Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
01A4305
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALÍPIO CALHEIROS
Nº do Documento: SJ200206250043056
Data do Acordão: 06/25/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 48/01
Data: 06/25/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

Na acção ordinária que "A - Lda," instaurou, em 10.05.99, contra B e mulher, C, e "Construções D, Lda", pede a Autora se declare e reconheça que, nem à data do arresto referido na p.i. (28.05.98), nem à data da declaração da 2.ª R., de 02.03.99, esta era proprietária, nem titular da metade em propriedade plena e do usufruto da outra metade do prédio urbano identificado naquele articulado, e, bem assim, que a compra e venda dos mesmos direitos, constante da escritura de 18.03.99, aludida também na petição inicial., é ineficaz em relação à A..
Alega, em resumo, ser titular de registo de inscrição a seu favor de arresto incidente sobre os referidos direitos e anterior à aquisição dos mesmos pela R., a qual, não obstante e nos termos do disposto no art. 119°, n.º 4, do Cód. do Reg. Pred., foi aos autos respectivos, em 02.03.99, declarar ser titular inscrita do referido direito de propriedade, desde 13.02.98, data do respectivo registo provisório, a seu favor, com base em contrato-promessa de compra e venda celebrado, em 28.01.98 e que teve tal direito(bem como o direito de usufruto sobre a outra metade do prédio) por objecto mediato.
A R. "D" contestou invocando a excepção dilatória da incompetência, em razão do território, do tribunal demandado, sustentando ser competente, a esse título, o tribunal da comarca de Viana do Castelo.
Quanto ao mérito da acção pede que a mesma seja julgada improcedente, alegando, em resumo, ser beneficiária de registo de inscrição, a seu favor, da aquisição do questionado direito, com prioridade sobre o registo do arresto a favor da A., o qual, por isso, não pode inutilizar ou destruir os efeitos do acto registado a seu favor .
Na réplica, manteve a A. a posição inicialmente expendida.
Julgada procedente a referida excepção e remetidos, em consequência, os autos à comarca de Viana do Castelo, foi, aí, proferido douto despacho saneador-sentença, julgando a acção integralmente procedente.
Inconformada, apelou a Ré D, tendo o tribunal da Relação do Porto julgado parcialmente procedente a apelação, revogando a sentença apelada, na parte em que julgou integralmente procedente a acção, agora se decidindo que tal procedência se reporta apenas ao direito de usufruto que foi objecto do decretado arresto.
Inconformada agora a Autora, recorre esta de revista para este Supremo Tribunal, concluindo as suas doutas alegações pela forma seguinte:
1 - Na petição inicial com que se iniciou esta acção, a A. pediu que se declarasse e reconhecesse:
a) que nem à data do registo do arresto, em 28/05/98, nem à data da declaração da 2.ª R e ora recorrida de 02/03/99, esta era proprietária nem titular da metade em propriedade plena e do usufruto da outra metade do prédio urbano sito em Além do Rio, freguesia da Areosa, concelho de Viana do Castelo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n° 2666/950928 e inscrito na matriz sob o art.º 1417;
b) que a compra dos mesmos direitos da alínea anterior levada a efeito pela R através da escritura de 18/13/99 é ineficaz em relação à A.;
2- De acordo com o estabelecido nos art.ºs 1317, a) e 408° do Cód. Civil e 80.º do Cód do Notariado, a transmissão da propriedade de bens imóveis apenas se verifica por força da celebração da respectiva escritura;
3- No caso dos autos, essa escritura teve lugar em 18/03/99, pelo que só nessa data a R/Recorrida adquiriu a propriedade dos direitos nela referidos;
4 - O registo provisório da promessa de compra e venda não tem o condão de retroagir a data da transmissão da propriedade;
5 - Dos autos não consta que o registo provisório a favor da R./Recorrida tivesse sido convertido;
6- O registo predial em Portugal constitui uma presunção "juris tantum", susceptível de prova em sentido contrário;
7 - Da matéria de facto resulta provado que às datas de 28/05/98 e 02/03/99 a R. ainda não era proprietária de metade em propriedade plena do prédio referido na alínea a) da primeira conclusão.
8 - Com base nas disposições legais referidas na conclusão 2 e na matéria de facto dada como assente, impunha-se a total procedência do primeiro pedido formulado pela A., tal como foi julgado em primeira instância;
9 - Tendo decidido em sentido contrário, o Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 408° e 1317, a) do Cód. Civil e 7.º do Cód. Reg. Predial, tendo violado ainda o art.º 712°,1 do Cód. Proc. Civil ao dar como assente facto não documentado nos autos.
