Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
230/10.7JAAVR.P1.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: NUNO GOMES DA SILVA
Descritores: RECURSO PENAL
VÍCIOS DO ARTº 410 CPP
HOMICÍDIO
CO-AUTORIA
DOLO EVENTUAL
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
ILICITUDE
CULPA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONCURSO DE INFRAÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
Data do Acordão: 10/29/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Área Temática:
DIREITO PENAL - FACTO / PRESSUPOSTOS DA PUNIÇÃO / FORMAS DO CRIME - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES - CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS.
Doutrina:
- Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª ed., 372, 373, 766, 791-795.
- Manuel Miguez Garcia e J.M Castela Rio, “Código Penal", parte geral e especial, 194, nota 4, al. d).
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 410.º, N.º 2, 426.º, N.ºS 1 E 2, 434.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 14.º, N.ºS 1 E 3, 26.º, 40.º, 71.º, 77.º, N.º1, 131.º.
REGIME JURÍDICO DAS ARMAS E SUAS MUNIÇÕES, APROVADO PELA LEI Nº 5/2006: - ARTIGO 86.º, N.ºS 3 E 4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 13/10/1999, CJ STJ 3/99, 184.
-DE 10/07/2003, PROC. N.º 03P399, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 20/04/2006, PROC. N.º 06P363, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 20/10/2010, PROC. N.º 3554/02.3TDLSB.S2, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 12/06/2013, PROC. N.º 624/10.0TACTB.C1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 04/07/2013, PROC. N.º 1243/10.4PAALM.L1.S1 (E JURISPRUDÊNCIA AÍ CITADA), EM WWW.DGSI.PT .

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AFJ N.º 10/2005, DR SÉRIE I-A, DE 07/12/2005.
Sumário :

I - Pacificamente a jurisprudência tem definido ao longo do tempo que os vícios enunciados no n.º 2 do citado art. 410.º CPP são vícios que respeitam tão somente à matéria de facto dada como provada e/ou não provada e ao modo como é feita a fundamentação sobre essa matéria de facto; ao modo como é analisada toda a prova e as conclusões, deduções ou consequências que a seu respeito são extraídas e têm tradução no que se verte nos factos provados e não provados.
II - São características essenciais da co-autoria: uma decisão conjunta que há-de ser revelada por "acções concludentes"; determinada medida [não "toda" a medida, portanto] de significado funcional da contribuição do co-autor para a realização típica ou, com outra forma de dizer, um certo "domínio do facto funcional" com a necessária definição e precisão do papel ou da função que cabe a cada co-autor na execução total do facto, qual a sua quota-parte da actividade total, realize ou não um elemento típico.
III - A decisão conjunta, o acordo, que é indispensável tendo em vista a obtenção de certo resultado pode ser expresso mas em muitas circunstâncias acaba por ser tácito e por isso inferido de uma consciência e vontade prática de cooperação evidenciada entre aquilo que o co-autor faz por si e com os demais podendo até ser posterior ao início da execução no que doutrina e a jurisprudência designam por co-autoria sucessiva.
IV - Resultando dos factos provados que a recorrente, que num primeiro momento se apercebeu da presença de J e do seu companheiro no local onde se vieram a desenrolar os acontecimentos; volta ao local já acompanhada pela arguida P e pelo terceiro individuo a quem dera conta da presença daqueles; a arma de que o terceiro individuo está munido encontrava-se guardada em casa da recorrente e conduziu uma viatura para o local dos factos, como previamente combinado, e colocou-a na frente da viatura dos ofendidos, com tal conduta, permitindo ao individuo de sexo masculino que efectuasse o disparo na direcção de J, atentando contra a sua vida, como fez, quando este e ofendido E tentaram, sem sucesso, fugir do local, contribuindo para a produção de tal resultado, o qual previu como possível e com o qual se conformou, agindo perfeitamente ciente do carácter proibido e punido da sua conduta, delineia-se com clareza, o essencial da participação da recorrente na forma concreta de co-autoria na medida em que se assume como «figura central do acontecimento» tomando parte na execução do plano material «em comunhão de esforços e intentos».
V - Se todos os intervenientes activos visaram em comunhão de esforços e intentos atentar contra a integridade física de J e de E e mesmo atentar contra as suas vidas a recorrente, especificamente «previu como possível» que viesse a ocorrer um disparo fatal «com o qual se conformou», os factos dados como provados têm a consistência e a clareza suficiente para, do ponto de vista subjectivo, configurar a actuação da recorrente na forma de co-autoria com dolo eventual, sem que se verifique erro notório na apreciação da prova e sem contradição insanável da fundamentação na modalidade de se terem dado como provados factos contraditórios.
VI - Verifica-se um erro de direito quando no acórdão recorrido, do Tribunal da Relação, em que foi mantida integralmente a matéria de facto que vinha fixada da 1.ª instância, resultando dos factos a actuação da arguida com dolo eventual, ao ser reponderado o conjunto de circunstâncias com influência na determinação da pena se usa a expressão ambígua: «Por outro lado, a culpa das arguidas (actuando, invariavelmente, com dolo directo), não encontra qualquer diminuição relevante.”
VII - Ponderando as elevadas exigências de prevenção geral e o grande alarme social e o sentimento de rejeição que provoca; o elevado grau de ilicitude (lesão do bem jurídico mais relevante, a vida, em cuja supressão a recorrente teve papel preponderante, com essa lesão a ocorrer em condições objectivas de superioridade numérica e em razão da arma para lá da enorme responsabilidade que teve na "montagem" da operação que culminou com a morte da vítima); o dolo eventual com que a arguida actuou (que tem um considerável efeito mitigante no grau de culpa e logo na modelação, menos grave, da medida da pena); a falta de ponderação pela recorrente da elevadíssima probabilidade de risco de ocorrer um desenvolvimento dos acontecimentos que culminasse com a morte quer da vítima quer até do seu acompanhante; a ausência de perspectivas de índole profissional ou ocupacional e a conduta anterior aos factos em que sobressaem os seus antecedentes criminais, embora ao nível da pequena criminalidade (detenção de arma, coacção agravada, dano e condução sem habilitação legal), entende-se, necessária, adequada e proporcional a fixação da pena pelo crime de homicídio em 11 anos e 6 meses de prisão.
VIII - A alteração desta pena implica uma modificação da pena única mediante a reformulação do cúmulo jurídico sendo certo que não vem posta em causa a pena parcelar imposta pelo crime de detenção de arma pena essa que foi fixada em 1 ano e 6 meses de prisão. Para ao abrigo do disposto no art. 77.º, n.º 1, do CP, fixar a imagem global do facto e da personalidade da recorrente, tomando em consideração os factos praticados, sobressai a gravidade do ilícito global perpetrado (todo o cenário de violência gratuita que antecedeu a morte da vítima) mas também a conexão entre esses factos e os antecedentes criminais referidos que, a um certo nível, não deixam de reflectir uma personalidade conflituosa e propensa ao extravasar de comportamentos agressivos sem que ainda se possa falar de uma "carreira criminosa" que implicaria um efeito agravante na fixação da pena única, razão pela qual se entende adequado fixar a pena única em 12 anos de prisão.


Decisão Texto Integral:

         1. – No âmbito do processo nº 230/10.7JAAVR do Juízo de Instância Central (Albergaria-A-Velha) da Comarca do Baixo Vouga foi proferido acórdão em 2014.07.15 decidindo condenar AA:

- como co-autora material,  de um crime de homicídio agravado previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 26° e 131º do Código Penal e 86°, nº 3, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições,  aprovado pela Lei nº 5/2006, na pena de 13 anos de prisão,

- como autora material, de um crime de detenção de arma proibida  previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1 alínea c) do citado Regime Jurídico das Armas e suas Munições por referência ao disposto nos seus artigos 2º, nº 1 alíneas p) e s) e 3º, nº 5 alínea c) na pena de 1 ano e 6 meses de prisão,

- em cúmulo jurídico, na pena de única de 13 anos e 6 meses de prisão.

E condenar DD como cúmplice de um crime de homicídio agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 26.° e 131.º do Código Penal e 86°, nº 33, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, na pena de 6 anos de prisão.

Ambas as arguidas foram absolvidas da prática de um crime de sequestro agravado do art. 158º, nº 1 do Código Penal com referência ao art. 86º, nº 3 do mencionado Regime Jurídico das Armas e suas Munições pelo qual estavam acusadas, sendo a arguida DD como cúmplice.

Interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto que por acórdão de 2015.03.25 lhes negou provimento.

A arguida AA interpôs novo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça formulando na sua motivação as seguintes conclusões (transcrição):

A. Entende a recorrente não terem sido levadas em consideração todas as circunstâncias relevantes para a boa decisão da causa, sendo que a decisão da sua condenação na pena de treze (13) anos e seis (06) meses de prisão efectiva se revela desnecessária e prejudicialmente severa, bem como desproporcional.

B. Efectivamente, não se provando que a arguida AA tivesse tomado parte na execução de um plano comum, ou tivesse o domínio do facto e, consequentemente, tivesse contribuído com a sua actuação para a produção do resultado, ou seja, a morte do BB, não deveria a mesma ter sido condenada como co-autora no crime de homicídio qualificado, por não se encontrem preenchidos os requisitos de tal instituto, previsto no artigo 26.° do Código Penal - pelo que o Acórdão recorrido violou tal preceito legal, devendo a ora recorrente ser absolvida.

C. Sem prescindir ou de alguma forma conceder, sempre se haveria de entender que a recorrente, apenas e quando teve conhecimento dos factos praticados pelo individuo do sexo masculino, lhe prestou, sob o ascendente deste, auxílio, não tendo, conforme resulta da prova produzida em audiência de julgamento, pleno domínio do facto.

D. Pelo que deveria a conduta da arguida ser subsumível na figura da cumplicidade, devendo por isso beneficiar da atenuação especial prevista no artigo 27, n.° 2 do Código Penal.

E. Admitindo, sem prescindir nem conceder, que assim não se venha a entender, sempre teria que se considerar haver claro excesso na medida da pena aplicada.

F. Ainda que assim não se entenda, e sempre sem prescindir, consideramos que o Acórdão recorrido violou os critérios dosimétricos dos artigos 40° e 71° do Código Penal.

G. Condenado a arguida na pena de prisão em que condenou, atentos os argumentos expendidos aquando da fundamentação do presente recurso, violou o Acórdão recorrido o disposto nos artigos 40° e 71° do Código Penal, bem como os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.

H. A arguida ora recorrente interiorizou o desvalor da sua conduta e está a tentar conduzir a sua vida de acordo com o Direito e as normas sociais vigentes.

I. Culpa e prevenção são as referências norteadoras da determinação da medida da pena (vide artigo 71°, n.°1 do Código Penal), a qual visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (vide artigo 40°, n.° 1 do Código Penal).

J. A pena aplicada à arguida, in casu, mostra-se excessiva, uma vez que ultrapassa o grau de culpa e, ao determinar a concreta medida da pena, tanto o Tribunal de primeira instância como o Tribunal a quo acentuaram a prevenção e repressão do crime, alheando-se da recuperação e ressocialização do delinquente.

K. Perante o exposto, atendendo à materialidade considerada provada e tendo em conta os factores enunciados no citado artigo 71° do Código Penal, entende-se que a medida da pena de prisão fixada é excessiva, pelo que deveria o Tribunal a quo ter optado por uma pena de prisão pelo mínimo legal aplicável ao caso concreto.

L. Por força dos princípios da adequação, necessidade, proporcionalidade, e em respeito pelas exigências de prevenção quer geral, quer especial que se verificam in casu, sempre deverá a pena aplicada à arguida AA ser mais atenuada.

M. Assim, adequada, justa e proporcional seria a pena aplicada à arguida ser mais próxima do respectivo limite mínimo previsto por lei e, consequentemente, ser a mesma suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50.° do Código Penal.

O magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso defendendo a sua improcedência por considerar, em síntese, que a recorrente aderiu e participou no plano delituoso tendo colaborado em várias das acções que o realizaram (domínio funcional do facto) e que teve a morte do ofendido como resultado, possibilidade que previu e com a qual se conformou. Considerou ainda que a pena imposta pelo crime de homicídio, a única posta em causa, deve ser mantida por não ser desnecessária, desproporcional e desadequada.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Sra. Procuradora-geral Adjunta deu parecer «no sentido da anulação do Acórdão recorrido por padecer dos vícios elencados nas alíneas b) e c) do nº 2 do art. 410º do CPP, com referência ao art. 434º do diploma legal».

Isto porque considera que há por um lado erro notório na apreciação da prova e contradição insanável da fundamentação e por outro há factos dados como provados que são contraditórios entre si e não permitem uma decisão clara pois tanto se dá como assente que a arguida AA e o indivíduo não identificado actuaram em comunhão de esforços e intentos na produção da morte da vítima como logo após se dá como provado que a arguida contribuiu para a produção do resultado morte da vítima resultado que previu como possível e com o qual se conformou.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2 CPP tendo a recorrente respondido secundando a posição expressa.

