Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1875/06.5TBVNO.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BENTO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
PRIVAÇÃO DO USO DE VEICULO
DANO EMERGENTE
LUCRO CESSANTE
Apenso:
Data do Acordão: 01/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :

I - A falta de reparação de uma viatura sinistrada ou, quando esta não seja viável pela sua onerosidade, a indemnização correspondente, não retiram ao lesado o prejuízo que este sofreu pela privação do veículo, pelo menos até à reparação ou pagamento dessa mesma indemnização.
II - O chamado dano de imobilização pode ser visto sob a perspectiva de um lucro cessante – se determinar a frustração de ganhos ou de rendimentos de exploração – ou de um dano emergente – quando há remédio para suprir a falta de utilização, ainda que de forma onerosa.
III - Tendo resultado provado que a autora recorreu a veículos de substituição, o dano terá de ser analisado nos custos que suportou para obter a disponibilização desses veículos (alugueres) os quais se reconduzem a prejuízos ou diminuições patrimoniais (danos emergentes), e não a frustração de ganhos ou de rendimentos de exploração (lucros cessantes).
IV - No caso sub judice – em que se questiona o dano privação de uso em termos de lucros cessantes – a indisponibilidade da viatura foi suprida pelo recurso ao aluguer de outras viatura, logo, a privação do uso daquela não implicou para a autora um dano em termos de lucro cessante (muito embora fosse possível configurar um dano emergente, cuja indemnização, não obstante, não foi peticionada).
V - A simples privação do uso de um veículo, desacompanhada da demonstração de outros danos – seja na modalidade de lucros cessantes (frustração de ganhos), seja na de danos emergentes (despesas acrescidas justificadas pela impossibilidade de utilização) – não é susceptível de fundar a obrigação de indemnizar.
VI - Daí que, não tendo a autora alegado, nem demonstrado, quaisquer ganhos ou vantagens frustradas pela impossibilidade de utilização do veículo sinistrado, nem as despesas que teve de suportar com o aluguer de viaturas – inexista dano de privação.
Decisão Texto Integral:


         Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

RELATÓRIO

         No dia 25-04-2005 ocorreu um acidente de viação ao Km 118,400 da Estrada EX – 105em D. Benito, Olivença, Espanha, no qual foram intervenientes o veículo tractor/pesado de mercadorias marca Scânia, modelo 00000, matrícula, pertencente a Sociedade Transportes C........., Lda e um veículo de matrícula espanhola 000000000 cuja responsabilidade civil estava transferida para La E.... S......A......... de S....... Y R..........., acidente esse que consistiu na colisão entre as duas viaturas com culpa exclusiva atribuída ao condutor da de matrícula espanhola 000000000.

         De tal colisão resultaram danos na viatura 0000000 que vieram a determinar a sua perda total, indemnizada em 31-03-2006.

         Para ser indemnizada pelos custos de repatriamento do veículo 0000000 (€ 1.200,00), dos custos do parqueamento do mesmo veículo (€ 51.458,35) e pelos lucros cessantes decorrentes da privação do uso da mesma viatura, durante o período de 148 dias (€ 51.458,35), intentou a Sociedade Transportes C........., Lda acção de processo ordinário no Tribunal de Vila Nova de Ourém contra a E...S...A...S...Y R...., A....... G........., S. P. A. e Gabinete Português da Carta Verde.

         Estas defenderam-se por excepção e por impugnação:
         A Ré La E...S...A...S...Y R.... excepcionou a incompetência internacional dos tribunais portugueses e impugnou os factos articulados na petição inicial.
         Os RR A...... G......, S. P. A. e Gabinete Português da Carta Verde excepcionaram a sua ilegitimidade passiva e impugnaram os factos articulados na petição inicial.

         A Autora respondeu às excepções.

         No despacho saneador foram desatendidas as excepções de incompetência internacional dos tribunais portugueses e atendida a excepção de ilegitimidade passiva do  Gabinete Português da Carta Verde que, por isso, foi absolvido da instância.

