Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000002028 | ||
Relator: | EMÉRICO SOARES | ||
Descritores: | PEDIDO CAUSA DE PEDIR DEFESA POR EXCEPÇÃO ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS CONHECIMENTO OFICIOSO | ||
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Nº do Documento: | SJ200210240005644 | ||
Data do Acordão: | 10/24/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 251/01 | ||
Data: | 10/08/2001 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | ORDENADA A BAIXA DO PROCESSO. | ||
Área Temática: | DIR PROC CIV. DIR TRAB. | ||
Legislação Nacional: | CPC95 ARTIGO 3 N1 ARTIGO 489 ARTIGO 731 | ||
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Sumário : | 1 - O objecto de qualquer pleito é, em princípio, delimitado pelo pedido deduzido pelo autor na sua petição inicial e pelos respectivos fundamentos que são a sua causa de pedir, havendo, naturalmente, que se ter também em conta a eventual defesa exceptiva com que o réu pretenda obstar à procedência daquele pedido. 2 - O pedido formulado pelo autor deve considerar-se indissoluvelmente ligado à causa de pedir que o fundamenta, por forma a que, não se provando a concreta causa de pedir invocada, não pode o pedido lograr procedência com base em outros fundamentos. Da mesma forma, se o réu opôs á procedência do pedido do autor certa defesa, não pode o tribunal substituir-se-lhe com a adopção de uma defesa diferente que entenda mais adequada à situação em discussão, a não ser que de tal matéria o tribunal deva ser oficiosamente conhecer. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
No Tribunal do Trabalho de Penafiel, A, com a identificação nos autos, instaurou acção com processo ordinário contra B, com sede em Pias, Castelões de Cepeda, 4580 Paredes, pedindo que, na procedência da acção seja a Ré "condenada a reconhecer que o despedimento do A. é ilícito, com as consequências legais, nomeadamente a condenação no pagamento ao A. da indemnização contratualmente estipulada e das retribuições vencidas desde a data do despedimento até à data da sentença, subsídio de alimentação incluído, a retribuição vencida dos 10 dias de Fevereiro de 1999, o subsídio de alimentação desde o mês de Agosto de 1998 até ao dia 10 de Fevereiro de 1999, a remuneração de 150.000$00 mensais, acrescida de IVA, desde Julho de 1998 até ao dia 10 de Fevereiro de 1999 e daí em diante, as férias e subsídio de férias vencidos em 1.1.99 e os proporcionais de férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal a 1999, com juros legais desde a data do vencimento das obrigações até integral pagamento". Para tanto alegou, fundamentalmente: O A. foi admitido, por contrato de trabalho subordinado pela C. Exercia as funções de responsável pelo sector administrativo e financeiro e de consultor, com a remuneração mensal de base de 545.000$00, em 14 meses, acrescida de subsídio de alimentação diário de 340$00 e de 150.000$00, mais IVA, em 12 meses. Em processo especial de recuperação de empresa por iniciativa da C, foi por deliberação dos credores, extinta essa empresa e constituída nova sociedade, a ora Ré, para a qual foi transmitido o contrato de trabalho do Autor, com aceitação deste, sem solução de continuidade e sem prejuízo da sua categoria e antiguidade. Por carta de 16.7.98, foi o A. suspenso preventivamente pela Ré, para a organização de processo disciplinar, tendo sido, por carta de 12.1, recebida a 18, dirigida ao A. uma nota de culpa com intenção de despedimento, tendo sido o A. despedido com a alegação de justa causa. Revela a nota de culpa que os factos com base nos quais o Autor foi despedido não foram consequência de qualquer inquérito e que a R. já tinha conhecimento deles em 16.7.98 pelo que o procedimento disciplinar estava prescrito. Além disso a nota de culpa contém acusações vagas, genéricas e conclusivas e remete para um relatório de auditoria que não integra no seu texto, pelo que a acusação é nula, gerando a nulidade do processo disciplinar. O despedimento do A. é ilícito, por caducidade do processo disciplinar e por improcedência de justa causa, do que resulta a obrigação da Ré de satisfazer ao A. os créditos que peticiona. Contestou a Ré a acção, contrariando os factos aduzidos pelo A., apenas aceitando que este tem direito