Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MANUEL CAPELO | ||
Descritores: | CONCORRENCIA UNIÃO EUROPEIA PRAZO DE PRESCRIÇÃO INÍCIO DA PRESCRIÇÃO CONHECIMENTO LESADO RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL PRESSUPOSTOS NULIDADE DE ACÓRDÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA | ||
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Data do Acordão: | 07/07/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA (PROPRIEDADE INTELECTUAL) | ||
Decisão: | NEGADA | ||
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Sumário : | I. - Não se verifica a nulidade de omissão de pronúncia prevista no art. 615 nº1 al. d) do CPC quando a recorrente consubstancia essa nulidade no protesto de, para conhecimento da exceção perentória de prescrição, não terem sido tomados em consideração factos que ela entendia como relevantes; II. - O art. 306 n.º 1, do CCivil, adotou em matéria de prescrição um sistema objetivo que dispensa qualquer conhecimento, por parte do credor, dos elementos essenciais referentes ao seu direito, iniciando-se o decurso do prazo de prescrição “quando o direito puder ser exercido”, significando esta expressão que a prescrição se inicia quando o direito estiver em condições (objetivas) de o titular poder exigir do devedor o cumprimento da obrigação. III. - O art. 498 nº1 do CCivil no âmbito da responsabilidade civil por facto ilícito determina que o prazo de prescrição se inicie a partir do momento em que o titular do respetivo direito tem conhecimento dos pressupostos que condicionam a responsabilidade e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento o que ocorre quando tem conhecimento do dano (ainda que não da sua extensão integral), do facto ilícito e do nexo causal entre a verificação deste e a ocorrência. IV.- Sendo o facto ilícito a prática pela ré de colusão traduzida na finalidade de obter benefícios próprios em detrimento de um mercado livre e da concorrência, atividade proibida pela lei nacional e pelo Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o prazo de prescrição inicia-se com a publicação da condenação da ré por esse ilícito. V. - Ao contrário de um facto produzido naturalisticamente sobre a esfera jurídica de cada uma das autoras e que estas pudessem perceber, de imediato, que lhes provocava um dano, o facto natural gerador do facto ilícito em que se traduz a atuação da ré tem natureza oculta por incorporar na sua realização, por definição, um esforço, conseguido durante algum tempo, de subtração ao conhecimento dos lesados e das autoridades inspetivas, apenas se configurando como facto normativamente ilícito quando é declarado como atuação ilegal. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
Relatório Nos autos 2/19.3YQSTR que se iniciaram no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão e a que foram apensos os processos 27/19...., 39/19...., 43/19...., 45/19...., 52/19.... e 62/19...., sendo aí autoras - A Transmaior-Transportes Rodoviários S.A.; Mário-Logística e Distribuição S.A.; Transportadora Central de São Lázaro Limitada; Transportes Gama, S.A.; T..., Lda. e T..., Lda, e A..., S.A. e Ré RENAULT TRUCKS, SAS, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção de prescrição invocada e determinou o prosseguimento dos autos. Inconformada com esta decisão a recorrente interpôs recurso de apelação que foi improvido, tendo sido confirmada a decisão de primeira instância que julgou improcedente a exceção de prescrição. A recorrente vem interpor recurso de revista concluindo que: “1. O Tribunal a quo julgou totalmente improcedente a apelação deduzida pela Recorrente, declarando-se no Acórdão de que ora se recorre que (i) “o segmento da decisão recorrida através do qual foi julgada improcedente a invocação de prescrição dos direitos das Autoras suscitada por aquela demandada e aqui recorrente não é nulo por omissão de pronúncia” e que (ii) “os autos dispõem já de todos os elementos necessários para que o Tribunal, em qualquer das suas instâncias, possa apreciar, sem a produção de qualquer outra prova, se é ou não procedente a invocação de prescrição”, tendo confirmado “integralmente o segmento da decisão recorrida” em questão. 