Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2290/10.1TXCBR-T.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: RECURSO DE DECISÃO CONTRA JURISPRUDÊNCIA FIXADA
TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
PRAZO
EXTEMPORANEIDADE
PENA DE PRISÃO
LIBERDADE CONDICIONAL
REVOGAÇÃO
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
REENVIO DO PROCESSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 11/23/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I -    Nos termos do art. 242.º, n.º 1, al. a), do CEPMPL o MP recorre obrigatoriamente de quaisquer decisões proferidas contra jurisprudência fixada pelo STJ.

II -   O recurso é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, nos termos do art. 446.º, n.º 1, do CPP, para que remete o art. 244.º do CEPMPL.

III - O n.º 4 do art. 242.º do CEPMPL – que estabelece que o recurso é interposto nos 30 dias subsequentes à prolação da decisão – carece de interpretação restritiva, limitando-se a sua aplicação ao recurso de fixação de jurisprudência nos casos de oposição de decisões dos tribunais de execução das penas em processos de impugnação [al. b) do n.º 1 do art. 242.º do CEPMPL], dela se excluindo o recurso de decisões proferidas contra jurisprudência fixada pelo STJ [a que se refere a al. a) do mesmo preceito].

IV - Tendo sido interposto no 5.º dia posterior à decisão recorrida, ou seja, em data anterior ao trânsito em julgado, o recurso contra a jurisprudência fixada no acórdão n.º 7/2019, de 04-07-2019 (Diário da República, 1.ª Série, de 29-11-2019), é extemporâneo, devendo ser rejeitado por inadmissibilidade (artigos 414, º, n.º 2, 441.º, n.ºs 1 e 3, e 448.º do CPP e 246.º do CEPMPL).

V -  Mostrando-se substancialmente preenchidos os requisitos da motivação a que deve obedecer o recurso ordinário, no uso da faculdade a que se refere o art. 193.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi arts. 4.º do CPP e 154.º do CEPMPL, determina-se que autos sejam remetidos ao Tribunal da Relação para conhecimento do recurso.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I.  Relatório

1. O Ministério Público interpõe “recurso obrigatório direto para o Supremo Tribunal de Justiça”, nos termos do artigo 446.º do Código de Processo Penal (CPP) e al. a) do n.º 1 do artigo 242.º do CEPMPL (Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade), da decisão de 12 de maio de 2022 proferida pela juíza de execução das penas no processo de liberdade condicional n.º 290/10.1TXCBR-P do Juízo de Execução das Penas de Coimbra, Juiz ..., do Tribunal de Execução das Penas de Coimbra, alegando que esta decisão foi proferida contra a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão n.º 7/2019, de 4 de julho de 2019, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 230 de 29 de novembro de 2019, pág. 15 e seguintes.

2. A Senhora Procuradora da República no tribunal recorrido motiva o seu recurso dizendo em conclusões:

«1. Havendo lugar à execução sucessiva de várias penas pelo mesmo condenado, caso seja revogada a liberdade condicional de uma pena com fundamento na prática de um crime pelo qual o arguido foi condenado em pena de prisão, o arguido terá de cumprir o remanescente dessa pena por inteiro por força do disposto no artigo 63.º, n.º 4, do CP, não podendo quanto a ela beneficiar de nova liberdade condicional [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2019, in Diário da República, 1.ª série, N.º 230 de 29 de Novembro de 2019, pág. 15 e seguintes]

2. A pena residual resultante da revogação da liberdade condicional tem de ser tratada como um bloco, relativamente à outra pena em execução, sendo apenas após o seu cumprimento integral apreciada nova liberdade condicional.

3. A apreciação da liberdade para prova após o decurso da medida da pena concreta na pena relativamente indeterminada contida numa pena residual por revogação da liberdade condicional, não pode ocorrer em concurso com a apreciação da liberdade condicional da nova pena de prisão por crimes que levaram à revogação da liberdade condicional.

4. A liberdade condicional só pode ser concedida, relativamente a pena relativamente indeterminada até ser atingida a pena concreta, não sendo após tal data senão possível a liberdade para prova.

5. Não é possível a concessão da liberdade condicional relativamente a uma nova pena em execução sem, atingida a medida da pena concreta de pena relativamente indeterminada, ter antes sido apreciada a liberdade para prova.

6. A apreciação da liberdade para prova numa pena relativamente indeterminada contida numa pena residual por revogação de liberdade condicional cuja execução está em concurso com a de nova pena de prisão, representaria sempre uma forma de cálculo sucessivo de tais penas.

7. Foi violada a norma do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2019, in Diário da República, 1.ª série, n.º 230 de 29 de Novembro de 2019, pág. 15 e seguintes, sendo o Ministério Público obrigado a recorrer.

Termos em que, com os do douto e muito necessário suprimento de V. Exas., deve no presente recurso julgar-se a desconformidade entre a aliás douta decisão recorrida e a jurisprudência fixada no também douto aresto n.º 7/2019, com todas as legais consequências, pois assim é de DIREITO e só assim se fará JUSTIÇA!”

3. Não houve resposta ao recurso.

4. Vem junta certidão do acórdão recorrido, com a data de 12 de maio de 2022, e do requerimento do recurso apresentado pelo Ministério Público, constando que este foi apresentado (“data da entrega” certificada) no dia 17 de maio de 2022.

Também vem junta certidão da decisão da juíza de execução das penas de 25.01.2016, que concedeu a liberdade condicional ao condenado AA.

5. Recebido, foi o processo com vista ao Ministério Público, em conformidade com o disposto no artigo 440.º do CPP.

A Senhora Procuradora-Geral Adjunta emite parecer no sentido da rejeição do recurso, por, em sua opinião, ser intempestivo, face ao disposto no artigo 446.º do CPP, e, mesmo que assim não fosse, por não ocorrer oposição entre o decidido e a jurisprudência fixada no acórdão n.º 7/2019.