10- O segundo pedido formulado pela A visa a declaração de ineficácia da transmissão em relação à A. e não a sua nulidade, pelo que não há lugar ao pedido de cancelamento previsto no n.º 1 do art.º 8º do Cód. Reg. Predial;
11- A simples promessa destituída de eficácia real não é um acto sujeito a registo para efeitos do art.º 5° e seguintes do mesmo Código;
12- O art.º 819.º do Cód. Civil quis assegurar que, se a penhora ( ou o arresto, por força do 622°, 1) e os actos de disposição ou oneração estiverem sujeitos a registo, então só são oponíveis depois de registados;
13- Esta oponibilidade apenas opera entre "terceiros";
14- Recorrente e Recorrida não são terceiros para efeitos de registo;
15- Assim, o regime geral de ineficácia do art.º 622° do Cód. Civil não é afastado pelas regras do registo;
16- De acordo com o Ac. do STJ de fixação de jurisprudência n° 4/98, "o registo ...não confere eficácia real à promessa" ;
17- O arresto constitui direito real de garantia, enquanto que a promessa destituída de eficácia real é um mero direito de crédito, natureza que não lhe é alterada pelo registo;
18- Perante um conflito entre um direito real de garantia resultante do arresto e o mero direito de crédito resultante de promessa sem eficácia real, prevalece aquele;
19- O conflito entre o direito de crédito do promitente comprador e o direito real de garantia por arresto é regulado pelo direito civil, sem que o registo nisso interfira;
20- O conflito relativo ao segundo pedido formulado pela A. nestes autos é, assim, regulado pela primeira parte do n° 1 do art.º 622° do Cód. Civil;
21- Em consequência, a alienação a favor da Recorrida, operada através da escritura de 18/03/99 é ineficaz em relação à A./Recorrente como requerente do arresto;
22- Decidindo em sentido contrário, nesta parte o Acórdão sob recurso violou o disposto nos art.ºs 622°, 1 e 819 do Cód. Civil e 5°, 1 do Cód. Reg. Predial, tendo ainda violado o art.º 8°, 1 deste último diploma ao motivar a improcedência da acção também na falta de pedido de cancelamento do registo a favor da R./Recorrida.
A Recorrida D defende a manutenção do decidido.
Corridos os vistos cumpre decidir.
O tribunal da Relação considerou provados os seguintes factos:
a)- A A. intentou execução ordinária contra B, a qual correu termos pela 2.ª secção do 2° Juízo Cível do Porto;
b)- Por apenso à referida execução, a A. requereu o arresto do bem pertencente ao executado - Um meio em propriedade plena e usufruto de outro meio do prédio urbano sito em Além do Rio, freguesia da Areosa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 2666/950928 da dita freguesia e inscrito na matriz sob o art. 1417;
c)- O referido arresto foi decretado por despacho de 14.05.98, tendo sido registado em 28.05.98, pela inscrição F. AP 64, de 28.05.98;
d)- A inscrição F AP 64 foi efectuada como provisória por natureza, com fundamento na al. a) do art. 92° do Cód. Reg. Pred.;
e)- Pela inscrição G AP 71, de 13.02.98, foi registada a aquisição provisória de 1/2 do prédio a favor da R.;
f)- A R. foi citada, por carta registada, recebida em 17.02.99, nos termos do disposto no art. 119° do Cód. Reg. Pred., tendo declarado, em 02.03.99, que lhe pertencia a metade indivisa arrestada;
g)- Por despacho de 19.04.99, as partes foram remetidas para os meios comuns;
h)- O registo de aquisição a favor da R., constante da inscrição G AP 71, de 13.02.98, foi lavrado com base em contrato-promessa de compra e venda celebrado, em 28.01.98;
i)- Pelo contrato junto aos autos, a fls. 27 e 28 (contrato referido em h) antecedente), os primeiros RR. prometeram vender à 2.ª R a propriedade de metade indivisa e o direito ao usufruto do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 2666/950928, pelo preço de 12500000 escudos;
j)- Por escritura de 18.03.99, a R. adquiriu a propriedade de metade indivisa e o usufruto da outra metade do prédio aludido em i).
A matéria de facto indicada não é posta em causa pela Recorrente, não há motivo para a alterar , nos termos do disposto nos artigos 729, n.º 2, e 722, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, nem se verificam circunstâncias que imponham se ordene a sua ampliação, nos termos do disposto no n.º 3, do citado artigo 729.
Impõe-se assim a este Supremo Tribunal nos termos do disposto no artigo 729, n.º 1, do Código de Processo Civil.