2. Entendeu-se no Acórdão que “só com a publicação da deliberação condenatória da Comissão Europeia no JOUE, a 6 de abril de 2017, pode ser considerado que os lesados tiveram conhecimento do direito que lhes compete, para efeitos de início da contagem do prazo de prescrição estabelecido nesse nº1 do art.º 498.º do Código Civil”. 3. É ainda expresso no Acórdão de que ora se recorre o entendimento de que são “completamente irrelevantes (…) todos os factos alegados nas várias contestações” pela Recorrente, pelo que não estava “a Mma Juíza a quo obrigada a tecer qualquer comentário, muito menos formular um julgamento acerca dessa factualidade”, pelo que “não ocorre qualquer nulidade por omissão de pronúncia”, concluindo-se que “é possível exercer pronúncia acerca dessa questão jurídica no despacho saneador, sem que se mostre necessária a produção de qualquer elemento de prova”. 4. Com todo o devido respeito, a Recorrente não pode concordar com o entendimento vertido no Acórdão. 5. Tanto o Tribunal de primeira instância como o Tribunal a quo se centraram apenas num facto – a publicação da Decisão da Comissão europeia no JOUE –, ignorando todas as restantes razões de facto e de direito alegadas pela Recorrente nas suas Contestações. 6. O legislador português adotou para o início do prazo de prescrição a que alude a primeira parte do n.º 1 do artigo 498.º do CC um sistema subjetivo, que tem em conta o conhecimento do concreto lesado, algo que não foi tido em consideração nem no Despacho Saneador nem no Acórdão. 7. A Recorrente vem recorrer do Acórdão, por considerar que o mesmo lhe é prejudicial, pugnando para que seja revogado e substituído por outro que (i) declare nulo o Despacho Saneador na parte relativa à decisão das exceções perentórias de prescrição invocadas pela Recorrente, por omissão de pronúncia, errada interpretação dos artigos 306.º, 309.º e 498.º, n.º 1 do CC e falta de prova sobre os factos controvertidos e que (ii) declare procedentes as exceções de prescrição invocadas pela Recorrente ou, subsidiariamente, relegue o conhecimento dessas exceções para final, pois que depende de produção de prova que, até este momento, não consta dos autos, e poderá impor uma decisão contrária à proferida. 8. Cumpre sublinhar que o Acórdão de que ora se recorre não obteve unanimidade, tendo incluído um voto de vencido, razão pela qual a decisão nele contida é passível de recurso de revista, nos termos e para os efeitos dos artigos 671.º, n.º 1 e 3 e 674.º, n.º 1, alíneas a) e c) do CPC. DA NULIDADE DO DESPACHO SANEADOR NO QUE RESPEITA AO SEGMENTO DECISÓRIO IMPUGNADO, POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA, A QUAL DEVIA TER SIDO DECLARADA NO ACÓRDÃO 9. Desde logo, o Despacho Saneador enferma de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, que, não obstante ser um vício típico da sentença, é extensível aos despachos (cfr. artigo 613.º, n.º 3 do CPC). 10. Com efeito, o Tribunal de primeira instância decidiu de forma una, genérica e perfunctória sobre as exceções perentórias de prescrição invocadas pela Recorrente nas suas Contestações, não logrando conhecer individual e discriminadamente de cada uma das exceções invocadas, que têm por base diferentes especificidades, inclusivamente factuais. 11. É ainda sufragado no Acórdão o entendimento de que são “completamente irrelevantes (…) todos os factos alegados nas várias contestações” pela Recorrente, pelo que não estava “a Mma Juíza a quo obrigada a tecer qualquer comentário, muito menos formular um julgamento acerca dessa factualidade” e, consequentemente, “não ocorre qualquer nulidade por omissão de pronúncia”, concluindo o Tribunal a quo que não é nulo por omissão de pronúncia o segmento do Despacho Saneador que julgou improcedentes as exceções de prescrição invocadas pela Recorrente. 12. Contudo, impunha-se que o Tribunal de primeira instância e o Tribunal a quo procedessem à análise dos factos relevantes em cada uma das ações e aferissem o exato momento a partir do qual se consideravam verificados os pressupostos necessários ao início da contagem de cada prazo de prescrição em causa. 