Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B2330
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARAÚJO BARROS
Descritores: PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
ALTERAÇÃO
PRINCÍPIO DA ESTABILIDADE DA INSTÂNCIA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CONHECIMENTO OFICIOSO
SUPRIMENTO DA NULIDADE
ACTAS
ACTA DE JULGAMENTO
DOCUMENTO AUTÊNTICO
Nº do Documento: SJ200401080023307
Data do Acordão: 01/08/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 3497/02
Data: 01/28/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : 1. A acta da audiência de discussão e julgamento tem a acta natureza de documento autêntico, fazendo prova plena dos factos que integram o seu conteúdo e a sua força probatória, ressalvada a possibilidade da sua rectificação nos termos do nº 3 do art. 159º do C.Proc.Civil, só pode ser ilidida através de prova da falsidade dos actos que nela se consubstanciam, no respectivo incidente de falsidade.
2. A modificação objectiva da instância por alteração do pedido inicialmente formulado, fora da situação expressamente admitida pelo art. 273º, nº 2, do C.Proc.Civil, obsta à apreciação do respectivo mérito, constituindo, desta forma, excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso pelo tribunal.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A" instaurou, no Tribunal Judicial de Aveiro, contra B e mulher C acção declarativa ordinária pedindo, a título principal, que se declare que os réus estão em mora na realização da prestação imediata do contrato promessa referido na petição inicial e se profira sentença que produza os efeitos das suas declarações negociais em falta, assim se transferindo para a autora a propriedade do estabelecimento comercial identificado nos arts. 1° e 2° daquele articulado.

Em alternativa, pediu a condenação dos réus no pagamento do valor do mesmo estabelecimento à data do incumprimento (22/06/98).

Contestaram os réus, concluindo que a acção deve ser julgada totalmente improcedente, e deduziram reconvenção pedindo a condenação da autora a reconhecer que foi a única culpada da resolução do contrato, a restituir o estabelecimento comercial objecto do contrato promessa e a perder as quantias entregues.

Replicando, a autora manteve o alegado inicialmente e defendeu a improcedência da reconvenção.

Entretanto, D deduziu incidente de oposição espontânea, nos termos dos arts. 320º e seguintes do CPC, pedindo:

a) a condenação da autora e dos réus a reconhecerem que o opoente é o legítimo proprietário do estabelecimento comercial ajuizado; b) a condenação da autora a abrir mão desse estabelecimento, entregando-lhe imediatamente as respectivas chaves; c) a condenação dos réus a pagar a quantia de 3.496.275$00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados; d) a condenação solidária da autora e réus no pagamento de 10 mil escudos por cada dia de atraso no cumprimento.

Em alternativa, pediu: e) a condenação dos réus no pagamento de 4.342.542$00, referentes ao preço que pagou pelo trespasse - 4.000.000$00 - acrescido de juros à taxa legal, vencidos e vincendos; f) a condenação solidária de autora e réus no pagamento da quantia de 3.496.275$00, por danos patrimoniais e não patrimoniais causados, com juros à taxa legal desde a citação. Quer a autora, quer os réus contestaram o incidente de oposição, pugnando pela total absolvição dos pedidos formulados; e a autora reclamou ainda a condenação do opoente em multa e indemnização como litigante de má fé.

O opoente replicou às excepções deduzidas pela autora e réus, concluindo como na petição da oposição.

No despacho saneador que se seguiu decidiu-se, além do mais, que:

1. O pedido, formulado pela autora, de condenação dos réus a pagarem-lhe o valor do estabelecimento à data do incumprimento deve ser entendido - e assim se julga admissível - não como pedido alternativo, mas sim subsidiário, isto é, para ser apreciado apenas no caso de não proceder o pedido principal (de execução específica da promessa);

2. Não admitir a oposição deduzida por D relativamente aos pedidos atrás referenciados sob as alíneas c), d), e) e f), por se ter considerado não existir incompatibilidade entre estas pretensões e as formuladas na acção.

D agravou do despacho saneador, na parte em que indeferiu os pedidos formulados sob as mencionadas alíneas c), d), e) e f), e apresentou em devido tempo as respectivas alegações, defendendo a revogação do decidido com fundamento na violação dos arts. 265°, 468°, 470° e 342° do CPC, e ainda dos princípios da igualdade das partes, da economia processual e da verdade material.

