 29) Em 2016, o arguido residia com a mãe, o pai havia falecido há cerca de 12 anos. 30) Atualmente continua a viver com a progenitora, de 83 anos, a quem assegura cuidados, em habitação propriedade de ambos, num regime de economia conjunta, passando a maior parte do tempo livre em casa a ver televisão e a ler, praticamente sem vida social. 31) O arguido aufere um salário líquido de cerca de €645.00, contando o agregado com a pensão social e de viuvez da sua mãe, no valor de cerca de €400.00 mensais. 32) Como principal despesa, para além da alimentação e consumos domésticos, o arguido suporta a prestação de €200.00 referente a crédito bancário para aquisição de veículo automóvel. 33) Nos dois anos em que esteve inativo laboralmente, o arguido intensificou o seu consumo de pornografia, aumentando a sua necessidade de exposição aos estímulos visualizados tanto a nível da frequência como da intensidade, sendo o seu principal foco no seu quotidiano. 34) A curiosidade pela internet e a procura de sites e motores de busca determinaram o arguido a aceder a “darknet” e a pornografia infantil, que passou a consumir. 35) O arguido não recorreu a apoio psicológico ou psiquiátrico especializado. 36) Evidencia capacidade de comunicação e adequação na relação interpessoal. 37) O arguido revela dificuldades em experienciar emoções com intensidade, em especial as positivas como a alegria, a euforia e a satisfação, considerando-se uma pessoa maioritariamente racional, não conseguiu identificar situações que lhe provoquem sentimentos negativos fortes como a zanga ou a raiva, tende ao evitamento do conflito, preferindo afastar-se do que debater ideias e/ou crenças diversas das suas, evitando também a exposição a notícias desagradáveis, por considerar que não deve focar-se em temas/situações que se encontram fora do seu controlo. 38) O arguido possui de si próprio uma imagem “muito pobre” (sic), “não gosto do que vejo” (sic), apresentando-se como pessoa calada e reservada. 39) O presente processo provocou-lhe o aumento dos níveis de ansiedade, perturbações do sono e perda de apetite. 40) O arguido declarou estar disponível para se sujeitar a acompanhamento psiquiátrico e/ou psicoterapêutico especializado. * Do seu certificado de registo criminal 41) O arguido não regista antecedentes criminais averbados. * Por seu turno, não se provou que: a) por referência ao acesso referido no ponto 1) da matéria de facto, o arguido tenha disponibilizado e partilhado através da rede ‘Freenet’ (peer to peer), na Darkweb, um ficheiro de vídeo contendo abusos sexuais de crianças. 2. Do direito O art. 176.º, do Cód. Penal, inclui quatro crimes distintos, sendo em qualquer destes crimes o bem jurídico protegido, ainda que remotamente, a autodeterminação sexual de menor de 18 anos de idade. Mas também um bem jurídico supra-individual, de interesse público, de proteção e dignidade de menores, na produção de conteúdos pornográficos e divulgação ou circulação destes pela comunidade. Em qualquer das situações ali previstas, trata-se de um crime de perigo abstrato (quanto ao grau de lesão do bem jurídico) e de mera atividade (quanto à forma de consumação do ataque ao objeto da ação)[1]. Como tem sido sublinhado pela jurisprudência, designadamente deste Supremo Tribunal[2], as condutas em causa provocam grande alarme social e sentimento generalizado de repulsa, sendo por demais conhecida a danosidade e o sentimento de aversão e repugnância que provocam, em face do irreversível comprometimento do livre desenvolvimento afetivo e sexual de crianças e adolescentes. A pornografia infantil é também uma indústria repugnante, que não olha a meios para atingir fins nada abonatórios e que, em muitos casos, se torna muito lucrativa, quase sempre à custa de crianças socialmente desfavorecidas e originárias de países menos desenvolvidos. Saliente-se, a propósito, que a Diretiva 2011/92/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, relativa à luta contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, e que substituiu a Decisão-Quadro 2004/68/JAI do Conselho, considera o abuso sexual e a exploração sexual de crianças, incluindo a pornografia infantil, violações graves dos direitos fundamentais, em especial do direito das crianças à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar, tal como estabelecido na Convenção das Nações Unidas de 1989 sobre os Direitos da Criança e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e consagra que as formas graves de abuso e exploração deverão ser penalizadas de forma eficaz, proporcionada e dissuasiva. Dito isto, temos de acompanhar, naturalmente, os considerandos que o acórdão recorrido faz acerca da gravidade dos factos praticados pelo arguido e das fortes exigências de prevenção geral que situações como estas reclamam. Resta apenas saber se estamos de acordo com a pena única, em resultado do cúmulo jurídico efetuado, aplicada pelo tribunal coletivo da primeira instância, que, como dissemos, é o que está em causa neste recurso. Dispõe o art. 77.