Diz em seu parecer:

«(…)

O art. 446.º, do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça consagra: “1 - É admissível recurso direto para o Supremo Tribunal de Justiça, de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada, a interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo correspondentemente aplicáveis as disposições do presente capítulo. 2 - O recurso pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público. 3 - O Supremo Tribunal de Justiça pode limitar-se a aplicar a jurisprudência fixada, apenas devendo proceder ao seu reexame se entender que está ultrapassada.”

Assim, o recurso de decisão proferido contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça é um recurso de carácter extraordinário que permite a este Tribunal controlar as decisões contrárias à jurisprudência que fixou, garantindo a coerência e estabilidade da jurisprudência. Permitindo desta forma o reexame dessa jurisprudência quando, por exemplo, surjam argumentos novos, não anteriormente ponderados, ou quando a jurisprudência fixada se encontra ultrapassada. Ao recurso contra jurisprudência são "correspondentemente aplicáveis" as disposições do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, o que significa que terão de verificar-se os respectivos pressupostos, formais e substanciais – artigo 446.º do CPP -. Entre os requisitos de ordem formal contam-se a legitimidade do recorrente - que é restrita ao arguido, ao assistente, às partes civis e ao Ministério Público - e a interposição do referido recurso no prazo de 30 dias a partir do trânsito da decisão de que se pretende recorrer. É ainda exigível a existência de prévio trânsito em julgado, por esgotada a possibilidade de recurso ordinário. A nível substancial, exige-se a oposição entre a decisão recorrida e um acórdão de fixação de jurisprudência. Isto é, exige-se, nos termos do art. 445. °, n.° 3, do CPP, que "a decisão recorrida tenha decidido em sentido divergente ao do acórdão uniformizador, por não acatamento da sua doutrina, caso em que o tribunal que assim decida terá de fundamentar a sua divergência".

No caso em apreço, no que diz respeito à legitimidade o mesmo foi interposto por quem tinha legitimidade para tanto, já que foi interposto pelo Ministério Público.

Quanto à tempestividade do recurso:

Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 446.º do CPP é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada, recurso esse a interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida.

“In casu”, e decorrendo da tramitação processual, o Ministério Público veio em 17/05/2022 interpor recurso obrigatório de decisão proferida em 12 de Maio de 2022, porquanto, em seu entender, a mesma, contrariar a jurisprudência fixada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2019, publicado no diário da república n.º 230/2019, série I, de 29/11/2019. Uma decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação [artigo 628.° do Código de Processo Civil (CPC), correspondente ao artigo 677.° do anterior CPC, aplicável ao processo penal ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal], sendo que, no caso de decisões inimpugnáveis, o trânsito se verifica findo o prazo para arguição de nulidades ou apresentação de pedido de correcção, ou seja, o prazo-regra de 10 dias fixado no n.º 1 do artigo 105.° do CPP [cfr. os acórdãos de 22.03.2017 (Oliveira Mendes), proc. 295/11. 4TAMGR-A.C1-B, de 30.10.2019 (Raul Borges), proc. 324/14.0TELSB-N.L1-D.S, citando o acórdão de 13.04.2016, no processo 651/11.8GASLH-B.S1, de 20.03.2019 (Nuno Gonçalves), proc. 42/18.0GAMNC.G1-A.S1, de 13.12.2007 (Raul Borges), proc. 2571/07, de 22.09.2016 (Helena Moniz), proc. 43/10.6ZRPRT.P1-D.S1.

No caso em análise, a decisão recorrida admitia recurso ordinário para o Tribunal da Relação (artigo 411.º n.º 1 do CPP).

Ora, tendo o recurso contra jurisprudência fixada sido apresentado em 17/05/2022, não se tinha ainda verificado, nessa data, o trânsito em julgado da decisão recorrida. Assim, o recurso foi apresentado antes do início do prazo legalmente fixado para o efeito, ou seja, fora de prazo.

Dispõe o artigo 441.º, n.º 1, do CPP que o recurso é rejeitado, em conferência, se ocorrer motivo de inadmissibilidade.

Nos termos do artigo 414. °, n.º 2, do CPP, subsidiariamente aplicável ao recurso extraordinário de fixação de jurisprudência (artigo 448. ° do CPP), o recurso não é admitido quando for interposto fora de prazo.

Assim, deve o recurso ser rejeitado com fundamento na sua inadmissibilidade.

III - Do mérito:

Mas, mesmo que assim não fosse sempre se dirá que não se mostram reunidos os requisitos a nível substancial. Com efeito, exige-se a oposição entre a decisão recorrida e um acórdão de fixação de jurisprudência. Isto é, exige-se, nos termos do art.º 445. °, n.º 3, do CPP, que "a decisão recorrida tenha decidido em sentido divergente ao do acórdão uniformizador, por não acatamento da sua doutrina, caso em que o tribunal que assim decida terá de fundamentar a sua divergência". Para além destes requisitos e, apesar de a lei processual penal não o referir expressamente, tem entendido a jurisprudência deste STJ que, para apurar da existência da oposição de julgados entre a decisão recorrida e o acórdão de fixação de jurisprudência, "o critério terá de ser o da oposição de julgados que, usado no recurso de uniformização de jurisprudência, de acordo com o disposto no artigo 437° do Código de Processo Penal, há-de aplicar-se também nesta espécie de recurso extraordinário, por via do estatuído no n.º 1 do art. 446.º do mesmo diploma. Nessa apreciação releva a identidade de facto respeitante à mesma questão de direito que é, justamente, a tratada no acórdão uniformizador.”1 O recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada está, assim, sujeito aos mesmos requisitos substanciais exigidos para o recurso de fixação de jurisprudência, isto é, é necessário que a oposição respeite à própria decisão e não aos fundamentos, bem como que se verifique identidade de facto quanto à mesma questão de direito. No caso vertente entende o Ministério Público que a decisão recorrida está em manifesta oposição com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n° 7/2019, de 29 de Novembro. Ora, a norma do art.º 446. °, do CPP, que prevê a possibilidade de recurso de decisão contra jurisprudência fixada, encontra-se directamente relacionada com a do n.º 3 do art.º 445º, do CPP, a qual estipula que, embora a jurisprudência fixada pelo STJ não seja obrigatória para os tribunais judiciais, "estes devem fundamentar as divergências relativas" aquela. Assim, apenas as decisões que divergem da jurisprudência fixada, isto é, as decisões que a mencionam e contrariam expressamente, fundamentando o tribunal que assim decida a razão da sua divergência, podem ser objecto do presente recurso extraordinário, pois que apenas nestes casos, em que é questionada a validade da jurisprudência fixada pelo STJ, pode este equacionar a necessidade de a reexaminar, de acordo com o n.º 3 do art. º 446. ° do CPP. No caso em apreço, é manifesto que o tribunal recorrido não afirmou qualquer oposição à jurisprudência fixada pelo acórdão do STJ n nº 7/2019, publicado no D. R. 230/2019, série I, de 29/11/2019. Não se está, portanto, perante uma decisão com o alcance do mencionado art. 446º do CPP.

