Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
128/22.6GDSNT-N.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: CELSO MANATA
Descritores: HABEAS CORPUS
PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
CONTAGEM DE PRAZOS
CONDENAÇÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
COARGUIDO
Data do Acordão: 06/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO
Sumário :
I - De acordo com o princípio de unidade processual do prazo das medidas de coação, este prazo é único num mesmo processo: não existem vários prazos, um para cada fase, antes um único prazo, contado a partir do início da execução da medida, que se dilata conforme o processo passa para a fase seguinte, ou seja, há um limite máximo de prisão preventiva até que se atinja um dado momento processual, sendo que, uma vez chegados a uma nova fase processual, deve atender-se ao prazo máximo correspondente a esta nova fase, ainda que, por vicissitudes várias, o processo tenha de voltar a uma fase adjetiva anterior;
II - Tendo o requerente sido preso preventivamente a 15 de dezembro de 2022 e tendo o Tribunal da Relação de Lisboa confirmado condenação do mesmo na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão, o prazo máximo dessa medida de coação apenas alcançará o seu termo a 15 de setembro de 2025 (art. 215º, nº 6 do Código de Processo Penal);
II - É irrelevante para a contagem do prazo da prisão preventiva o recurso interposto, por um seu co-arguido, para o TC.
Decisão Texto Integral:

Acordam, na 5ª secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I – RELATÓRIO

1. O Pedido


AA, arguido no processo acima identificado e preso preventivamente à ordem desses mesmos autos, veio requerer a providência de Habeas Corpus, “ao abrigo e para os efeitos do disposto no artº 222º nºs 1 e nº 2 alínea c) do CPP “, com os seguintes fundamentos (transcrição integral):


“1º


Em 15 de dezembro de 2022, foi ordenada a prisão preventiva do requerente à ordem do processo acima identificado.





Por factos que, no entender daquela decisão, integram a prática, pelo requerente,” em concurso efectivo, nos termos do artigo 30.º do Código Penal: Em autoria material, na forma consumada, nos termos dos artigos 13.º, 14.º, n.º 1, e 26.º, todos do Código Penal NOVE crimes de furto qualificado, a, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, alíneas b) e h), ambos do Código Penal; DOIS crimes de abuso de cartão de garantia ou pagamento, p. e p. pelo artigo 225.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal; UM crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 25.º, alínea a), por referência à Tabela I-C anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e ao mapa referente ao artigo 9.º da Portaria n.º 94/96, de 26 de Março; Em autoria material, na forma tentada, nos termos dos artigos 13.º, 14.º, n.º 1, e 26.º, todos do Código Penal: UM crime de abuso de cartão de garantia ou pagamento, p. e p. pelo artigo 225.º, n.os 1, alínea b), e 3, do Código Penal; Em co-autoria material, na forma consumada, nos termos dos artigos 13.º, 14.º, n.º 1, e 26.º, todos do Código Penal: CINCO crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, alíneas b) e h), ambos do Código Penal; UM crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, e do Código Penal; Em co-autoria material, na forma tentada, nos termos dos artigos 13.º, 14.º, n.º 1, 22.º, 23.º e 26.º, todos do Código Penal: DOIS crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, alíneas b) e h), ambos do Código Penal”.





Por Despacho de 15/04/2024, foram reexaminados os pressupostos da prisão preventiva e determinado a manutenção daquela medida de coação, porquanto “Os arguidos foram ambos condenados por acórdão não transitado em julgado, não se encontrando esgotado o prazo legal máximo de admissibilidade de medida privativa da liberdade (1 ano e 6 meses), nos termos do disposto no artigo 215.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, que ocorrerá em 15/06/2024. Pelo exposto, procedendo ao seu reexame, nos termos do artigo 213.º, do CPP, mantêm-se inalteradas as medidas de coação aplicadas aos dois arguidos e, em consequência, determina-se que os arguidos continuem a aguardar os ulteriores termos do processo na situação em que se encontram e nos exactos termos em que foram decretadas.”