                                          *

2. – O resultado do julgamento quanto aos factos provados e não provados a respeito da culpabilidade de ambas as arguidas e da determinação da sanção da recorrente e respectiva fundamentação foi o seguinte:

2.1 – Factos provados (transcrição)

1 - Durante a tarde do dia 23 de Maio de 2010, a solicitação de BB, este e CC, deslocaram-se até uma zona de pinhal, situada num acesso de terra batida próximo da Estrada Municipal nº 580 e a cerca de 750 (setecentos e cinquenta metros) metros das residências existentes na Rua ..., local onde se situa o acampamento onde viviam as arguidas, a fim de consumirem produto estupefaciente.

2 - Para o efeito, deslocaram-se na viatura ligeira de mercadorias de matrícula
...-QH
, marca Renault, modelo Clio, propriedade e conduzida por CC e, uma vez aí chegados, pararam a viatura, aí permanecendo.

3 - Quando aí se encontravam a consumir produto estupefaciente, passou pelo
l
ocal a arguida AA a qual, ao vê-los, interpelou-os, perguntou-lhes o que ali estavam a fazer e de onde eram, ao mesmo tempo que gritava, sendo que após abandonou o local.

4 - A arguida AA dirigiu-se para o acampamento, onde foi ter com
a arguida DD e co
m um indivíduo de sexo masculino que ali se encontravam, a quem deu a conhecer a presença daqueles indivíduos nas proximidades, identificando o local onde os mesmos estariam.

5 - De imediato todos decidiram ir ter com os ofendidos, visando todos, em
comunhão de esforços
, meios e de intenções, ofender o corpo e a saúde do BB e do CC, se necessário mediante o uso de arma de fogo e mesmo atentar contra as suas vidas.

6 - Para o efeito e como o combinado o indivíduo de sexo masculino muniu-se
de uma arma de fogo que se encontrava g
uardada em casa da arguida AA.

7 - As arguidas e o indivíduo de sexo masculino dirigiram-se para o local onde
as v
ítimas se encontravam.

8- Ao local onde estavam os ofendidos chegaram a arguida AA e a arguida DD, que para aí se deslocaram na viatura de matrícula ....-FV, marca Seat, modelo Córdoba, propriedade da primeira e por si conduzida, sendo que o veículo ficou imobilizado em frente à viatura dos ofendidos, bloqueando-lhes a saída pelo local por onde haviam entrado, ao mesmo tempo que ao local também chegou um indivíduo de sexo masculino, o qual estava munido de uma arma de fogo.

9 - A arma com que o indivíduo de sexo masculino se muniu, trata-se de espingarda caçadeira, de calibre 12, de marca MAVERICK, modelo 88, com o n de série MV35950L, do tipo arma de repetição, com funcionamento por actuação manual da culatra no fuste ("pump-action"), com um cano de alma lisa, com aproximadamente 531mm, câmara com 76 mm, com um percutor e um gatilho, com o peso de 3,31Kg, ponto de mira fixo, carcaça metálica e coronha e fuste em plástico, com chapa de coice em borracha, e com 1 140 mm de comprimento total, em boas condições de funcionamento, apresentando-se em regular estado de conservação e sem qualquer deficiência que afecte a realização de disparos, a qual devidamente municiou.

10 - No local e logo após a sua chegada, as arguidas AA e DD, acompanhadas pelo indivíduo de sexo masculino, decidiram todos os três ir ter com os ofendidos, os quais se encontravam no interior do veículo de matcula ...-QH, marca Renault, modelo Clio.

11 - Nesse momento o indivíduo de sexo masculino, logo empunhou aquela arma de fogo, apontou-a na direcção dos ofendidos, tendo o BB, de imediato, dito ao CC "Olha é o Quim".

12 - Nesse acto, sob a ameaça de os matar e com a arma apontada nas suas direcções, o indivíduo de sexo masculino ordenou aos ofendidos que saíssem da viatura e que se ajoelhassem no chão, pelo que, temendo pelas suas vidas, as vítimas acederam, saindo da viatura e ajoelhando-se no chão, na frente das arguidas e do indivíduo de sexo masculino.

13- Nesse acto, o CC ainda tentou levantar-se para dizer que não tinha nada a ver com a situação pelo que, de imediato, o indivíduo de sexo masculino, para o manter ali, efectuou um disparo para o chão, intimidando-o e ordenando-lhe que se ajoelhasse novamente, o que fez, colocando-se a cerca de dois metros de BB.

14- Quando os ofendidos assim se encontravam, a arguida AA e a
arguida DD e o
indivíduo de sexo masculino desferiram contra os mesmos murros e pontapés, que os atingiram em várias partes do corpo.

15 - Ao mesmo tempo, o indivíduo de sexo masculino abeirou-se de CC e ainda lhe desferiu uma pancada com a coronha da espingarda na testa.

16 - De seguida, o indivíduo de sexo masculino pousou a arma de fogo em
cima do capôt de uma das v
iaturas e voltou-se para o BB, desferindo-lhe, em simultâneo com a arguida AA murros e pontapés que o atingiram pelo corpo.

17 - Neste momento, CC, aproveitou para se levantar e colocar-se
dentro da sua viatura a fim de abandonar o local
, colocando-a a trabalhar.

18 - O indivíduo de sexo masculino ao aperceber das intenções de CC , foi no encalço da arma que deixara em cima do capôt, pelo que o BB
ap
roveitou para fugir, entrando na viatura, para o lado do ocupante.

19 - Acto contínuo, quando os ofendidos tentavam fugir do local, o que não
lhes foi possível fazer pelo local por onde tinham e
ntrado, por o veículo da arguida se encontrar a bloquear a saída por esse local, o indiduo de sexo masculino, colocou-se ao lado da viatura dos ofendidos, a cerca de um metro de distância destes, empunhou a arma e, ao mesmo tempo apontou-a na direcção do BB, efectuando, de imediato, um disparo, atingindo-o no braço direito, zona do antebraço com continuidade para a zona do tórax e região mamária.

20- Após efectuar o disparo, as arguidas e o individuo de sexo masculino
fugiram do local na viatura da arguida
AA, em direcção ao acampamento, tendo os mesmos levado consigo a arma de fogo para a residência da arguida AA, guardando-a em cima da cama.

21- Só com a fuga das arguidas e do indivíduo de sexo masculino, é que o CC conseguiu retirar a viatura daquele local, saindo da zona de pinhal pelo local onde tinha entrado e entrando na Rua Municipal nº 580, seguindo pela Rua Direita,
v
indo a parar a escassos metros da última habitação do lado esquerdo, a cerca quinhentos metros do cruzamento com a EM 580, local de onde pediu auxílio, contactando o INEM.

22 - Chamado o INEM ao local, foi verificado o óbito de BB pelas 18H15, desse mesmo dia.      

23- Como consequência do disparo efectuado pelo individuo de sexo
masculino
, o ofendido BB sofreu múltiplas lesões traumáticas situadas no membro superior direito e no tórax, conforme resulta do teor do relatório de autópsia de fls. 472 a 480, que aqui se dá por integralmente por reproduzido para todos os legais efeitos, designadamente:

a. No hábito externo, ao nível do tórax: Solução de continuidade orificial,
irregularmente circular, de bordos invertidos e fundo biselado da direita para a esquerda, apresentando zonas enegrecidas sugestivas de negro de fumo, localizada no quadrante infero-medial da região mamária di
reita, medindo quatro centímetros de eixo longitudinal por três centímetros e meio de eixo transversal - orifício de entrada do projéctil da arma de fogo de cano longo. Esta encontrava-se rodeada de escoriação avermelhada, excêntrica, de maior largura no quadrante infero-lateral - da orla de contusão. O bordo inferior distava trinta centímetros da espinha ilíaca antero-superior direita, vinte centímetros de cicatriz umbilical e cento e vinte e oito centímetros do calcanhar direito. Rodeando o orifício anteriormente descrito, múltiplas pequenas soluções de continuidades sensivelmente circulares, em maior densidade em torno vertente infero-lateral do orifício de entrada e tornando-se progressivamente mais espaçadas à medida que se afastavam deste, medindo a maior um centímetro e meio de diâmetro, e a menor cinco milímetros de diâmetro, rodeadas de orla de contusão avermelhada, igualmente excêntricas, de maior largura nos quadrantes infero-laterais e zonas enegrecidas sugestivas de negro de fumo - orifícios de entrada satélites de projéctil da arma de fogo. Estas lesões satélites encontravam-se dispostas em torno do orifício de entrada central segundo um plano elíptico, distando a mais periférica destas lesões, dez centímetros de bordo medial do orifício de entrada, localizada no quadrante supero-lateral da região mamária esquerda.

b. No hábito externo, ao nível do membro superior direito: Solução de continuidade irregularmente elíptica de bordos escoriados e vertidos, com fundo enegrecido sugestivo de negro de fumo e laceração do plano muscular subjacente, localizado no terço médio distal da face anterior do braço, medindo oito centímetros de eixo longitudinal por cinco centímetros de eixo transversal - orifício de projéctil de arma de fogo, o qual se correspondia com orifício de entrada descrito no tórax. O bordo superior distava vinte e dois centímetros da articulação do ombro e trinta e três centímetros do mento.

Rodeando o orifício anteriormente descrito, múltiplas pequenas soluções de continuidades sensivelmente circulares, com maior densidade em torno da vertente infero-lateral e madial do orifício, medindo a maior um centímetro de eixo maior por seis milímetros de eixo menor, e a menor três milímetros de diâmetro, rodeadas de orla de contusão avermelhada, excêntricas, com zonas enegrecidas sugestivas de negro de fumo, abrangendo uma área de doze centímetros de eixo longitudinal por oito centímetros e meio de eixo transversal - orifício de entrada satélites de projéctil de arma de fogo. Estas lesões satélites encontravam-se dispostas em torno da solução de continuidade descrita segundo um plano elíptico, distando a mais periférica destas lesões, três centímetros de bordo superior, localizada no terço proximal da face anterior do braço. Escoriação com esfoliação de pelo, oblíqua de cima para baixo e da direita para a esquerda, localizada no terço proximal da face anterior do antebraço, medindo dois centímetros de comprimento por seis centímetros de máxima largura. Três ferimentos perfuro-contundentes, localizados no terço proximal e médio da face posterior do antebraço, a maior localizado no terço proximal, medindo cinco milímetros de eixo maior por três milímetros de eixo menor, a qual se encontrava rodeada de equimose arroxeada, com quatro milímetros de eixo maior por três milímetros de eixo menor. Inúmeras escoriações punctiformes, dispersas pela face posterior do antebraço, dorso da mão e dedos com maior intensidade ao nível dos terço médio e distal do antebraço, abrangendo uma área de trinta e seis centímetros de eixo maior por sete centímetros de eixo menor. Três zonas de tumefacção, subcutâneas, enegrecidas, localizadas no terço médio da face medial do braço, com cinco milímetros de diâmetro, cada, compatível com bagos de chumbo.

c. ao nível do exame de hábito interno, apresentava infiltrações sanguíneas e bagos de chumbo ao nível do tórax, designadamente nos músculos, paredes, costelas, cartilagem e clavícula direitas, pericárdio e cavidade pericárdica, coração, artéria aorta, artéria pulmonar, traqueia e brônquios, pulmão direito e esquerda e pleura visceral direita e esquerda.

Tais lesões, por atingirem directamente órgãos vitais do ofendido BB,
foram causa directa e necessária da sua mo
rte.

24 - Na sequência das diligências desenvolvidas, foi encontrado na habitação
pertencente à arguida AA, no seu q
uarto, o seguinte material:

A. em cima da cama e embrulhada num cobertor, a arma supra identificada, que havia sido adquirida por EE, em 05/07/2006, o qual nesta data se encontrava detido no Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, mas para a qual o mesmo não possuía qualquer licença ou autorização;

B. numa gaveta do lado direito na parte superior do móvel que se situa à esquerda, em frente para o quarto, guardados dentro de um saco plástico, contendo trinta e quatro cartuchos de caça, de calibre 12, designadamente:

a. 27 (vinte e sete) cartuchos de marca e origem não seguramente
referenciáveis (padrão12*12*12*12
* gravado na base) com copela metálica de 15.8mm e corpo em plástico de cor preta, apresentando indicação de carregamento com chumbo nº 4 e as inscrições Miratiro e Rocket 34;

b. 1 (um) cartucho de marca Winchester de origem americana, com copela metálica de 14,7mm e corpo em plástico de cor vermelha, não apresentando indicação de carregamento ou outras indicações perceptíveis;

c. 1 (um) cartucho de marca e origem não seguramente referenciáveis
(padrão12*12*12*12* gravado na base) com copela metálica de 10mm e corpo em plástico translúcido, apresentando indicação de carregamento com chumbo n
º 7 e as inscrições "rnelior Dispersante”;

d. 3 (três) cartuchos de marca NOBEL SPORT, de origem francesa, com
copela metálica e 22,5mm e corpo plástico translúcido
, carregado com projéctil único (bala) com as inscrições CAZA MAIOR JG Excopesa;

e. 2 (dois) cartuchos de marca e origem não seguramente referenciáveis
(apresentando um padrão AM 12 MA gravado na base) com copela metálica de 11,6mm e corpo em plástico translúc
ido, apresentando a indicação de carregamento com chumbo nº 7 e as inscrições Melior Dispersante.