De todo o modo, sempre se dirá também que, percorrido o teor da decisão recorrida, se constata que a mesma não se pronunciou sobre a matéria tratada pelo acórdão de fixação de jurisprudência invocado pelo recorrente e, não divergiu da doutrina nele fixada, já que, a situação aí apreciada não era o cômputo de penas, para efeitos de concessão de liberdade condicional, quando uma das penas, em causa, é uma pena relativamente indeterminada, que nunca chegou a ser executada em regime de medida de segurança. Assim sendo, é inequívoco que não existe antinomia entre as respetivas decisões. Não se está, assim, perante decisão proferida contra jurisprudência fixada e, desta forma, não estão cumpridos todos os pressupostos para que se possa admitir o presente recurso.

Face ao exposto, e sem necessidade de mais considerandos, pronunciamo-nos pela rejeição do presente recurso.”

6. Efectuado o exame preliminar, o processo foi remetido à conferência, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 440.º do CPP, aplicável ex vi artigo 446.º, n.º 1, do CPP, para decisão.

II. Fundamentação

7. Tendo havido lugar à revogação de anterior liberdade condicional concedida ao condenado AA e tendo-lhe sido imposta uma nova pena de 8 anos de prisão, a decisão recorrida definiu “os marcos temporais para a apreciação da liberdade condicional”, levando em conta a questão, que qualifica de “complexa”, de elaboração do cômputo, “em face do facto dessa anterior liberdade condicional que veio a ser revogada envolver também uma pena relativamente indeterminada, que nunca chegou a ser executada em regime de medida de segurança”.

De acordo com a decisão recorrida, “da pena relativamente indeterminada que veio a ser revogada, respeitante ao proc. 750/96...., subsistem ainda 6 anos, correspondentes ao período que decorreria caso a sua execução (que não chegou a ser iniciada no âmbito do anterior cumprimento de pena) decorresse em regime de medida de segurança, período de tempo esse que decorreria entre o cumprimento da pena concreta de 16 anos e 6 meses (já cumprida, quer no âmbito da anterior execução de pena, quer após a revogação, como se viu) e o limite máximo de 22 anos e 6 meses”.

Resulta da decisão recorrida que o Ministério Público, na decorrência da decisão de revogação da liberdade condicional considerou, no seu cômputo, “que tal período de tempo configura, também ele, um período de pena remanescente, ao qual é aplicável o estatuído no 64.º n.º 2 do CP, razão pela qual, e também em obediência ao Ac. de Fixação de Jurisprudência 7/2019, de 29/11, entendeu que todo esse período de 6 anos (…) deveria ser cumprido integralmente, sendo a liberdade condicional apreciada quando cumprido todo ele, acrescido de ½, 2/3 e 5/6 da nova pena de 8 anos, nos marcos temporais que ali calculou”.

A Senhora Juíza de execução das penas entendeu, porém, diversamente, “por razões relacionadas com a natureza da pena relativamente indeterminada e o regime da sua execução”.

E decidiu nos seguintes termos:

No caso, como se disse, a execução da pena relativamente indeterminada não chegou a executar-se no regime de medida de segurança, que poderia perdurar pelo período máximo de 6 anos.

Se é verdade que esse período de 6 anos de prisão, correspondente ao período que decorreria entre a pena concretamente fixada e o limite máximo da medida, não pode simplesmente ser desconsiderado por a mencionada pena não ter chegado a ser executada no referido regime, o certo é que entendemos também que perante a sua natureza e face ao fundamento único que autorizaria essa execução, e olhando ainda ao próprio regime previsto para a sua revogação, a respectiva execução deverá apenas ser ponderada se ao condenado não vier a ser concedida a liberdade condicional até aos seus 5/6 da nova pena que tem a cumprir (por no caso, essa nova pena ser de duração superior a 6 anos de prisão - art. 61.º n.º 4 do CP).

Julgamos, pois, e nesta medida, que deverá ser executada a nova pena de prisão, relativamente aos seus marcos temporais, acrescidos do remanescente de 5 meses e 1 dia de prisão decorrente da revogação da anterior liberdade condicional (na parte respeitante à pena de prisão propriamente dita que foi revogada), e a apreciação da liberdade condicional deverá ocorrer com base nos pressupostos materiais previstos nas al. a) e b) do n.º 2 do art. 61.º que vigoram para cada marco temporal.

Se a liberdade condicional não for concedida até aos 5/6 da nova pena e daquele remanescente, verificando-se a manutenção da perigosidade criminal do agente, deve a execução prosseguir, mas em regime de medida de segurança, nos termos previstos no art. 93.º n.ºs 1 e 2 do CP e por um limite máximo de 6 anos, correspondentes, pois, ao período de tempo respeitante à revogação da referida pena relativamente indeterminada.

E uma vez atingido o limite máximo de 6 anos da execução da pena em regime medida de segurança, o condenado será colocado em liberdade condicional, pelos 5/6 da pena de prisão que já havia anteriormente atingido.