13. Isto porque as mencionadas exceções dependem, efetivamente, de circunstâncias concretas e específicas, que variam de caso para caso, como seja o momento do facto danoso, da produção do dano ou o conhecimento pelo suposto lesado do alegado direito indemnizatório que lhe compete e a data em que cada ação foi proposta e/ou a Recorrente foi citada. 14. Ao não o fazer, o Tribunal de primeira instância incorreu em nulidade por omissão de pronúncia, afetando irremediavelmente a legalidade da sua decisão. 15. Por outro lado, o Despacho Saneador, na parte em que decidiu sobre as exceções perentórias de prescrição, é ilegal, pois que incorreu numa errada interpretação e aplicação do regime jurídico da prescrição aos casos dos autos, em particular, dos artigos 306.º, n.º 1, 309.º e 498.º, n.º 1 do CC. 16. Assim, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC (aplicável ex vi artigo 666.º, n.º 1 do CPC) deve o Despacho Saneador, no segmento decisório em questão, ser julgado nulo, por omissão de pronúncia, nulidade essa que aqui se argui e cuja declaração aqui se requer para todos os efeitos legais, devendo o Acórdão ser revogado e substituído por outro que o declare, assim como declare procedentes as exceções de prescrição invocadas pela Recorrente. DO MÉRITO DO RECURSO: DA ERRADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO REGIME LEGAL DA PRESCRIÇÃO 17. No Acórdão foi decidido manter “integralmente o segmento da decisão recorrida” que julgou “improcedente a invocação de prescrição dos direitos das Autoras”, entendendo-se não serem “aqui aplicáveis as disposições contidas nos arts. 306.º e 309.º” do CC por estar em causa “uma questão de responsabilidade civil emergente da prática de um ato ilícito (uma contraordenação)”, sendo, ao invés, “o litígio regulado pelo estatuído nos arts. 483.º e 498.º, n.º 1”. 18. Entendeu também o Tribunal a quo, à semelhança do Tribunal da primeira instância, que foi na data da publicação da Decisão da Comissão Europeia no Jornal Oficial da União Europeia, em 06.04.2017, que se iniciaram todos os prazos de prescrição, 19. Assim, segundo se consegue alcançar do Acórdão, entendeu o Tribunal a quo, que, por um lado, o prazo ordinário de 20 anos não é aplicável in casu, sendo apenas aplicável o prazo de 3 anos previsto no artigo 498.º, n.º 1 do CC, o qual - em consonância com o plasmado no Despacho Saneador - inicia a sua contagem em 06.04.2017, pelo que, à data das citações da Recorrente, tal prazo prescricional não se encontraria ainda decorrido. 20. Sucede, porém, que ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, o prazo ordinário de prescrição de 20 anos previsto nos artigos 309.º e 498.º, n.º 1, in fine do CC é plenamente aplicável ao caso dos autos, sendo certo que, tanto este como o prazo de três anos previsto na primeira parte do n.º 1 do artigo 498.º do mesmo código se iniciaram muito antes da publicação da Decisão da Comissão Europeia, em 06.04.2017. DA PRESCRIÇÃO DO DIREITO DAS RECORRIDAS PELO DECURSO DO PRAZO ORDINÁRIO DE 20 ANOS 21. O Tribunal a quo desconsiderou o previsto expressamente no artigo 498.º, n.º 1, in fine do CC, o qual impõe que se considere a “prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso”. 22. Para efeitos de início de contagem do prazo de prescrição ordinário de 20 anos, há que atender, no que para o caso dos autos releva, ao conceito de “facto danoso” a que alude a parte final do n.º 1 do artigo 498.º do CC, e não ao artigo 306.º, n.º 1 do CC. 23. O “facto danoso” reconduz-se ao “facto que foi causa do dano”, coincidindo, desse modo, com o facto ilícito propriamente dito – vd. Doutrina e Jurisprudência supracitada. 24. Ora, o facto ilícito que vem imputado à Recorrente teve o seu início, de acordo com as próprias. Recorridas e a Decisão da Comissão Europeia, em 17.01.1997 ― havendo que considerar, portanto, que foi nessa data que se iniciou a contagem do prazo de prescrição ordinário. 