º n.º 1, do Cód. Penal, que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Por sua vez, o n.º 2 do citado preceito, estabelece que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevadas das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Ora, no caso sub judice, considerando as penas parcelares aplicadas, a pena única terá como limite máximo 8 anos de prisão e limite mínimo 4 anos de prisão. Como salienta Figueiredo Dias[3], essencial é que a medida da pena do concurso resulte de uma avaliação conjunta dos factos e da personalidade do agente. Assim, uma vez estabelecida a moldura penal do concurso, o tribunal ocupar-se-á da determinação, dentro dos limites daquela, da medida da pena conjunta do concurso, que encontrará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção. O insigne Mestre chama especial atenção para o facto de não estamos aqui perante uma hipótese normal de determinação da medida da pena. Com efeito, a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios gerais da medida da pena contidos no art. 71.º n.º 1, um critério especial: «na determinação concreta da pena (do concurso) serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente[4]» (art. 77.º n.º 1, 2.ª parte). Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado. Por seu turno, na avaliação da personalidade do agente, relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). Ora, no caso em análise, e considerando a matéria de facto dada como provada, temos um arguido, na casa dos 40 anos de idade, sem antecedentes criminais, que assumiu e confessou os factos e que se mostra disponível para se sujeitar a acompanhamento psicológico/psiquiátrico. Foi enquanto esteve dois anos inativo profissionalmente, na sequência de despedimento coletivo, que intensificou o consumo de pornografia. Viveu durante cinco anos, em união de facto, com uma companheira, relação que viria a terminar com o falecimento desta, vítima de ..., tendo regressado à casa da mãe, pessoa de idade avançada, com quem vive presentemente, cuidando dela. Não voltou, entretanto, a manter uma relação estável, tendo apenas tido recentemente duas relações fugazes. Trata-se de uma pessoa com algum espírito crítico (não gosto do que vejo!), reconhecendo a gravidade dos factos praticados, com autoestima baixa e que declarou ter deixado de sentir apetência pela visualização de imagens de pornografia, para satisfação sexual. Nesta conformidade, fazendo uma ponderação global dos factos e da personalidade do arguido, mostra-se mais adequada uma pena única de 5 anos de prisão. E perante uma pena desta duração, impõe-se a ponderação obrigatória da suspensão da sua execução, nos termos do art. 50.º n.º 1, do Cód. Penal. Verificado que está o pressuposto formal do instituto da suspensão da execução da pena, teremos de averiguar se o seu pressuposto material, ou seja, o da adequação da mera censura do facto e da ameaça da pena da prisão às necessidades preventivas do caso, sendo certo que o tribunal não pode afastar a suspensão da execução da pena de prisão com base em considerações assentes na culpa grave do arguido. Chamando, de novo, à colação os ensinamentos do Professor Figueiredo Dias[5], não se trata aqui de mera faculdade em sentido técnico-jurídico, antes de um poder estritamente vinculado e, portanto, nesta aceção, de um poder-dever. O pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente. Para a formulação de um tal juízo, que deve ser feito no momento da decisão, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior ou posterior aos factos. Em termos de finalidade político-criminal, decisivo, ainda segundo o mencionado Mestre, é o conteúdo mínimo da ideia da socialização, traduzida na prevenção da reincidência. Ora, atendendo ao comportamento anterior e posterior aos factos do arguido e tendo-se, particularmente, em consideração as suas condições atuais de vida, pensamos que é possível, apesar de tudo, fazer-se um juízo de prognose favorável, em relação ao seu comportamento futuro, pelo que consideramos estarem reunidos todos os requisitos da suspensão da execução da pena (art. 50.