Perante a explicitação vinda de referir, atente-se então aos seguintes dados:

- o condenado está ininterruptamente detido desde 10/1/2019 (tendo antes sofrido 1 dia de detenção a descontar);

- em virtude do cúmulo jurídico realizado no 1684/21.... (onde foram juridicamente cumuladas as penas aplicadas nos procs. 28/18.... e 5/20....), foi-lhe imposta uma nova pena única de 8 anos de prisão;

- a liberdade condicional anterior havia-lhe sido concedida quando lhe restavam 5 meses e 1 dia para o cumprimento integral da soma da pena remanescente respeitante ao proc. 2201/90.... e da pena concretamente determinada respeitante ao proc. 750/96....;

- a liberdade condicional foi-lhe concedida quando ainda faltavam, até ao termo das citadas penas, o referido período de 5 meses e 1 dia e ainda de 6 anos, estes correspondentes ao limite máximo da pena relativamente indeterminada;

- tal liberdade condicional foi revogada, sendo que a mesma respeitava não só à pena relativamente indeterminada imposta no proc. 750/96...., mas também a uma pena remanescente respeitante ao proc. 2201/90....;

- o novo remanescente de 5 meses e 1 dia de prisão respeitante ao cumprimento integral da soma da pena remanescente referente ao proc. 2201/90.... e da pena concretamente determinada do proc. 750/96.... foi cumprido entre 12/5/2021 e 13/10/2021, tal como resulta do cálculo formulado a fls. 103 e 104;

- o condenado encontra-se em cumprimento da nova pena única de 8 anos de prisão, imposta no proc. 1684/21....;

Termos em que, considerando o início da reclusão em 10/1/2019 e havendo 1 dia de detenção a descontar:

- o cumprimento da integralidade do remanescente respeitante à revogação da anterior liberdade condicional de 5 meses e 1 dia, acrescido da ½ da nova pena de 8 de prisão será atingido em 10/6/2023;

- o cumprimento da integralidade do remanescente respeitante à revogação da anterior liberdade condicional de 5 meses e 1 dia, acrescido de 2/3 da nova pena de 8 anos de prisão será atingido em 10/10/2024;

- o cumprimento da integralidade do remanescente respeitante à revogação da anterior liberdade condicional de 5 meses e 1 dia, acrescido de 5/6 da nova pena de 8 anos de prisão será atingido em 10/2/2026, e sendo-lhe concedida a liberdade condicional por não haver perigosidade criminal, ficará em liberdade condicional até 10/6/2027;

Atingidos os 5/6 assim computados em 10/2/2026, e havendo perigosidade criminal, a execução prosseguirá para execução dos 6 anos respeitantes à pena relativamente indeterminada que foi revogada, no regime previsto nos arts. 90º nº 3 e 92º nº 1, 93º nº 1 e 2, 94º e 95º todos do CP, e por tal período máximo de 6 anos e até ao dia 10/2/2032, altura em que o condenado deverá ser colocado liberdade condicional pelos 5/6 da pena referente ao proc. 1684/21.... até 10/6/2033, data em que atinge o termo das penas”.

8. Como se referiu, o Ministério Público interpõe o presente recurso nos termos dos artigos 446.º do CPP e do artigo 242.º, n.º 1, al. a), do CEPMPL.

9. Dispõe o artigo 446.º (Recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça) do CPP que:

«1 - É admissível recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada, a interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo correspondentemente aplicáveis as disposições do presente capítulo.

2 - O recurso pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público. (…)».

Por sua vez, o artigo 242.º (Recurso obrigatório) do CEPMPL estabelece a obrigatoriedade de recurso para o Ministério Público, dispondo:

«1 - O Ministério Público recorre obrigatoriamente, sendo o recurso sempre admissível:

a) De quaisquer decisões proferidas contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça;

b) De decisão proferida em processo especial de impugnação que, no domínio da mesma legislação e quanto a idêntica questão de direito, esteja em oposição com outra proferida por tribunal da mesma espécie;

2 - Para o efeito previsto no n.º 1, o sujeito contra o qual foi proferida a decisão recorrida pode requerer ao Ministério Público a interposição do recurso.

3 - Para o efeito previsto no n.º 1, os serviços prisionais e os serviços de reinserção social comunicam ao Ministério Público a oposição de decisões, logo que dela tomem conhecimento.

4 - O recurso é interposto nos 30 dias subsequentes à prolação da decisão em causa, pelo Ministério Público junto do tribunal que a tenha proferido, ao qual são dirigidas as comunicações a que se refere o número anterior e o requerimento previsto no n.º 2.

5 - O recurso interposto de decisão ainda não transitada em julgado suspende, até ao respectivo julgamento:

a) O prazo para interposição de recurso para a Relação;

b) Os termos subsequentes de recurso já instaurado, no que concerne à questão jurídica controvertida.

6 - Na hipótese prevista no número anterior, o recurso só tem efeito suspensivo da decisão recorrida se esse for em concreto o efeito legalmente atribuído à interposição de recurso para a Relação.»

A aparente oposição entre o estatuído no n.º 1 do artigo 446.º do CPP – segundo o qual o recurso deve ser interposto “no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida” – e no n.º 4 do artigo 242.º do CEPMPL – de acordo com o qual o recurso é interposto “nos 30 dias subsequentes à prolação da decisão em causa” – suscita, pois, a questão de saber se o recurso, apresentado no 5.º dia (em 17.05.2022) após ser proferida a decisão recorrida (em 12.05.2022), foi interposto ou não fora de tempo.

Assim se devendo, antes do mais, apreciar esta questão prévia.

10. A redação atual do artigo 446.º do CPP é a que resulta da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto.

Dispunha este preceito na sua redação anterior (da Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, cujo n.º 1 o artigo 242.º, n.º 1, al. a), do CEPMPL reproduz):

«1 - O Ministério Público recorre obrigatoriamente de quaisquer decisões proferidas contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, sendo o recurso sempre admissível.