25 - A arguida AA mantinha guardadas na sua residência as
referidas arma e mun
ições, bem sabendo não ser titular de qualquer licença ou autorização que lhe permitisse a sua detenção.

26 - A arguida AA e o indivíduo de sexo masculino agiram em comunhão de esforços e intenções na produção da morte de BB a que o individuo de sexo masculino veio dar execução e fizeram-no com absoluto desrespeito pela condição humana do ofendido, não se coibindo de atentar contra a sua vida.

27 - A arguida AA, ao conduzir a viatura Seat para o local dos
factos
, como previamente combinado, e ao colocá-la na frente da viatura dos ofendidos, com tal conduta, permitiu ao individuo de sexo masculino que efectuasse o disparo na direcção de BB, atentando contra a sua vida, como fez, quando este e ofendido CC tentaram, sem sucesso, fugir do local, contribuindo para a produção de tal resultado, o qual previu como possível e com o qual se conformou, agindo perfeitamente ciente do carácter proibido e punido da sua conduta.

28 - Mais sabia a arguida, que não lhe era permitida a detenção daquela arma
e munições na sua res
idência, para as quais não detinha qualquer licença ou autorização, mas ainda assim quis e praticou tais factos, agindo assim de forma livre, voluntária e consciente.

29 - A arguida DD, por seu lado, ao assim actuar, participando na
elaboração do plano comum e d
irigindo-se para o local dos factos na' companhia da arguida AA, perfeitamente ciente das condutas que a arguida AA e o individuo de sexo masculino iriam perpetrar, auxiliou-os na execução dos crimes que cometeram, prestando-lhes o seu apoio moral e físico, de forma directa, nos actos que levaram a efeito, agindo de forma livre, deliberada e consciente, e tornou possível a morte do ofendido BB, contra a qual nada fez para a evitar, resultado este que desde o início previu e se conformou com o mesmo.

30 - As arguidas conheciam as caractesticas da arma de fogo, bem como
conheciam a sua
idoneidade para intimidar os ofendidos e ainda para causar ferimentos profundos e mortais.

31 - As arguidas agiram sempre perfeitamente conscientes que as suas
condutas eram proibidas e pun
idas por lei penal.

32 - A arguida AA tem averbado no seu certificado de
registo criminal as seguintes condenações
.

A) Por factos praticados em 16.02.2002, foi a arguida condenada no
processo nO
. 202/02.5 GBAGD- Tribunal Judicial de Águeda, 1° Juízo, por decisão
proferida em 29
.04.2005, transitada em julgado em 17.05.2005, como autora de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo art. 6° da Lei nº 22/97, de 27 de Junho, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, pena suspensa na sua execução. A pena aplicada à arguida foi já declarada extinta.

B) Por factos praticados em 7.03.2008, foi a arguida condenada no processo
179/08.3 GAALB, do Tribunal Judicial de Albergaria-A-Velha, 2° Juízo, por decisão
proferida em 12
.03.2008, transitada em julgado em 10.04.2008, como autora de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3° do DL 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 5,00. A pena aplicada à arguida foi já declarada extinta.

C) Por factos praticados em 29.01.2008, foi a arguida condenada no processo
30/08.4 JAA VR, Comarca do Baixo Vouga, Albergaria-A-Velha, Juízo de
instância cr
iminal, por decisão proferida em 15.02.2010, transitada em julgado em
17
.03.2010, como autora de um crime de coacção agravada p. e p. pelo arts. 154º e 155° do CP, e como autora de um crime de dano simples, p. e p. pelo art. 212° do CP, tendo a arguida sido condenada em pena de prisão suspensa e em pena de multa. As penas aplicadas à arguida foram já declaradas extintas.

33- A arguida DD não tem antecedentes criminais.

34 - A arguida AA, de acordo com o teor do relatório social junto
aos autos a fls
. 1227 e ss "é natural de Alenquer, originária de uma família numerosa de etnia cigana, de condição socioeconómica humilde. O enquadramento e desenvolvimento psicossocial da arguida assentam numa dinâmica relacional característica da etnia, com práticas vivenciais de acordo com os padrões e referências culturais específicas. A arguida apresenta um curto percurso escolar, condicionado pelo absentismo, dificuldades de aproveitamento e de adaptação ao meio escolar ou de desenvolver um desempenho adequado às regras e exigências escolares. A arguida assumiu uma vivência marital, com o actual companheiro, ainda muito jovem, de acordo com as práticas culturais da etnia. Relativamente ao percurso laboral, AA nunca exerceu uma actividade laboral organizada. A arguida assume o natural desempenho das tarefas domésticas, colaborando pontualmente com a família alargada em eventuais actividades de vendas ambulantes. Este agregado tem a sua sobrevivência organizada com base nos diversos apoios sociais que recebe. A arguida AA reside com EE, seu companheiro, e os seis filhos do casal, menores, com idades compreendidas entre os 15 anos e os 9 meses de idade. A família ocupa uma habitação, com condições razoáveis de habitabilidade. A habitação está inserida em terreno privado, propriedade da família do companheiro e no qual se encontram outras residências dos restantes elementos da família alargada. A arguida e companheiro não desenvolvem qualquer actividade laboral regular, pelo que, no plano económico esta família depende, quase exclusivamente, dos rendimentos provenientes das medidas de apoio social, RSI cerca de 380€/mês, a que acresce cerca de 300€/mês, referentes aos abonos relativos aos seus filhos menores. Como referido, a arguida o trabalha e não apresenta qualquer formação profissional ou competências para uma inserção laboral estruturada."

…………………………………………………………………………………………

A arguida AA tem o 4° ano de escolaridade.

O seu agregado familiar é constituído por si, pelo seu companheiro e por
cinco filhos menores
.

A arguida, o companheiro e os filhos sobrevivem dos rendimentos que
recebem a título de rendimento social de inserção e de abono de famíl
ia.

…………………………………………………………………………………………

2.2 - Factos não provados (transcrição)

 

1 - Cerca de uma ou duas semanas antes do dia 23 de Maio de 2010, BB, de forma não apurada, terá subtraído uma quantidade de produto estupefaciente, estimada em cerca de 70 (setenta) gramas de heroína, a cidadãos de etnia cigana, residentes no acampamento do ..., produto este que depois consumiu e cedeu a terceiros.

2 - Quando aí se encontravam, passou pelo local a arguida AA a qual suspeitou que BB poderia ser o autor do furto do estupefaciente ocorrido dias antes, pelo que, presumindo que os mesmos aí se encontrariam para procurar e subtrair mais produto estupefaciente, eventualmente guardado nos arredores do acampamento, perguntou-lhes quem eram, ao que BB, respondeu inventando dois nomes.

3 - Não acreditando nas palavras de BB, a arguida AA logo se dirigiu para o dito acampamento, onde contou as suas suspeitas ao indivíduo de sexo masculino e à arguida DD.

4 - De imediato todos decidiram ir ter com os ofendidos a fim de confirmarem as tais suspeitas e vingarem-se do BB, pelos factos que cometera, visando todos, em comunhão de esforços, meios e intenções, privar da sua liberdade o BB e o CC.

S - Que o individuo de sexo masculino se tenha dirigido apeado para o local onde as vítimas se encontravam.

6 - No local o indivíduo de sexo masculino voltou-se para o BB e disse-lhe que agora lhe ia dar o que tinha levado dali (referindo-se ao produto estupefaciente que se havia apropriado dias antes).

7 - Que a arguida AA ao colocar o veículo em frente à viatura dos ofendidos os obrigou a permanecer no local.

8 - Que o indivíduo de sexo masculino colocou a arma em cima do capôt do veículo dos ofendidos.

9 - Que o indivíduo de sexo masculino se tenha colocado em frente à viatura dos ofendidos no momento em que disparou e atingiu o BB.

10 - Que nessa ocasião o mesmo tenha dito aos ofendidos para não saírem dali.

11 - Que só com a fuga das arguidas e do individuo de sexo masculino é que o CC conseguiu retirar a viatura do local.

12 - As arguidas actuaram em comunhão de esforços e de meios, juntamento com o indivíduo de sexo masculino, de forma concertada, com o objectivo conseguido de privarem os ofendidos da sua liberdade pessoal e de movimentos, aprisionando-os naquele local,

13- Que as arguidas e o indivíduo de sexo masculino tenham agido movidos apenas pelo sentimento de um ajuste de contas, relacionado com o alegado furto de produtos estupefacientes.

14 - Que a arguida AA, ao conduzir a viatura Seat para o local dos factos e ao colocá-la na frente da viatura dos ofendidos, impedindo a saída do local, quis e conseguiu, de forma livre, deliberada e consciente, privar os ofendidos da sua liberdade pessoal, praticando actos capazes de provocar tal resultado.

15 - A arguida DD por seu turno, ao assim actuar auxiliou-os prestando apoio moral e físico, de forma directa, nos actos que levaram a efeito causadores da privação da liberdade dos ofendidos, agindo de forma livre, deliberada e consciente.

2.3 – Fundamentação da matéria de facto (transcrição)

A prova é apreciada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º do C. Processo Penal), liberdade que não pode nem deve significar o arbítrio' ou a decisão irracional "puramente impressionista- emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação" (Prof Castanheira Neves, citado por Prof Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 43).

Pelo contrário, a livre apreciação da prova exige uma apreciação crítica e racional, fundada, é certo, nas regras da experiência, mas também nas da lógica e da ciência, e tudo para que dela resulte uma convicção do julgador objectivável e motivável, únicas características que lhe permitem impor-se a terceiros.

Deste modo, a formação da convicção deste Tribunal, quanto aos factos dados como provados, resultou, em primeira linha, dos depoimentos prestados pela arguida AA e do depoimento das testemunhas que foram ouvidas em audiência de julgamento, sendo que tais depoimentos foram conjugados com a demais prova existente nos autos e analisada em audiência, tudo conformado ainda pelo apelo às regras da experiência comum.

A arguida AA prestou o seu depoimento e declarou que na data indicada na acusação e da parte da parte, cerca das 16 horas, se encontrava no acampamento onde residia e se apercebeu que uma das suas filhas estava a gritar. Nesse momento apercebeu-se que dois indivíduos, que se encontravam em local próximo das casas que compõem o acampamento, estavam a agarrar a sua filha. Quando os mesmos se aperceberam que tinham sido vistos, os mesmos abandonaram o local. No entanto a arguida declarou que decidiu ir dar a volta ao acampamento e a locais limítrofes, para ver o que é que tais indivíduos queriam, o que fez de carro. A arguida referiu que efectuou essa deslocação no seu carro, conduzindo o mesmo, acompanhada pela sua sogra e por uma das suas filhas, com 4 anos de idade. A arguida declarou que acabou por encontrar os dois indivíduos, em local próximo, sendo que ambos estavam dentro de um veículo. A arguida declarou que parou o seu carro em local próximo do carro utilizado por tais indivíduos. A mesma referiu que falou com tais indivíduos, perguntando-lhes o que estavam a fazer, ao mesmo tempo que gritou. No entanto, não obteve qualquer resposta de tais indivíduos, os quais nunca saíram do interior do veículo automóvel. A arguida acrescentou que esta sua abordagem durou cerca de 4 ou 5 minutos e que ainda deu uma chapada ao indivíduo que estava sentado ao lado do condutor, o qual tinha o vidro da janela do carro aberto. A arguida acrescentou ainda que a sua sogra, a arguida DD e que a acompanhou, acabou por sair do interior do veículo em que seguiam e que a mesma também falou com o indivíduo que estava sentado no banco do condutor. No entanto, tal indivíduo colocou o carro em funcionamento e fez marcha atrás e a sua sogra acabou por ficar por baixo do carro. A arguida referiu que ajudou a sua sogra, a qual estava assustada e que se dirigiu 'com a mesma para o carro que tinham usado para ir para o local. Nesse mesmo momento a arguida declarou que ouviu um disparo, desconhecendo quem o fez e desconhecendo se nesse momento alguém tinha sido atingido. A arguida referiu que já não se recordava da posição em que deixou o seu veículo e em relação ao veículo onde estavam os dois indivíduos. No entanto a mesma referiu que ao que se recordava os mesmos podiam abandonar o local se quisessem, fazendo marcha atrás e circulando na mata. A arguida referiu que se deslocou para sua casa e que só passado meia hora é que soube o que tinha sucedido, pois tal foi-lhe comunicado pelos agentes da P.S.P, que se deslocaram a sua casa. A arguida declarou que não conhecia as pessoas que estavam dentro do carro e com as quais falou. A arguida confirmou que a arma que foi apreendida em sua casa pertencia ao seu marido, o qual na altura estava preso, A arguida esclareceu que normalmente a arma estava embrulhada em lençóis e amarrada com uns fios e colocada por baixo de uma cama. A mesma referiu que desconhece quem colocou a arma em cima da cama, local onde foi encontrada quando foi apreendida, reconhecendo no entanto que o cobertor que a tapava na ocasião em que foi apreendida lhe pertencia. A arguida confirmou igualmente que as munições que foram apreendidas em sua casa pertenciam ao seu marido. Relativamente ao chinelo que foi apreendido, a mesma confirmou que este pertencia à sua sogra. A arguida referiu que sabia que não podia ter a arma em casa, nem as munições, sendo que apesar de essa realidade ser do seu conhecimento, decidiu autorizar a realização de uma busca à sua casa. No entanto a arguida acrescentou que toda a gente no acampamento sabia que a mesma tinha a arma nas condições que indicou.

