Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00033129 | ||
Relator: | MARIO CANCELA | ||
Descritores: | ACESSÃO INDUSTRIAL | ||
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Nº do Documento: | SJ199804160001622 | ||
Data do Acordão: | 04/16/1998 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N476 ANO1998 PAG428 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR REAIS. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ARTIGO 1340 N1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1996/03/05 IN CJSTJ ANOIV TI PAG129. | ||
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Sumário : | Autorizada pelo dono a construção em terreno alheio, para efeitos da acessão, os valores a confrontar são o das obras e o do terreno ocupado por elas e não do todo original. A autorização implica, desde logo, um desmembramento em duas fracções economicamente autónomas. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: A e marido B intentaram contra C uma acção com processo ordinário alegando, em síntese, que autorizados pela ré construíram numa parcela de terreno com a área de 280 metros quadrados que faz parte de um prédio misto de que a mesma ré é proprietária, uma edificação urbana. Na altura da construção a parcela não valia mais de 280000 escudos mas após a implantação da construção passou a valer uma quantia não inferior a 4280000 escudos. Concluíram pedindo: a) que se declare que são os únicos e legítimos proprietários da construção urbana; b) que se condene a ré a reconhecer esse direito; c) que se declare que uma vez paga pelos autores à ré a quantia de 280000 escudos como valor da parcela, os mesmos autores adquiriram com efeitos retroactivos desde 1991 a propriedade plena e exclusiva da mesma parcela; d) que se fixe um prazo não inferior a oito dias para os autores consignarem em depósito o valor do terreno a que a ré tem direito ficando a transmissão da propriedade do terreno dependente do pagamento desse valor. Na contestação a ré alegou que os autores nada edificaram no seu prédio misto. Apenas há cerca de ano e meio ampliaram uma extensão de 65 metros quadrados a casa de rés-de-chão onde a ré habita e habitou com seu falecido marido. Fizeram, no entanto, as obras sem autorização da ré e contra a sua vontade. A totalidade do prédio da ré não vale menos de 20000000 escudos e as obras levadas a efeito pelos autores acrescentaram-lhe um valor não superior a 1250000 escudos. Efectuado o julgamento foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a ré do pedido. Inconformados, os autores interpuseram recurso dessa decisão mas sem êxito pois a Relação confirmou-a. Novamente inconformados recorreram de revista e na sua alegação apresentaram as seguintes conclusões: 1. Os autores construíram à sua custa uma casa de habitação onde despenderam 1500000 escudos em 56 metros quadrados de terreno pertencente à ré, terreno avaliado em 168000 escudos; 2. A construção foi executada com consentimento e conhecimento da ré, dona de um prédio urbano com quintal avaliado em 20000000 escudos; 3. Os autores acrescentaram uma mais valia ao terreno que lhes confere o direito de o fazer seu pagando o respectivo preço; 4. No acórdão recorrido violou-se o disposto no n. 1 do artigo 1340 do Código Civil. Em contra-alegação, a ré pronunciou-se no sentido de que a revista deve ser negada. Tudo visto, cumpre decidir. I - As instâncias deram como provados os seguintes factos: a) A ré é dona do prédio urbano, composto de casa com um pavimento e quintal, que confronta do norte com D, do sul e nascente com caminho e do poente com E, sito no lugar da Cova, freguesia de Galegos, S. Martinho, inscrito na matriz predial sob o artigo 102; b) Em parte deste prédio, a ré autorizou que os autores construíssem uma casa; c) Os autores foram, aí, construindo uma casa de habitação, a pouco e pouco, com a ajuda dos filhos e colegas de trabalho, do autor marido, após os horários normais de trabalho; d) Essa casa de habitação é constituída por vão, ao nível do rés-do-chão e andar e ocupa uma área no terreno de 56 metros quadrados; e) Os irmãos da autora mulher nunca se opuseram a que os autores fizessem a casa para nela habitarem; f) Os autores gastaram, pelo menos, 1500000 escudos, na construção da casa, em mão de obra e materiais; g) O valor do terreno, com a área de 56 metros quadrados, onde essa casa foi implantada há cerca de cinco anos era, à data da construção, de, pelo menos, 3000 escudos por metro quadrado; h) O prédio da ré situa-se em zona de grande agregado habitacional, onde os terrenos destinados a construção têm um valor não inferior a 3500 escudos por metro quadrado, tendo ele, na sua globalidade, um valor aproximado de 20000000 escudos. II - O artigo 1340 do Código Civil dispõe