Posteriormente, contudo - já depois de proferida a sentença final - veio dizer (fls. 178) que se conformava com a decisão agravada, e que, por essa razão, "não pretende que o seu recurso interposto a fls. 79 e recebido a fls. 80 suba ao Tribunal da Relação de Coimbra", pelo que a desistência foi homologada ainda na 1ª instância por despacho de fls. 189.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, em cuja parte final, ainda antes das alegações orais e da marcação de data para as respostas à base instrutória - fls. 160 - o mandatário da autora, no uso da palavra, declarou que "a autora reduz o pedido, ao abrigo das disposições dos n°s 2 e 3 do art. 273° do CPC, pedindo agora a condenação dos réus a restituírem-lhe a quantia que lhes entregou acrescida dos juros legais desde a citação".

Seguiu-se a sentença, na qual foram tidos como provados os seguintes factos:

i) - em 25/10/95, os réus B e mulher C e a autora A celebraram o contrato-promessa cuja fotocópia está a fls. 5 e 6 da providência cautelar apensa, nos termos do qual aqueles prometeram dar de trespasse a esta o estabelecimento de Café e Snack-Bar instalado no rés-do-chão, com anexos e arrumos, do prédio urbano situado na Rua José Estevão, freguesia do Eixo, do concelho de Aveiro, inscrito na matriz sob o artigo 1123, com todos os elementos que o integram, estabelecimento conhecido por "Café ....", convencionando que o preço do prometido trespasse era de 13.000.000$00, sendo que na outorga do mencionado contrato-promessa, como sinal e princípio de pagamento, a promitente trespassária entregou aos promitentes trespassantes a quantia de 2.000.000$00, devendo o restante do preço ser pago no acto da escritura que formalizaria o contrato prometido, a celebrar no prazo de 60 dias e a ser marcada pelo segundo outorgante (a ora autora) que avisará o primeiro (o ora réu) do dia, hora e local da celebração da mesma por carta registada com aviso de recepção";

ii) - na data da celebração do contrato-promessa, os réus transmitiram a posse do estabelecimento para a autora, a qual o passou a explorar desde 01/11/95, fazendo as compras dos produtos necessários ao funcionamento do estabelecimento (café, açúcar, bebidas e demais produtos), passou a atender os clientes e cobrar os serviços prestados e foram-lhe entregues as chaves do estabelecimento, que a autora abria e fechava quando entendia;

iii) - a partir da celebração do contrato promessa a autora passou a suportar o pagamento da renda do local onde se encontra instalado o estabelecimento, sendo que em finais de 1997 a autora já tinha efectuado o pagamento de 11.950.000$00, tendo entregue outros cheques para pagamento do restante preço acordado, que não tinham provisão nas datas para que foram passados;

iv) - os réus marcaram a realização da escritura do trespasse para 22/06/98, pelas 09,30 horas, no 1° Cartório Notarial de Aveiro, dia e hora em que autora e réus compareceram no dito Cartório Notarial, mas a escritura não foi outorgada por divergências quanto ao pagamento efectivo e integral do preço acordado;

v) - por escritura de 01/10/98 os réus cederam por trespasse ao opoente D o café e Snack-Bar denominado "...." instalado e a funcionar no rés-do-chão do prédio urbano situado na Rua José Estevão, freguesia de Eixo, inscrito na matriz sob o artigo 1123 (fls 32 e 33), pelo preço de 4.000.000$00, livre de qualquer passivo e abrangendo o trespasse a transmissão do equipamento, móveis e todos os demais elementos materiais e imateriais que integram o estabelecimento, bem como o direito ao arrendamento do local, trespasse que ficou sujeito à seguinte condição resolutiva: se não for autorizada no prazo de três meses a continuação da exploração de café e snack-bar no local qualquer das partes poderá comunicar unilateralmente à outra a resolução deste contrato, tendo o D aceitado o trespasse nestes termos;

vi) - E emitiu os recibos de renda de fls. 34 a 37 referentes à renda do café da sua propriedade situado na rua José Estevão ao opoente D;

Depois, e com base nos factos descritos, na mesma sentença decidiu-se julgar improcedentes a acção e a reconvenção, deles absolvendo réus e autora, bem como julgar procedente a oposição deduzida, condenando a autora e os réus a reconhecerem que o opoente é o legítimo proprietário do café e snack-bar "...." e a abrirem mão deste estabelecimento, entregando-o de imediato ao opoente.