a receber o vencimento correspondente aos 10 dias de Fevereiro, férias e subsídios de férias vencidas em 1.1.99, aos proporcionais de férias subsídio de férias e Natal, no total ilíquido de 1.443.213$00 e concluindo que "deve a presente acção ser julgada parcialmente improcedente por não provada e em consequência a Ré absolvida da parte do pedido que exceda o valor do vencimento correspondente aos 10 dias de Fevereiro, férias e subsídio de férias vencidas em 1/1/99, aos proporcionais de férias, subsídio de férias e Natal, no total ilíquido de 1.443.213$00, declarando-se que a Ré despediu o A. com justa causa, com todas as consequências legais". Realizada a audiência preliminar a que alude o art.o 508-A do Cód. Proc., foi saneado o processo com a afirmação genérica de verificação dos pressupostos da validade e regularidade da instância, sendo de seguida, fixada a matéria tida como assente e organizada a base instrutória (fls. 212 a 218). Realizado o julgamento, o questionário mereceu as respostas constantes do despacho de fls. 280 a 282, sem reclamação das partes. Foi, depois, proferida a douta sentença de fls. 284 a 309 que, na procedência da acção decidiu: I - Declarar a ilicitude do despedimento por inexistência de justa causa e, por via disso: Inconformada com o decidido, levou a Ré recurso de apelação ao Tribunal da Relação do Porto. Subido o processo ao Tribunal ad quem, aqui, após uma primeira sua inscrição em tabela para julgamento, foi proferido despacho de adiamento por 30 dias, escrevendo ainda o Ex.mo Juiz Desembargador Relator o seguinte: "Tendo-se concluído pela hipótese de conhecer da denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental, foi deliberado notificar as partes para se pronunciarem no prazo de 10 dias, sobre essa hipótese". Notificadas as partes, veio a Recorrente manifestar o seu entendimento em como o Tribunal procede bem em conhecer de denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental. Opinião diametralmente contrária manifestou o Recorrido, mas sempre dizendo que o período experimental tinha já decorrido ao tempo em que foi despedido.. Seguiu-se a prolação do acórdão de fls. 344 a 351, verso, que decidiu "julgar procedente o recurso e revogar a sentença, declarando-se lícita a rescisão do contrato por ocorrida ainda durante o período experimental. Foi agora a vez do Autor/Recorrido de manifestar a sua irresignação com o decidido pela Relação do Porto, trazendo recurso de revista desse acórdão para este Supremo Tribunal, à cautela requerendo julgamento ampliado da revista nos termos do art. 732-A, n. 2, do CPC e arguindo nulidade do acórdão por omissão de pronúncia sobre questões que devia apreciar (art.o 668, n. 1 al. d). 1ª parte e 716, do CPC) e conhecimento de questão de que não podia conhecer (art.o 668, n. 1 al. d) 2ª parte, e 716, do CPC). Conhecendo das nulidades arguidas (fls.361 e verso) decidiu o Tribunal a quo pela sua improcedência. Oferecendo, então, a sua alegação finaliza-a o Recorrente com as seguintes numerosas "conclusões": 1ª - As questões versadas pelo acórdão recorrido, na parte final (maxime no último parágrafo da penúltima folha e na última folha), da suspensão do contrato e do despedimento dentro do período experimental, são questões novas, que não foram suscitadas em parte alguma do processo nem apreciadas pela decisão de 1ª instância; 2ª - Tais questões estavam fora do objecto do recurso de apelacão, pois que não constavam do corpo das alegações nem das conclusões da apelação (artº 690º do CPC); Contra alegou a Recorrida defendendo a improcedência do recurso. Pelo despacho do Relator, de fls. 438 e verso, que obteve a concordância do Ex.mo Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, foi indeferida a pretensão do recorrente de que a revista tivesse natureza ampliada. A Dg.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu o douto parecer que se acha a fls. 441 a 446, manifestando o seu entendimento no sentido de que "devem julgar-se procedentes as arguidas nulidades, ordenando-se a baixa do processo ao Tribunal da Relação do Porto para que se proceda à reforma do acórdão, nos termos do disposto no n.