É, pois, desde 15 de dezembro de 2022, que o requerente se encontra ininterruptamente sujeito à medida de prisão preventiva.





Encontra-se, portanto, em prisão preventiva há 1(um) ano e 6(seis) meses.





Que é o prazo legal de duração máxima da prisão preventiva, conforme artº 215º nº2 b) do CPP.





Assim sendo, o prazo máximo de admissibilidade de prisão preventiva esgotou-se em 15/06/2024.





O artº 28º nº 4 da CRP, confere aos prazos máximos de prisão preventiva a dignidade de imperativo Constitucional.





O recorrente recorreu para o Tribunal de Relação, do acórdão de condenação em 1ª instância, recurso admitido em 21 de janeiro de 2024.


10º


O recurso foi considerado não provido, por decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07 de maio de 2024.


11º


Por Despacho de 03 do corrente, foi admitido o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, apresentado pelo co-arguido BB, com subida imediata e com efeito suspensivo, nos termos do artº 78º nº 4 da Lei Orgânica nº 28/82 de 15 de Novembro (LTC).


12º


Este Despacho foi notificado ao arguido ora requerente, em 06 do corrente mês.


13º


Ora, nos termos do artº 70º nº 1 alínea i) da referida Lei, sobre decisões que admitem recurso” Que recusem a aplicação de norma constante de ato legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional.”


14º


Conforme o artº 74º nº 2º da LTC “O recurso interposto por um interessado nos casos previstos nas alíneas a), c), d), e), g), h) e i) do n.º 1 do artigo 70.º aproveita aos restantes interessados.”


15º


E ainda conforme o artº 78º nº 4 da LTC sobre os efeitos e regime de subida “Nos restantes casos, o recurso tem efeito suspensivo e sobe nos próprios autos”


Interposto


16º


Assim sendo, o recurso interposto para o Tribunal da Relação, pelo Requerente, não transitou em julgado.


17º


Nesta conformidade e dados os efeitos suspensivos extensivos atribuídos pela LTC ao re-corrente, co-arguido no processo, extinguiu-se, nesta data, a prisão preventiva a que tem estado sujeito o arguido e por consequência, deve ser de imediato colocado em liberdade.


18º


Por isso, encontramos fundamentos bastantes quer de Direito quer de Facto para que a presente providência seja procedente.


19º


Ademais o requerente encontra-se numa situação que peca por idoneidade processual e, que por ser atual, legitima o seu pedido de Habeas Corpus.


Nestes termos e nos mais de direito, deve a presente providência de Habeas Corpus proceder, sendo declarada a ilegalidade da prisão e, consequentemente, ordenada a imediata libertação do requerente, nos termos do artº 217º nº1 do CPP.

2. A informação judicial


A 17 de junho de 2024, em obediência ao disposto no artigo 223.º, nº 1, do Código de Processo Penal, foi prestada pelo Juiz do Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., a seguinte informação (transcrição integral):


1. Nos presentes autos o arguido AA encontra-se sujeito à medida de coação de prisão preventiva desde 15/12/2022, aplicada em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido.


2. Por acórdão prolatado em 18 de Janeiro de 2024 foi condenado:


a) como autor material de 2 (dois) crimes de furto qualificado, na forma consumada, previstos e punidos, cada um, pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, por cada crime;


b) como coautor material de 2 (dois) crimes de furto qualificado, na forma consumada, previstos e punidos, cada um, pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, por cada crime;


c) como coautor material de 1 (um) crime de furto, na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal e artigos 22.º, 23.º e 26.º, do mesmo diploma na pena de 1 (um) ano de prisão;


d) como autor material de 2 (dois) crimes de abuso de cartão de garantia ou pagamento, previstos e punidos pelo artigo 225.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão, por cada crime;


e) Em cúmulo jurídico das penas parcelares condenar o arguido AA na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.