25. O facto de estar em causa uma infração única e continuada não altera o entendimento ora exposto ou o decurso da prescrição, tal como a Jurisprudência tem vindo a entender a propósito da fixação do termo inicial do prazo de prescrição de 3 anos previsto no artigo 498.º, n.º 1, primeira parte do CC ― e que aqui se deve ter por inteiramente aplicável, mutatis mutandis (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus). 26. Por outro lado, o prazo de prescrição ordinário de 20 anos é contado a partir do facto danoso e independentemente do conhecimento do lesado, pois esta prazo visa tutelar a certeza e a segurança do tráfego jurídico, bem como a própria paz social. 27. E mesmo que se entendesse que o prazo de prescrição ordinário de 20 anos não começa a correr com o início da prática do facto ilícito – o que não se concede e por mera cautela de patrocínio se equaciona –, sempre o “facto danoso” coincidiria, no limite, com o momento da ocorrência do dano, quando a sua produção não fosse concomitante com o início da prática do facto ilícito – vd. Doutrina supracitada. 28. No caso dos autos, o “facto danoso” verificar-se-ia, no limite, no momento de aquisição dos Veículos, já que apenas nessa data poderiam as Recorridas ter sofrido os alegados prejuízos. 29. Mal andou o Tribunal a quo ao julgar improcedentes todas as exceções perentórias de prescrição invocadas pela Recorrente, porquanto desconsiderou o decurso do prazo ordinário de prescrição de 20 anos, ao abrigo do disposto nos artigos 306.º, 309.º e 498.º, n.º 1, parte final do CC. 30. Sem prejuízo do que antecede, face à situação de cada caso concreto dos autos, as exceções perentórias de prescrição com base no decurso do prazo ordinário de 20 anos deveriam ter sido julgadas procedentes pelo Tribunal de primeira instância, pois que o referido prazo não foi interrompido em nenhum caso dos autos e decorreu antes da propositura das ações que compõem os presentes autos e da citação da Recorrente. DA PRESCRIÇÃO DO DIREITO DAS RECORRIDAS PELO DECURSO DO PRAZO DE 3 ANOS 31. Ainda que se considerasse que, à data da citação da Recorrente para cada uma das ações dos autos, os alegados direitos indemnizatórios das Recorridas não se encontravam ainda prescritos pelo decurso do prazo de prescrição ordinário de 20 anos ― o que não se concede e por mera cautela de patrocínio se equaciona ― então sempre se teria de concluir que os mesmos se encontravam já prescritos pelo decurso do prazo de 3 anos a que alude o artigo 498.º, n.º 1, primeira parte do CC. 32. A contagem do prazo de três anos inicia-se a partir do momento em que o alegado lesado tem uma “perceção dos pressupostos da responsabilidade civil”, i.e., detém uma “perceção empírica”, está “em condições de formular um juízo subjetivo”, recaindo sobre ele o ónus de agir judicialmente – vd. Doutrina e Jurisprudência supracitada. 33. A 18.01.2011, a Comissão Europeia tornou público que havia levado a cabo diligências de busca e apreensão por referência à infração dos autos, notícia que foi divulgada na comunicação social portuguesa e que indicou, inclusive, os visados da investigação. 34. A 20.11.2014, a Comissão Europeia publicou no seu sítio eletrónico um comunicado de imprensa (press release) em que deu a conhecer que tinha adotado uma Nota de Ilicitude (comunicação de acusações), com a qual, ainda que (i) com desconhecimento da pessoa do alegado responsável e (ii) da alegada extensão integral dos danos, as Recorridas tiveram conhecimento da “perceção da titularidade” do alegado direito de serem indemnizadas e da “generalidade dos pressupostos” que subjaziam ao putativo direito em causa. 35. Assim, o prazo de três anos para a prescrição do putativo direito de indemnização terá de contar-se, pelo menos, a partir da data da publicação da Nota de Ilicitude pela Comissão Europeia, terminando em 20.11.2017. 36. Não ocorreu qualquer causa de interrupção ou suspensão deste prazo de prescrição, nomeadamente, através de notificação judicial avulsa da Recorrente, que é um mecanismo processual simples, nem sequer sujeito a contraditório, e de pouca dispendiosidade. 