Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5686/20.7T8ALM-B.L2.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CURA MARIANO
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
PRESSUPOSTOS
ADMISSIBILIDADE DA REVISTA
AÇÃO EXECUTIVA
Data do Acordão: 05/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :
Não é admissível recurso de revista excecional de acórdão do Tribunal da Relação que confirmou sentença que julgou improcedente o pedido de prestação de caução com vista à suspensão da execução, previsto no artigo 733.º, n.º 1, a), do Código de Processo Civil, uma vez que são aplicáveis as limitações no acesso ao Supremo Tribunal de Justiça previstas no artigo 854.º do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral:

Exequente: Caixa Geral de Depósitos, S.A.

Executados: J. M. Duarte, Limitada

                           AA

                           BB

      

                                               *

I - Relatório

Em 22.10.2020 a Caixa Geral de Depósitos, S.A. instaurou ação executiva para pagamento de quantia certa contra os Executados, liquidando a obrigação exequenda em € 3.278.574,83.

As 1.ª e 3.ª Executadas deduziram oposição, por embargos, e requereram a prestação de caução com vista à suspensão da ação executiva.

A Exequente deduziu oposição à pretensão das Executadas Embargantes prestarem caução.

Em 09.03.2022 foi proferido despacho, julgando improcedente o incidente de prestação de caução.

A 1.ª Executada interpôs recurso deste despacho, tendo sido proferido acórdão pelo Tribunal da Relação que julgou a apelação procedente e anulou a decisão recorrida, determinando a baixa dos autos à 1ª instância para ser suprida a decisão e omissão acima referida, designadamente concedendo-se prazo à Requerente/apelante para apresentar o registo provisório das hipotecas que pretende apresentar como caução.

Tendo sido julgado inadmissível o recurso de revista interposto pela Exequente, baixaram os autos à primeira instância, aí tendo sido determinada a notificação da Requerente para, no prazo de dez dias, juntar certidão predial com registo provisório das hipotecas que pretende prestar como caução.

A 1ª Executada apresentou requerimento em que, em síntese, entende não haver lugar à junção das certidões em questão, por não haver lugar à promoção de novas hipotecas e seus respetivos registos, já que, no entender da mesma, as hipotecas constituídas e registadas definitivamente são suficientes e idóneas para caucionar a quantia exequenda nos presentes autos, concluindo que se tem por cumprida, por excesso, o disposto na norma do artigo 907º, nº 3.

Foi então proferida decisão, em 24.10.2022, em que o incidente de prestação de caução foi julgado improcedente.

A 1.ª Executada recorreu desta decisão, tendo sido proferido acórdão pelo Tribunal da Relação que julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.

A 1.ª Executada interpôs recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça desta decisão.

A Exequente pronunciou-se pela inadmissibilidade do recurso de revista excecional.

Foram notificadas as partes para se pronunciarem sobre a possibilidade do recurso não ser conhecido, com fundamento nas seguintes razões

- a admissibilidade do recurso de revista excecional está dependente da verificação dos pressupostos gerais do recurso de revista normal;

- só é admissível recurso de revista normal das decisões proferidas em incidentes da instância nos casos previstos no artigo 671.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, uma vez que se tratam de decisões interlocutórias que recaem unicamente sobre a relação processual;

- acresce que, nos termos do artigo 854.º do Código de Processo Civil, só é admissível recurso de revista num incidente de prestação de caução em processo executivo, nos casos previstos no artigo 629.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

A 1.ª Executada pronunciou-se pela admissibilidade do recurso, alegando que não estamos perante um procedimento incidental, não sendo a decisão recorrida uma decisão interlocutória, estando as decisões proferidas num processo especial de prestação de caução abrangidas pelas decisões recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça, mesmo quando correm por apenso a um processo executivo.

A Exequente pronunciou-se pela inadmissibilidade do recurso.

Foi proferido despacho pelo Relator de não admissão do recurso, com a seguinte fundamentação:

A 1.ª Executada interpôs um recurso de revista excecional da decisão que não admitiu a prestação de caução com vista à suspensão do processo executivo.

O recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, previsto no artigo 672.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, só é admissível quando, verificada uma situação de dupla conforme entre a decisão da 1.º instância e o acórdão do Tribunal da Relação, estejam reunidos os demais pressupostos gerais do recurso de revista.

Como estamos perante um processo executivo, ao recurso de revista é aplicável o disposto no artigo 854.º do Código de Processo Civil – sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe recurso de revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação de créditos e de oposição deduzida contra a execução.

O acórdão da Relação recorrido foi proferido no procedimento de prestação de caução com vista à suspensão da execução, previsto no artigo 733.º, n.º 1, a), do Código de Processo Civil, pelo que estamos perante um procedimento instrumental da pretensão de suspensão da instância executiva, enquanto não é decidida a oposição à execução, tendo o mesmo uma natureza incidental, relativamente ao processo executivo, conforme resulta do disposto no artigo 915.º do Código de Processo Civil, pelo que está sujeito às limitações no acesso ao Supremo Tribunal de Justiça previstas no artigo 854.º do Código de Processo Civil.