Desta sentença apelaram a autora e os réus, se bem que, não tendo estes apresentado alegações no prazo legal, haja sido julgado deserta a sua apelação, consoante despacho de fls. 204.

Em acórdão de 28 de Janeiro de 2003, o Tribunal da Relação de Coimbra, apreciando a apelação da autora, considerando que a alteração (qualitativa) do pedido só pode ter lugar na réplica; por isso mesmo é que, ocorrendo essa eventualidade, o réu pode ainda treplicar para "responder à matéria da modificação" (art. 503°, n° 1), tendo ainda em conta que a autora se propôs alterar o pedido em momento posterior ao da apresentação daquele articulado, julgou procedente a questão prévia, oficiosamente suscitada, determinante do não conhecimento do objecto da apelação, e decidiu não conhecer da apelação, mantendo, por isso, inalterada a sentença recorrida.

Inconformada, interpôs a autora recurso para este Supremo Tribunal, recebido como de agravo na 2ª instância, pugnando pela revogação do acórdão impugnado com o subsequente conhecimento da matéria invocada na apelação.

Não foram deduzidas contra-alegações.

Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Findou a recorrente as respectivas alegações formulando as conclusões seguintes (e é, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil):
1. Não ocorreu a omissão de decisão que a acta de fls. 160 insinua.

2. O que ocorreu é mera infidelidade da mesma acta, uma vez que foi admitida a alteração do pedido solicitada pela autora, facto que não foi correctamente relatado na dita acta.

3. Com vista a esclarecer tal facto, contudo a recorrente manifesta a sua concordância a que sejam ouvidos os demais intervenientes no acto para averiguar da ocorrência ou não da dita omissão.

4. Caso esta tenha ocorrido, tal omissão não é de conhecimento oficioso, devendo ser arguida pela parte interessada.

5. Por outro lado, tal omissão encontra-se sanada, uma vez que a parte que por ela poderia ser afectada, não se opôs à solicitada alteração e notificada quer das respostas dadas aos quesitos, quer da decisão final, não a arguiu.

6. O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 202°, 203° e 205º do CPC.

Importa, ainda, por se ter como relevante para o conhecimento do recurso, transcrever, na parte que aqui interessa, a acta de audiência de julgamento de fls. 160:

"Reaberta a audiência, foi pedida a palavra pelo Il. Mandatário da Autora que no seu uso disse: a Autora reduz o pedido, ao abrigo das disposições dos n°s 2 e 3 do art° 273° do C.P.C., pedindo agora a condenação dos Réus a restituírem-lhe a quantia que lhes entregou acrescida dos juros legais desde a citação. Dada a palavra aos Ils. Mandatários dos Réus e da chamada pelos mesmos foi dito nada terem a opor. De seguida, o Mm° Juiz deu a palavra aos Ils. Mandatários das partes para alegações orais, findas as quais proferiu o seguinte: DESPACHO - Designa-se para a leitura das respostas aos quesitos o próximo dia 19 de Novembro pelas 14 horas. Do douto antecedente despacho foram os presentes devidamente notificados".

Impõe-se esclarecer, desde já, e no sentido de, em concreto, delimitar o objecto do recurso, que a recorrente se não insurge contra a solução atingida pelo acórdão recorrido quanto à qualificação da sua conduta processual como alteração (e não redução) do pedido, razão pela qual a decisão em crise, não vindo a mostrar-se prejudicada por qualquer outro obstáculo com que deparasse, haverá de manter-se.

Refere, no entanto, a recorrente - como impeditivos da prolação da decisão do acórdão recorrido acerca da alteração do pedido (e da causa de pedir) - dois fundamentos que, no fundo, constituem as questões a tratar no âmbito deste agravo:

I. Não houve omissão da decisão do tribunal da 1ª instância acerca do requerimento de alteração do pedido deduzido pela recorrente em audiência, antes o mesmo foi admitido, apesar de ocorrer infidelidade da acta de fls. 160, porque tal decisão nela não foi correctamente relatada.

II. Caso tivesse ocorrido omissão dessa decisão, tal não seria de conhecimento oficioso, devendo ser arguida pela parte interessada, pelo que se encontraria sanada, uma vez que a parte que por ela poderia ser afectada não se opôs à solicitada alteração e notificada quer das respostas dadas aos quesitos, quer da decisão final, não a arguiu.