         Seleccionada a matéria de facto relevante com discriminação da já assente da ainda controvertida, prosseguiu a tramitação processual com realização da audiência de julgamento, decisão da matéria de facto controvertida e subsequente prolação de sentença que julgou a acção parcialmente provada e procedente e, em consequência, condenou as rés LaE...S...A...S...Y R.... e A....... G......., S. P. A. a pagarem à autora Transportes C........., Lda. a quantia global de € 5.692,00, a título de indemnização pelas despesas com os transporte da viatura ZN de Espanha, para Portugal e com o parqueamento da mesma, absolvendo as mesmas rés do restante pedido, ou seja, do pedido de indemnização pelo dano da privação de uso e lucros cessantes.

         Inconformada, apelou a Autora para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 29-03-2011, lhe concedeu parcial procedência e, revogando a sentença recorrida nesta parte, condenou as RR, a pagarem à autora, a quantia de € 29.727,00, correspondente a 108 dias de paralisação do veículo, condenando as rés LaE...S...A...S...Y R.... e A........ G......., S. P. A.

         Agora discordante, recorre La E...... S....... A.......... de S.... Y R..... de revista para este STJ, pugnando pela revogação de tal condenação e reposição da decisão absolutória proferida pela 1ª instância no que concerne ao dano da paralisação do veículo.
         Sintetizou as razões da sua discordância nas conclusões com que finaliza a sua alegação de recurso e que a seguir se transcrevem por delimitarem o objecto do recurso:

1 – A douto decisão do Tribunal recorrido, julgando parcialmente procedente o recurso interposto pela Autora merece juízo de censura não estando em harmonia com a legislação em vigor e com a orientação jurisprudencial sufragada pelos tribunais superiores.

2 – O silogismo lógico plasmado pelo douto Tribunal recorrido peca por não ter em consideração na sua conclusão que o Recorrido / Autora alugou um veículo semelhante para continuar a exercer a sua actividade.

3 - Efectivamente, a Autora peticionou uma indemnização pelos supostos lucros cessantes que alega ter sofrido em resultado da privação do uso da viatura em causa, contudo, a Autora não deixou de exercer a sua actividade, uma vez que recorreu ao aluguer de veículos semelhante ao ZN, ou seja, a Autora não logrou provar o alegado dano na vertente mencionada, pois o aluguer de outros veículos permitiu à Autora continuar a auferir os proventos da sua actividade.

4. Ora, a Autora foi bastante específica no seu pedido ao pedir uma indemnização pela privação do uso na modalidade de lucros cessantes, não alegando nem provando matéria susceptível de conduzir à condenação da ora Recorrente no pagamento de uma indemnização por privação do uso como dano per se, pelo que o Tribunal de 1.ª Instância, salvo o devido respeito por entendimento contrário, decidiu bem atentos os factos alegados e dados como provados, subsumindo os mesmos correctamente ao Direito aplicável (artigo 562º a 566º do CC). Não tendo o douto Tribunal da Relação de Coimbra decidido em consonância com a matéria alegada e provada quando diz:  “No entanto, a situação sub Júdice nada tem a ver com esta polémica jurisprudencial, na medida em que se provaram factos que se traduzem num dano concreto e efectivo decorrente da imobilização do veículo”

5 - Nesta situação, a Autora não logrou provar que a privação do uso do seu veículo ZN por virtude da sua danificação lhe originou algum prejuízo específico, o que se impunha face ao instituto da responsabilidade civil. Neste sentido, veja-se a Declaração do Voto do Ex,mo Senhor Juiz Conselheiro do 5upremo Tribunal de Justiça aposta ao Acórdão nº 0583122 (ln www.dgsi.pt).

6 - Ainda que assim não se entenda, o que só por mera hipótese se concebe, o valor arbitrado pelo douto Tribunal da Relação de Coimbra é manifestamente exagerado, pois não parece à Recorrida que tenha sido relevado para o cômputo do montante indemnizatório o critério de equidade, previsto no nº 3 do artigo 566º do CCivll.