3. O arguido AA, bem como o coautor BB, interpuseram recuso e o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 7 de maio de 2024, julgou não providos os recursos, mantendo inalterada a decisão condenatória recorrida.


4. Entretanto o Tribunal da Relação de Lisboa comunicou que tinha sido interposto recurso para o Tribunal Constitucional, mais informando/concretizando, no dia de hoje, que foi o coautor BB quem recorreu para o Tribunal Constitucional, recurso que o Tribunal da Relação de Lisboa admitiu em 03 de Junho de 2024.


5. Ora, conforme por nós referido, no depacho proferido em sede de reexame dos pressupostos das medidas de coação, nos termos do artigo 213.º do Código de Processo Penal, datado de 12 de Abril de 2024, com referência a tal data e estado dos autos, encontrando-se ambos os coarguidos sujeitos a medida de coacção detentiva desde 15/12/2022, o prazo legal máximo de admissibilidade de medida privativa da liberdade (1 ano e 6 meses), nos termos do disposto no artigo 215.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, ocorreria em 15/06/2024.


6. Tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 7 de Maio de 2024, julgado não providos os recursos, mantendo inalterada a decisão condenatória recorrida, o prazo máximo da prisão preventiva elevou-se para metade da pena fixada – art. 215.º, n.º 6, do CPP.


7. De qualquer forma a interposição de recurso (para o Tribunal Constitucional), não por si, mas por coarguido comparticipante nos factos e no crime da condenação, não obsta ao trânsito em julgado do acórdão em relação a AA, coarguido não recorrente, ficando este caso julgado, necessariamente sujeito à condição resolutiva de uma futura e eventual reforma “in mellior” do decidido (art. 403.º, n.º 2, al. a) e 3, do CPP).


Sem prejuízo, naturalmente, de melhor e mais esclarecida ordem de Vossa Exª, é o que se nos oferece informar.


1.3. Sequência processual


Convocada a Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça e notificado o Ministério Público e o Defensor do requerente, procedeu-se à audiência, de harmonia com as formalidades legais, após o que o Tribunal reuniu e deliberou como segue (artigo 223º, n.º 3, do Código de Processo Penal).


II. QUESTÃO A DECIDIR:


Da eventual ilegalidade da privação da liberdade do requerente, por ter sido excedido o prazo previsto na lei para a medida de prisão preventiva que lhe foi aplicada, devendo ordenar-se a sua imediata libertação, caso se entenda estarem reunidos os requisitos da providência de habeas corpus, previstos nos artigos 31º da Constituição da República Portuguesa e 222º do Código de Processo Penal.


III - FUNDAMENTAÇÃO


3.1. Os factos


Das peças processuais juntas aos autos e do teor da informação prestada nos termos do art.223.º do Código de Processo Penal, emergem apurados os seguintes factos, relevantes para a decisão da providência requerida:

• No dia 15 de dezembro de 2022 o requerente foi apresentado ao Juiz de Instrução Criminal ... – Juiz ..., para primeiro interrogatório de arguido, sendo que, na sequência do mesmo, lhe foi aplicada a medida coativa de prisão preventiva;

• Posteriormente, através de acórdão proferido a 18 de janeiro de 2024 pelo Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., o requerente foi condenado pela prática dos seguintes crimes e nas seguintes penas:

a) como autor material de 2 (dois) crimes de furto qualificado, na forma consumada, previstos e punidos, cada um, pelos

artigos 203.º e 204.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, por cada crime;

b) como coautor material de 2 (dois) crimes de furto qualificado, na forma consumada, previstos e punidos, cada um, pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, por cada crime;

c) como coautor material de 1 (um) crime de furto, na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal e artigos 22.º, 23.º e 26.º, do mesmo diploma na pena de 1 (um) ano de prisão;

d) como autor material de 2 (dois) crimes de abuso de cartão de garantia ou pagamento, previstos e punidos pelo artigo 225.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão, por cada crime.