2 - Ao recurso referido no número anterior são correspondentemente aplicáveis as disposições do presente capítulo. (…)»

Com a alteração introduzida em 2007 passou a prever-se expressamente, no corpo do n.º 1 do artigo 446.º, que o prazo de interposição do recurso contra jurisprudência fixada se conta a partir do trânsito em julgado da decisão recorrida. Lê-se, a este propósito, na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 109/X, que esteve na origem da Lei n.º 48/2007: “Em homenagem a um desígnio de economia processual, estabelece-se que o prazo de 30 dias para a interposição de recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada conta a partir do trânsito em julgado da decisão recorrida (artigo 446.º)”.

Na redação anterior, como vinha sendo entendido na jurisprudência, idêntica norma apenas se extraia por remissão do n.º 2 do artigo 446.º, que mandava aplicar, com as devidas adaptações, o n.º 1 do artigo 438.º. Dispõe este preceito (que se mantém na redação originária de 1987) que o recurso para fixação de jurisprudência é “interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar”; por força daquela remissão, passou a entender-se que a expressão “acórdão proferido em último lugar” incluía uma “decisão proferida contra jurisprudência fixada”.

11. As alterações introduzidas ao artigo 446.º do CPP em 1998 e em 2007 suscitaram controvérsia na jurisprudência e na doutrina a propósito das questões de saber se era necessário esgotar os recursos ordinários antes de lançar mão do recurso extraordinário de decisão contra jurisprudência fixada e do prazo para interposição do recurso (cfr. Simas Santos / Leal Henriques, Recursos Penais, Rei dos Livros, 9.ª ed., 2020, pp. 226-227).

Respondeu este Supremo Tribunal de Justiça (STJ) a estas questões, dizendo que só se justifica o recurso extraordinário quando a decisão já não é (ou não é) suscetível de recurso ordinário, contando-se o prazo de recurso a partir do respetivo trânsito em julgado. Argumenta-se que, na lógica do recurso obrigatório do Ministério Público para o Supremo Tribunal de Justiça, instituído em vista de este Tribunal poder controlar a aplicação da jurisprudência por ele fixada e de a rever e atualizar, se necessário (artigo 446.º, n.º 3, do CPP), face à flexibilidade de permissão legal de divergências fundamentadas (artigo 445.º, n.º 3, do CPP) aumentando a margem de decisão dos tribunais de instância, não faz sentido o recurso direto da 1.ª instância sem que se esgote a possibilidade de a 2.ª instância se pronunciar, impondo o respeito pela jurisprudência fixada (cfr., a este propósito, Henriques Gaspar et alii, Código de Processo Penal Comentado, 4.ª ed., Almedina, 2022, comentário de Pereira Madeira ao artigo 446.º, e Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, 4.ª ed., Católica Editora, anotação ao artigo 446.º).

Afirmou-se no acórdão deste Supremo Tribunal de 06.07.2011 (Souto de Moura), Proc. 4044/09.9TAMTS.S1 (em www.dgsi.pt):

“(…) O nº 1 do art. 446.º do CPP (…) dizia na sua anterior redacção que “O Ministério Público recorre obrigatoriamente de quaisquer decisões proferidas contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, sendo o recurso sempre admissível”. E no nº 2 do preceito prescrevia-se que ao recurso em questão eram aplicáveis as disposições do capítulo em que o preceito estava integrado, epigrafado “Da fixação de jurisprudência”. Por isso é que se devia considerar como prazo de interposição de recurso, nos termos do art.º 438.º n.º 1 do CPP, “30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar”.

Por outro lado, discutiu-se então qual o alcance da expressão “quaisquer decisões”, tendo o S.T.J. formado uma corrente jurisprudencial, nos termos da qual, as decisões da 1ª instância nunca eram passíveis de recurso extraordinário em virtude de violação de jurisprudência fixada, devendo sempre esgotarem-se os graus de recurso ordinário disponíveis.

Com a actual redacção (…) [m]anteve-se (…) o prazo de interposição de recurso de 30 dias, agora explicitamente incluído no n.º 1 do art. 446.º., e contado a partir do trânsito em julgado da decisão recorrida. No entanto, introduziu-se a alteração de passar a ser admissível “recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada”

A introdução da expressão “recurso directo” para o S T J, conjugada com a exigência do trânsito em julgado da decisão recorrida, significa que nunca o recorrente tem a possibilidade de escolher entre o recurso ordinário (no caso para a Relação) e o recurso extraordinário, se ainda estiver em tempo de interpor aquele primeiro tipo de recurso. Pura e simplesmente porque a decisão recorrida ainda não terá, à data, transitado. (…)

Na doutrina, a introdução da expressão “recurso directo” para o STJ foi encarada como a desnecessidade de se esgotarem os recursos ordinários para que se pudesse lançar mão deste tipo de recurso extraordinário (assim Manuel Simas Santos e Manuel Leal Henriques in “Recursos em Processo Penal”, pag. 196, ou, os mesmos e João Simas Santos, in “Noções de Processo Penal” pag. 544). A intervenção do Pleno das Secções Criminais do STJ, exigida para apreciar o recurso em foco, foi também reservada, por outros autores, só para as situações em que a decisão não era recorrível pelos meios ordinários por já não o admitir, ou por se terem esgotado os recursos ordinários admissíveis (assim Maia Gonçalves in “Código de Processo Penal” pag. 1048 ou Paulo P. Albuquerque in “Comentário do Código de Processo Penal” pag. 1192).

A “justificação para o recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada (...) só cobra verdadeira razão de ser quando já não é possível corrigir, através de recurso ordinário, a jurisprudência que se desviou da que se declarou, nos termos do Código, obrigatória.” Mas enquanto essa correcção puder ter lugar, não fará nenhum sentido banalizar a intervenção de um órgão com as características do Pleno das Secções Criminais do STJ.