Por último, a arguida declarou que ainda se deslocou às urgências, com a sua sogra, pois a mesma necessitou de receber assistência médica em consequência dos ferimentos que apresentava.

A testemunha ..., pai da vítima, declarou que sobre a forma como ocorreram os factos nada sabia. No entanto o mesmo acrescentou que apesar de não ter com o seu filho um relacionamento próximo, tinha conhecimento que o filho era toxicodependente. O mesmo acrescentou que o seu filho já tinha feito várias tentativas para abandonar esses consumos, mas sem sucesso. Por último, a testemunha acrescentou que pelo que lhe foi dito o filho estaria a residir na zona de Águeda e que o mesmo nessa zona se abastecia de produto estupefaciente.

A testemunha CC declarou que foi consumidor de produtos estupefacientes, durante vários anos. A testemunha referiu que no meio próprio em que se movimentam os toxicodependentes acabou por conhecer o BB, o qual conhecia por "Curto" ou "Fininho". A testemunha esclareceu que o "Curto" era consumidor de produtos estupefacientes, consumindo heroína e cocaína. No dia em que o mesmo faleceu, a testemunha referiu que o encontrou na zona de Águeda e que ambos nessa zona compraram produto estupefaciente. O "Curto" pediu-lhe boleia para vir para um local perto do local onde acabou por morrer e como o mesmo lhe disponibilizou dinheiro para o combustível, a testemunha declarou que lhe deu boleia. No entanto e como pretendiam consumir, pararam no local e aí e dentro do veículo estiveram a consumir, durante cerca de 1 hora, consumindo cocaína e heroína, consumos que fizeram durante a tarde desse dia, sendo que para o local foram munidos com os artefactos necessários para o consumo. A testemunha declarou que se deslocaram no seu veículo, um Renault Clio, branco, de matrícula ...-QH, sendo que a mesma referiu que desconhecia o motivo pelo qual o "Curto" se quis deslocar para aquela zona, ou o que é que o mesmo ali pretendia fazer. Quando estavam a consumir, surgiu no local uma mulher jovem e etnia cigana, com uma criança ao colo e com um balão na mão. Essa pessoa surgiu do lado do pendura e falou com eles e gritou, perguntando o que é que estavam a fazer. Posteriormente essa mulher abandonou o local, sendo que pouco tempo depois apareceu no local um veículo, que estacionou perto do veículo em que se encontravam e que passou a impedir a saída de tal veículo. Desse veículo saíram pelo menos duas pessoas, sendo que a testemunha declarou que se apercebeu que nesse momento e no local surgiram ao mesmo tempo um homem de etnia cigana e duas mulheres de étnica cigana, uma mais jovem e uma de mais idade, sendo que o indivíduo de sexo masculino surgiu com uma espingarda em punho. A testemunha declarou que quando os referidos indivíduos surgiram no lacaio "Curto" logo que se apercebeu da aproximação dessas pessoas, disse de imediato "Olha é o Quim". A testemunha declarou ainda que o homem empunhando a caçadeira os mandou sair do carro, perguntou-lhes o que é que estavam ali a fazer e ainda fez dois disparos para a zona dos pés, sem os atingir e mandou-os para o chão. Em consequência a testemunha referiu que quer ele, quer o "Curto", acabaram por se ajoelhar no chão, estando colocados ambos a um distância de um metro um do outro. A testemunha referiu que nesse momento quer ele, quer o BB, estão posicionados na parte de trás do veículo pertencente ao próprio (CC), sendo que o veículo utilizado pelos outros indivíduos estava posicionado de frente para este veículo e a uma distância não superior a dois metros. Nesse local o indivíduo de sexo masculino e as duas mulheres começaram a bater nele e no "Curto", desferindo murros e pontapés, sendo que a testemunha referiu que ainda foi atingido na cabeça com uma pancada desferida pelo indivíduo de sexo masculino e com a arma. A testemunha relatou que estando em curso estas agressões, o indivíduo de sexo masculino foi colocar a arma em cima do capôt de um carro. Nesse momento a testemunha declarou que aproveitou para fugir para o interior do seu carro e fechou a porta. No entanto não conseguiu abandonar o local, pois à frente estava o outro carro e atrás estavam ainda a bater no "Curto". Quando o indivíduo do sexo masculino se apercebeu que a testemunha estava dentro do carro foi novamente buscar a arma que tinha colocado em cima do carro. Nesse momento o "Curto" conseguiu fugir para dentro do carro, sentando-se no banco da frente, ao lado do condutor. No entanto o indivíduo do sexo masculino, colocou-se ao lado do carro e do lado do pendura e apontou a arma em direcção ao carro e do lado em que estava o "Curto". As duas mulheres de etnia cigana nesse momento dirigiam-se para o carro das mesmas. É neste momento que o homem efectua um disparo para dentro do carro e atinge o Curto. A testemunha declarou que ainda se recordava de que a mulher que aparentava ter mais idade se dirigiu ao indivíduo de sexo masculino e que efectuou o disparo e que lhe perguntou "mataste-o?". A testemunha confirmou que o vidro do lado do pendura do seu carro estava partido. Após o disparo todos os três elementos entraram dentro do veículo e abandonaram o local. A testemunha declarou que só nesse momento conseguiu sair do local. A testemunha referiu que poderia ter feito inversão de marcha e seguir por um caminho que existia no local. No entanto e como não conhecia o local não sabia se esse caminho tinha saída. A testemunha declarou que apesar de se encontrar assustado e em pânico e apesar de ter estado a consumir produtos estupefacientes, se recordava do que sucedeu e que se recordava de ter conduzido o carro até encontrar as primeiras casas, local onde pediu ajuda. Em audiência de julgamento a testemunha reconheceu ainda as duas arguidas como sendo as duas mulheres que estiveram no local e que no seu depoimento identificou com a senhora de etnia cigana mais jovem e a de mais idade. A testemunha declarou que ao que se recorda quando tais indivíduos abandonaram o local, era o indivíduo de sexo masculino que conduzia o veículo, embora não tenha a certeza desse facto. A testemunha no final do seu depoimento referiu que já o se recordava ao certo se os três indivíduos que mencionou chegaram ao local no mesmo carro ou se eventualmente o indivíduo de etnia cigana chegou a pé.

A testemunha ZZ, Inspector da Policia Judiciária, declarou que foi comunicado pela G.N.R. de Albergaria-a-Velha a ocorrência do homicídio e que em consequência dessa comunicação se deslocou ao local, acompanhado por outros elementos da Policia Judiciária. A testemunha declarou que esteve no local onde se encontrava o veículo Renault Clio, no interior do qual estava a vítima. Sendo que esse local foi preservado, dado que no mesmo se encontravam diversos elementos da GNR que não deixavam ninguém aproximar-se do veículo. A testemunha referiu que o veículo estava na localidade de Fial e junto às primeiras casas dessa mesma localidade, sendo que o veículo pertencia ao CC, o qual também se encontrava no local. A vítima estava ainda no interior do veículo, sentada no lado do "pendura", apresentando ferimentos típicos de terem sido provocados por uma arma caçadeira, tendo detectado presença de bagos de chumbo. Os ferimentos localizavam-se na zona do braço direito e do tórax. A testemunha foi confrontada com o teor e fls. 12 a 21 dos autos, e tendo por referência as fotografias que foram exibidas, declarou que no interior do veículo onde estava a vítima foram encontrados vidros, nomeadamente na zona do banco, sendo que fruto da sua experiência e dada a forma e local onde encontrou os vidros, indiciava-se que tinha ocorrido uma projecção de fora para dentro e com violência. No interior do veículo foi ainda encontrado uma bucha de um cartucho. A testemunha esclareceu ainda que os ferimentos que eram visíveis na tima indicavam que tinha ocorrido uma elevação do braço ao nível do tórax. A testemunha declarou ainda que atenta a concentração de chumbos que verificou e apelando à sua experiência que está indiciado que o tiro foi feito de forma próxima em relação à vítima, ao que se pode chamar à "queima vidro" e a uma distância não superior a 2 ou 3 metros. A testemunha esclareceu que só a essa distância se compreende a concentração de chumbos e a gravidade dos ferimentos apresentados pela vítima. A testemunha referiu ainda que um disparo efectuado a uma distância superior possibilitava uma maior dispersão do chumbo, atingindo necessariamente outras partes do veículo e causando danos no mesmo, o que não sucedeu no caso em concreto. A testemunha confirmou que foram ainda encontrados no local diversos objectos e artigos pessoais da vítima e que são normalmente usados no consumo de produtos estupefacientes, como isqueiro, pratas, mortalhas. A testemunha esclareceu que inicialmente se apresentou um indivíduo a confessar a autoria do crime e que esse indivíduo indicou o local onde estaria a arma. Por esse facto foi feita uma busca que culminou com a apreensão da arma. A testemunha esclareceu que por indicação do CC, que os acompanhou, deslocaram-se posteriormente ao local onde o disparo teria sido feito. Nesse local e por indicação da testemunha CC foi possível determinar esse local, concretamente pela verificação de vestígios e concentração dos mesmos. Tal local encontrava-se a cerca de 700 metros do local onde foi encontrado o veículo com o corpo da vítima no seu interior. No local foi ainda encontrado um chinelo e na busca realizada à residência da arguida DD foi encontrado o par desse chinelo. A testemunha esclareceu que o indivíduo que se apresentou como tendo sido o autor do disparo foi excluído como suspeito, uma vez que o CC não o reconheceu e porque o relato que o mesmo fazia para a forma como ocorreram os factos não coincidia com o relato feito pela testemunha CC, nem era consonante com a recolha de vestígios que foi feita no local.

A testemunha YY, Inspector da Policia Judiciária, declarou que no âmbito da sua profissão se deslocou ao local onde terão ocorrido os factos. A testemunha declarou que os elementos da polícia judiciária estiveram no local onde foi encontrado o veículo no interior do qual estava a vítima, bem como no local onde terão ocorrido os disparos e ainda no acampamento de indivíduos de etnia cigana junto à povoação do Fial. A testemunha foi confrontada com o teor de fls. 74 e 75, sendo que por referência a esses elementos, a testemunha indicou o percurso que fez para se deslocar para os locais mencionados.

A testemunha referiu que a testemunha CC fez um relato sobre a forma como terão ocorrido os factos, os quais culminaram com a morte do BB, sendo que pelas indicações que foram dadas por esta testemunha se deslocaram para o local onde ocorreu o disparo. Tal local foi na ocasião fotografado, sendo que o mesmo correspondia a uma zona com vegetação, pinheiros, eucaliptos e alguma vegetação rasteira, com um caminho em terra batida, que se situava perto de uma estrada em alcatrão, a qual dá acesso à localidade de Fia!. A testemunha confirmou que nesse mesmo local, existia uma bifurcação, no qual se situava um outro caminho, igualmente em terra batida, o qual ia dar ao acampamento. A testemunha referiu que no dia em que ocorreram os factos estiveram nesse local, perto das 18 horas e acompanhados pela testemunha CC. De acordo com o relato que foi feito por esta testemunha, foram procurados no local vestígios relacionados com a ocorrência dos factos, os quais foram encontrados, sendo que os mesmos se encontravam concentrados no local que a testemunha CC indicou como sendo o local onde foi efectuado o disparo que vitimou o BB. Os referidos vestígios foram todos fotografados.

A testemunha foi confrontada com as fotografias que se encontram nos autos a fls. 24 a 28 e 29 e a mesma confirmou que as mesmas se reportam aos vestígios que foram encontrados no local. A testemunha confirmou que no local foram encontrados dois cartuchos, os quais foram apreendidos, sendo que esses vestígios correspondem às fotografias de fls. 25 e 28, sendo que a existência desses vestígios indica que nesse local foram deflagradas as munições correspondentes. No local foram ainda encontrados vidros (fls. 26) e um chinelo. Foi ainda encontrado papel de alumínio e um sabonete (fls. 28). A testemunha confirmou que a testemunha CC confirmou no local a posição em que o veículo do mesmo esteve parado e bem assim a posição de um outro veículo, sendo que a posição que indicou para o seu veículo era coincidente com a recolha dos vestígios que foi feita, concretamente em relação ao local onde foram encontrados os vidros. A testemunha esclareceu que a testemunha CC e no momento em que falou com o mesmo, apresentava um discurso cido, fazendo em relação ao modo como ocorreram os factos um relato consistente, não obstante se encontrar assustado. A testemunha confirmou ainda que no interior do carro onde foi encontrada a vítima, foi ainda encontrada uma bucha, circunstância que conjugada com a dispersão de chumbo pouco acentuada que foi verificada no interior do veículo e com a ausência de danos materiais no veículo, indicam que o disparo foi efectuado a curta distância.

A testemunha confirmou que inicialmente se apresentou um indivíduo de etnia cigana, a indicar que teria sido o mesmo o autor dos disparos.

