Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | HENRIQUES GASPAR | ||
Descritores: | RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA INCIDENTES DA INSTÂNCIA DECISÃO QUE PONHA TERMO AO PROCESSO | ||
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Nº do Documento: | SJ200502160045513 | ||
Data do Acordão: | 02/16/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | REJEITADO O RECURSO. | ||
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Sumário : | 1ª A decisão do tribunal da Relação proferida, não como instância formal de recurso, mas como instância de decisão no processo, em outro grau, sobre questão incidental cujo conhecimento a lei lhe defira, não se integra em qualquer das hipóteses de recurso para o Supremo Tribunal do Justiça previstas no artigo 432° do Código de Processo Penal (CPP). 2ª Não se trata, de decisão proferida pela relação em primeira instância (artigo 432°. n° 1. alínea a), do CPP), isto é, em que a competência em razão da matéria e da hierarquia para a decisão do caso e do objecto do processo caiba, em primeiro grau de conhecimento, e segundo as leis de organização e competências dos tribunais, aos Tribunais da relação, e não constitui também situação que se enquadre nas alíneas c), d) e e) do artigo 432° do CPP. 3ª A alínea b) do artigo 432º do CPP tem de ser interpretada em equilíbrio sistémico com o artigo 400°. n° l, alínea c) do CPP. 4ª A norma da alínea c) do n° l do artigo 400°, quando se refere a decisões proferidas, em recurso, pelas relações, que não tenham posto termo à causa, quer significar que a competência em razão da hierarquia para proferir decisões que não ponham termo à causa cabe às relações, que decidem, em matérias interlocutórias, em última instância - quer seja decisão proferida em recurso, quer seja por ocasião de um recurso ou por intervenção incidental directamente deferida pela lei. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. No âmbito de carta rogatória internacional, procedente de autoridade judiciária do Cantão de Genebra (Suíça), onde se procede à investigação de crimes de furto e de utilização fraudulenta de um computador, em que é arguida A, a Juiz de Instrução Criminal do tribunal da comarca de Almada (2° Juízo) decidiu, ao abrigo do art° 182° do CPP, que o BPI (agências do Porto e de Almada) e a Caixa Geral de Depósitos (CGD) remetessem, no prazo de dez dias, elementos bancários relativos àquela arguida (respeitantes à abertura e extractos de contas bancárias, relativos ao período de 1/1/2001 até 30/7/2003). Na sequência do que foi determinado, a CGD veio dizer que não lhe era possível satisfazer o pedido, argumentando que não vinha invocada a ilegitimidade de anterior recusa, nos termos do n° 2 do art° 135° do CPP, nem aquela constituía ordem de um tribunal superior para prestação da informação solicitada com quebra do dever de segredo, nos termos do n° 3 do citado artº 135° do CPP, por força da alínea e) do nº 2 do art° 79° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (Decreto-Lei. n° 298/92, de 31 de Dezembro). Perante a recusa da CGD, a Juiz, por despacho de 27/07/04, sustentando a imprescindibilidade de tais informações bancárias para a investigação criminal aludida, solicitou, ao abrigo do citado art° 135°, n° 2 do CPP, “ex vi” do art° 182°, n° 2, do mesmo diploma legal, ao Tribunal da Relação de Lisboa que «...ordene à C.G.D. que preste os elementos pretendidos». 2. O Tribunal da Relação, todavia, considerou que «compete naturalmente ao tribunal de 1ª instância, verificados que se mostrem os respectivos pressupostos formais e substanciais, determinar a quebra do sigilo bancário», acrescentando «que o n° 3 do art° 135° do Cód. Proc. Penal visa tão só assegurar uma segunda instância, naturalmente residual, para os casos em que o tribunal de 1ª instância, embora pendendo para o reconhecimento da legitimidade formal e substancial da recusa, continue a ter fundadas dúvidas quanto a ela». E, em consequência, decidiu «não tomar conhecimento do incidente». 3. Não se conformando com a decisão do tribunal da relação, a CGD recorre para este Supremo Tribunal, fundamentando o recurso nos termos da motivação que apresenta e que, em síntese, e no relevante, refere que não estando em causa a investigação de um crime coberto por lei especial derrogatória do segredo bancário (nem tendo sequer tal lei sido invocada), e não tendo sido obtido consentimento da titular do interesse protegido, o presente caso enquadra-se na hipótese da quebra do segredo mediante incidente, em que se afira do interesse preponderante; e uma vez suscitado o incidente de quebra de sigilo bancário previsto no art. 135º, nº 3 do CPP pelo Tribunal a quo, caberia ao tribunal imediatamente superior, in casu, à Relação de Lisboa, a decisão sobre a eventual quebra do segredo bancário previsto no art. 78° do Decreto-Lei n° 292/92, de 31 de Dezembro. Tal solução será, no entender da recorrente, a única que se mostra compatível com a reserva de competência consagrada pelo art. 135°, n.