Diz-nos Manuel Simas Santos e Leal Henriques: ““(…) a redacção dada ao n.º 1 do art.º 446.º, pela revisão de 2007, vem prescrever, diversamente, que “é admissível recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada”, donde que não seja obrigatório o esgotamento prévio dos recursos ordinários. Não significa isso, no entanto, que não possam, e a nosso ver devam, ser interpostos previamente aqueles recursos, designadamente pelo Ministério Público (…) Na verdade, quando o legislador da revisão de 2007 quis que o recurso directo fosse obrigatório, disse-o expressamente, como é o caso do n.º 2 do art.º 432.º, o que não acontece com o art.º 446.º” (in “Recursos…” pág. 196). O recurso poderá ser directo para o S T J, não tanto porque esteja na mão do recorrente optar entre o recurso ordinário da decisão, ou o recurso extraordinário para o S T J, mas porque se configuram situações em que a decisão já não é “recorrível pelos meios ordinários” (cf. P. P. Albuquerque loc. cit.). “Tratando-se de um recurso extraordinário, em nosso entendimento não pode ser interposto se for admissível recurso ordinário” (cf. Maia Gonçalves in “Código de Processo Penal Anotado” pág. 1048). Ou seja, segundo estes autores, a posição correcta será sempre a de esgotar os recursos ordinários. Mas no caso de tal não ter tido lugar e se ter deixado transitar em julgado a decisão de primeira instância, então subsistirá sempre, desde que tempestivo, o recurso extraordinário, directo para o STJ e obrigatório para o Mº Pº. A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem sufragado o ponto de vista apontado: “(…) o recurso deste teor cobra enquadramento ao nível dos recursos extraordinários, de adoptar, por definição, quando o jogo dos recursos normais já não funciona, ou seja, quando o lançar mão do expediente normal de impugnação enfrenta o trânsito do julgado” (cf. Ac. de 2/4/2008, Pº 408/08-3ª Secção. Em consonância, v. g. Ac.s de 16/1/2008, Pº 4270/07-3ª Secção, de 12/3/2009, Pº 478/09-3ª Secção, de 12/11/2009, Pº 1133/08.0PAVNF.S1, ainda da 3ª Secção, ou a nossa decisão sumária de 25/1/2011, Pº 224/09.5 ECLSB.L1.S1, da 5ª Secção, para além do atrás referido).”

12. A fixação de jurisprudência em matéria de execução de penas e medidas privativas da liberdade dispõe de normas próprias que regulam os designados “Recursos especiais para uniformização de jurisprudência”, estabelecidas no Capítulo II do Título V do Livro II (artigos 240.º a 246.º) do Código de Execução das Penas e Medidas (CEPMPL, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro), com remissões (artigo 244.º) para as disposições do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do CPP (artigo 438.º a 446.º), sendo-lhe subsidiariamente aplicáveis as disposições do CPP que regulam os recursos ordinários (artigo 246.º).

O artigo 240.º do CEPMPL dispondo sobre “Oposição de acórdãos da Relação”, em formulação que se aproxima dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 437.º do CPP, permite o recurso dos acórdãos da Relação, em oposição, nos seguintes termos:

«1 - Quando, no domínio da mesma legislação, um tribunal da Relação proferir acórdão que, relativamente à mesma questão de direito em matéria de execução das penas e medidas privativas da liberdade, esteja em oposição com outro da mesma ou de diferente Relação, é permitido recorrer do acórdão proferido em último lugar.

2 - Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.

3 - Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.»

Nos termos do artigo 244.º do CEPMPL, à interposição, tramitação e julgamento dos recursos para fixação de jurisprudência em matéria de execução das penas e à publicação e eficácia da respectiva decisão aplicam-se, com as necessárias adaptações, os artigos 438.º a 446.º do Código de Processo Penal.

13. Os artigos 235.º a 239.º do CEPMPL regulam os “recursos para o tribunal da Relação”, que são “interpostos, tramitados e julgados como os recursos em processo penal” (artigo 239.º), em tudo o que não for contrariado pelo CEPMPL. Diversamente do que sucede nos recursos (ordinários) em processo penal (artigo 399.º e segs. do CPP), em que vigora o princípio geral da recorribilidade das decisões judiciais (artigo 399.º do CPP), das decisões do tribunal de execução das penas só cabe recurso (para a Relação) nos casos expressamente previstos na lei (artigo 235.º, n.º 1, do CEPMPL), sendo ainda recorríveis as decisões do tribunal de execução das penas de extinção da pena e da medida de segurança privativas da liberdade [al. a)], de concessão, recusa e revogação do cancelamento provisório do registo criminal [al. b)] e as proferidas em processo supletivo [al. c), do n.º 2 do mesmo preceito].

As decisões do Tribunal de Execução das Penas proferidas no processo de impugnação de decisões da administração prisional (artigos 200.º a 215.º do CEPMPL) não são passíveis de recurso ordinário, pois que, como se justifica na Exposição da Motivos da Proposta de Lei n.º 252/X, que esteve na origem do CEPMPL, já está assegurada uma dupla instância de apreciação: administrativa e judicial.

Como se extrai dessa Exposição de Motivos, sublinha-se, no entanto, a importância de “assegurar a estabilidade” das “orientações jurisprudenciais em matéria de execução de medidas privativas da liberdade”, em respeito pelo princípio da igualdade de tratamento dos reclusos, reconhecendo que “à uniformização de jurisprudência apenas se chegue, em regra, por via de recurso interposto de decisão transitada em julgado”. Porém, tendo em conta que o recurso no interesse da unidade do direito, determinado ou interposto pelo Procurador–Geral da República (artigo 245.º do CEPMPL) – que, na falta de outra, seria a via possível de reação – “constitui o último recurso do sistema”, que “só será accionado em casos raros”, veio o CEPMPL prever “um recurso obrigatório ampliado à contradição de decisões proferidas em processo de impugnação”, dizendo-se a este propósito: “Por um lado, o melindre das matérias objecto de processo de impugnação torna tão grave a contradição de julgados, que há que impor ao Ministério Público a obrigação de recorrer para se chegar à uniformização de jurisprudência. Por outro, sendo insusceptíveis de recurso as decisões proferidas em processo de impugnação, a uniformização de jurisprudência não é obviamente alcançável por via de recurso com fundamento na oposição de acórdãos do tribunal da Relação.”