7 – Ora a Autora/lesada, não obstante não ter utilizado o veículo ZN, não ficou impedida de realizar o seu fim social, porquanto, recorreu a viaturas de substituição a prossecução desse mesmo fim, tendo prosseguido normalmente a sua actividade ainda que por recurso a outros veículos, razão pela qual o direito de indemnização peticionado pela Autora estará sempre votado ao insucesso.

8 - Quanto muito, e sem conceder, se algo é devido à Autora por conta da paralisação é o valor do aluguer dos veículos de substituição, mas não tendo sido alegado o valor dispendido, nem tendo sido junta qualquer documentação que sustente esse valor, o seu pedido terá necessariamente de falecer. O refúgio do douto Tribunal Recorrido no acordo celebrado entre a ANTRAM e a APS, para o cálculo indemnizatório, é atentatório ao preceituado no n.º 3 do artigo 566.º do CCivil, pois verificando-se que. Autora alugou veículos de substituição, o cálculo indemnizatório carecia em absoluto do conhecimento “do montante díspendído por conta desses alugueres, não sendo necessário o recurso a um juízo de equidade, uma vez que o alegado prejuízo da Autora está devidamente quantificado, mas que esta não alegou e por conseguinte não provou em sede audiência.

9 - Mas ainda que se considerasse admissível, o recurso à tabela resultante do Acordo de paralisação celebrado entre a ANTRAM e a APS, deveria ter ainda em consideração o próprio Acordo, o que salvo o devido respei1o, não foi feito pelo Tribunal recorrido, uma vez que os montantes indemnizatórios aí indicados foram calculados tendo em consideração os casos em que os Associados da ANTRAM ficam impossibilitados de exercer à sua actividade e de recorrer a meios alternativos, o que não reflecte o caso da Autora e em apreço nos autos.

10 - Assim sendo, conclui-se que a douta decisão recorrida violou o disposto nos artigos 563º e 566º do Código Civil

Conclui, pedindo a revogação do acórdão recorrido..

FUNDAMENTAÇÃO

         Na Relação fixou fixada a seguinte matéria de facto:

1) No dia 26 de Abril de 2005 cerca das 15h25m ocorreu ao quilómetro 118,400 da Estrada EX – 105, em D. ......., Olivença, Espanha, um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo tractor/pesado de mercadorias marca Scânia, modelo 00000, matrícula 0000000 e um veículo com a matrícula espanhola 000000000 (alínea A) da matéria assente);
2) O ZN tinha um atrelado com a matrícula 0000000(alínea B) da matéria assente);
3) O acidente ocorreu quando o ZN circulava no sentido Olivença – Don Benito, na hemi-faixa da direita, atento o seu sentido de marcha, foi embatido na sua frente lateral esquerda pelo AD (alínea D) da matéria assente);
4) Por contrato de seguro titulado pela apólice 00000000 E0000, a responsabilidade civil emergente dos danos causados com a circulação do AD foi transferida para a «La E....S... A..... de S...s Y R.......s» (alínea C) da matéria assente);
5) A ré A....... G........., S. P. A. pagou à autora, em 31 de Março de 2006, através do cheque nº 000000000 sobre o Banco BPI o valor de € 16.980,00 destinado a indemnizar a “perda total” do ZN (alínea E) da matéria assente);
6) A ré A........... G..........., S. P. A. pagou à oficina de AA a reparação dos danos causados no atrelado 0000000 no montante de € 799,20 (alínea F) da matéria assente);
7) Por carta datada de 22 de Agosto a ré A........ G......, S. P. A. aceitou pagar à autora o valor de € 4.240,00 referentes às deslocações a Espanha e despesas de reboque (alínea G) da matéria assente);
8) Por telefax datado de 3 de Dezembro de 2006 a ré A......G....., S. P. A. aceitou pagar à autora o valor de € 2.200,00 correspondendo € 1.200,00 à indemnização pelo parqueamento do veículo e € 1.000,00 pelo veículo de substituição (alínea H) da matéria assente);
9) Desde a data do acidente até ao facto descrito em E) decorreram 108 dias úteis (alínea I) da matéria assente);
10) A autora é uma sociedade comercial que se dedica a transportes rodoviários de mercadorias por conta de outrem (alínea J) da matéria assente);
11) Nos termos da tabela constante do acordo celebrado entre a ANTRAM - Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e a APS –Associação Portuguesa de Seguradoras, o aluguer de um veículo da categoria do ZN ascende a € 275,25, por dia (alínea L) da matéria assente);
12) Para proceder ao transporte para Portugal do ZN e do atrelado a autora despendeu a quantia de € 4.240,00 (resposta ao nº 1 da base instrutória);
13) O ZN esteve parqueado 40 dias, na oficina para realização de peritagem e eventual reparação (resposta ao nº 2 da base instrutória);
14) No que a autora despendeu a quantia de € 1.452,00 (resposta ao nº 3 da base instrutória);
15) O ZN era o único veículo para o qual a autora possuía alvará para transportes internacionais (resposta ao nº 4 da base instrutória);
16) Durante os 108 dias a que se refere a alínea I), a autora recorreu ao aluguer e transporte de outros camiões para efectuar transportes para Espanha (respostas aos nºs 6 e 7 da base instrutória);
17) Nos meses de Junho a Outubro de 2005, a autora facturou uma média mensal de € 10.291,67 (resposta ao nº 8 da base instrutória).