É, pois, com base nela que deve resolver-se a única questão posta nas conclusões das alegações da Recorrente, sabido que estas delimitam o objecto do recurso, nos termos dos artigos 684, n.º 3 e 690, números 1 e 3, do Código de Processo Civil, já que o Supremo Tribunal de Justiça, fora dos casos previstos na lei, apenas conhece de matéria de direito, nos termos do disposto no artigo 29.º, n.º 1, da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro, qual seja a de determinar o valor do registo provisório, por natureza, da aquisição de metade indivisa de um imóvel, com base em contrato-promessa de compra e venda ao qual não foi atribuída eficácia real, em confronto com o registo posterior de um arresto decretado em processo de execução.
Na primeira Instância entendeu-se que o registo do arresto prevalece sobre o registo provisório de aquisição com base em contrato-promessa de compra e venda, desenvolvendo-se o seguinte raciocínio:
Pese embora este entendimento, o certo é que, o Acórdão do Plenário das Secções Cíveis do STJ - n.º 4/98 veio a defender uma opinião diferente.
Toda esta explicação a propósito do registo da acção de execução específica de um contrato-promessa não dotado de eficácia real serve para concluir o seguinte: se mesmo no caso de registo da acção se tem entendido que a venda anterior de um imóvel, registado posteriormente, obsta à execução específica, não se atribuindo, no fundo, qualquer relevância a tal registo, por maioria de razão não se deve atribuir força a um registo de um contrato-promessa não dotado de eficácia real.
De facto, ao ter sido efectuado o registo do arresto e ao ter sido mandado cumprir o disposto no art.º 119, C.R.P. (cuja bondade de tal ordem não nos cabe apreciar) a 2.ª Ré não podia ter declarado que a metade indivisa lhe pertencia.
Na data do arresto - do seu registo - 28.05.98, a 2.ª Ré não era proprietária da referida metade indivisa, mas apenas promitente compradora.
Tal implicava que o arresto fosse registado de forma definitiva e que a 2.ª Ré, quando adquirisse a metade indivisa fizesse essa aquisição onerada com o arresto.
Significa que a transmissão efectuada sobre aquela metade indivisa, transmissão essa efectuada após o registo do arresto é ineficaz em relação a este.
Como diz a Ré, não havendo eficácia real e no caso de uma alienação, o contrato não pode ser cumprido.
No caso, não há alienação, mas significava que apesar de não haver impossibilidade do cumprimento do contrato, o imóvel seria vendido com o ónus do arresto.
Por seu lado na segunda Instância entendeu-se de modo diverso, com a seguinte argumentação:
"Verifica-se que, em relação ao direito de propriedade(1/2 indivisa do prédio em questão) que foi objecto do decretado arresto, a R. apelante beneficia de um registo de aquisição com base em promessa da respectiva alienação anterior ao requerimento judicial do arresto, o qual, não obstante ser provisório(art. 47°, n.º 2 do Cód. Reg. Pred., então, vigente),uma vez que não foi objecto de caducidade ou cancelamento, tem a respectiva prioridade - que é o que, no caso, interessa e não o regime constante do n.º 1 do art. 5° do citado Cód.-, por convertido em definitivo, reportada à data de tal inscrição provisória (arts. 6°, nº/s 1 e 3 e 11 º, ns. 2 e 3, do mesmo Cód.). Ou seja, muito embora suceda que, em termos estritamente substantivos(arts. 1327°, al. a) e 408°, n.º 1, do CC, e 80, n.º 1 do Cód. do Not.), no caso de negócio jurídico translativo de propriedade imobiliária(v.g. na compra e venda), o momento da aquisição ou da transferência do direito de propriedade seja o da celebração da escritura que o formaliza, por via do qual a propriedade efectivamente se transfere, em termos registais, por via de uma espécie de "fictio juris"(cfr., a propósito, v.g., o art. 323°, n.º 2, do CC) decorrente da conjugação daqueles arts. 47°, n.º 2 e 6°, nº/s 1 e 3, o direito de propriedade adquirido pela R., em termos substantivos, apenas através da escritura pública de compra e venda de 18.03.99, tem de considerar-se com a respectiva aquisição, a favor da R., reportada e retrotraída a 13.02.98, data da inscrição do respectivo registo provisório de aquisição a favor da mesma R., com base na promessa da respectiva alienação, ocorrida em 28.01.98. Por conseguinte, em data muito anterior ao próprio requerimento do arresto em causa, o que, por um lado, legitima o afastamento da existência de má fé subjacente a tal alienação e, por outro lado, toma mais aceitáveis as consequências, para a A.- apelada do aludido regime de "aquisição registal", uma vez que aquela, atenta a função de publicidade e fé pública associadas ao registo predial, já poderia e deveria contar , no momento da instauração do arresto, com a situação com que, mais tarde, veio a confrontar-se directamente.