14. O que vem de se expor permite identificar duas linhas essenciais do regime do recurso “especial” de fixação de jurisprudência regulado no CEPMPL, fundadas em razões de ordem histórica, teleológica e sistemática: (a) por um lado, a sua harmonização com o regime do recurso “extraordinário” de fixação de jurisprudência regulado no CPP, com aplicação supletiva das normas do processo penal, nele se incluindo o recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada (artigo 446.º do CPP), pressupondo o trânsito em julgado da decisão recorrida; e (b) por outro, o alargamento do recurso obrigatório para uniformização de jurisprudência aos casos de decisão, que não admite recurso (ordinário), proferida por um tribunal de execução das penas em processo especial de impugnação que, no domínio da mesma legislação e quanto a idêntica questão de direito, esteja em oposição com outra decisão proferida por outro tribunal da mesma espécie.

Esta ampliação do recurso de fixação de jurisprudência à contradição de decisões proferidas em processo de impugnação tornou necessário estabelecer um regime próprio, que é o que consta do artigo 242.º, n.ºs 1, al. b), e 2 a 6, do CEPMPL.

É assim que se tem vindo a afirmar que o n.º 4 do artigo 242.º do CEPMPL – que, como se viu, estabelece que o recurso é interposto nos 30 dias subsequentes à prolação da decisão em causa – carece de interpretação restritiva, limitando-se a sua aplicação ao recurso de fixação de jurisprudência nos casos de oposição de decisões dos tribunais de execução das penas em processos de impugnação [al. b) do n.º 1 do artigo 242.º do CEPMPL], dela se excluindo o recurso de decisões proferidas contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça [a que se refere a al. a) do mesmo preceito], o qual, nos termos do disposto no artigo 446.º, n.º 1, do CPP, aplicável ex vi artigo 244.º do CEPMPL, é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida.

15. Neste sentido vem decidindo uniformemente este Supremo Tribunal de Justiça, a partir dos acórdãos de 12.11.2020 (Helena Moniz), nos processos 3150/10.1TCPRT-R.S1 (em www.dgsi.pt) e 1283/11.6TXPRT-O.S1 (sumário publicado em “Sumários de Acórdãos das Secções Criminais”, 2020, em www.stj.pt), e nos acórdãos de 10.12.2020 (António Gama), Proc. 586/12.7TXCBR-R.S1, de 18.02.2021 (António Gama), Proc. 259/12.0TXCBR-O.S1, de 11-02-2021 (Margarida Blasco), Proc. 64/11.1TXLSB-Y.S1, que seguiu de perto os acórdãos anteriores, e de 17.02.2021 (Paulo Ferreira da Cunha), Proc. 634/11.8TXCBR-R.S1, todos em www.dgsi.pt [no mesmo sentido o acórdão de 26.10.2022 (Pedro Branquinho Dias), Proc. 498/20.0PAMGR.C1-A, ainda não publicado].

(a) Disse-se naqueles primeiros acórdãos de 12.11.2020: “(…) apesar, de o art. 242.º, n.º 4, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), determinar que o recurso deve ser interposto no prazo de 30 dias após a “prolação da decisão”, deve considerar-se que este apenas se refere aos recursos interpostos nos termos do art. 242.º, n.º 1, al. b), do CEPMPL. Isto porque, por força do disposto no art. 244.º, do CEPMPL, as regras relativas, nomeadamente, à interposição desta espécie de recurso devem seguir o disposto no art. 446.º, do CPP, ou seja, apenas deverá ser interposto recurso contra jurisprudência fixada quando a decisão recorrida já tenha transitado em julgado e após o seu trânsito (no prazo de 30 dias). Aliás, como é jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, um recurso contra jurisprudência fixada não pode ser interposto quando a decisão recorrida ainda possa ser modificada em sede de recurso ordinário”, citando-se o acórdão de 06.07.2011 acima parcialmente transcrito.

(b) E nos acórdãos de 10.12.2020 e de 18.02.2021: “A novidade, no elenco do CEPMPL, é o recurso de decisão proferida em processo especial de impugnação que, no domínio da mesma legislação e quanto a idêntica questão de direito, esteja em oposição com outra proferida por tribunal da mesma espécie (por um dos TEP), art. 242.º/1/b, CEPMPL). (…) o n.º 4 do art. 242.º, CEPMPL, apenas se aplica às decisões a que alude o art. 242.º/1/b (assim, ac STJ de 12.11.2020, Helena Moniz, proferido no processo n.º 1283/11.6TXPRT-O.S1). Só assim ganha sentido o sistema normativo cerzido pelo legislador quer no CPP, quer no CEPMPL. O 242.º/4, tem em vista os antecedentes n.ºs 2 e 3, normas estas que, por sua vez, só ganham sentido quando referidas ao n.º1/b. Este regime especial, tem em vista um tipo de procedimento específico, e só nesse contexto se percebe a intervenção da DGRSP (art. 242.º/3). Só assim é plena de sentido a remissão do art. 244.º, CEPMPL, «à interposição, tramitação e julgamento dos recursos anteriormente previstos e à publicação e eficácia da respetiva decisão aplicam-se, com as necessárias adaptações, os artigos 438.º a 446.º do Código de Processo Penal.». (…) A unidade do sistema processual e a congruência da resposta, a uma e mesma questão jurídica, reclama também esta solução.” Afirmando-se no sumário do acórdão de 18.02.2021: “A congruência das soluções normativas, aparentemente contraditórias, entre o regime consagrado no CPP, para o recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada, que estabelece o prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida (art. 446.º, n.º 1, do CPP), para interpor o recurso extraordinário e a disciplina constante do art. 242.º, n.º 4, do CEPMPL, que fixa como prazo de recurso, 30 dias subsequentes à prolação da decisão em causa, impõe a interpretação restritiva de que o n.º 4 do art. 242.º do CEPMPL, apenas se aplica às decisões a que alude o art. 242.º, n.º 1, al. b), do CEPMPL.”