º, do Cód. Penal). A suspensão da execução da pena será por um período de 5 anos e com regime de prova, por entendermos, além do mais, conveniente e adequado a promover a reintegração do mesmo na sociedade (art. 53.º, do mesmo diploma). Impõe-se ainda ao arguido, nos termos dos arts 50.º n.º 3 e 52.º n.º 3, também do Cód. Penal, a regra de conduta de se sujeitar a tratamento psicológico especializado, de modo a prevenir a prática de eventuais comportamentos idênticos aos que agora vai condenado, sob supervisão dos serviços de reinserção social. Termos em que, procede o presente recurso.
IV. Decisão Em face do exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso interposto pelo arguido e, em consequência, revoga-se o acórdão recorrido e condena-se AA pela prática de dois crimes de pornografia infantil agravados pp. e pp. pelos arts. 176.º n.º 1 c) e d) e 177.º n.ºs 6 e 7, do Cód. Penal, na pena única, em resultado do cúmulo jurídico efetuado, de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, com regime de prova e com a imposição da regra de conduta do arguido se sujeitar a tratamento psicológico especializado, sob supervisão dos serviços de reinserção social, no âmbito do plano de reinserção social que será elaborado, mantendo-se, no mais, o acórdão recorrido. Sem tributação (art. 513.º n.º 1, do C.P.P.). Lisboa, 06/07/2022 (Processado e revisto pelo relator) Pedro Branquinho Dias (Relator) Teresa de Almeida Nuno Gonçalves (Vencido, de acordo com declaração junta)
Voto vencido: * Discordando da decisão que fez vencimento, julgava improcedente o recurso do arguido. Os fundamentos são, em síntese, os seguintes: 1. Desde logo, o recurso de revista – como é o caso -, conforme é jurisprudência estabilizada deste Supremo Tribunal, é um remédio jurídico destinado a corrigir erros de interpretação e de aplicação do direito à facticidade que vem fixada na decisão recorrida. Não visa, pois, que o tribunal ad quem julgue de novo, aplicando o direito aos factos provados como se a decisão recorrida não inexistisse em matéria de direito e, especificamente, no segmento em que, com a devida fundamentação fáctica e jurídica, escolheu a pena e individualizou a respetiva medida. Interpretamos, com amparo em ampla maioria da jurisprudência desde Supremo Tribunal que quando chamado a reexaminar a medida da pena, a intervenção do tribunal de recurso deve limitar-se a verificar se a decisão recorrida observou, ou, ao invés, desrespeitou os critérios legais que regem sobre a escolha e quantificação das consequências jurídica-penais do crime ou crimes cometidos. E verificar se a pena escolhida ou a medida fixada tem correspondência e proporcionalidade com a pena mais frequentemente aplicada ou confirmada em recurso pelo Supremo Tribunal de Justiça em casos similares. No caso, a decisão que fez vencimento, embora atentando na facticidade atinente à personalidade do arguido que se extrai dos factos assentes, procedeu a um julgamento novo, aplicando ao caso a sua interpretação dos critérios legais, sem um juízo fino que evidencie convincentemente porquê e onde o tribunal a quo errou ao quantificar a pena única aplicada ao arguido recorrente em 5 anos e 3 meses de prisão, por ter cometido, em concurso efetivo, dois crimes de pornografia de menores agravados. O que é especial evidente quando a divergência é mínima, materializando-se, como no caso, na redução de apenas 3 meses numa pena de 5 anos e 3 meses de prisão, ou, dito de outro modo, numa redução inferior a 1/20 (um vinte-avos) da sua medida concreta. 2. Por outro lado, a finalidade que estabelece o limiar mínimo abaixo do qual a pena aplicada deixa de cumprir a nuclear função preventiva que lhe está primacialmente conferida, é a prevenção geral positiva. As necessidades de prevenção geral positiva demandadas por este tipo de crimes, é evidenciada pela sua frequência (na conferência de hoje foi julgado recurso interposto por arguido pela prática de crimes idênticos – processo n.