No que concerne à primeira questão suscitada, cumpre referir que, não só da acta da audiência de julgamento de fls. 160 não consta que o M.mo. Juiz se tenha pronunciado sobre o pretendido pela autora - redução/alteração do pedido - mas ainda, como explicita o acórdão recorrido, não foi feita na sentença a seguir proferida qualquer referência, ainda que indirecta, a essa redução/alteração.

É certo que a autora, que nas alegações da apelação veio sustentar que o tribunal da 1ª instância não teve em conta e, por isso, não conheceu da alteração do pedido formulada na acta de fls. 160, assacando à decisão apelada a nulidade do nº 1, al. d) do art. 688º do C.Proc.Civil, vem agora, incompreensivelmente, defender que por aquele tribunal foi admitida a alteração do pedido solicitada, facto que só não consta da referida acta por infidelidade desta.

Ora, dispõe o art. 159º do C.Proc.Civil (1) (sem correspondência com o direito anterior que não definia o conceito nem o conteúdo das actas) que "a realização e o conteúdo dos actos processuais presididos pelo juiz são documentados em acta, na qual são recolhidas as declarações, requerimentos, promoções e actos decisórios orais que tiverem ocorrido" (nº 1). "A redacção da acta incumbe ao funcionário judicial, sob a direcção do juiz" (nº 2). E, "em caso de alegada desconformidade entre o teor do que foi ditado e o ocorrido, são feitas consignar as declarações relativas à discrepância, com indicação das rectificações a efectuar, após o que o juiz profere, ouvidas as partes presentes, decisão definitiva, sustentando ou modificando a redacção inicial" (nº 3).

Tratou-se (neste art. 159º) "por um lado, de definir o conceito e conteúdo da acta, termo reservado para o relato, feito pelo funcionário judicial sob a direcção do juiz, das diligências a que este preside. Tratou-se, por outro lado, de consignar o direito dos intervenientes no acto a fazerem consignar a sua versão sobre os factos documentados (declarações ou outros), quando discordante do ditado pelo juiz, e a requerer a consequente rectificação da acta". (2).

Desta forma, "tendo a acta natureza de documento autêntico (art. 370º, nº 1, do C.Civil), faz prova plena dos factos que integram o seu conteúdo (art. 371º) e a sua força probatória só pode ser ilidida através de prova da falsidade dos actos que nela se consubstanciam, no respectivo incidente de falsidade (art. 372º, nº 1)" (3).

Salvo se, nos exactos termos do nº 3 daquele art. 159º, a autora houvesse feito consignar a sua versão sobre o nela documentado, situação que, como é evidente, na oportunidade se não verificou (antes a recorrente afirmou, sem qualquer hesitação, que o tribunal se não pronunciara sobre o requerimento de alteração do pedido por ela apresentado).
Consequentemente, surge agora como infundamentada a sua pretensão de esclarecimento de tal infidelidade, nomeadamente através da audição dos demais intervenientes no acto.

E improcede, naturalmente, nesta parte, o recurso interposto.

Analisando, agora, a segunda questão, não temos, objectivamente, qualquer dúvida quanto ao sentido e conteúdo da decisão recorrida.

Perante a arguição pela recorrente da nulidade da decisão da 1ª instância com base na omissão de pronúncia (nº 1, al. d) do art. 668º do C.Proc.Civil) - único fundamento do recurso de apelação - o acórdão recorrido, reconhecendo embora expressamente "que o M.mo Juiz não tomou em consideração na sentença a modificação do pedido feita pela autora durante a audiência de discussão e julgamento da causa (acta de fls. 160 - nº VI do presente acórdão) já que, pura e simplesmente, não se pronunciou sobre a pretensão ali deduzida", entendeu dever, "antes de apreciar se semelhante omissão torna a sentença nula, verificar se a referida modificação é processualmente admissível, questão que, prévia à suscitada no recurso, não pode ser ignorada pela Relação, visto que é de conhecimento oficioso e não está a coberto de nenhum caso julgado formal" (cfr. fls. 281 vº).

Sendo que, a final, depois de ter concluído que não seria admissível a modificação objectiva da instância propugnada pela recorrente, considerou, como seria natural, prejudicado o conhecimento da nulidade arguida, decidindo não conhecer do objecto da apelação.