         Apreciação jurídica:

         Está em causa a indemnização do dano da privação do uso de um veículo automóvel pesado de mercadorias (tractor) no período de tempo que mediou entre o acidente (26-04-2005) e o pagamento da indemnização correspondente à perda total desse veículo (31-03-2006) no qual as instâncias consideraram 108 dias úteis para efeitos de eventual indemnização por privação de uso.
         A Autora reclamou a indemnização por, entre outros danos, privação do uso da viatura, propondo que a respectiva medida fosse determinada pela média de facturação e, subsidiariamente, pela tabela constante do acordo celebrado entre a ANTRAM e a APS.
         Ora, para além de ser incompreensível a consideração de apenas 108 dias úteis entre 28-04-2005 e 31-03-2006 (cfr. alínea I e respostas aos pontos 6 e 7 da Base Instrutória), a menos que se trate de lapso de escrita, também não se entende como é que a Autora facturou as importâncias referidas nos artigos 37º a 41º da petição inicial nos meses de Junho de 2005 a Outubro de 2005, com o veículo ZN que se encontrava imobilizado em consequência dos estragos sofridos no acidente de 26-04-2005 e que vieram a determinar a sua perda total, discutindo-se no presente recurso, como se disse, a indemnização por essa privação de uso.
Os factos relevantes, todavia, que importa considerar para estes efeitos indemnizatórios são os seguintes: desde a data do acidente até ao pagamento da indemnização correspondente à perda total da viatura decorrera 108 dias úteis (!!!) e durante esse período a autora recorreu ao aluguer e transporte de outros camiões para efectuar transportes para Espanha.
A 1ª instância entendeu que “impõe-se concluir que não resultou provado que a autora tenha deixado de auferir quaisquer proventos da sua actividade social, por não poder usar o ZN, nem sequer que tenha tido rendimentos de montante inferior ao que teria, se tivesse o ZlN em funcionamento
Mais à frente, adiantou-se:
Mas, ainda que assim não fosse, sempre este pedido estaria condenado ao fracasso, pela simples razão de que o mesmo é totalmente incompatível com a perda total do veículo em questão. Considerando além do mais que o ZN ficou sem conserto após a colisão com o veículo de matrícula espanhola, nem parece que possa falar-se de privação de uso da viatura, porque do que se tratou foi, mais do que isso, da perda da própria viatura, afigurando-se que a impossibilidade de utilização do veículo perde autonomia, em face da sua irreparabilidade, pelo que o ressarcimento a fazer, seria só no âmbito da indemnização ,por equivalente, com fundamento na excessiva onerosidade da reparação e esse mostra-se efectuado…”.
Com base nesta argumentação, a 1ª instância julgou improcedente o pedido de indemnização por privação de uso.