º 2 do art.o 731º do Código de Processo Civil". Notificado esse parecer às partes, ambas sobre ele se pronunciaram, o Recorrente para dizer que o mesmo não deve ser acolhido e o Recorrido afirmar que o mesmo é "correctíssimo". Colhidos que se mostram os legais vistos, cumpre apreciar e decidir. O Tribunal a quo fixou a seguinte matéria de facto, acolhendo a que havia já sido fixada pelo Tribunal do Trabalho de Penafiel: I 1) exercerá a actividade identificada como responsável administrativo e financeiro. 2) desde já se compromete a prestar a sua colaboração na firma "D", por si ou em representação da sua "firma de prestação de serviços "E", será permitida a prática de um horário que se coadune com o exercício cabal daquelas funções e bem assim a possibilidade de apoio àquela empresa e para alguma das suas actividades que, ao momento, o mesmo vem praticando, sem prejuízo da C, Lda. 3) Será atribuído o estatuto de Quadro Superior; 4) Como remuneração de base ilíquida serão atribuídos 545.000$00 mensais, acrescidos do respectivo subsídio de alimentação, férias, subsídio de férias e subsídio de Natal; 5) Será cometida no Dr. A a responsabilidade de, por si ou pela sua empresa referida em 2, garantir à "C, Lda" , apoio de Consultadoria, pelo período de duração da sua actividade como quadro de empresa, através de contrato de avença pelo valor de 150.000$00 mensais, acrescidos do respectivo IVA à taxa legal; 6) Tudo quanto legalmente está estabelecido para relação de trabalho será aqui dado como integralmente reproduzido; 7) Como cláusula sancionatória pecuniária será convencionado que, no caso de denúncia sem justa causa, haverá lugar ao pagamento de uma indemnização correspondente a um ano dos valores referidos em 4 e 5, independentemente do que legalmente se encontra estabelecido para casos idênticos. (Assinado em 2 de Janeiro de 1998, pela "C, Lda.", e pelo Autor, após carimbo da firma identificada). II O Autor exercia as funções de responsável pelo Sector administrativo e financeiro e de consultor;III Auferia a remuneração mensal de base de 545.000$00, em 14 meses, acrescida de um subsídio de alimentação diário de 340$00;IV A "C, Lda." desencadeou um processo especial de recuperação da empresa, como nº 66/97 do 2º Juízo Cível de Paredes, no qual, em 1 de Junho de 1998, foi deliberado pelos credores aprovar uma proposta de recuperação, pela qual a empresa foi extinta e constituída nova sociedade, a ré, para onde transitou o contrato de trabalho do Autor (conforme acta junta a fls.181-192, cuja "7ª medida" a fls.192, se transcreve:"Todos os trabalhadores, em exercício de funções na "C - Indústria de Confecções, Lda", à data da aprovação do presente acordo, transitam para a nova sociedade, mantendo todos os direitos adquiridos, tais como antiguidade, categoria, vencimento e demais regalias sociais"- Datada de 30 de Junho de 1998). V A deliberação dos credores foi homologada por despacho judicial datado de 10 de Julho de 1998, notificado em 14-7-98;VI A ré foi inscrita no registo comercial por apresentação do dia 18-8-98;VII Por carta de 16 de Julho de 1998, o Autor foi suspenso preventivamente pela ré, para organização de um processo disciplinar de despedimento, conforme fls. 13;VIII Em 16-7-98, o A enviou a G, gerente da ré, a carta a fls.46, que a recebeu- na qual acusa a recepção da mencionada em VII);IX Por carta de 12-1-99, recebida a 18, a ré dirigiu ao A uma nota de culpa, com intenção de despedimento, conforme fls.15;X O Autor foi despedido com alegação de justa causa, por decisão comunicada a 8-2-99, recebida a 10, conforme fls.19;XI A ré não pagou ao A o subsídio de alimentação, a partir do mês de Agosto de 1998;XII A ré não pagou ao A a remuneração de 150.000$00, acrescida de IVA, referida na cláusula 5 do contrato, desde Julho de 1998;XIII A ré não pagou ao A as férias e subsídio de férias vencidas em 1-1-99 e os proporcionais de férias, de subsidio férias e de Natal relativos a 1999;XIV O inquérito disciplinar constitui fls.42 e segts.XV Além da remuneração referida em I-4, o Autor auferia ainda 150.000$00 mais IVA, em 12 meses;XVI Na "C" o A limitou-se a fazer a análise das contas e não procedia a movimentos contabilísticos;XVII Eram os gerentes quem ordenava os movimentos contabilísticos;XVIII O A. não ignorava que o administrador da maior credora subscritora do projecto de constituição da nova sociedade, denominada "F", era G.