No entanto, o relato feito por esse indivíduo em relação ao modo como
ocorreram os
factos era vago e impreciso e não era coincidente com os vestígios que foram recolhidos.

Por outro lado, a testemunha CC referia que o BB teria identificado o autor dos disparos como "Quim". Na sequência dessas dúvidas, foi feito um reconhecimento e a testemunha CC não reconheceu tal indivíduo como tendo sido o autor dos disparos. A testemunha confirmou ainda as circunstâncias em que foi feita a apreensão da arma e das respectivas munições.

A testemunha XX, declarou que conhece a arguida AA e DD, e que as mesmas são boas pessoas, pacíficas e respeitadoras.

A testemunha VV, militar da GNR, declarou que após ter sido recebida a comunicação de que teria ocorrido um homicídio se deslocou para o local onde se encontrava a vítima. A testemunha declarou que no local contactou com a testemunha CC, o qual o colocou ao corrente da situação. A testemunha declarou que tendo por referência o que foi declarado por esta testemunha e tendo em conta os locais que a mesma indicou e que estariam relacionados com os factos, determinou que militares da GNR se deslocassem para esses locais, a fim de preservarem os mesmos. A testemunha referiu ainda que se deslocou para o acampamento de etnia cigana e aí encontrou diversas pessoas no exterior das suas casas como se estivessem à espera da chegada das autoridades. Nesse local falou com a arguida AA a qual lhe referiu que tinha havido uma zaragata com uns homens, os quais tinham tentado violar uma criança. A própria arguida admitiu que tinha uma arma em sua casa e por isso se procedeu à realização de uma busca a essa residência, autorizada pela arguida, sendo que no âmbito dessa diligência foi apreendida uma arma. A testemunha referiu que por indicação da testemunha CC se deslocou ao caminho em terra batida existente em zona de pinhal, onde teo ocorrido os disparos. A testemunha referiu que esteve recentemente no mesmo local e pode observar que na actualidade alguma da vegetação cresceu, principalmente do lado esquerdo, sendo que antes os eucaliptos eram mais pequenos. A testemunha confirmou ainda que falou com a testemunha CC e que o mesmo estava em pânico, no entanto o mesmo relatou o sucedido de forma coerente e compreensível.

Feita a menção aos depoimentos prestados em audiência impõe-se agora efectuar uma apreciação da prova produzida, conjugada com a demais prova constante nos autos, concretamente a prova documental, em ordem a justificar a convicção do tribunal relativamente aos factos dados como provados.

Importa desde já sublinhar que a maioria dos factos dados como provados resultaram do depoimento prestado em audiência de discussão e julgamento pela testemunha CC.

O depoimento prestado por esta testemunha foi um depoimento credível e convincente. A testemunha depôs demostrando segurança relativamente aos factos de que se recordava, factos estes que a testemunha precisou, sendo que apesar de o seu depoimento se ter prolongado por várias sessões a mesma não revelou contradições no que relatou em tribunal. Não se descura o facto de em julgamento a testemunha não ter conseguido precisar alguns factos que o tribunal considerou que seriam revelantes e que se referem a alguns factos cuja autoria se imputava na acusação às arguidas. Não obstante, tal circunstância ficou a dever-se e como foi esclarecido pela testemunha, ao facto de já ter decorrido algum tempo desde a data da prática dos factos. A testemunha foi confrontada com as declarações que a mesma prestou em inquérito e referiu que já não se recordava de alguns pontos que fez constar nessa ocasião no seu depoimento. A testemunha referiu que tal se deve à circunstância de a mesma na ocasião ter uma percepção mais clara em relação ao que havia acontecido. No entanto o tribunal valorou o que a mesma declarou em audiência, uma vez que em relação a esse depoimento o tribunal pode aferir da sua credibilidade e seriedade, face à forma espontânea e segura como foi prestado, apesar dos condicionalismos assinalados.

A forma como a testemunha descreveu em tribunal os factos que presenciou e a forma como a mesma reagiu a esses factos, conduzindo o seu veículo e diligenciando ainda pela prestação de socorro à vitima, evidenciam que apesar da testemunha ter admitido ter estado a consumir produtos estupefacientes, que esse consumo não a afectou intelectualmente e emocionalmente, tendo a testemunha relatado com clareza os fados dos quais se recordava.

Igualmente não suscitou ao tribunal qualquer dúvida os depoimentos prestados pelos inspectores da PJ e pelos agentes da GNR, uma vez que as testemunhas depuseram de forma isenta, relatando apenas os factos de que tiveram conhecimento directo e no exercício das suas funções.

Assim e para prova dos factos dados como provados e indicados no facto 1° a 3° dos fados dados como provados o tribunal alicerçou a sua convicção no depoimento prestado pela testemunha CC, o qual relatou em tribunal as circunstâncias de tempo e lugar em que se deslocou no seu veículo (o qual identificou), para o local indicado nos factos dados como provados. A testemunha CC esclareceu que se deslocou para esse local a pedido do BB e que nesse local estiveram a consumir produtos estupefacientes (heroína e cocaína) que haviam adquirido em local próximo de Águeda. A testemunha confirmou ainda que quando se encontrava a consumir na companhia do BB surgiu no local uma Sr. a de etnia cigana, com uma criança ao colo e com um balão na mão, pessoa esta que os abordou e que após abandonou o local. A circunstância de terem estado a consumir produtos estupefacientes surge ainda confirmada pelo resultado das análises feitas à vítima BB e cujo relatório consta de fis. 480, sendo que no relatório de autópsia se indica que a presença das substâncias detectadas sugere um consumo recente (fls. 488).

Foram ainda encontrados e apreendidos no interior do veículo pertencente ao CC e no local onde ocorreram os factos diversos objectos que de acordo com as regras da experiência comum andam formalmente associados ao consumo de produtos estupefacientes (cfr foto de fls. 20 e foto de fls. 27 - por referência ao papel de alumínio), sendo que a presença desses vestígios foi ainda confirmada pelo depoimento da testemunha ZZ e YY, inspectores da PJ.

Importa ainda referir que a arguida AA no depoimento que prestou admitiu que se deslocou de carro, acompanhada da sua sogra, a um local próximo do acampamento onde reside e que nesse local abordou dois indivíduos que se encontravam no interior de um veículo, tendo admitido que gritou com os mesmos e lhes perguntou o que ali estavam a fazer.

Para prova dos factos dados como provados e indicados os factos 4° a 8°, 1, 11º, 12°, 13° a 19°, o tribunal atendeu ao depoimento prestado pela testemunha CC, depoimento este conjugado com os vestígios que foram encontrados quer no local onde ocorreram os factos, quer no interior do seu veículo, tudo conformado com a regra da experiência comum.

O depoimento da testemunha CC que já se sublinhou foi um depoimento que se apresentou ao tribunal como credível, permite ao tribunal justificar a sua convicção em relação à factualidade dada como provada. A testemunha referiu que após uma primeira abordagem feita apenas pela arguida AA, surgem no local, decorridos alguns minutos, as duas arguidas, que a testemunha identificou como a Sra. de etnia cigana mais jovem e a de mais idade e que em julgamento identificou como sendo a arguida AA e a arguida DD, acompanhadas de um individuo de sexo masculino.

Já no inquérito a testemunha CC havia reconhecido as arguidas como tendo tido intervenção nessa factualidade, como se retira do teor dos autos de reconhecimento juntos aos autos a fls. 78 e ss e de fls. 83 e ss.

A testemunha referiu no seu depoimento que quando as arguidas surgem no local, surge ao mesmo tempo um veiculo, o qual é colocado de frente para o seu veiculo, de forma a que a saída do local utilizando o seu veículo fica impossibilitada. A testemunha refere que embora não possa garantir com toda a certeza que os três indivíduos saíram todos do mesmo veículo que foi colocado nessa posição, que podia garantir que as duas arguidas e um homem que o Curto identificou como "Quim" surgiram no local ao mesmo tempo, sendo que o individuo do sexo masculino surgiu munido de uma arma de fogo.

Ora, sendo certo que foi a arguida AA a pessoa que fez uma primeira abordagem ao BB e ao CC e que deu pela presença dos mesmos, resulta que só pode ter sido a arguida AA a deslocar-se ao acampamento e a chamar os outros dois indivíduos que a acompanhavam, sendo que a arguida DD residia igualmente no mesmo acampamento.

A presença do BB e do CC no local apenas era conhecida da arguida AA e só a mesma poderia ter alertado a arguida DD e o indivíduo que as acompanhava. Por outro lado, o indivíduo surge no local munido de uma arma, arma esta que como a arguida AA admitiu era do seu companheiro e estava guardada em sua casa. Por outro lado, quer a arguida AA, quer a arguida DD, residem no mesmo acampamento, sendo certo que a pessoa que as acompanhava era pessoa conhecida de ambas as arguidas. Tal resulta da circunstância de a testemunha CC ter referido que as arguidas surgiram no local ao mesmo tempo que o indivíduo do sexo masculino e de a testemunha ter referido que face à forma como falaram entre si, ficou com a ideia de que todos se conheciam.

Ora, face ao exposto e dado que a arguida AA deu a conhecer a presença dos dois indivíduos no local e as arguidas surgem juntamente com um outro individuo nesse local, sendo que este se apresenta desde o início munido de uma arma municiada, resulta sem dúvida que ao dirigirem-se para o local (arguidas e o indivíduo) que os mesmos tinham como intenção agredir o corpo e a saúde do João e do CC, mediante o uso da arma e atentar contra as suas vidas. Só assim se entende que se tenham deslocado para o local, nas circunstâncias referidas, com uma arma e num veículo que é posicionado de forma a dificultar a saída do local do BB e do CC.

No que concerne ao facto de se ter dado como provado que foi a arguida AA a pessoa que conduziu o veículo e o posicionou nas circunstâncias referidas nos factos provados, o tribunal atendeu à circunstância de a testemunha CC ter referido em tribunal que a forma como foi colocado o veículo impedia a saída do seu veículo do local. Por outro lado, apesar de a arguida AA não o ter admitido expressamente, a mesma no seu depoimento admitiu que se deslocou ao local onde encontrou o CC e o BB, o que fez de carro, conduzido por si e na companhia da sua sogra.

Importa ainda sublinhar que a arguida DD não sabe ler nem escrever.

Ora, da conjugação destas circunstâncias, resulta pois que foi a arguida AA que conduziu o seu veículo e que o colocou em frente ao veículo da testemunha CC.

Relativamente à circunstância de o veículo de matrícula 16-66-FV ser pertença da arguida AA, o tribunal atendeu ao declarado pela arguida e bem assim ao teor do f1s. 59. No que concerne à actuação assumida no local pelas arguidas e pelo indivíduo do sexo masculino e que visou quer o BB, quer o CC, o tribunal atendeu ao depoimento da testemunha CC, o qual descreveu com precisão e segurança a ordem cronológica como os factos foram sendo praticados por cada uma das arguidas e relativamente a cada uma das vítimas, revelando a testemunha coerência e clareza na descrição que fez. A testemunha não teve qualquer dúvida em relatar a forma como cada uma das arguidas actuou, referindo que ambas agrediram fisicamente o BB e o próprio, sublinhando ainda os actos praticados pelo individuo que as acompanhava. A testemunha esclareceu que este individuo os mandou sair do carro, apontando a arma e que ainda fez um disparo para o chão com a intenção de os obrigar a permanecer no local.

As agressões de que o BB e o CC foram vítimas surgem ainda
conf
irmadas pelo resultado dos exames médicos a que foram sujeitos, sendo que as lesões sofridas pelo CC estão documentadas a fls. 271 a 274 e as lesões apresentadas pelo BB estão documentadas a fls. 472 a 480, sendo estas compatíveis com a descrição feita pela testemunha.

No que se refere às circunstâncias em que foi efectuado pelo individuo de sexo masculino o disparo que vitimou o BB (factos 17° a 19°) o tribunal atendeu ao depoimento credível prestado pela testemunha CC, conjugado com os demais elementos de prova, concretamente com os vestígios recolhidos no local.

Que foi o indivíduo do sexo masculino que efectuou o disparo que vitimou o BB não existem dúvidas, face ao depoimento prestado pelo CC, sendo que essa versão surge confirmada quer pela natureza e lesões que apresentava a vítima, quer pelos vesgios e danos verificados no veículo da testemunha CC, quer ainda pelos vestígios que foram recolhidos no local.

A testemunha CC relatou que foi no momento em que esse individuo se apercebe que ambos conseguiram entrar para o veículo, que o mesmo agarra a arma e se posiciona lateralmente e a curta distância do seu veículo. Nessas condições esse indivíduo, que está posicionado ao lado do BB efectua o disparo que o vitimou.

Ora a arma usada por tal individuo foi a arma com que tal indivíduo se deslocou para o local, ou seja, uma arma caçadeira.

No que concerne à distância a que foi efectuado tal disparo, o tribunal considerou que o mesmo foi efectuado a uma curta distância, baseando-se no depoimento da testemunha CC e dos inspectores da Polícia Judiciária ZZ e YY.

O veículo da testemunha CC apresentava exactamente danos no vidro da porta da frente do lado direito (cfr. 225 e 226).