e) em cúmulo jurídico das penas parcelares condenar o arguido AA na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

• Este acórdão da primeira instância procedeu à revisão das medidas de coação, mantendo o Requerente sujeito a prisão preventiva;

• Inconformado com essa decisão dela recorreu AA para o Tribunal da Relação de Lisboa o qual, por acórdão proferido 7 de maio de 2024, negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida;

• Através de requerimento admitido a 3 de junho de 2024 BB - co-arguido no processo supra identificado - interpôs recurso desta última decisão para o Tribunal Constitucional;

• Finalmente, através de despacho proferido a 12 de abril de 2024, o Juízo Central Criminal ... procedeu à reapreciação das medidas de coação, mantendo o requerente em prisão preventiva, situação que ainda hoje se verifica.


3.2. O Direito.


3.2.1. Introdução


O art. 27º da Constituição da República Portuguesa estabelece, designadamente, que:


“1 - Todos têm direito à liberdade e à segurança.


2 - Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.


3 – Exceptua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos seguintes casos:


(…)


b) Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos”


Por outro lado, e com vista a pôr termo à privação da liberdade ilegal, decorrente de abuso de poder, o nº 1 do art. 31º da Lei Fundamental veio consagrar o instituto do habeas corpus, a requerer perante tribunal competente.


O habeas corpus sempre foi concebido como um mecanismo de utilização simples, sem grandes formalismos, de rápida atuação - dado que o constrangimento de um direito fundamental, como o direito à liberdade, não se compactua com atrasos e demoras - e que deve abarcar todas as situações de privação ilegal de liberdade.


Estando inserido no Título II, da Parte I, da Constituição da República Portuguesa tem, por força do disposto no artigo 18º da Lei Fundamental, aplicabilidade direta e vincula entidades públicas e privadas.


Este “remédio”, de consagração constitucional, visa solucionar situações anormais, em que a pessoa foi restringida de sua liberdade por via de abuso de poder, colocando o Estado à pessoa que sofre dessa restrição, um meio idóneo e célere para que seja apreciada a ilegalidade, ou não, daquela limitação de liberdade.


Com efeito, a nossa doutrina1 e jurisprudência2 têm entendido que o habeas corpus constitui uma providência expedita e urgente, de garantia do direito à liberdade consagrado nos artigos 27.º e 28.º da Constituição, “cujo pressuposto constitucional é o abuso de poder”, em caso de detenção ou prisão «contrários aos princípios da constitucionalidade e da legalidade das medidas restritivas da liberdade», «em que não haja outro meio legal de fazer cessar a ofensa ao direito à liberdade», “distinto dos recursos” sendo, por isso, uma garantia privilegiada deste direito, por motivos penais ou outros.


Assim, em sintonia e no desenvolvimento destes princípios constitucionais e por forma a permitir a sua adequada aplicação prática, o artigo 222º do Código de Processo Penal estabelece o seguinte:


“1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.


2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:


a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;


b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou


c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.”


Ou seja, e como tem repetida e uniformemente decidido o Supremo Tribunal de Justiça,


“(A) providência de habeas corpus corresponde a uma medida extraordinária ou excecional de urgência – no sentido de acrescer a outras formas processualmente previstas de reagir contra a prisão ou detenção ilegais – perante ofensas graves à liberdade, com abuso de poder, ou seja, sem lei ou contra a lei que admita a privação da liberdade, referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, e que não constitui um recurso de uma decisão judicial, um meio de reação tendo por objeto a validade ou o mérito de atos do processo através dos quais é ordenada ou mantida ou que fundamentem a privação da liberdade do arguido ou um «sucedâneo» dos recursos admissíveis (artigos 399.º e segs. do CPP), que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais (assim e quanto ao que se segue, por todos, de entre os mais recentes, o acórdão de 22.03.2023, Proc. n.º 631/19.5PBVLG-MC.S1, em www.dgsi.pt).