Estes factos não foram postos em causa pelas partes e não se vislumbra que se verifique a situação excepcional, prevista no n.º 2 do art.o 772 do Cód. Proc. Civ. que aconselhe a sua alteração, pelo que é com base nessa facticidade fixada que este Tribunal terá de conhecer das concretas questões que nesta revista se suscitam, as quais se contêm nas conclusões da alegação do Recorrente, pois que são elas que, atento o disposto nos art.os. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do Cód. Proc. Civ., delimitam em princípio o objecto do recurso. Se bem interpretámos os numerosos pontos com que o Recorrente remata a sua alegação chamando-lhes conclusões, as questões que ali se suscitam prendem-se com: 1ª - saber se a questão da rescisão do contrato de trabalho dentro do período experimental não podia ser suscitada oficiosamente e se, tendo-o sido, conheceu-se de questão de que não se podia tomar conhecimento, cometendo-se a nulidade prevista na al. d) 2ª parte do n.º 1 do art.o 668º do Cód. Proc. Civ.; 2ª - saber se é correcta a posição assumida pelo acórdão recorrido de considerar o contrato cessado em 16.7.98, retroagindo a cessação do contrato à data da suspensão preventiva; 3ª - saber se à data do despedimento do A. tinha já decorrido o período experimental mais longo. 4ª - saber se a parte da remuneração do A. (150.000$00 + IVA em 12 meses) da parte do seu estatuto remuneratório e foi transmitida à Ré na sequência do processo de recuperação de empresa. 5ª - saber qual a natureza da cláusula 7ª do contrato do A.: sanção pecuniária compulsória ou clausula penal; 6ª - saber se, a entender-se que o despedimento do A. é lícito por ter ocorrido em período experimental, o mesmo A. tem direito à indemnização ou cláusula penal da clª 7ª, ao subsídio de alimentação desde Agosto de 1998 até Fevereiro de 1999, à remuneração de 150.000$00 + IVA, desde Julho de 1998 até 10.02.99, aos 10 dias do mês de Fevereiro de 1999, às férias e subsídio de férias vencidos em 1.1.99 e aos proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal e aos juros de mora. Antes de entrarmos no conhecimento das alinhadas questões cumpre-nos primeiro pronunciar sobre as arguidas nulidades do acórdão recorrido. Por imperativo do disposto no n.º 2 do art.o 660º do Cód. Proc. Civ. o Juiz só está dispensado de se pronunciar sobre as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação quando essa pronúncia haja ficado prejudicada pela solução dada a outras. No caso em apreço, decidido - adiante veremos se tal decisão deve manter-se - que a rescisão do contrato de trabalho era lícita por ter ocorrido durante o período experimental do trabalhador, apenas ficou prejudicado o conhecimento dos créditos invocados pelo Autor, que se mostrassem incompatíveis com aquela decisão de licitude da rescisão do contrato de trabalho, uma vez que, nos temos do n.º 1 do art.o 55º do Dec.-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT) a rescisão do contrato durante o período experimental não dá direito a qualquer indemnização. Porém, ocorre que os pedidos formulados pelo Autor na sua petição inicial, incluíam créditos alegadamente vencidos na vigência do contrato de trabalho e que haviam-le sido reconhecidos na sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho de Penafiel. Não podendo afirmar-se qualquer relação de prejudicialidade entre a decisão da licitude do despedimento e a possível obrigação da entidade patronal de satisfazer o pagamento desses alegados créditos ao Autor, podendo, portanto, esta obrigação subsistir não obstante o sentido daquela decisão, impunha-se ao Tribunal recorrido que, tendo, como Tribunal de recurso, revogado a decisão da 1ª instância com base na licitude da rescisão do contrato por operada no período experimental, se pronunciasse sobre a pretensão do Autor relativamente aos créditos alegadamente vencidos na vigência do contrato, como, por exemplo, os relativos ao subsídio de alimentação