Não se encontrando o procedimento de prestação de caução entre aqueles, cujas decisões neles proferidas admitem recurso de revista, nos termos daquele preceito legal, o presente recurso não é admissível.

A 1.ª Executada reclamou para a Conferência nos seguintes termos

(...)

3. Dispõe o artigo 854.º, do CPC – que se encontra inserido na Secção referente aos recursos, nos processos de execução – que “Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução.”

4. Não se desconhece que tal artigo é aplicável às decisões proferidas no processo de execução, nomeadamente nos procedimentos e incidentes de natureza declaratória, conforme decorre do artigo 853.º, n.º 1.

5. Contudo, as normas ínsitas tal artigo, bem como todo o regime da secção (VIII) em que se insere, não é aplicável ao caso em apreço,

6. sendo apenas aplicáveis aos procedimentos e incidentes de natureza declaratória que se encontram previstos para a fase da execução, e que estão expressamente regulados no Livro IV (Do processo de execução), do CPC, como é o caso da oposição à execução, oposição à penhora, entre outros.

7. Ora, o incidente de caução – apesar de ser necessário para que o incidente de oposição à execução determine a suspensão da execução – tem regulação própria, tratando-se de um processo especial, com o seu regime estipulado nos artigos 906.º, e seguintes, do CPC.

8. Sendo-lhe aplicável o artigo 549.º, n.º1, do CPC, que determina que “Os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo o quanto não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum.”.

9. Atento o exposto, e salvo o devido respeito por melhor opinião, apesar de os presentes autos de caução estarem a correr por apenso a processo de execução, não lhe são aplicáveis as regras do disposto no artigo 854.º, do CPC, por não se tratar de procedimento e incidente de natureza declaratória que se encontra previsto para a fase da execução,

10. mas sim de apenso com regulamentação especial, fora do procedimento executivo.

11. Veja-se também que, de outra vertente apreciada, é o próprio legislador que deixa evidenciado que assim é tal como supra se expõe, pois refere no artigo 854.º do CPC, “(…) apenas cabe revista, nos termos gerais, (…)” (sublinhado e negrito nosso)

12. isto é, aplica-se o regime da secção VIII (Recurso nas Execuções) aos recursos de decisões proferidas em procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, que se encontram inseridas na tramitação da ação executiva, e que não têm, consequentemente, natureza especial

Conclusões

A. Não são aplicáveis, no presente apenso, as regras do disposto no artigo 854.º, do CPC, por não se tratar de procedimento e incidente de natureza declaratória que se encontra previsto para a fase da execução, mas sim de apenso com regulamentação especial, fora do procedimento executivo.

B. Apenas se aplica o regime da secção VIII (Recurso nas execuções), do Capítulo I (Do processo ordinário), do Título III (Da execução para pagamento de quantia certa), do Livro IV (Do processo de execução), do CPC, aos recursos de decisões proferidas em procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, que se encontram inseridas na tramitação da ação executiva, e que não têm, consequentemente, natureza especial, por contraposição ao regime especial de prestação de caução.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE DOUTAMENTE V. EXAS. SUPRIRÃO, se requer que a presente Reclamação seja declarada procedente e, e em consequência, seja revogada a Decisão Singular e admitido o Recurso de Revista Excecional interposto pela ora Reclamante.

Mais se requer a V. Exas., Colendos Conselheiros, que, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, seja a ora Reclamante dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, por tal se justificar atendendo à simplicidade da causa, sua utilidade económica e conduta processual das partes, sob a ponderação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.

                                               *

II – Da admissibilidade de recurso

O procedimento para prestação de caução, com vista a conferir efeito suspensivo à dedução de embargos num processo executivo, não constitui um processo autónomo, sendo antes um incidente do processo executivo, a processar por apenso a este, conforme resulta do disposto no artigo 915.º do Código de Processo Civil, seguindo a tramitação do processo especial previsto nos artigos anteriores.

Sendo um incidente do processo executivo, encontra-se abrangido pelo regime especial do recurso de revista que consta do artigo 854.º do Código de Processo Civil, pelo que, conforme se decidiu na decisão reclamada, não admite recurso de revista.

Deve, pois, ser indeferida a reclamação apresentada.

                                               *

III – Dispensa do pagamento do remanescente

A Recorrente pede ainda que seja dispensada do pagamento do “remanescente” da taxa de justiça.

Dispõe o artigo 7.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais:

Nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

Assim, tendo em atenção, que esta tramitação se resumiu a uma apreciação da admissibilidade do recurso, não tendo sido conhecido o seu mérito, justifica-se a dispensa de pagamento peticionada, relativamente ao remanescente da taxa de justiça, respeitante às custas devidas pelo recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que o valor da taxa de justiça, tabelado em função do sobredito valor da causa, se mostra desproporcionado face à simplicidade da tramitação.

                                               *

Decisão

Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada, dispensando-se a Recorrente do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.

                                               *

Custas da reclamação pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 unidades de conta.

                                               *

Notifique.

                                               *

Lisboa, 25 de maio de 2023

                                                          

João Cura Mariano (Relator)

Fernando Baptista

Vieira e Cunha