(c) Consignou-se ainda no acórdão de 17.02.2021, invocando expressamente o sumário do acórdão de 12.11.2020, Proc. 1283/11.6TXPRT-O. S1, cit.: “À luz dos vigentes n.ºs 1 e 2, do art. 446.º não se pode interpretar que, no caso, poderá escolher-se arbitrariamente entre recurso ordinário e recurso extraordinário, por ser sempre admissível (nos prazos consignados) recurso direto para o STJ de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada. Designadamente, o MP não pode deixar de lançar mão, antes de mais, dos “meios ordinários”, sendo a recorribilidade direta permitida, sim, mas votada às situações de impossibilidade de utilização daqueles recursos. Cumprirá, pois, esgotar os recursos ordinários. Porém, se se deixou transitar em julgado a decisão de 1.ª Instância, então, na verdade, subsistirá sempre, desde que tempestivo, o recurso extraordinário, direto para o STJ e obrigatório para o Ministério Público. Vária doutrina e jurisprudência vão no sentido de que deve haver um esgotamento da possibilidade do recurso ordinário para se passar a utilizar o extraordinário. Por todos, v.g., Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, p. 1048, e os arestos deste STJ: Ac. de 2/4/2008, proferido no Proc.º n.º 408/08; Ac. de 16/1/2008, proferido no Proc.º n.º 4270/07, Ac. de 12/3/2009, proferido no Proc.º n.º 478/09, Ac. de 12/11/2009, proferido no Proc.º n.º 1133/08.0PAVNF.S1, Ac. de 12.11.2020, Proc. n. º 1283/11.6TXPRT-O. S1, este último com patente similitude com o presente caso.

16. Em conformidade com o que vem de se expor, conclui-se, assim, que o recurso direto para o Supremo Tribunal de Justiça, obrigatório para o Ministério Público, de decisão proferida pelo tribunal de execução das penas contra jurisprudência fixada, a que se refere o artigo 242.º, n.º 1, al. a), do CEPMPL, deve ser interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, nos termos do artigo 446.º do CPP, para que remete o artigo 244.º do CEPMPL.

Nos termos do disposto no artigo 628.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 4,º do CPP, e 154.º do CEPMPL, a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (em 30 dias ou em 10 dias, respetivamente – artigos 411.º, n.º 1, al. a), e 105.º, n.º 1, do CPP).

17. Como se viu, o presente recurso foi interposto no 5.º dia posterior à decisão recorrida, ou seja, em data anterior ao trânsito em julgado, pelo que, sendo extemporâneo, não é admissível (artigo 414.º, n.º 2, do CPP, aplicável ex vi artigo 448.º do mesmo diploma).

De acordo com o artigo 441.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, o recurso é rejeitado, em conferência, se o tribunal concluir pela inadmissibilidade.

A procedência desta questão prévia obsta ao conhecimento do mérito do recurso.

18. De acordo com o disposto no artigo 193.º, n.º 3, do CPC, o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados. Foi assim que, por esta razão, nos anteriores acórdãos de 12.11.2020 (processos 3150/10.1TCPRT-R.S1 e 1283/11.6TXPRT-O.S1), de 10.12.2020 (processo 586/12.7TXCBR-R.S1), de 11.02.2021 (processo 64/11.1TXLSB-Y.S1), de 17.02.2021 (processo 634/11.8TXCBR-R.S1) e de 18.02.22021 (processo 259/12.0TXCBR-O.S1), considerando a aplicação desta disposição ao processo penal ex vi artigo 4.º do CPP, se ordenou a remessa dos autos aos tribunais da relação para apreciação da possibilidade de aproveitamento do ato processual como recurso ordinário, da sua competência.

Como afirma Pereira Madeira (Código de Processo Penal Comentado, cit, supra), se o recurso é interposto antes do trânsito em julgado da decisão, ele “deverá seguir o rumo do recurso ordinário, já que, por essa via, bem pode acontecer que seja posto termo à impugnada violação de jurisprudência, não se justificando, por isso, o recurso ao meio extraordinário, que, justamente porque o é, só deve ser usado quando [já] não seja possível lançar mão dos meios ordinários de solução do litígio”.

A determinação de que “se sigam os termos processuais adequados” requer que se proceda à verificação dos requisitos do recurso ordinário impostos pelo artigo 412.º do CPP, de que depende a sua admissão, sob pena de rejeição, nos termos dos artigos 412.º n.º 1 e 2, 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, al. b), do CPP. Faltando a motivação, o recurso é rejeitado [como sucedeu no processo 259/12.0TXCBR-O.S1 – cfr. acórdão de 08.09.2021, Proc. 259/12.0TXCBR-P.S1 (Sénio Alves), em www.dgsi.pt]; a remessa seria, nesse caso, ato inútil, que não deve ser praticado (artigo 130.º do CPC ex vi artigo 4.º do CPP).

Vistas a motivação e respetivas conclusões, mostram-se substancialmente preenchidos os requisitos da motivação a que deve obedecer o recurso ordinário, nos termos do artigo 412.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, nomeadamente no que se refere à indicação da norma violada, na interpretação do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/2019, e ao sentido em que deveria ser aplicada na decisão recorrida. Não se afigurando relevante, para o efeito, o não preenchimento do requisito de oposição posto em evidência no parecer da Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça, que respeita ao recurso de decisão contra jurisprudência fixada.

Assim se justifica o uso da faculdade a que se refere o artigo 193.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigos 4.º do CPP e 154.º do CEPMPL.


III. Decisão

19. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:

a) Rejeitar, por inadmissibilidade, o recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada interposto pelo Ministério Público, em virtude de ter sido interposto antes do trânsito em julgado da decisão recorrida;

b) Determinar que autos sejam remetidos ao Tribunal da Relação de Coimbra para conhecimento do recurso.

Sem custas.


Supremo Tribunal de Justiça, 23 de novembro de 2022.


José Luís Lopes da Mota (relator)

Maria da Conceição Simão Gomes

Paulo Ferreira da Cunha

Nuno António Gonçalves