A Relação entendeu diversamente.
Defendendo a viabilidade do pedido de indemnização por lucros cessantes decorrentes da paralisação do veículo pelo menos até ao pagamento da indemnização por perda total, escreveu-se no acórdão recorrido:
Salvo o devido respeito, não podemos estar de acordo com a afirmação de incompatibilidade entre o pedido de indemnização por dano decorrente da imobilização e a indemnização por “perda total” do veículo.
Com efeito, e como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 21.04.2005, «[a] indemnização pelo valor do automóvel destruído apenas ex nunc e para o futuro consome a protecção do interesse do lesado mediante a indemnização da paralisação».
Considera-se no citado aresto, que no caso de perda total do veículo apenas se deverá ter em conta que a privação do uso apenas cessa quando o lesado é indemnizado do valor do seu veículo (perda total).
O específico dano da privação do uso do veículo destruído subsistirá, com autónoma vocação indemnizatória, até que o lesado seja ressarcido, nomeadamente por mero equivalente (em dinheiro), da perda total.
Apenas a partir desse momento deixa de poder falar-se de privação do uso do veículo, posto que reconstituída - por equivalente, repete-se - a situação que existiria se não fosse o facto do lesante e a perda do automóvel (artigos 562.º e 566.º do Código Civil).
Em conclusão, é configurável a possibilidade de existência de um dano indemnizável, correspondente à paralisação do veículo, entre a data do acidente (26 de Abril de 2005) e a data de pagamento da indemnização por “perda total” do veículo (31 de Março de 2006).
O que não é viável é a indemnização por lucros cessantes, decorrentes da paralisação do veículo, a partir do momento em que o lesado é indemnizado pela perda total.

A recorrente não questiona este entendimento.