e a remuneração relativa aos 10 dias do mês de Fevereiro de 1999, às férias e subsídios de férias vencidas em 1.1.99 e aos proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal de 1999 e aos correspondentes juros de mora. Mas ocorre que arguida pelo Recorrido a nulidade do acórdão, com base nessa omissão de pronúncia, o Tribunal recorrido desatendeu-a com a seguinte argumentação: " ...decidiu-se no acórdão ser lícita a revogação do contrato de trabalho pela empregadora antes do termo do período experimental, no dia 16 de Julho de 1998 - tendo prestado apenas 195 dos 240 dias impostos na referida norma legal. Em consequência, inexistem direitos de indemnização pela rescisão contratual, nem a vencimentos ou subsídios porque o contrato foi considerado cessado em 16 de Julho de 1998, dentro do período experimental". Importa salientar que essa tomada de posição por parte do Tribunal a quo não resultou de um pedido de aclaração do acórdão recorrido, mas de pronúncia sobre uma arguida nulidade do mesmo. Consequentemente, essa decisão não pode considerar-se parte integrante do precedente acórdão, por não se verificar o respectivo pressuposto, referido no n.º 2 do art.o 670º do Cód. Proc. Civ. Trata-se, pois, de uma decisão autónoma, autonomamente sindicável por este Supremo Tribunal, nos termos do disposto no n.º 3, 2ª parte, do art.o 668º do Cód. Proc. Civ. Ora, reportando-nos ao acórdão da Relação que decidiu a acção, constata-se que em parte alguma dele se afirma que o contrato de trabalho cessou em 16 de Julho de 1998, mas apenas que foi nessa data suspenso. E, se relacionarmos isto com a referência que a seguir se faz ao ponto IV do sumário do acórdão deste Supremo Tribunal, de 28/06/2000 (que se mostra junto por fotocópia a fls. 358), a conclusão a extrair é a de que o que no acórdão em apreço se afirmou não foi que a cessação do contrato de trabalho se verificou em 17 de Julho de 1998 mas sim que nessa data ocorreu a suspensão da execução do contrato e, com ela, a suspensão do período experimental. Aliás, a afirmação de que a cessação do contrato ocorreu em 16 de Julho de 1998, contraria flagrantemente o facto comprovado (ponto X da matéria de facto) de que "o Autor foi despedido com a alegação de justa causa, por decisão comunicada a 8-2-99, recebida a 10, conforme fls. 9", inexistindo qualquer elemento que permita afirmar que a Recorrente pôs termo ao contrato antes dessa data. Assim sendo, há que se concluir que, não obstante ter decidido da licitude da rescisão do contrato, se impunha ao Tribunal Recorrido que se pronunciasse sobre o pretenso direito do Autor/Recorrido, aos créditos alegadamente vencidos na vigência do contrato. A omissão de pronúncia sobre essas questões feriu o acórdão recorrido de nulidade nos termos do art.o 668º, n.º 1, al d), 1ª parte do Cód. Proc. Civ. Mas terá também o acórdão recorrido incorrido na nulidade prevista na 2ª parte dessa al. d), do n.º 1 do art.o 668º do Cód. Proc. Civ., por ter conhecido da questão de licitude da rescisão do contrato de trabalho com o fundamento, não alegado pelas partes, de a mesma ter ocorrido durante o período experimental ? A resposta não é simples, até porque não se antolha pacífica a jurisprudência deste Supremo Tribunal sobre essa questão. Vejamos: O Autor, ora Recorrido propôs a presente acção impugnando a justa causa do seu despedimento e reclamando a declaração da ilicitude desse despedimento, por inexistência da alegada justa casa, e, por consequência, o pagamento de determinados créditos. A Ré, ora Recorrente contestou a acção, fazendo-o apenas por impugnação, defendendo a licitude do mesmo despedimento do Autor, apoiada em justa causa consubstanciada em comportamentos inadequados que lhe imputou e pugnando pela absolvição "da parte do pedido que exceda o valor do vencimento correspondente aos 10 dias de Fevereiro, férias e subsídio de férias vencidas em 1.1.99, aos proporcionais de férias, subsídio de