A diversidade do âmbito de proteção do habeas corpus e do recurso ordinário configuram diferentes níveis de garantia do direito à liberdade, em que aquela providência permite preencher um espaço de proteção imediata da pessoa privada da liberdade perante a inadmissibilidade legal da prisão. “


Ac. do STJ de 10 de maio de 2023 – Proc. 196/20.5JAAVR-B.S1 in www.dgsi.pt


Assim e aproximando-nos do término desta introdução, os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, têm de reconduzir-se, necessária e exclusivamente, às situações previstas nas alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, de enumeração taxativa.


Com efeito, como se tem afirmado em jurisprudência uniforme e reiterada, o Supremo Tribunal de Justiça apenas tem de verificar (a) se a prisão, em que o peticionante atualmente se encontra, resulta de uma decisão judicial exequível, proferida por autoridade judiciária competente, (b) se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e (c) se estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial (assim, de entre os mais recentes, por todos, os acórdãos de 16.11.2022, Proc. 4853/14.7TDPRT-A.S1, de 06.09.2022, Proc. 2930/04.1GFSNT-A.S1, de 9.3.2022, proc. 816/13.8PBCLD-A.S1, e de 29.12.2021, proc. 487/19.8PALSB-A.S1, em www.dgsi.pt).


Concluindo e no que concerne à alínea c) do nº 2 do artigo 222º do Código de Processo Penal tem sido entendimento largamente dominante, na doutrina e na jurisprudência que, de acordo com um princípio da unidade processual do prazo das medidas de coação, este prazo é único num mesmo processo, o que designadamente significa que, mesmo que anulada a sentença, o prazo máximo da prisão preventiva não é diminuído para o prazo correspondente à fase processual anterior.


Assim, e a título de mero exemplo, vejam-se os seguintes acórdãos:


“IV - Tem-se entendido que, de acordo com um princípio de unidade processual do prazo das medidas de coação, este prazo é único num mesmo processo: não existem vários prazos, um para cada fase, antes um único prazo, contado a partir do início da execução da medida, que se dilata conforme o processo passa para a fase seguinte, ou seja, há um limite máximo de prisão preventiva até que se atinja um dado momento processual.


V - Considerando que o prazo de prisão preventiva ao longo do mesmo processo é apenas um, e seguindo a jurisprudência dominante neste STJ, perfilha-se o entendimento de que, uma vez chegados a uma nova fase processual, deve atender-se ao prazo máximo correspondente a esta nova fase, ainda que por vicissitudes várias o processo tenha de voltar a uma fase adjetiva anterior.”


Ac. do S.T.J. (5ª Secção) de 18 de Janeiro de 2024 – Proc. 262/22.2JELSB-B.S1 disponível em www.dgsi.pt


* *


“IX - Os prazos máximos de prisão preventiva estabelecidos no art. 215.º, do CPP, estão previstos para um decurso normal do processo, sem que haja uma regressão a uma fase anterior, e operam imediatamente, por força da lei, uma vez entrado o processo numa nova fase. Tal como nos casos de nulidades se entende que não há uma destruição dos atos processuais entretanto ocorridos, por maioria de razão, os efeitos produzidos ope legis e consolidados não são destruídos.


X - Se o ato nulo não apaga a atividade processual realizada numa certa fase, nem os efeitos daí decorrentes, por maioria de razão a regressão no decurso da atividade processual por força de uma decisão judicial não apaga os efeitos ope legis que se produziram com a remessa dos autos para a fase de julgamento e a abertura da audiência de discussão e julgamento, entretanto suspensa.


XI - Este entendimento permite ao arguido avaliar com previsibilidade qual o prazo máximo de prisão preventiva a que pode ser sujeito, não ficando dependente de uma eventualidade quanto a saber se irá ou não ser alterado esse prazo consoante uma decisão posterior de um Tribunal superior.