Mas, depois de admitir a ressarcibilidade autónoma do dano de privação de uso, a Relação entendeu também que a respectiva indemnização não poderia ser feita, no caso em apreço, pela média da facturação porque esta confundia o valor da facturação (no qual se incluíam s custos) com o lucro cessante e, subsidiariamente, calculou o valor da indemnização pelas tabelas do acordo celebrado entre a ANTRAM e a APS.
Medida esta que a recorrente não aceita, porque, por um lado, tendo-se demonstrado que a Autora recorreu ao aluguer de viaturas para substituir a sua, deveria ter demonstrado o valores que despendeu nesses alugueres – o que não fez – e por outro, porque tendo recorrido ao aluguer de viaturas não deixou de realizar os transportes que alega não ter efectuado…
Concordamos que, tendo o valor da viatura sido indemnizada, a título de perda total, em 31-03-2006 (a viatura foi, nesta data, substituída, em sub-rogação real, no património da Autora pelo respectivo valor), há, todavia, que ressarcir os danos que advieram da frustração das respectivas utilidades e da impossibilidade do respectivo aproveitamento económico no período em que, imprestável, se manteve no património da Autora, ou seja, desde a data do acidente até à data do pagamento da indemnização correspondente ao seu valor.
Com efeito, determinando os estragos causados no acidente a impossibilidade de funcionamento e utilização do veículo, nesse período a Autora nem retirou proveito da viatura nem lhe foram disponibilizados meios de a substituir (ou reparar, conquanto tal se revelasse economicamente justificável…).
Houvera a responsável indemnizado a perda total do veículo imediatamente após o acidente (ou, temporalmente, o mais próximo possível dele) e a questão da indemnização do valor de uso não se colocaria ou, então, colocar-se-ia, seguramente. em termos diversos.
A falta de reparação ou quando esta não seja viável pela sua grande onerosidade, não retiram ao lesado o prejuízo que sofreu pela privação do veículo, pelo menos até à data em que receba da seguradora a indemnização correspondente” (cfr. Joel Timóteo Ramos Pereira,  dano da privação de uso de veículo, acessível na INTERNET através de http://www.verbojuridico.com/doutrina/artigos/danoprivacao.html).
Estudo este cujo entendimento a seguir se louve em acórdão da Relação do Porto de 05-02-2004, CJ, I, p.179):
"Não sendo viável a reconstituição natural, terá se operar-se uma indemnização ou restituição por equivalente, traduzida na entrega de uma quantia em dinheiro que corresponda ao montante dos danos. Esta indemnização abrange, desde logo, o dano constituído pela definitiva perda do veículo; mas não só. Essa perda implica um dano concomitante, que é o da privação do uso do veículo e de todas as utilidades que este poderia proporcionar. A privação de uso, que no caso normal de reconstituição natural, ocorrerá até ao momento em que esta se efective, com a entrega ao lesado do veículo reparado; no caso da restituição por equivalente, a privação verificar-se-á também objectivamente e deve entender-se que subsiste até ao momento em que ao lesado seja satisfeita a indemnização correspondente. Só neste momento, com efeito, é que o lesado ficará habilitado a adquirir um veículo que substitua o que foi danificado".
E neste mesmo sentido, este STJ em acórdão de 21-04-2005 entendeu que 
“… o específico dano da privação do uso do veículo destruído subsiste, com autonomia indemnizatória, até que o lesado seja ressarcido, designadamente por mero equivalente (em dinheiro), da perda total, apenas a partir desse momento, reconstituída a situação que existiria se não fosse o facto do lesante conducente à destruição do automóvel (arts. 562.º e 566.º do CC), deixando por consequência de poder falar-se de privação do uso deste” (cfr. Revista n.º 2246/03 - 2.ª Secção – Lucas Coelho (Relator).
Entendimento este mantido em 20-09-2005´e em 19-10-2010:

O específico dano da privação do uso do veículo destruído subsistirá, com autónoma vocação indemnizatória, até que o lesado seja ressarcido, nomeadamente por mero equivalente (em dinheiro), da perda total” (cfr. Revista n.º 1992/05 - 6.ª Secção – Ribeiro de Almeida (Relator)

A privação mantém-se enquanto o responsável não reparar o veículo ou não indemnizar, em equivalente, no caso de perda total, o lesado, obrigação jurídica que lhe compete exclusivamente.” 

“Só com a reparação ou a indemnização cessa o dano e, por isso, só nessa altura pode deixar de falar-se na privação do uso”. (cfr. Revista n.º 70/06.8TBCVL.C1.S1 - 1.ª Secção – Moreira Alves).
Eis porque, a posição da 1ª instância, assente na consumpção do dano da privação de uso pelo da perda do veículo nos casos de perda total (por não ser possível o uso de coisa imprestável e inutilizável…), nos parece de todo insustentável.
Estão em causa, como se depreende da posição da recorrente, os lucros cessantes causados pela privação de utilização e aproveitamento da viatura até ao dia 31-03-2006, não os prejuízos ou diminuições patrimoniais causados em que se analisa o uso em si mesmo, pois que as coisas valem por si e pelas faculdades que proporcionam: a privação de uso tanto pode redundar, numa perspectiva estática da realidade, na diminuição do valor de uso ao valor da coisa (dano emergente) como, agora numa perspectiva dinâmica, na frustração do aproveitamento e de fruição das potencialidades da coisa (lucros cessantes).
O caso das viaturas automóveis é paradigmático: uma viatura danificada e impossibilitada de circular não tem qualquer valor de uso mas continua a ter valor (quanto mais não sejam, in extremis, o dos salvados…); neste caso, a diferença entre o valor actual, no estado em que se encontra, e o valor que teria, reparada configura um prejuízo (dano emergente) que se confunde com o valor de uso cuja falta integra, por isso, a galeria dos danos emergentes; quer dizer, no património do lesado, tal viatura, apesar de danificada, continua a ter valor, só que não é utilizável…