A testemunha CC declarou que após ter sido feito esse disparo, as arguidas e o indivíduo, abandonaram o local, levando a arma e que só por esse motivo conseguiu retirar o seu veículo do local. A testemunha conduziu o seu veículo até ao local onde encontrou as primeiras casas e aí pediu auxílio. Tal factualidade surge confirmada pelo teor de fls. 4 e ss e de fls. 12 a 20.

Como foi referido pela testemunha VV, militar da GNR, após ter sido dado conhecimento às autoridades do local onde estava o veículo da testemunha CC, tendo no seu interior a vítima, esse local foi prontamente preservado até à chegada dos agentes da Policia Judiciária.

Os agentes da Policia Judiciária que estiveram nesse local (A. Trigueiro e YY) confirmaram em julgamento que a situação que verificaram no local correspondia à situação constante das fotografias de fls. 12 a 20, correspondendo essas fotografias à posão que a vítima ocupava no interior do veículo. As mesmas confirmaram que no interior do veículo foi encontrada uma bucha sobre o banco do condutor (fls. 16) e que se encontravam vidros no interior do carro. As testemunhas referiram que pelos danos que verificaram no veículo (vidro do lado do pendura partido e vidros no interior do carro) e apelando à sua experiência profissional, concluíram que esses danos foram provocados por um impacto causado do lado de fora do veículo para dentro e a uma curta distancia, não superior a um metro, constituindo aquilo que as testemunhas designaram por um disparo "à queima vidro". As testemunhas justificaram esse seu entendimento pela circunstância de a dispersão de chumbo ser pouca acentuada, bem como pela gravidade dos ferimentos que eram visíveis na vítima e ainda pela ausência de outros danos no veículo. As testemunhas referiram que um disparo a uma distância superior necessariamente teria provocado uma maior dispersão de chumbo e a ocorrência de outros danos no veículo.

O disparo efectuado sobre a vítima foi feito utilizando uma arma caçadeira.
N
este tipo de armas e atentas as munições utilizadas, a dispersão dos bagos de chumbo é tanto maior quanto maior for a distância do disparo, como foi sublinhado pelos inspectores da P J.

Ora foi analisando quer a concentração de chumbo verificada no local, com as lesões que apresentava a vítima, designadamente nas sua características e dimensões, e conjugando essas circunstâncias que se concluiu, como aliás vem referido no relatório de autópsia e como foi referido pelos inspectores da pocia judiciária, que o disparo foi feito muito próximo do veículo da testemunha CC (cfr. Fls. 488).

Nesse disparo foi utilizada a arma descrita no facto 9° dos factos dados como provados, cujas características constam de fls. 562 a 574.

Tal arma pertencia a EE conforme resulta do teor de fls. 38. No que se refere à factualidade dada como provada e indicada nos factos 20° a 22° o tribunal atendeu ao depoimento da testemunha CC, que relatou essa factualidade, atendendo ainda ao teor do auto de notícia de fls. 4 e ss e ao teor da informação que consta de fls. 30 a 33 e ao teor do auto que consta de fls. 238 a 241.

No que concerne à determinação das lesões sofridas pela vítima e no que se refere à determinação de que as mesmas foram a causa directa e necessária da morte de BB (factos 22 e 23) atendeu o tribunal ao teor do relatório de autópsia de fls. 472 a 480.

Para a determinação do local onde ocorreram os factos o tribunal atendeu ao declarado pela testemunha CC e ao declarado pelos inspectores da P.J. A. Trigueiro e YY, bem como ao declarado pela testemunha VV.

Pelos inspectores da PJ foi referido que após a testemunha CC ter dado indicações sobre o local onde ocorreram os factos, foram desenvolvidas diligências para preservar esse local. Tal factualidade foi ainda confirmada pela testemunha VV.

A própria testemunha CC declarou que indicou aos agentes o local onde tinham ocorrido os factos e confirmou que nesse local participou na reconstituição dos factos.

Os inspectores da PJ que foram ouvidos confirmaram o teor das fotografias de fls. 24 a 29 e confirmaram em tribunal que as mesmas correspondem ao local onde estiveram com a testemunha CC no próprio dia da ocorrência dos factos, tendo confirmado ainda que nesse local foram encontrados os vestígios que se encontram assinalados e que estão relacionados com os factos em análise.

Ou seja, nesse local encontraram uma bola vermelha (referida no depoimento da testemunha CC), dois cartuchos (compatíveis com o número de disparos que a testemunha CC refere como tendo sido feitos no local), um chinelo, pedaços de vidro, um cigarro, um isqueiro e um rolo de alumino, vestígios estes indicados e assinalados nas fotografias de fls. 24 a 29 e a fls. 169 dos autos.

As testemunhas - inspectores da polícia judiciária- confirmaram que os
vestíg
ios encontrados no local se relacionam com o crime em causa, nomeadamente com os que foram encontrados no interior do veículo da testemunha CC e que estão identificados a fls. 170 (vidros e bucha).

As testemunhas referiram ainda que nesse local foi ainda encontrado um chinelo (foto de fls. 26, vestígio nº. 4), sendo que o par foi encontrado na sequência da busca feita à residência da arguida DD (auto de apreensão de fls. 203 a 207).

Cumpre ainda referir que os vestígios que foram encontrados no local e no
interior do ve
ículo da testemunha CC foram sujeito a exame (cartuchos e buchas),
cujo relatório consta de fls
. 562, sendo que em sede de conclusões se refere, entre
outras
, que os dois cartuchos que foram apreendidos e encontrados no local foram deflagrados na espingarda caçadeira igualmente apreendida, sendo aí ainda referido que relativamente aos fragmentos de bucha se apurou constituírem como elemento proveniente de um cartucho de caça de calibre 12 , sendo esse precisamente o calibre da espingarda caçadeira apreendida. Importa ainda referir que as munições utilizadas eram da mesma marca de algumas que foram posteriormente apreendidas em casa da arguida AA.

Ora, tendo sido nesse local que foram encontrados os vestígios que se
relacionam com os factos
, dúvidas não existem que foi nesse local que os factos ocorreram e não em qualquer outro.

Relativamente aos factos indicados nos n.ºs 24° e 25°, ou seja, relativos à
apreensão da arma e munições
, a qual foi encontrada na casa da arguida AA, o tribunal atendeu ao declarado pela arguida AA e ao teor do auto de busca e apreensão de fls. 36 e ss, declaração de fls. 38 e auto de fls. 39 e ss, conjugados com as fotografias de fls. 21 a 23 e da informação de fls. 170 a 177.

De acordo ainda com o teor do exame pericial que consta de fls. 562 e ss e efectuado à arma aprendida em casa da arguida AA, não existem dúvidas que essa arma foi a mesma que foi utilizada na morte do BB.

Ora após a mesma ter sido usada e após as arguidas terem abandonado o local, essa arma é encontrada e apreendida no interior da casa da arguida AA, num dos quartos e colocada em cima de uma cama.

Tal circunstância fundamenta a nosso ver que a arguida AA tomou parte activa na produção dos factos, sendo que a mesma colaborou de forma determinante para a produção do resultado, possuindo domínio sobre os factos em relação aos quais teve intervenção. Pois a arguida tinha conhecimento que a arma estava guardada em sua casa, sendo que a arguida não era detentora de qualquer licença ou autorização e sabia que após a prática dos factos a arma estava na sua casa e que a mesma a continuava a deter fora das condições legais.

No que concerne aos factos dados como provados e indicados sob os factos
26° a 30°
, ou seja, relativos aos elementos de natureza subjectiva, o tribunal conjugou
toda a factualidade dada como provada
, com as regras da experiência comum, sendo que dúvidas não existem de que a actuação das arguidas se moveu por essa intencionalidade. Uma actuação como a que foi assumida pelas arguidas só apresenta essa justificação no âmbito de um padrão de normalidade e em função do que é expectável.

Não se descura que a actuação da arguida AA é mais acentuada,
po
is é a arguida AA que dá o alerta referente à presença das vítimas, é a arguida que conduz o veículo para o local e é a arguida a pessoa que tem em sua casa quer a arma, quer as munições. A arguida AA quando se desloca para o local age pois com a intenção de agredir o BB e de atentar contra a sua vida, tendo conhecimento que o indivíduo que as acompanha vai munido de uma arma municiada, arma cujas características conhece. A arguida participa na execução desse plano tendo previsto como possível a morte do BB. Não obstante a mesma actuou conformando com esse resultado.

A actuação da arguida DD assume igualmente relevância pois a mesma
acompanha a argu
ida AA e o outro individuo, apercebe-se que os mesmos vão para o local com uma arma, permanece no local e a tudo assiste. A arguida DD acaba ainda por agredir as vítimas. Estando presente a arguida nada faz para impedir a actuação da arguida AA e do outro individuo. A arguida presta assim com a sua presença auxílio moral e físico relevante para a execão dos propósitos da arguida AA e do outro individuo, a mesma face às circunstâncias de que tinha conhecimento sabia que das mesmas poderiam resultar a morte do BB. Não obstante conforma-se com esse resultado.

Resulta ainda do conhecimento geral que as condutas descritas são proibidas
e pun
idas por lei.

A versão que foi apresentada pela arguida AA e que em inquérito foi sustentada pelo depoimento prestado pela testemunha José Ramiro Bernardo, não logrou convencer o tribunal. A arguida declarou que esteve no local, acompanhada pela sogra e que quando se preparava para abandonar o local ouviu o som de um disparo, desconhecendo quem foi atingido e quem disparou.

Ora, esta versão é totalmente colocada em causa pela versão apresentada
pela testemun
ha CC, sendo que a vero apresentada pela testemunha CC é confirmada pelos demais elementos de prova e que se referem quer aos vestígios encontrados, quer no que se refere às lesões que a vítima mortal apresentava. A ocorrência dos factos de acordo com a descrição feita pela arguida não é compatível com esses mesmos vestígios, sendo que a versão da arguida não é confirmada por qualquer outro meio de prova.

Em sede de inquérito a testemunha UU assumiu que teria
sido o próprio a efectuar o disparo contra o veículo onde estava o BB e o CC
.

No entanto e conforme resulta do auto de reconhecimento que consta de fls. 80
e 8
1, a testemunha CC não o reconheceu como tendo estado no local. Por outro lado, ao mesmo e como consta dos autos foi feita recolha de vestígios para a determinação de resíduos de disparas através de Stubs. No entanto e conforme resulta do teor de fls. 596 a 598, não foram obtidos resultados significativos.

Por outro lado e como foi referido pelos inspectores da PJ a versão que o UU apresentava não era conciliável nem com a descrição que havia sido feita pela testemunha CC, nem com os vestígios que recolheram no local.

Pelo exposto a versão apresentada pela arguida AA não se afigurou credível.
Pa
ra a prova dos factos referentes aos antecedentes criminais da arguida AA e para a determinação da auncia de antecedentes da arguida DD, o tribunal atendeu ao teor dos certificados de registo criminal juntos aos autos a fls. 1231 e ss e de fls. 1239 e ss.

Para a determinação das condões pessoais e familiares das arguidas, o
tribu
nal atendeu ao declarado pelas arguidas sobre esta matéria e ao teor dos relatórios sociais juntos aos autos a fls. 1227 e ss e de fls. 1218 e ss.

De acordo com o teor desses relatórios sociais, o tribunal fundou a sua
co
nvicção em relação aos factos dados como provados e que constavam das contestações apresentadas por ambas as arguidas.

No que se refere aos fados dados como não provados tal circunstância ficou a
d
ever-se à falta de prova produzida em relação aos mesmos.

Ou seja, apesar de a testemunha CC e quando foi confrontado com a leitura
das declarações que prestou em sede de inquér
ito, ter afirmado que tinha ideia de que
o BB
teria referido que havia dado uma banhada a um cigano, a testemunha
CC não fo
i capaz de concretizar tal factualidade, sendo que a mesma não foi capaz
de estabe
lecer e com segurança uma relação entre a existência dessa "banhada" com o comportamento que foi assumido pelas arguidas em relação ao BB.

Por outro lado, essa versão dos factos não surgiu confirmada por outra prova.
Sendo que igualmente se afig
ura estranho que tendo o BB assumido esse comportamento, o mesmo se tenha deslocado por sua vontade para um local próximo do acampamento, ali tendo permanecido a consumir estupefacientes, mesmo após a sua presença ter sido detectada.

Pelo exposto, o tribunal deu como não provados os factos indicados nos factos
n
ão provados sob os n.º 1 a 4 e 13.

Relativamente aos demais factos dados como não provados, ai resultou da
c
ircunsncia de se ter considerado e face à prova produzida, que a intenção das arguidas e do indivíduo que as acompanhava, não foi a de privar os ofendidos da sua liberdade de movimentos, por se ter considerado que  essa limitação decorreu da actuação das arguidas no âmbito da sua intenção de agredirem e de atentarem contra a vida do BB, sendo que a contribuição da arguida DD foi ao nível do auxílio que prestou para se alcançar tal objectivo.