férias e Natal, no total ilíquido de 1.443.213$00. O Tribunal da 1ª instância considerando ilícito o despedimento do Autor por a Ré não ter logrado provar a justa causa, julgou a acção procedente e condenou a Ré como acima transcrito ficou. A Ré interpôs recurso dessa decisão no qual, além de indicar algumas causas de nulidade da sentença, insistiu na incompetência material do Tribunal de Trabalho para o conhecimento de facto relacionados com o contrato de avença e conclui que, no provimento do recurso, se deve "revogar a sentença recorrida na parte em que considerou ilícito o despedimento, bem como na decisão que condenou a Recorrente a pagar ao A./Recorrido a quantia de 24.171.874$00, ou caso assim não se entenda a anular a sentença recorrida" No Tribunal da Relação do Porto, o Ex.mo Juiz Desembargador Relator após mandar inscrever o processo em tabela, proferiu, no dia marcado para o julgamento, o despacho de fls. 336 do seguinte teor: "Adiado por 30 dias. XIX Tendo-se concluído pela hipótese de conhecer da denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental foi deliberado notificar as partes para se pronunciarem, no prazo de 10 dias sobre essa hipótese"
Como era de esperar, a Recorrente manifestou concordância com o conhecimento pelo Tribunal da denúncia do contrato durante o período experimental enquanto o Recorrido defendeu o contrário. Na sequência, foi proferido o acórdão aqui objecto de análise, que julgou o despedimento lícito porque efectuado dentro do período experimental.. Perante isto, torna-se manifesto que a Recorrente, através do recurso que interpôs para o Tribunal da Relação do Porto, pretendia que este tribunal julgasse lícito o despedimento do Autor, decretado com o fundamento em justa causa. O Tribunal ad quem, porém, reconhecendo que a Ré/Recorrente não logrou provar a justa causa invocada, entendeu, todavia, dever conhecer oficiosamente "a questão da suspensão do trabalho ainda dentro do período experimental", acabando por considerar o despedimento lícito por ter ocorrido dentro do período experimental. Para assim decidir, louvou-se o Tribunal Recorrido em dois acórdãos da 4ª Secção deste Supremo Tribunal: no de 28.06.2000, proferido no processo n.º 233/ 99 e no de 30/11/2000, proferido no mesmo processo, decidindo a arguição de nulidade imputada àquele primeiro acórdão, por alegado excesso de pronúncia. Nesse processo, o autor pedira que fosse declarado ilícito e nulo o seu despedimento por ter sido efectuado sem precedência de processo disciplinar, opondo-lhe a ré a inexistência de qualquer contrato de trabalho que vinculasse o autor à ré. A sentença da primeira instância, reconhecendo que o autor fora admitido ao serviço da ré como trabalhador subordinado, mas que o contrato ficara suspenso temporariamente quando o autor foi designado para exercer as funções de gerente e enquanto se manteve nessas funções, retomando, no termo destas, a sua qualidade de trabalhador subordinado, julgou ilícito o despedimento e condenou a ré a pagar ao A. a indemnização de antiguidade e outras prestações. A Relação de Lisboa negou provimento ao recurso que a ré dessa sentença interpôs. Subido o processo a este Supremo Tribunal, em recurso de revista, defendeu a Ré que, a admitir que o autor se iniciou na ré como trabalhador subordinado, o contrato de trabalho havia caducado com a sua designação para exercer as funções de gerente nos termos do art.o 398º, n.