º ). É evidenciada pela sua definição como criminalidade altamente violenta porque agravado (crime contra a liberdade a autodeterminação sexual de crianças punível com pena de máximo superior a 8 anos de prisão. Como se fundamentou no Acórdão deste Supremo Tribunal de 19.02.2020, “a Diretiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, relativa à luta contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, e que substitui a Decisão-Quadro 2004/68/JAI do Conselho, considera que o abuso sexual e a exploração sexual de crianças, incluindo a pornografia infantil, constituem violações graves dos direitos fundamentais, em especial do direito das crianças à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar, tal como estabelecido na Convenção das Nações Unidas de 1989 sobre os Direitos da Criança e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. E que: (12) As formas graves de abuso sexual e de exploração sexual de crianças deverão ser penalizadas de forma eficaz, proporcionada e dissuasiva. Nas palavras do Ac. STJ de 22/04/2015, proc. 45/13.0JASTB.L1.S1, os agente de crimes de abuso sexual de crianças, - «pedófilos» -, no sentido de que se sentem eroticamente atraídos de forma compulsiva por crianças, o que, sem lhe retirar lucidez, poderá atenuar a sua responsabilidade, são justamente de entre os delinquentes onerados por qualquer tendência para o crime, os mais perigosos, os mais necessitados de socialização e aqueles de que a sociedade tem de se defender mais fortemente. (negrito e sublinhado nosso para realçar). Interpretamos, pois, que o legislador nacional e europeu quis que os crimes de pornografia de menores sejam punidos, em concreto, com penas que reafirmem o sentimento de validade do bem jurídico violado e a vigência da proteção que lhe confere. Realça-se que em causa está uma pena conjunta que “funde” duas penas parcelares de 4 anos de prisão. Portanto a pena de única de um concurso de crimes em que o limiar mínimo é 4 anos e o máximo 8 anos de prisão. Conforme documentam os factos provados e o arguido recorrente admitiu, “o “comportamento global” da facticidade cometida e dos dados atinentes à sua personalidade são a expressão de uma tendência criminosa que se vinha a exasperar. Como se fundamentou no acórdão citado, “Consta dos manuais de psiquiatria que a “pedofilia” tem normalmente subjacente uma personalidade antissocial com forte desprezo pelos direitos e sentimentos dos outros, propensa a explorar outras pessoas para a sua satisfação pessoal, desconsiderando danos causados e que não só não sente remorso ou culpa como se desresponsabiliza pelos atos cometidos[43]. No mesmo Manual Diagnósticos e Estatístico de Transtornos Mentais/DSM-5, da AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, afirma-se que os: “indivíduos com transtorno da personalidade antissocial não têm êxito em ajustar-se às normas sociais referentes a comportamento legal (Critério Al). Podem repetidas vezes realizar atos que são motivos de detenção (…). Pessoas com esse transtorno desrespeitam os desejos, direitos ou sentimentos dos outros”. Em suma, a gravidade dos factos que integram o concurso de crimes cometido pelo recorrente documentam uma situação na qual se impõe fortes exigências de prevenção geral, existindo na comunidade um vivo sentimento de grande repulsa pelos crimes contra a autodeterminação sexual das crianças, reclamando uma punição exemplar dos mesmos e os tribunais, ao administrarem a justiça, no cumprimento do dever de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, conforme postulado no artigo 202º, nº2 da CRP, não podem ficar indiferentes a estas realidades. E sobressaem também necessidades de prevenção especial, pelas razões referidas (o concurso de crimes denuncia uma tendência para esta fenomenologia criminal)”. * Mantendo-se, como manteríamos, a pena na medida que vinha fixada na decisão recorrida – 5 anos e 3 meses de prisão -, ficava excluída a possibilidade da suspensão da sua execução, pela inverificação do pressuposto formal inultrapassável de a pena não ser superior a 5 anos de prisão. Mas, pelas razões de prevenção especial que se acabam de acenuar, sempre se excluiria a sua aplicação neste caso. * Assim, de conformidade com o exposto, julgava improcedente o recurso. Nuno A. Gonçalves (presidente da 3ª secção criminal) ______ [1] Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Cometário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pg. 487. |