37. Na verdade, as Recorrentes optaram por permanecer inertes, em vez de tomarem uma qualquer atitude face à situação amplamente conhecida e divulgada. 38. Atentando nos casos concretos dos autos, as exceções perentórias de prescrição invocadas com base no prazo de prescrição de três anos previsto na primeira parte do n.º 1 do artigo 498.º do CC deveriam ter sido julgadas procedentes pelo Tribunal de primeira instância. 39. Isto porque, pelo menos, desde 20.11.2014, as Recorridas já tinham um conhecimento e uma perceção empírica do alegado direito de indemnização, levando a que, à data da instauração das ações e das respetivas citações da Recorrente (todas em 2019), o referido prazo já tivesse decorrido. 40. Tal foi, no entanto, ignorado pelo Tribunal de primeira instância e pelo Tribunal a quo que ademais consideraram que o prazo de prescrição de 3 anos se iniciou com a publicação no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE) da Decisão da Comissão Europeia, a 06.04.2017, quando a decisão foi tomada e conhecida a 19.07.2016 (quase um ano antes!), operando uma extensão do prazo manifestamente inadmissível e injustificada. SUBSIDIARIAMENTE: DA NECESSIDADE DE PRODUÇÃO ADICIONAL DE PROVA PARA O CONHECIMENTO DAS EXCEÇÕES 41. In casu, se o Tribunal de primeira instância considerasse que, dos elementos dos autos, não era possível retirar que as Recorridas tivessem ou devessem ter conhecimento dos alegados direitos indemnizatórios que pretendem fazer valer nos presentes autos – o que não se admite nem se concede – sempre teria de considerar serem tais factos controvertidos e necessariamente sujeitos a prova, não podendo ser proferida uma decisão sobre as referidas exceções antes de produzida a prova relevante. - vd. Doutrina e Jurisprudência supracitada. 42. Ora, tal torna ainda mais evidente a inadmissibilidade da decisão sobre a prescrição que consta do Despacho Saneador, uma vez que a prova dos factos convertidos no caso sub judice poderá, efetivamente, impor outra decisão – inteiramente oposta à que chegou o Tribunal de primeira instância e o Tribunal a quo - sobre as exceções perentórias de prescrição, em particular sobre aquelas invocadas com base no disposto na primeira parte do n.º 1 do artigo 498.º do CC, para a qual, como se viu, o legislador português estabeleceu um critério subjetivo. 43. Assim sendo, também por esta via, deve o Despacho Saneador ser declarado nulo na parte de que se recorre, uma vez que o Tribunal de primeira instância conheceu de questões relativamente às quais não estava em condições de conhecer [artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, ex vi artigo 661.º, n.º 1 do CPC], nulidade essa que aqui se argui e cuja declaração aqui se requer para todos os efeitos legais, devendo o Acórdão ser revogado e substituído por outro no qual se declare procedentes as exceções de prescrição invocadas pela Recorrente ou, pelo menos, no caso dos prazos de prescrição de 3 anos, relegue o conhecimento dessas exceções para final, pois que depende de produção de prova que, até este momento, não consta dos autos. 44. Atento o exposto, resulta manifestamente evidente a violação de várias disposições legais - entre as quais as contidas nos artigos 306.º, n.º 1, 309.º, 498.º, n.º 1 do CC, 615.º, n.º 1, alínea d) e 595.º, n.º 1, alínea b) do CPC - quer pelo Despacho Saneador quer pelo Acórdão, o que não se pode admitir, razão pela qual ora se interpõe recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça. 45. Só providos de um conhecimento sobre cada facto alegado podiam o Tribunal de primeira instância e o Tribunal a quo optar por uma das várias teses em confronto relativamente ao momento do conhecimento, pelas Recorridas, do seu putativo direito. 46. Aliás, foi esse o entendimento adotado por pelo TRIBUNAL DA RELAÇÃO ... num caso em tudo idêntico ao presente, no âmbito do processo n.º 5/19...., numa decisão singular proferida em 24.05.2021 pelo Mmo. Juiz Desembargador AA, na qual se julgou a apelação procedente, tendo- se revogado a decisão impugnada e ordenado que os autos seguissem os seus termos com conhecimento, a final, das questões sobre a prescrição. 