XII - Assim se cumpre um princípio da igualdade entre todos os arguidos — entre aqueles que não requereram a abertura de instrução e seguiram para a fase de julgamento, e aqueles outros que, tendo requerido a abertura de instrução e não tendo esta sido admitida, após recurso, e pese embora tenham igualmente entrado na fase de julgamento, obtêm uma decisão de admissibilidade daquela instrução.”


Ac. do STJ de 12-12-2019 (5 Secção – Relatora Helena Moniz) – Proc. 47/18.0PALGS-C.S1, disponível em www.dgsi.pt


3.3.2. O caso concreto


O Requerente não coloca em causa a competência do Juiz do Juízo Central Criminal ... para proferir o despacho que manteve a sua prisão preventiva, nem refere inexistência de fundamento para a aplicação dessa medida de coação.


Com efeito, o presente requerimento é feito exclusivamente com base no disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 222º do Código de Processo Penal: “Manter-se (a prisão) para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial”


Entende o recorrente que tais prazos foram ultrapassados, dado que se encontra ininterruptamente privado da liberdade desde 15 de dezembro de 2022.


Vejamos:


O nº 6 do artigo 215º do Código de Processo Penal estabelece o seguinte:


“6. No caso de o arguido ter sido condenado pena de prisão em 1ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva se para metade da pena que tiver sido fixada.”


Ora, como atrás deixámos consignado e não sofre contestação, o requerente foi condenado em primeira instância na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, sendo que tal condenação foi integralmente confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.


Assim, in casu, o prazo máximo da prisão preventiva é de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses.


E, como a privação da liberdade se iniciou a 15 de dezembro de 2022, encontra-se muito longe o limite desse prazo máximo.


Argumenta o Requerente que, “Por Despacho de 03 do corrente, foi admitido o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, apresentado pelo co-arguido BB, com subida imediata e com efeito suspensivo, nos termos do artº 78º nº 4 da Lei Orgânica nº 28/82 de 15 de Novembro” acrescentando ainda que “O recurso interposto por um interessado nos casos previstos nas alíneas a), c), d), e), g), h) e i) do n.º 1 do artigo 70.º aproveita aos restantes interessados.”


Contudo, tal argumentação não procede, justamente devido ao entendimento – dominante na doutrina e na jurisprudência (designadamente neste S.T.J.) – segundo o qual, de acordo com um princípio da unidade processual do prazo das medidas de coação, este prazo é único num mesmo processo.


Escrito de outra forma: Tem-se entendido que, de acordo com o princípio de unidade processual do prazo das medidas de coação, este prazo é único num mesmo processo. Ou seja, não existem vários prazos, um para cada fase, antes um único prazo, contado a partir do início da execução da medida, que se dilata conforme o processo passa para a fase seguinte, ou seja, há um limite máximo de prisão preventiva até que se atinja um dado momento processual


Assim e seguindo a jurisprudência dominante neste S.T.J., uma vez chegados a uma nova fase processual, deve atender-se ao prazo máximo correspondente a esta nova fase, ainda que, por vicissitudes várias, o processo tenha de voltar a uma fase adjetiva anterior.


Aplicando esta forma de entender ao caso concreto, conclui-se que o recurso interposto para o Tribunal Constitucional não diminui o prazo antes alcançado, e que se fixou quando o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou o acórdão condenatório da primeira instância. Ou seja, 2 anos e 9 meses, pois é essa a metade da pena aplicada ao requerente (5 anos e 6 meses de prisão).


Concluindo, dado que o termo do aludido prazo apenas ocorrerá em 15 de setembro de 2025, o requerimento de habeas corpus tem de ser indeferido, por manifesta falta de fundamento legal.


Aliás e numa nota complementar, acrescente-se que, dado que o recorrente não recorreu do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa – foi apenas o seu co-arguido que o fez, para o Tribunal Constitucional - ocorreu, quanto a ele e de alguma forma, trânsito em julgado da decisão proferida por aquele Venerando Tribunal, ainda que sob condição pois, caso este último tribunal conceda provimento a este último recurso, o Recorrente também dele poderá aproveitar.