Em suma, por via da conjugação dos factos assentes com os aludidos preceitos legais, tem de considerar-se que a Ré apelante, em termos registais (que são os que relevam, no caso, atento o preceituado nos arts. 819° e 622°, n.º 1, do CC), é titular inscrita do direito de propriedade incidente sobre a metade indivisa arrestada, desde 13.02.98, sendo, pois, a alienação que esteve na base da efectivação do respectivo registo eficaz perante a A.- apelada e requerente ( em 22.04.98) do arresto, que só veio a ser decretado, em 14.05.98, e objecto de registo provisório, em 28.05.98.
Aliás, quanto a tal parte da respectiva pretensão, omitiu a A. a formulação do pedido de cancelamento do correspondente registo, que teria de deduzir , ao abrigo do disposto no art. 8°, n.º 1, do Cód. do Reg. Pred. Tudo a
consequenciar a improcedência, nessa parte (com extensão à correspondente
declaração judicial efectuada pela R., nos termos do disposto no art. 119°, do Cód. Reg. Pred. ), da pretensão da A.- apelada".
Quid juris?
Entende-se que assiste razão à 1.ª Instância.
O artigo 413, n.º 1, do Código Civil, dispõe que à promessa de transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo podem as partes atribuir eficácia real, mediante declaração expressa e inscrição no registo.
O número 2 daquele mesmo preceito, por seu lado, determina que deve constar de escritura pública a promessa a que as partes atribuam eficácia real; porém, quando a lei não exija essa forma para o contrato prometido, é bastante documento particular com reconhecimento da assinatura da parte que se vincula ou de ambas, consoante se trate de contrato-promessa unilateral ou bilateral.
Daqui resulta que o contrato-promessa de compra e venda que determinou o registo de aquisição provisória da propriedade de metade indivisa do imóvel em causa não tem eficácia real, quer porque tal efeito não lhe foi atribuído, pelas partes, quer porque só o poderia ter sido através de escritura pública.
Esta consequência não pode ser afastada pelo facto de o artigo 6.º, n.º 3, do Código do Registo Predial atribuir ao registo definitivo a prioridade que tinha como provisório.
Sem eficácia real do contrato-promessa de compra e venda de imóveis apenas resultam direitos obrigacionais, já que a propriedade apenas se transfere com a celebração da escritura, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 408, n.º 1, 1316 e 1317, alínea a), do Código Civil.
Daí que o simples registo provisório de aquisição com base em contrato-promessa não possa ter o efeito de fazer retroagir a aquisição da propriedade à do registo provisório.
Fá-lo se o direito substantivo o permitir, isto é se do contrato resultar uma garantia ou direito real, não se dele apenas resultarem direitos de natureza obrigacional.
Acresce que nos termos do disposto no art.º 622, n.º 1, do Código Civil, os actos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação ao requerente do arresto, de acordo com as regras próprias da penhora, cujos efeitos são extensivos ao arresto.
Isto é, o arresto ainda que registado provisoriamente, e não o devia ter sido com base na alínea a), do número dois do artigo 92, do Código do Registo Predial, porquanto a propriedade não estava registada a favor de pessoa diversa do arrestado, produz logo os seus efeitos de ineficácia de actos de disposição em relação ao requerente, mesmo antes da sua conversão em penhora.
Isto é, na data do registo do arresto, 28 de Maio de 1998, a Recorrida não era proprietária da metade indivisa do imóvel prometido vender e cuja escritura só foi celebrada em 18 de Março de 1999.
Daí que ao ser citada, em 17 de Fevereiro de 1999, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 119, do Código do Registo Predial, a Ré não podia dizer que a metade indivisa lhe pertencia, nem sequer se podia falar, para este efeito, como muito bem se diz na sentença da primeira instância, em registo provisório do arresto, sendo certo que mesmo o cumprimento daquele preceito era questionável, já que o bem ainda não estava inscrito a favor de pessoa diversa do executado.
Nestes termos e pelas razões expostas decide-se conceder a revista, revogando-se o aliás douto acórdão impugnado, confirmando-se a também douta sentença da 1.ª Instância.
Custas pela Recorrida.

Lisboa, 25 de Junho de 2002.
Alípio Calheiros,
Azevedo Ramos,
Silva Salazar.