° 3, conjugado com o art. 12°, n.° 2, alínea g), ambos do CPP. Pede, pois, a revogação do acórdão recorrido, com a substituição por outro que determine que o Tribunal da Relação conheça do incidente suscitado, procedendo a uma ponderação do interesse preponderante, com eventual quebra do segredo bancário. O magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu à motivação, concluindo que «não é susceptível de recurso o acórdão [da] Relação que não tomou conhecimento de incidente de quebra de sigilo bancário nos termos do art° 135°, n° 2 do CPP, por se reconhecer competente o juiz da 1ª instância uma vez que, nos termos da alínea c) do n° l do art° 400° do CPP, não pode haver recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não ponham termo á causa». 3. Neste Supremo Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se refere o artigo 416º do Código de Processo Penal, foi de parecer que o recurso não é admissível, por força do disposto no artigo 400º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal. Notificada, a recorrente nada disse. 4. Colhidos os vistos, o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir. O sistema de recursos em processo penal erguido pela reforma do processo introduzida pela Lei n° 59/98, de 25 de Agosto, assenta em pressupostos e objectivos de tripla ordem, que revelam uma coerência interna do modelo escolhido: i) garantia absoluta de um segundo grau de jurisdição, na concretização da inscrição constitucional do direito ao recurso como expressa garantia de defesa (art. 32°, n° 1, da Constituição); ii) recurso da matéria de facto para o tribunal da relação e da matéria de direito para o Supremo Tribunal; iii) determinação da competência do tribunal de recurso pela competência e formação do tribunal a quo. Esta tripla ordem de pressupostos e objectivos gerais é temperada, na concordância prática entre a concretização dos direitos processuais dos interessados e os interesses em presença, por uma acomodação entre a garantia da integridade do direito ao recurso e imposições de racionalidade e bom uso dos meios disponíveis, nos casos que, em função da natureza que revestem e da existência de uma identidade de decisões, não seria justificado um segundo grau de recurso ou terceiro grau de jurisdição. Assim, todas as decisões proferidas no processo penal, e que não tenham a ver com poderes do juiz de imediata ordenação processual (decisões de expediente ou que dependam da livre discricionariedade do juiz), são recorríveis - concretização efectiva do direito ao recurso no art. 400° do CPP. O tribunal de recurso é directamente determinado, em primeiro lugar, pela competência do tribunal a quo e pelo âmbito do recurso - das decisões finais do tribunal do júri recorre-se directamente para o Supremo Tribunal, e também das decisões finais do tribunal colectivo quando o recurso visar exclusivamente o reexame da questão de direito (art. 432°, alíneas c) e d) do CPP); das decisões do juiz singular e das decisões finais do tribunal colectivo visando também matéria de facto, recorre-se para o tribunal da relação (artº 427° do CPP). A delimitação dos casos que justificam a intervenção do Supremo Tribunal está, assim, primeiramente determinada pela competência objectiva do tribunal colectivo. Por fim, na necessária compatibilidade entre o direito e a racionalidade dos meios segundo critérios de concordância prática, a coerência interna do sistema efectiva-se através da não admissibilidade de um terceiro grau de jurisdição nos casos em que, pela natureza dos crimes em causa ou pela igual pronúncia em duas instâncias com as inerentes garantias de razoabilidade e certeza da decisão, a integridade do direito ao recurso fica suficientemente assegurada. A coerência interna do modelo deve estar, pois, traduzida nas disposições da lei de processo, que, por isso, têm de ser interpretadas partindo da letra com a adjuvação dos critérios que presidiram à matriz do sistema de recursos em processo penal (cfr. v. g. acórdão do STJ, de 21/Jan/04, na CJ (STJ), Ano XII (2004), tomo I p. 178). Da conjugação das normas dos artigos 400º, 427º e 432º do Código de Processo Penal resulta que decisões de natureza processual ou que não ponham termo ao processo não são recorríveis para o Supremo Tribunal. Pressuposto do recurso para o Supremo Tribunal (salvo casos específicos que a lei especialmente preveja - artigo 433º do Código de Processo Penal) é, pois, a natureza da decisão de que se recorre: decisões finais e não decisões sobre questões processuais avulsas (salvo, por razões de racionalidade intraprocessual, quando o recurso de decisões interlocutórias suba com recurso que deva ser do conhecimento do Supremo Tribunal - artigo 432º, alínea f) do CPP). É a razão e o sentido da norma do artigo 400º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal. Como pode haver recurso de todas as decisões que não sejam de expediente ou que não dependam da livre discricionariedade do juiz, e, por regra, o recurso é interposto para as relações, as decisões proferidas por estas, em recurso, que não ponham termo à causa, não são recorríveis, pois o processo não termina, podendo ter, na sequência, outras decisões, designadamente a decisão final, submetida, então, às regras gerais dos recursos. Em tais casos, a garantia do recurso não exige e a racionalidade do modelo não seria compatível com a previsão de recurso até ao Supremo Tribunal para decisão de questões processuais intermédias que não definem o direito do caso, mas apenas determinam um certo modo de ordenação e sequência processual. Mas se é assim, a mesma razão valerá para os casos em que a relação intervenha, não como instância formal de recurso, mas como instância de decisão no processo, em outro grau, para questão incidental cujo conhecimento a lei lhe defira. Na coerência e racionalidade do sistema, não há razão para distinguir entre uns e outros casos. Deste modo, a decisão que concretamente está em causa não se integra em qualquer das hipóteses previstas de recurso para o Supremo Tribunal (artigo 432º do CPP). Não se trata, de decisão proferida pela relação em primeira instância (artigo 432º, nº 1, alínea a), do CPP), isto é, em que a competência em razão da matéria e da hierarquia para a decisão do caso e do objecto do processo caiba, em primeiro grau de conhecimento, e segundo as leis de organização e competências dos tribunais, aos tribunais da relação, Não constitui também, é manifesto, situação que se enquadre nas alíneas c), d) e e) do artigo 432º do CPP. Resta a alínea b) desta disposição. Mas, a conjugação das normas da alínea b) do artigo 432º e do artigo 400º, nº 1, alínea c) do CPP tem de ser interpretada em equilíbrio sistémico do regime dos recursos. Nesta perspectiva, a norma da alínea c) do nº 1 do artigo 400º, quando se refere a decisões proferidas, em recurso, pelas relações, que não tenham posto termo à causa, quer significar, salvo contradição interna do sistema, que a competência em razão da hierarquia para proferir decisões que não ponham termo à causa cabe às relações, que decidem, em matérias interlocutórias, em última instância - quer seja decisão proferida em recurso, quer seja por ocasião de um recurso ou por intervenção incidental directamente deferida pela lei. Não faria, nesta aspecto, qualquer sentido que as relações decidissem definitivamente, em recurso, uma questão instrumental que não põe termo à causa, e não já quando, a propósito de questão da mesma natureza e efeitos processuais, a relação decide sobre a sua própria competência, devolvendo a decisão à 1ª instância (de cuja decisão poderá, obviamente, caber depois recurso). O artigo 400º, nº 1, alínea c), do CPP abrange, assim, todas as decisões interlocutórias, subtraindo-as à competência do Supremo Tribunal (salvo, como se referiu, e por razões de eficácia e racionalidade processual, quando o recurso de decisões interlocutórias tenha de subir com o recurso para cujo conhecimento seja competente o Supremo Tribunal). Só assim, não será, por razões de conformidade constitucional com a garantia de defesa que o recurso também constitui, quando seja caso de decisões que afectem directa, imediata e substancialmente, direitos fundamentais do arguido, como sejam as decisões relativas à aplicação de medidas de coacção privativas da liberdade (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional de 30 de Novembro de 2004, DR, II série, de 18 de Janeiro de 2005). Nestes termos, por não ser admissível, rejeita-se o recurso. Lisboa, 16 de Fevereiro de 2005 Henriques Gaspar Antunes Grancho Silva Flor |