Por outro lado, ainda a este propósito, não deixa de ser curioso que o Recorrente invoque o recurso para o Tribunal Constitucional e se esqueça do disposto nº 5 do artigo 215º do Código de Processo Penal…


Ou seja, se não tivéssemos seguido o entendimento acima exposto (segundo o qual o limite máximo do prazo da prisão preventiva apenas se alcançará transcorrida prazo equivalente a metade da pena aplicada) e quiséssemos aderir ao que parece ser o entendimento do Recorrente, então teríamos de acrescentar ao prazo por ele invocado, (de 1 ano e 6 meses – previsto na al. d) do nº 1 do artigo 215º do Código de Processo Penal –), mais 6 meses, por força do disposto no aludido nº 5 do mesmo diploma legal, o que nos conduziria a um prazo máximo de prisão preventiva de 2 anos. Assim e como o requerente foi sujeito a essa medida de coação em 15 de dezembro de 2022, o seu termo apenas se alcançaria em 15 de dezembro do corrente ano de 2024. Portanto, também nesta abordagem não se mostra excedido o prazo da prisão preventiva e sempre o requerido teria de ser indeferido


Terminando, pelas razões acima expostas, o requerimento de habeas corpus é manifestamente infundado e tem de ser indeferido.


3.4. Tributação e sanção processual


Nos termos do disposto nos artigos 524º do Código de Processo Penal e 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Judiciais e da sua Tabela III anexa, o requerente deve ser condenado em custas, variando a taxa de justiça entre 1 e 5 unidades de conta (UC).


Face à não complexidade do processo fixa-se essa taxa de justiça em 2 (duas) Unidades de Conta


Por outro lado, a rejeição do requerimento por manifesta falta de fundamento implica ainda a condenação do requerente no pagamento de uma importância entre 6 e 30 UC (que não são meras custas judiciais, tendo antes natureza sancionatória), por força do disposto no artigo 223º, nº 6, do Código de Processo Penal.


Com efeito, são cumulativas a condenação em custas do incidente e em multa, no caso de pedido manifestamente infundado, pois elas visam propósitos diferentes: uma tributa o decaimento num ato processual a que deu causa e a outra censura a apresentação de requerimento sem a prudência ou diligência exigíveis (Salvador da Costa, As custas Processuais, Coimbra: Almedina, 6.ª ed., 2017, p. 86).


Atendendo, por um lado, à pouca complexidade do objeto da decisão e, por outro, à manifesta improcedência do requerimento, considera-se ajustado fixar essa importância em 6 (seis) unidades de conta.


IV - DECISÃO

a. Indeferir, assim, a providência de habeas corpus apresentada pelo requerente AA, por manifesta falta de fundamento legal, nos termos do disposto no artigo 223º nº 4, al. a) do Código de Processo Penal;

b. Condenar o mesmo requerente nas custas do processo nos termos do disposto nos artigos 524º do Código de Processo Penal e 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Judiciais e da sua Tabela III anexa, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) unidades de conta;

c. Condenar ainda o requerente na sanção processual prevista no artigo 223º, nº 6 do Código de Processo Penal, fixando-se o seu quantitativo em 6 (seis) unidades de conta.


Supremo Tribunal de Justiça, d.s. certificada


Os Juízes Conselheiros,


Celso Manata (Relator)


João Rato (1ª Adjunto)


Jorge Bravo (2º Adjunto)


Helena Moniz (Presidente da Secção)


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1. José Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, p. 508” e Jorge Miranda e Rui Medeiros “Constituição Portuguesa Anotada, Vol. I, pág. 503 e sgs. e Germano Marques da Costa, “Curso de Processo Penal” II, pág. 321↩︎

2. Por todos Ac. do STJ de 10 de maio de 2023 – Proc. 196/20.5JAAVR-B.S1 in www.dgsi.pt↩︎