Neste sentido, entendeu este STJ que “da imobilização de um veículo pendente de reparação em consequência de acidente pode resultar: a) um dano emergente - a utilização mais onerosa de um transporte alternativo como o seria o aluguer de outro veículo; b) um lucro cessante - a perda de rendimento que o veículo dava com o seu destino a uma actividade lucrativa; c) um dano advindo da mera privação do uso do veículo que impossibilita o seu proprietário de dele livremente dispor com o conteúdo definido no art. 1305.º do CC, fruindo-o e aproveitando-o como bem entender” (cfr. Ac 29-11-2005 – Revista n.º 3122/05 - 7.ª Secção – Araújo Barros (Relator), Oliveira Barros.

Mas a privação do valor de uso pode configurar a impossibilidade de fruição e frustração dos benefícios que a viatura poderia proporcionar; neste caso, a privação do valor de uso será fonte de danos mas na modalidade de lucros cessantes.
Provou-se que, nesse período, a Autora recorreu ao aluguer de viaturas para efectuar transportes
Esse aluguer analisou-se num custo que não suportaria caso utilizasse a viatura ZN; esse custo acrescido configura-se como despesa.
Mas a Autora não reclama a indemnização por essas despesas; pede, sim, a indemnização pelos benefícios que deixou de obter em consequência do acidente, ou seja, pelos rendimentos da exploração económica da viatura frustrados em consequência do acidente.
São, por isso, os transportes que não teria efectuado e os rendimentos cujo recebimento, por isso, se teriam frustrado que estão em causa.
Ora, provou-se que durante esse período de tempo, a Autora recorreu ao aluguer e transporte de outros camiões para efectuar transportes para Espanha.
Sendo os lucros cessantes os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (art. 564º nº1 CC), era relevante que, conforme fora por ela alegado, tivesse havido transportes que a Autora deixou de efectuar e, consequentemente, deixado de auferir as respectivas contrapartidas.
Mas, forçoso é concluir que, tendo a Autora recorrido ao aluguer de viaturas de substituição, não houve transportes que tivessem deixado de ser efectuados (nem frustração das correspondentes contrapartidas).
A Relação entendeu que “…a autora teve um prejuízo, na medida em que se provou que: i) aquele era o único camião da autora com alvará para transportes internacionais; ii) a autora facturava com aquele veículo uma média mensal de € 10.291,67; iii) devido à paralisação, e até à data do pagamento da indemnização por “perda total” (durante 108 dias), a autora teve que recorrer a aluguer de um veículo semelhante para garantir a prestação dos serviços aos clientes; iv) nos termos da tabela constante do acordo celebrado entre a ANTRAM - Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e a APS – Associação Portuguesa de Seguradoras, o aluguer de um veículo da categoria do ZN ascende a € 275,25, por dia”.
Sem dúvida que, por via do acidente e da imobilização do veículo, a Autora sofreu um dano mas, tendo em conta o comprovado recurso a veículos de substituição, esse dano analisa-se nos custos que suportou para obter a disponibilização desses veículos (vg., alugueres), o quais se reconduzem a prejuízos ou diminuições patrimoniais (danos emergentes) e não a frustração de ganhos ou de rendimentos de exploração (lucros cessantes).
O dano, como é sabido, engloba o dano emergente e o lucro cessante (art. 564º nº1 CC).