A circunstância de o veículo da arguida AA ter sido colocado de frente para o
veículo do CC
, impediu naturalmente que esse veículo fosse retirado do local pelo mesmo sítio por onde havia acedido ao interior do pinhal. No entanto e conforme o tribunal pode verificar na deslocação que fez ao local, esse caminho, se bem que o mais directo e de fácil acesso, não era o único que poderia ter sido utilizado.

Assim o que resulta da prova produzida é que o CC com a presença no local
do ve
ículo da arguida AA, não conseguia retirar o seu veículo, passando por esse
mesmo local
. No entanto não estava impedido de usar outras alternativas,
concretamente os caminhos e
xistentes à retaguarda. Entende-se que essa opção fosse difícil para a testemunha CC no quadro de actuação das arguidas e do indivíduo que as acompanhava.

No entanto e como se deixou sublinhado, a testemunha não estava impedida
de usa
r outras alternativas e não resultou provado que a intenção das arguidas fosse
d
irectamente a de privar os ofendidos da sua liberdade de locomoção, tendo essa limitação resultado da prática de actos necessários à execução do crime de homicídio.

Pelo exposto, a factualidade indicada resultou como não provada.

Das contestações apresentadas pelas arguidas não resultou provado qualquer
outro fac
to e com relevo para a decisão.

                                               *

3. – Como questão prévia que por razões de procedência se impõe apreciar desde já coloca a Sra. Procuradora-Geral Adjunta a da «nulidade» do acórdão recorrido  por nele detectar a «existência de erro notório na apreciação da prova e contradição insanável da fundamentação entre esta e a decisão, vícios contemplados no nº 2, als. b) e c) do art. 410º do CPP».

3.1 - Pacificamente a jurisprudência tem definido ao longo do tempo que os vícios enunciados no nº 2 do citado art. 410º CPP são vícios que respeitam tão somente à matéria de facto dada como provada e/ou não provada e ao modo como é feita a fundamentação sobre essa matéria de facto; ao modo como é analisada toda a prova e as conclusões, deduções ou consequências que a seu respeito são extraídas  e têm tradução no que se verte nos factos provados e não provados.

 Por isso se tem dito – para o que agora importa – de forma abundante, em configurações mais ou menos detalhadas, que «o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão ocorre quando se dá como provado e não provado determinado facto, quando ao mesmo tempo se afirma ou nega a mesma coisa, quando simultaneamente se dão como assentes factos contraditórios e ainda quando se estabelece confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto ou contradição entre a fundamentação e a decisão, quando a fundamentação justifica decisão oposta ou não justifica a decisão»[1]. E que «o erro notório na apreciação da prova consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto, quando a conclusão lógica, já por ofender princípios ou leis formulados cientificamente, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum das pessoas, já por se ter violado ou postergado um princípio ou regra fundamental em matéria de prova»[2].

Num já longínquo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1999.10.13[3] mas nem por isso menos actual e pertinente quanto seu ensinamento consignou-se: «O vício do erro notório só pode verificar-se relativamente aos factos tidos como provados ou não provados e não às intrpretações ou conclusões de direito com base nesses factos».

Trata-se, pois de anomalias da decisão ao nível da matéria de facto que são impeditivas de bem decidir, que viciam o silogismo judiciário criando disfuncionalidades e incoerência interna na decisão[4].

Claro está que uma coisa é a existência de vícios na conformação da matéria de facto, aí se incluindo a enunciação dos factos e a fundamentação a seu respeito, que influa, nos termos apontados, no segmento subsequente, o da apreciação jurídica levando à sua deformação intrinseca; outra é a ocorrência de uma deficiência de julgamento que possa formar-se não obstante a consistência do decidido e a correcção das opções tomadas a respeito dos factos, ou seja, um erro de direito.

Daqui decorre que os vícios a existirem afectam em primeira linha a eficácia da decisão da 1ª instância pois é aí que se faz a enumeração dos factos provados e não provados e a exposição concisa embora tão completa quanto possível dos motivos de facto com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Em princípio só se houver um diferente exame crítico da prova a que proceda a Relação, por efeito de recurso apropriado, e uma modificação da matéria de facto aí levada a cabo é que os vícios a que alude o nº 2 do art. 410º poderão ser objecto de consideração pelo STJ ou então, oficiosamente, quando apesar de a decisão da primeira instância chegar imodificada à fase que se designa por “revista alargada” seja detectado um qualquer dos sobreditos vícios, pois conhecer desses vícios é exercer o «poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto»[5] [6]. De outro modo, a «relação fecha, em definitivo, como regra, o ciclo do conhecimento da matéria de facto»[7].

Como se deixou dito de forma clara no Acórdão STJ de 2003.07.10[8] havendo primeiramente recurso de facto e de direito para a Relação apenas haverá recurso da decisão desta instância se ela não for irrecorrível «só que nesta hipótese o recurso – agora puramente de revista – terá que visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento de 1ª instância) embora se admita que, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias detectadas por iniciativa do Supremo para além do que tenha de aceitar-se já decidido defintivamente pela Relação, em último recurso, aquele se abstenha de conhecer do fundo da causa e ordene o reenvio nos termos processualmentre estabelecidos»

É o que resulta do disposto no art. 434º CPP.

A consequência da verificação de qualquer um dos sobreditos vícios é a prevista no art. 426º CPP. De duas uma, ou o vício pode ser remediado fazendo desaparecer o obstáculo a que a causa seja bem decidida ou, se tal não for possível, o processo é reenviado para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio (nº 1). Se o reenvio é decretado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito de recurso interposto, em 2ª instância, de acórdão da Relação ele é feito para esse tribunal (nº 2).

Estas breves considerações vêm a propósito da sugestão feita na questão prévia no sentido de ser decretada a nulidade do “acórdão recorrido” que é, naturalmente, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proposta essa que tal como está formulada, salvo o devido respeito, não surge como viável pois a consequência da verificação os vícios invocados seria o reenvio do processo para a Relação.

3.2 - São cabidas aqui, antes de analisar a argumentação expendida no “parecer” mais algumas considerações, também breves, sobre o dolo eventual e sobre a co-autoria.

3.2.1 - Como refere a Sra. Procuradora-Geral Adjunta o art. 14º C. Penal densifica as três diferentes formas que pode assumir o dolo. Importa aqui considerar o dolo directo e o dolo eventual. Relativamente àquele o nº 1 do artigo citado preceitua que «age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar». Sobre este dispõe o nº 3 do seguinte modo: «Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização.» 

Isto significa que o agente toma como sério o risco de possível lesão do bem jurídico, que o leva em linha de conta e que, não obstante, não omite a sua conduta podendo então concluir-se que está intimamente disposto a arcar com o seu desvalor[9].

«Considerar-se o perigo como sério significa que o agente calcula como relativamente alto o risco da realização do tipo. Deste modo obtém-se a referência à magnitude e proximidade do perigo necessária para a comprovação do dolo eventual. À representação da seriedade do perigo deve adicionar-se a exigência de que o autor se conforme com a realização do tipo (...) O dolo eventual integra-se, assim, pela vontade de realização concernente à acção típica (elemento volitivo) pela consideração do risco sério de produção do resultado e, em terceiro lugar, pela conformação com a produção do resultado, como factor de culpa»[10].

Consagrando-se no art. 14º, nº 3 C. Penal a designada doutrina da conformação deve-se associar-lhe o problema respeitante à ponderação da probabilidade. Só fará sentido afirmar que há uma atitude de conformação com a produção do resultado se a probabilidade de ocorrer a acção típica  com essa consequência for elevada, se tiver expressão, mas já assim não será se a possibilidade de realização for tida como remota ou insignificante[11].

3.2.2 - Já quanto à co-autoria cabe lembrar as suas características essenciais[12]: uma decisão conjunta que há-de ser revelada por “acções concludentes”; determinada medida [não “toda” a medida, portanto] de significado funcional da contribuição do co-autor para a realização típica ou, com outra forma de dizer, um certo “domínio do facto funcional” com a necessária definição e precisão do papel ou da função que cabe a cada co-autor na execução total do facto, qual a sua quota-parte da actividade total, realize ou não um elemento típico.

Diz-se assim que o co-autor toma parte na execução do plano material tornando-se, com os demais, senhor do facto sem que se torne necessária a  prática de todos os factos que integram o “iter criminis”.[13]

A decisão conjunta, o acordo, que é indispensável tendo em vista a obtenção de certo resultado pode ser expresso mas em muitas circunstâncias acaba por ser tácito[14] e por isso inferido de uma consciência e vontade prática de cooperação evidenciada entre aquilo que o co-autor faz por si e com os demais podendo até ser posterior ao início da execução no que doutrina e a jurisprudência designam por co-autoria sucessiva[15].

O que é essencial é, para o caso, que, como refere o Sr. Procurador-Geral Adjunto da Tribunal da Relação do Porto citando a doutrina[16] haja uma actividade delituosa que repousa no trabalho de um “conjunto” (team work) com domínio funcional do facto.

3.3 – Segundo a perspectiva da Sra. Procuradora-Geral Adjunta há factos que são contraditórios entre si pois tanto se dá como provado que a arguida AA e o individuo que a acompanhava actuaram em comunhão de esforços e intentos na produção da morte de BB como logo após se dá como provado que a arguida AA contribuiu para a produção do resultado morte de BB resultado que previu como possível e com o qual se conformou.

Os factos a propósito postos em destaque são os seguintes:

«5 - De imediato todos decidiram ir ter com os ofendidos, visando todos, em
comunhão de esforços
, meios e de intenções, ofender o corpo e a saúde do BB e do CC, se necessário mediante o uso de arma de fogo e mesmo atentar contra as suas vidas.

6 - Para o efeito e como o combinado o indivíduo de sexo masculino muniu-se
de uma arma de fogo que se encontrava g
uardada em casa da arguida AA.

.....................................................................................................................

26 - A arguida AA e o indivíduo de sexo masculino agiram em comunhão de esforços e intenções na produção da morte de BB a que o individuo de sexo masculino veio dar execução e fizeram-no com absoluto desrespeito pela condição humana do ofendido, não se coibindo de atentar contra a sua vida

27 - A arguida AA, ao conduzir a viatura Seat para o local dos
factos
, como previamente combinado, e ao colocá-la na frente da viatura dos ofendidos, com tal conduta, permitiu ao individuo de sexo masculino que efectuasse o disparo na direcção de BB, atentando contra a sua vida, como fez, quando este e ofendido CC tentaram, sem sucesso, fugir do local, contribuindo para a produção de tal resultado, o qual previu como possível e com o qual se conformou, agindo perfeitamente ciente do carácter proibido e punido da sua conduta.

Salvo o devido respeito afigura-se que aqui se delineia com clareza o essencial da participação da recorrente na forma concreta de co-autoria na medida em que se assume como «figura central do acontecimento[17]» tomando parte na execução do plano material «em comunhão de esforços e intentos». Mas há outros aspectos fácticos que importa sublinhar que suportam a conclusão àcerca da forma de comparticipação configurada e do acordo tácito a respeito da sucessão de acontecimentos.

Assim, foi a recorrente que num primeiro momento se apercebeu da presença de BB e do seu companheiro no local onde se vieram a desenrolar os acontecimentos; é a recorrente que volta ao local já acompanhada pela arguida DD e pelo terceiro individuo a quem dera conta da presença daqueles; a arma de que o terceiro individuo está munido encontrava-se  guardada em casa da recorrente pelo que é de concluir que o acesso à arma foi facilitado pela recorrente[18]; e não evidenciando sequer a sucessão violenta de acontecimentos que se foram desenrolando (cfr factos 12 a 16) o ponto decisivo que completa, digamos, a participação da recorrente na execução do plano que consiste na colocação do veículo em que se transportou de modo a bloquear qualquer hipótese de retirada da vítima e do seu companheiro naquele outro veículo em que se transportavam[19]. Ou seja, a sua actuação impediu a fuga daqueles que ainda a intentaram.

Para além disso, nas circunstâncias concretas, a recorrente não poderia deixar de prever que um disparo feito na direcção de qualquer uma das pessoas que ela e os seus acompanhantes molestavam não deixaria de ter efeitos devastadores, porventura fatais, para qualquer deles.

A conduta objectiva descrita foi pois levada a cabo com dolo eventual o que se conclui também de forma clara dos factos descritos.

Se todos os intervenientes activos visaram em comunhão de esforços e intentos atentar contra a integridade física de BB e de CC «e mesmo atentar contra as suas vidas» a recorrente, especificamente – que é quem agora interessa - «previu como possível» que viesse a ocorrer um disparo fatal «com o qual se conformou».

Desde que deu pela presença da vítima e do seu companheiro no pinhal e  alertou os demais intervenientes para esse facto a recorrente não deixou, desde logo, de contribuir para a presença da arma  carregada no local; nem para a colocação da viatura de modo a proporcionar que a vítima e o companheiro se retirassem; nem até de contribuir para as provocações e as agressões que precederam o disparo e que com naturalidade se podem considerar potenciadoras de um clímax de tensão que precipitou os acontecimentos quando a vítima  e o seu companheiro intentaram fugir.

Nesta perspectiva, perante o quadro factual desenhado de modo algum se poderia ter como “remota” ou “insignificante”, à luz do senso comum (conventional wisdom) a possibilidade de realização da acção típica. Toda essa sucessão de acontecimentos, esse clima de violência prévia em que a recorrente participou não podia deixar de ser tido como potenciador das possibilidades de a acção típica ocorrer.