no seu n. 1 que "se alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio, ou nele fizer sementeira ou plantação, e o valor que as obras, sementeiras ou plantações tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações". Só pode, portanto, o dono da obra adquirir a propriedade do terreno se este, em consequência das obras, tiver ficado valorizado em montante superior ao seu valor anterior. III - Mas, a valorização resultante das obras deve comparar-se com o valor de todo o terreno ou, apenas, com o valor do terreno onde foram feitas? Não definindo a lei o que deva entender-se por prédio para efeitos de acessão e admitindo o fraccionamento de terrenos quando destinados a construção, os limites de acessão deverão ser determinados por um critério económico, nada impedindo que, com autorização do dono do terreno, surja um prédio novo distinto daquele donde foi desanexado. Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, "para o confronto dos valores, há que atender, como diz a lei, à totalidade do prédio e não apenas a parte beneficiada. Como na nova lei não se diz o que é um prédio, os seus limites terão de ser fixados por um critério económico: saber o que constitui para o seu dono, economicamente, uma unidade (vid. Código Civil Anotado, volume III, 1. edição, página 149); E sendo os limites do prédio para efeitos de acessão industrial imobiliária fixados por um critério económico, a acessão pode ocorrer em relação a parcelas de prédios. A acessão abrange apenas a fracção em que o dono autorizou a construção desde que da construção em terreno alheio resultem duas unidades económicas independentes, a constituída por esse prédio e a constituída pelo terreno sobrante. Após a construção, a parcela perde autonomia passando, construção e solo, a formar, uma nova unidade, ou seja, um prédio urbano. Neste caso, o construtor adquire apenas a parcela respeitante ao edifício. IV - A ré autorizou que os autores construíssem uma casa de habitação em parte do seu prédio, casa essa que ocupa uma área de 56 metros quadrados. Ao conceder tal autorização, a ré quis, sem dúvida, que fossem criadas duas unidades económicas distintas, sendo uma aquela em que iria assentar o edifício que os autores iriam construir e outra a parte restante do prédio. A autorização da construção implicou a desanexação da parcela e que após a desanexação e a construção a mesma passasse a constituir um prédio distinto daquele de que fazia parte. Construção e solo passaram a formar uma nova unidade, ou seja um prédio urbano. Assim, o valor a atender para efeitos de acessão é, apenas, o do terreno em que as obras levadas a efeito foram incorporadas, ou seja, o valor dos 56 metros quadrados. Conforme se diz no acórdão deste Supremo Tribunal de 5 de Março de 1996 e em que intervieram dois dos subscritores do presente acórdão "pode considerar-se, em sede de interpretação do artigo 1340 que quando ali se fala em "prédio", o que se tem efectivamente em vista é a nova unidade económica surgida com as obras e a ela se limitando o direito de acessão "(vid. Colectânea de Jurisprudência - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ano IV, T.1, páginas 129 e seguintes). O valor do terreno onde foi implantada a casa dos autores é inferior ao da construção valendo cada metro, à data da construção, 3000 escudos, isso significa que o valor da parcela são 168000 escudos. Tendo os autores gasto, pelo menos, 1500000 escudos na construção da casa, em mão de obra e materiais, o valor da construção é superior ao de todo o terreno em que a ré autorizou a construção. V - As obras foram feitas de boa fé, uma vez que a ré autorizou a construção. A boa fé, na acessão, consiste no desconhecimento de que o terreno é alheio ou na autorização para a construção concedida pelo dono dele. VI - Havendo boa fé e sendo o valor das obras superior ao do terreno em que foram incorporadas, assiste aos autores o direito de acessão. Assim concede-se a revista e, em consequência, declara-se que os autores são os únicos e legítimos proprietários da casa de rés-do-chão e andar identificada na petição inicial e condena-se a ré a reconhecer esse direito. Declara-se, ainda, que, uma vez pago o valor de 168000 escudos, os autores adquiriram, com efeitos retroactivos desde 1991 a propriedade plena e exclusiva da parcela de terreno com a área de 56 metros quadrados. A importância de 168000 escudos deverá ser depositada na Caixa Geral de Depósitos no prazo de oito dias. Custas, quer no Supremo quer nas instâncias pela recorrida. Lisboa, 16 de Abril de 1998 Mário Cancela, Sampaio da Nóvoa, Costa Marques. Decisões impugnadas: I - Tribunal de Barcelos, 2. Juízo - 4. Secção - Processo 195/93 II - Tribunal da Relação do Porto - 5. Secção - Processo 588/97. |