Causa, é certo, alguma perplexidade o argumento da recorrente de que a omissão - afinal terá havido omissão - se encontra sanada pelo facto de a parte que por ela podia ser afectada não a ter arguido.

De facto, foi a própria autora que arguiu essa omissão, foi ela que, em boa verdade, se sentiu prejudicada por ela, tanto quanto é certo que a suscitou nas alegações da apelação. Não se vislumbra como poderá considerar sanada a nulidade. É certo, já o referimos acima, que oportunamente a recorrente não procurou rectificar a acta, como lhe seria permitido pelo art. 159º, nº 3, do C.Proc.Civil. Mas é inequívoco que veio arguir a nulidade da sentença por omissão de pronúncia. Será que, neste momento, quer desistir da arguição de nulidade da decisão que deduziu na apelação ? Parece-nos que, apesar de tudo, não será esse o seu desejo. É que, de facto, se bem interpretamos as suas alegações - com esforço embora - concluímos, sem dúvida que, quando afirma que a omissão (nulidade) não era de conhecimento oficioso, pretende, sem dúvida, sustentar que não podia conhecer-se oficiosamente da admissibilidade ou inadmissibilidade legal do requerimento de alteração do pedido que formulou em audiência de julgamento.

Cinge-se, portanto, a apreciação da questão a saber se o acórdão recorrido podia ou não ter conhecido ex ofício da pretendida pela autora modificação objectiva da instância.

E a solução só pode ser afirmativa.

Consagrado no art. 268º do C.Proc.Civil o princípio da estabilidade da instância (a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei), vem o art. 273º, nº 2, do mesmo diploma permitir, excepcionalmente, na falta de acordo das partes, que o pedido seja alterado na réplica, se o processo a admitir.

Ora, "não obstante ser certo que o direito processual civil se dirige aos interesses das partes, não é menos verdade que é bem regulamentando cada um e todos os conflitos, é bem e justamente compondo cada um e todos os litígios, que se consegue alcançar um interesse público que não só está por trás de cada composição, como acima dela: o interesse público da boa administração da justiça em geral e, consequentemente, o da obtenção da paz social". (4)

Justamente por força dessa sua natureza publicística (embora instrumental do direito substantivo) é que os preceitos processuais de carácter injuntivo, designadamente aqueles que, como o art. 268º do C.Proc.Civil, consagram princípios estruturantes do processo civil, impõem ao tribunal o poder-dever de oficiosamente assegurar que os actos das partes se conformam com o neles estatuído, recusando o que, em concreto, se traduzir na violação de tais princípios.

Assim, porque a alteração do pedido inicialmente formulado se equipara, in casu, à formulação de um pedido processualmente inadmissível, nada obstava a que a Relação, porquanto sobre a questão não tinha ainda havido pronúncia, conhecesse, como conheceu, da ilegalidade da alteração do pedido deduzida pela autora.

Efectivamente, pensamos até que a possibilidade de conhecimento oficioso da questão resulta do facto, inegável, de a alteração do pedido fora dos casos prevenidos no art. 273º do C.Proc.Civil, obstar à apreciação do respectivo mérito, constituindo, desta forma, excepção dilatória inominada, abrangida pelo princípio da oficiosidade do conhecimento (arts. 288º, nº 1, al. e), 493º, nº 2, 494º e 495º do C.Proc.Civil).

Bem se decidiu, assim, no acórdão recorrido que, por isso, nos não merece qualquer censura.

Nestes termos, decide-se:
a) - negar provimento ao recurso de agravo interposto pela autora A;
b) - confirmar o acórdão recorrido;
c) - condenar a recorrente nas custas do agravo.

Lisboa, 8 de Janeiro de 2004
Araújo Barros
Oliveira Barros
Salvador da Costa
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(1) Introduzido no Código pela reforma operada pelo Dec.lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro.
(2) José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in "Código de Processo Civil Anotado", vol. 1º, Coimbra, 1999, pag. 283.
(3) Ac. STJ de 14/03/2000, no Proc. 140/00 da 1ª secção (relator Aragão Seia). Em idêntico sentido, Abrantes Geraldes, in "Temas da Reforma do Processo Civil", vol. II, Coimbra, 1997, pag. 151.
(4) António Montalvão Machado e Paulo Pimenta, in "O Novo Processo Civil", Porto, 1997, pag. 14.