Por conseguinte:

- não podia deixar de ser prevista pela recorrente a hipótese de lesão do bem jurídico e ainda assim esta não agiu de outro modo;

- era até altamente verosímil que de um ponto de vista objectivo toda a conduta viesse a produzir o resultado que produziu;

- perante a eminência da realização do tipo nenhuma manifestação objectiva de vontade da recorrente aconteceu para que o resultado não se produzisse.

Afigura-se assim que os factos dados como provados têm a consistência e a clareza suficiente para, do ponto de vista subjectivo,  configurar a actuação da recorrente na forma de co-autoria com dolo eventual sem erro notório na apreciação da prova e sem contradição insanável da fundamentação na “modalidade” de se terem dado como provados factos contraditórios vícios que a Sra. Procuradara-Geral Adjunta imputa à decisão.

E afigura-se outrossim que se não estabelece confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto que existiria no seguinte trecho dessa fundamentação por remeter, como se alega, para factualidade que preenche o dolo directo e em simultâneo para factos que preenchem uma actuação com dolo eventual.

«No que concerne aos factos dados como provados e indicados sob os factos
26° a 30°
, ou seja, relativos aos elementos de natureza subjectiva, o tribunal conjugou
toda a factualidade dada como provada
, com as regras da experiência comum, sendo que dúvidas não existem de que a actuação das arguidas se moveu por essa intencionalidade. Uma actuação como a que foi assumida pelas arguidas só apresenta essa justificação no âmbito de um padrão de normalidade e em função do que é expectável.

Não se descura que a actuação da arguida AA é mais acentuada,
po
is é a arguida AA que dá o alerta referente à presença das vítimas, é a arguida que conduz o veículo para o local e é a arguida a pessoa que tem em sua casa quer a arma, quer as munições. A arguida AA quando se desloca para o local age pois com a intenção de agredir o BB e de atentar contra a sua vida, tendo conhecimento que o indivíduo que as acompanha vai munido de uma arma municiada, arma cujas características conhece. A arguida participa na execução desse plano tendo previsto como possível a morte do BB. Não obstante a mesma actuou conformando com esse resultado

Se existe compatibilidade dos factos provados no tocante ao dolo eventual com que a recorrente actuou, como se deixou dito, o trecho atrás transcrito não trai, no essencial, a coerência desse segmento da decisão ainda que se lhe possa assacar alguma imprecisão nas considerações porque em rigor de considerações de natureza jurídica se trata sobre os factos provados, mais além, portanto, do que a fundamentação sobre o modo e o porquê de esses factos terem sido provados – o exame crítico da prova – imporia. O ponto essencial é, de toda a maneira, aquele segmento sublinhado em que se diz que a arguida participou na execução do plano tendo previsto como possível a morte do BB e não obstante actuou conformando-se com esse resultado. Se age com intenção de atentar contra a vida de BB é neste quadro de previsibilidade e conformação de realização daquela acção típica. É, pois, com dolo eventual.

A verdade, porém, é não obstante ter sido feito um percurso factual descritivo suficientemente claro, como se crê, para extrair a conclusão sobre a existência de uma conduta levada a cabo com dolo eventual e do qual, por conseguinte, haveria de emergir sem incoerência interna da decisão no tocante às subsequentes considerações de natureza jurídica – aos motivos de direito que fundamentaram a decisão – uma tal conclusão com reflexos mitigantes na graduação do grau de culpa e logo na menor gravidade da pena o certo é que embora de modo diferenciado quer a decisão da primeira instância quer a do Tribunal da Relação claudicaram nesse aspecto.

Percorrendo a decisão da 1ª instância lá se encontra uma descrição detalhada das razões pelas quais o tribunal concluiu que conduta da recorrente era enquadrável na figura da co-autoria (cfr fls  32-42 do acórdão que fazem fls.1384-1394 dos autos) e nela se descobrem até alguns trechos que estão em consonância com seu o enquadramento a título de dolo eventual como quando se diz que o plano ao qual a recorrente tinha aderido «passava por abordarem os ofendidos da forma como o fizeram, agredindo os mesmos fisicamente e até causarem a sua morte» (fls. 1392; sublinhado acrescentado); ou ainda quando, a seguir, se consigna que era «previsível para a arguida (...) que em consequência desse disparo pudesse resultar a morte da pessoa que foi alvo do mesmo (...) Não obstante a arguida nada fez para impedir a produção desse resultado conformando-se com o mesmo» (fls 1393; sublinhado acrescentado).

Contudo mais adiante para dar cumprimento ao disposto no art. 71º, nº 2 do C. Penal e ao  ponderar as circunstâncias com influência na determinação concreta da pena apenas se diz de forma seca e impenetrável que «contra a arguida milita ainda a circunstância de a mesma ter actuado com dolo». Assim, sem mais, o que parece pressupor uma imputação com dolo directo e então uma deficiência da decisão não obstante, como já referido, uma opção tomada correctamente a propósito da definição dos factos provados. Ou seja, um erro de direito.

Também de erro de direito se poderá falar então, este porventura mais  patente quando no acórdão recorrido, o do Tribunal da Relação, em que foi mantida integralmente a matéria de facto que vinha fixada da 1ª instância, ao ser reponderado o conjunto de circunstâncias com influência na determinação da pena se usa uma expressão eivada de alguma ambiguidade mas que não contempla, decerto, a actuação da recorrente com dolo eventual. Essa expressão é a seguinte: «Por outro lado, a culpa das arguidas (actuando, invariavelmente, com dolo directo) não encontra qualquer diminuição relevante (cfr fls 56 do acórdão que no processo faz fls. 1613/v; sublinhado acrescentado).

De todo o modo, assinalando embora a pertinência das observações posta na questão prévia não se afigura que se lhe possa conferir procedência. Sem embargo da correcção da sobredita deficiência, um erro de direito, em que laboraram as instâncias.

                                          *

4. – Posto isto há, então, que apreciar a matéria do recurso tal como a apresenta a recorrente.

4.1 - A primeira questão posta respeita à não verificação da co-autoria considerando que não estão preenchidos os respectivos pressupostos e que deve ser absolvida.

Na abordagem da questão prévia ficou analisada a imputação feita à recorrente da prática do crime de homicídio em co-autoria. Ficando também por consequência afastada a imputação na forma de cumplicidade. De notar, aliás, que não tem sequer suporte nos factos a alegação da recorrente de que apenas prestou auxílio ao terceiro indivíduo não identificado «sob o ascendente deste»[20].

A recorrente é, portanto, co-autora do crime de homicídio previsto e punido no art. 131º do C. Penal, cometido com dolo eventual e agravado pelos nºs 3 e 4 do art. 86º do Regime Jurídico das Armas e Munições punível com uma pena cujo mínimo é de 10 anos e 8 meses de prisão e o máximo de 21 anos e 4 meses de prisão.

4.2 – Na segunda questão colocada pretende a recorrente a modificação da medida da pena imposta invocando violação dos critérios previstos nos arts. 40º e 71º C. Penal e inadequada ponderação dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.

Se na fixação da concreta medida da pena hão-de ser atendidos os objectivos gerais de prevenção, geral (positiva) e especial e se há-de atender à medida da culpa impõe-se referir que na generalidade dos aspectos a ponderar a decisão da 1ª instância não merece reparo pois destacou as elevadas exigências de prevenção geral relativamente ao tipo de criminalidade em apreciação e pôs ainda o acento tónico no grande alarme social e no sentimento de rejeição que provoca.

Não resta dúvida, nesta perspectiva, que haverá que procurar restabelecer, através da pena, um sentimento de confiança na norma que pune tais condutas e no sistema em geral.

No tocante ao grau de ilicitude impõe-se destacar a lesão do bem jurídico mais relevante, a vida, em cuja supressão a recorrente teve papel preponderante, como já assinalado, com essa lesão a ocorrer em condições objectivas de superioridade numérica e em razão da arma para lá da enorme responsabilidade que teve na “montagem” da operação que culminou com a morte da vítima.

Há, porém, uma diferença importante a estabelecer em relação à decisão das instâncias e que tem a ver, como referido supra, com a ponderação da intensidade do dolo. A recorrente actuou com dolo eventual e isso tem um considerável efeito mitigante no grau de culpa e logo na modelação, menos grave, da medida da pena.

Apesar disso não é possível deixar de ter em atenção a falta de ponderação pela recorrente da elevadíssima probabilidade de risco de ocorrer um desenvolvimento dos acontecimentos que culminasse com a morte quer da vítima quer até do seu acompanhante.

São ainda de relevar as condições pessoais da recorrente onde se destaca negativamente a ausência de perspectivas de índole profissional ou ocupacional e a conduta anterior aos factos em que sobressaem os seus antecendentes criminais, embora ao nível da pequena criminalidade (detenção de arma, coacção agravada, dano e condução sem habilitação legal).

Entende-se por isso, necessária, adequada e proporcional a fixação da pena pelo crime de homicídio em 11 anos e 6 meses de prisão.

A alteração desta pena implica uma modificação da pena única mediante a reformulação do cúmulo jurídico sendo certo que não vem posta em causa a pena parcelar imposta pelo crime de detenção de arma pena essa que foi fixada em 1 ano e 6 meses de prisão.

O art. 77º, nº 1 do C. Penal estabelece que o critério específico a usar na fixação da medida da pena única é o da consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente mas também neste domínio se impõe ter presente o critério geral estabelecido no art. 40º do diploma citado: com a imposição da pena procura-se alcançar uma tanto quanto possível eficaz protecção dos bens jurídicos bem como a reintegração do agente. E, para tanto, ponderar as exigências de prevenção quer geral quer especial que, conjugadas, hão-de ter a aptidão necessária e bastante para impedir a prática de novos crimes. Tendo ainda como critério adjuvante a culpa do agente.

Para fixar a imagem global do facto que dê uma medida correcta no plano da ilicitude e da culpa mas também da personalidade da recorrente, tomando em consideração os factos praticados, sobressai a gravidade do ilícito global perpetrado, naturalmente, onde não pode deixar de ser tido em conta, além do mais, todo o cenário de violência gratuita que antecedeu a morte da vítima mas também a conexão entre esses factos e os antecedentes criminais referidos que, a um certo nível, não deixam de reflectir uma personalidade conflituosa e propensa ao extravasar de comportamentos agressivos sem que ainda se possa falar de uma “carreira criminosa” que implicaria um efeito agravante na fixação da pena única.

Razão pela qual se entende adequado fixar essa pena única em 12 anos de prisão.

                                                *

5. – Em face do exposto decide-se:

A) Julgar improcedente a questão prévia suscitada pela Sra. Procuradora-Geral Adjunta.

B) Julgar parcialmente procedente o recurso condenando a recorrente AA como co-autora material de um crime de homicídio agravado previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 26° e 131º do Código Penal e 86°, nº 3, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições,  aprovado pela Lei nº 5/2006, na pena de onze (11) anos e seis (6) meses de prisão.

C) Condená-la em cúmulo desta pena com a que lhe foi imposta pelo crime de detenção de arma proibida na pena única de doze (12) anos de prisão.

Sem tributação.

Feito e revisto pelo 1º signatário.

Nuno Gomes da Silva (Relator)
Francisco Caetano

                                                           

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[1] Acórdão STJ de 2006.04.20, proc 06P363.
[2] Cfr Acórdão citado.
[3] CJ STJ 3/99, pag. 184.
[4] Acórdão STJ de 2013.07.04 (e jurisprudência aí citada), proc 1243/10.4PAALM.L1.S1.
[5] AFJ 10/2005, DR Série I-A, de 2005.12.07
[6] Cfr sobre os limites de intervenção do STJ no plano fáctico e especificamente sobre a verificação dos vícios do art. 410º, nº 2 o Acórdão STJ de 2012.07.12 em que além do mais é feita abundante recensão da jurisprudência. pertinente.
[7] Citado Acórdão de 2013.07.04
[8] Proc 03P399
[9] Cfr Figueiredo Dias, “Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª ed. pag. 372.
[10] Ac.STJ de 2010.10.20, proc 3554/02.3TDLSB.S2
[11] Cfr Figueiredo Dias, ob cit., pag. 373.
[12] Cfr Figueiredo Dias, ob cit., pags. 791-795.
[13] Cfr, v.g., Ac. STJ de 2013.07.04, proc 1243/10.4PAALM.L1.S1.
[14] Cfr citado Ac. de 2013.07.04.
[15] Cfr Figueiredo Dias, ob. e loc cit e Ac. STJ de 2013.06.12, proc 624/10.0TACTB.C1.S1.
[16] “Código Penadlparte geral e especial” de Manuel Miguez Garcia e J.M Castela Rio, na nota 4, al. d) da pag 194.
[17] Cfr Figueiredo Dias, ob cit. pag 766.
[18] No facto 6 se diz que «como combinado» o terceiro individuo muniu-se da arma de fogo que estava guardada em casa da recorrente.
[19] Cfr além do facto 27 também o facto 8.
[20] Cfr ponto 18 da motivação e alínea c) das respectivas conclusões.