º 2 do Cód, Soc. Comerciais. Este Supremo, apreciando a recurso, ponderou o seguinte: o autor fora admitido na ré, como trabalhador subordinado, em 29.3.92. Fora nomeado como gerente em 30.4.92, exercendo essas funções até 30.11.95, tendo-se, após afastado do cargo de gerente, apresentado na ré durante alguns dias para retomar as suas funções de trabalhador subordinado. Por carta de 27/12/95, foi-lhe comunicado pela ré o termo das suas relações com a empresa. Face a estes factos, decidiu o Supremo que o contrato de trabalho do autor ficara suspenso enquanto o mesmo se manteve como gerente, reatando-se o contrato com a sua apresentação ao trabalho após terminadas essas funções. Todavia, o despedimento, feito por carta de 27/12/95, embora não tivesse sido precedido de processo disciplinar, não é ilícito nem confere direito a qualquer indemnização por ter sido efectuado dentro do período experimental, que ficara suspenso enquanto durou a suspensão do contrato de trabalho em razão da designação do autor para exercer as funções de gerente. Confrontado o Supremo Tribunal com a arguição de nulidade do acórdão, com a alegação de o mesmo se ter debruçado sobre matéria nova, em relação à qual nenhuma das partes tivera a oportunidade de se pronunciar, sustentou o seguinte: cabendo ao Supremo aplicar o direito aos factos dados como provados pela Relação fazendo a necessária subsunção, e tendo-se o mesmo limitado a decidir a questão que consistia em saber se o autor fora despedido ilicitamente e tinha, por consequência, direito ou não a receber as quantias inerentes a esse despedimento, decidiu que tal direito inexistia por o despedimento se ter verificado ainda dentro do período experimental, não enfermando, por isso, o acórdão de nulidade, uma vez que embora não alegada pelas partes a questão do despedimento durante o período experimental, a mesma era essencial à solução do litígio. Este último acórdão teve um voto de vencido do Ex.mo Juiz Conselheiro Mário Torres, fundado no entendimento de que o mesmo havia incorrido em excesso de pronúncia e na violação do princípio do contraditório. Diferentemente do decidido nesses referidos acórdão, pronunciando-se sobre questão similar, decidira o acórdão, também deste Supremo Tribunal, de 24/11/99 (Processo n.º 214/99 - 4ª Secção) que, tendo o autor fundamentado o seu pedido em despedimento ilícito por inexistência de justa causa, constitui a alegação de que o despedimento ocorreu durante o período experimental, defesa por excepção que, como tal, deve pelo réu ser deduzida na contestação, sob pena de ficar precludido o direito de o fazer em momento posterior. Cumprindo tomar posição sobre a controversa questão, afirmamo-nos, decididamente, pela solução deste último acórdão. Na verdade, o processo civil é caracterizado, além de mais, pelo princípio dispositivo, estabelecido no n.º 1 do art.o 3º do Cód. Proc. Civ.: O Tribunal não pode resolver um conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução seja pedida por uma das partes, sendo que, nos termos do art.o 661º, n.º 1 do mesmo Código, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir. Ora, como é sabido, o objecto de qualquer pleito é, em princípio, delimitado pelo pedido deduzido pelo autor, na sua petição inicial e pelos respectivos fundamentos que são a sua causa de pedir, havendo, naturalmente, que se ter também em conta a eventual defesa exceptiva com que o réu pretenda obstar à procedência daquele pedido. A alteração de qualquer desses elementos acarreta, irrefragavelmene, a alteração do objecto da lide. Por outras palavras, o pedido formulado pelo autor deve considerar-se indissoluvelmente ligado à causa de pedir que o fundamenta, por forma a que, não se provando a concreta causa de pedir invocada, não pode o pedido lograr procedência com base em outros fundamentos. Da mesma forma, se o réu opôs à procedência do pedido do autor certa defesa, não pode o tribunal substituir-se-lhe com a adopção de uma defesa diferente que entenda mais adequada à situação em discussão. A não ser que de tal matéria o Tribunal deva oficiosamente conhecer. Ora, na presente causa, o Autor impugnou a licitude do despedimento com justa causa de que fora alvo, com o fundamento de que não se verificava essa alegada justa causa, pretensamente apurada em processo disciplinar organizado pela Ré. Portanto, nestes precisos termos ficou, relativamente a essa parte, delineada a petição do Autor. O que o Autor colocou em discussão