O chamado dano da imobilização (dano de paro ou dano por paro na terminologia espanhola) decorre da paragem imposta a uma viatura destinada a circulação com fins de lucro quando a paragem resultou de um facto culposo de terceiro. Este dano é posterior ao causado à estrutura material da viatura cuja medida é a do custo da reparação (dano emergente). O dano de imobilização decorre da impossibilidade de utilização do veículo imobilizado por culpa de outrem e configura-se como lucro cessante quando não é possível remediar-se essa falta de utilização, sofrendo então o património do transportador uma carência de benefícios – lucro cessante – intimamente dependente da paragem do mesmo veículo. Não existe remédio quando o transportador não dispõe de outra viatura nem pode substituir o veículo danificado por outro, não podendo assim, satisfazer as exigências do tráfico que anteriormente satisfazia, sofrendo assim uma perda de ganhos (lucro cessante). Pelo contrário, o dano por imobilização configura-se como emergente quando há remédio para suprir a falta de utilização do veículo, ainda que oneroso. Quando o transportador pode substituir o veículo danificado por outro, pode continuar a sua actividade e não sofre por isto uma perda de ganhos, ainda que tenha de suportar os gastos de substituição, os quais representam um prejuízo para a estrutura actual do seu património que há que qualificar como dano emergente. Este custo constitui a perda de um elemento actual do seu património, originado pelo facto culposo do mesmo terceiro (integram também o dano a ressarcir as medidas empregadas pelo lesado para remediar ou atenuar as consequências do facto culposo, já que, visando remediar ou obviar as consequências lesivas do facto, elas mesmas se deduzem dele (cfr. Adriano de Cupis, El daño, trad esp., p. 314).
No caso sub júdice – em que se questiona o dano da privação de uso em termos de lucros cessantes - a indisponibilidade da viatura foi suprida pelo recurso ao aluguer de outras viaturas; logo, a privação do uso daquela não implicou para a lesada um dano em termos de lucro cessante, muito embora fosse susceptível de configurar um dano em termos de dano emergente (cuja indemnização não é peticionada).
E, louvando-nos, mais uma vez na jurisprudência do STJ, “a simples privação de um veículo sem a demonstração de qualquer dano, i.e., sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, não é susceptível de fundar a obrigação de indemnizar. Para que a imobilização de uma viatura possa significar danos para o seu proprietário é necessário alegar-se e provar-se factos nesse sentido” (cfr. Ac. 23-11-2010 – Revista n.º 2393/06.7TBSTS.P1.S1 - 1.ª Secção – Garcia Calejo (Relator).
Logo, a mera privação de utilização de um veículo, desacompanhada da demonstração de outro danos, seja na modalidade de lucros cessantes (frustração de ganhos) seja na de danos emergentes (despesas acrescidas justificadas pela impossibilidade de utilização) não é susceptível de autónoma indemnização, entendimento este já sufragado por este STJ em acórdão de 21-10-2010, segundo o qual “a simples privação do veículo, acompanhada da demonstração de inexistência de qualquer dano (no caso, o autor tem-se deslocado para o local de trabalho em viaturas emprestadas ou à boleia), não é susceptível de fundar a obrigação de indemnizar” (cfr. Revista n.º 4487/04.4TBSTB.E1.S1 - 2.ª Secção – João Bernardo).
Daí que, não tendo a Autora e lesada alegado nem demonstrado quaisquer ganhos ou vantagens frustradas pela impossibilidade de utilização do veículo sinistrado nem as despesas que teve de suportar com o aluguer e com o empréstimo de viaturas (e que não teria se utilizasse o veículo danificado), inexista dano de privação de uso indemnizável e, consequentemente, seja de conceder a revista.
        
 

ACÒRDÃO

Pelo exposto, acorda-se neste STJ em conceder a revista e, revogando o acórdão recorrido na parte em que condenou a Ré no pagamento à Autora da indemnização de € 29.727,00 euros referente à indemnização correspondente a 108 dias de paralisação do veículo, absolver esta de tal pedido.
Custas pela A. e Ré, na proporção do vencimento.



Lisboa, 12 de Janeiro de 2012

Fernando Bento (Relator)
João Trindade
Tavares de Paiva