foi, tão somente, se se verificavam ou não os factos consubstanciadores de justa causa para o seu despedimento que a Ré apurara no processo disciplinar que lhe instaurou. Se a Ré, citada para essa acção, pretendia deslocar a discussão para outra vertente, justificando o despedimento com a sua ocorrência durante o período experimental, cumpria alegar esse facto na contestação, dada a sua natureza flagrantemente exceptiva, para, com isso, habilitar o autor a, querendo, responder a esse novo facto trazido à lide. É, efectivamente na contestação que o réu deve deduzir toda a defesa que pretenda opor à pretensão do autor, sob pena de não o poder fazer em momento posterior, uma vez que, após a contestação só podem ser deduzidos meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente - art.o 489º do Cód. Proc. Civ. Daí que nos pareça que a Relação do Porto, ao fundar a sua decisão de licitude do despedimento do autor, não no facto de ter havido justa causa mas na circunstância de o mesmo despedimento ter ocorrido dentro do período experimental, conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, uma vez que a mesma não foi pelas partes alegada ou jamais discutida nos autos por iniciativa de qualquer delas. E não se diga - aliás, ninguém o faz - que a falta de alegação dessa questão ficou suprida com a notificação das partes, ordenada pelo Ex.mo Juiz Desembargador Relator pelo seu despacho de fls.336., uma vez que, a nosso ver, não era lícito ao Tribunal substituir-se à Ré na consideração de factos que não foram por esta oportunamente alegados.. Como muito bem observa o Ex.mo Juiz Conselheiro que lavrou o voto de vencido no atrás referido acórdão de 30/11/2000 «houve excesso de pronúncia porque o acórdão não se limitou a apreciar um argumento novo para decidir a mesma questão, antes tratou de uma questão completamente nova (a "liberdade de despedimento no período experimental") nunca antes suscitada (para além de ser (...) inaplicável ao caso por inexistir declaração de vontade da entidade patronal nesse sentido ...» Estas observações têm plena aplicação ao caso sub judice. Aliás, no caso em apreço, tanto nos parece verdade que a R. nem sequer teve a intenção de prevalecer do despedimento durante o período experimental, que não só instaurou e fez seguir contra o Autor o processo disciplinar até ao seu termo, como até admitiu serem devidos ao autor o "vencimento correspondente aos 10 dias de Fevereiro, férias e subsídio de férias vencidas em 1.1.99, aos proporcionais de férias, subsídio de férias e Natal, no total ilíquido de 1.443.213$00". Concluímos, assim, que o acórdão recorrido, ao conhecer da questão do despedimento no período experimental, incorreu, efectivamente, em excesso de pronúncia, ferindo-se de nulidade nos termos do n.º 1, al d), 2ª parte, do art.o 668º do Cód. Proc. Civ.. Dispõe o art.o 731º do Cód. Proc. Civ. que, "quando for julgada procedente alguma das nulidades previstas nas alíneas c) e e) e na segunda parte da alínea d) do artigo 668º (...) o Supremo suprirá a nulidade, declarará em que sentido a decisão deve considerar-se modificada e conhecerá dos outros fundamentos do recurso (n.º 1); Se proceder alguma das restantes nulidades do acórdão, mandar-se-á baixar o processo, a fim de se fazer a reforma da decisão anulada, pelos mesmos juízes quando possível (n. 2) No caso sub judice, procederam as nulidades previstas, quer na 1ª parte, quer na 2ª, da al. d) do n. 1 do art.o 668 do Cód. Proc. Civ. prejudicando o conhecimento das outras questões que no recurso se suscitaram, pelo que, anula-se o decisão recorrida e determina-se a baixa do processo à Relação do Porto para que, se possível com os mesmos Ex.mos Juízes Desembargadores, se faça a reforma da decisão anulada, de harmonia com o decidido no presente acórdão. Custas pela Recorrida. Lisboa, 24 de Outubro de 2002 Emérico Soares, Ferreira Neto, Manuel Pereira (com a declaração de que revi posição anterior). |