47. Veja-se também a Decisão Singular proferida no processo 29/19...., em 18 de Maio de 2021 e, no mesmo sentido, o voto de vencido lavrado no Acórdão de que ora se recorre. 48. Em suma, perante a alegação de factos potencialmente relevantes para a procedência da exceção perentória invocada, o Tribunal de primeira instância e, bem assim, o Tribunal a quo não podiam ter prescindido da fase de instrução. Ao ter decidido precocemente, o Tribunal de primeira instância violou a norma contida no artigo 595.º, n.º 1, al. b). 49. E também assim tem decidido o TRIBUNAL DA RELAÇÃO ... em diferentes ações de private enforcement decorrentes da Decisão, intentadas contra outros fabricantes de camiões, como supra se referiu. 50. Em acréscimo às várias decisões acima elencadas, veja-se ainda o Acórdão do TR..., proferido no proc. 71/19...., em 18.05.2021, que revogou um despacho saneador equivalente ao proferido pelo Tribunal de primeira instância nos presentes autos. 51. Como se vê, o entendimento vertido do Acórdão de que ora se recorre encontra-se em contradição com várias decisões proferidas no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito acera de factos em tudo idênticos, não sendo, por isso, certo que aquilo que vem sufragado no Acórdão corresponda à correta interpretação e aplicação das disposições legais aplicáveis aos factos em questão. Subsidiariamente, DO RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL 52. O voto de vencido constante do Acórdão recorrido obsta à formação de dupla conforme, ao abrigo do disposto no artigo 671.º, n.º 3 do CPC a contrario, pelo que o presente Recurso de Revista é admissível e deve ser julgado procedente nos termos supra referidos. 53. Prevenindo a hipótese de se entender que estamos perante uma situação de “dupla conforme” que obsta à interposição do presente Recurso de Revista ao abrigo dos artigos 671.º, n.º 1 e 674.º, n.º 1, a) e c) do CPC – o que apenas por extrema cautela de patrocínio se equaciona – a Recorrente vem interpor, a título subsidiário, RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL, nos termos dos artigos 671.º, n.º 1, 672.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), 675.º, n.º 2 e 676.º, todos do CPC, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo. 54. No entender da Recorrente, mesmo que se considerasse que o recurso de revista não é admissível nos termos gerais – no que não se concede, e apenas se admite por elevado dever de patrocínio – sempre deveria admitir-se um recurso de revista excecional porquanto estamos perante: iv. uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é necessária para uma melhor aplicação do direito – vd. alínea a) do referido preceito; v. uma questão que põe em jogo interesses de particular relevância social - vd. alínea b) do referido preceito; e simultaneamente vi. um acórdão da Relação que está em contradição com outro acórdão, já transitado em julgado, proferido pela mesma Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito - vd. alínea c) do referido preceito. 55. Em face do exposto, deverão considerar-se verificados os requisitos previstos no artigo 672.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) do CPC. Assim, terá que se concluir que se encontram verificados todos os requisitos para a admissibilidade do presente recurso de revista excecional. 56. Pelo exposto, caso por algum motivo não se admita o recurso de revista ora interposto – o que não se concebe – sempre deveriam as presentes alegações de recurso ser consideradas à luz da revista excecional, ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) do CPC.” Conclui pedindo a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que declare nulo o Despacho Saneador na parte relativa à decisão das exceções perentórias de prescrição invocadas pela Recorrente - por omissão de pronúncia, errada interpretação dos artigos 306.º, 309.º e 498.º, n.º 1 do CC e falta de prova sobre os factos controvertidos – e que, pelos motivos acima expostos, declare procedentes as exceções de prescrição invocadas pela Recorrente ou, subsidiariamente, relegue o conhecimento dessas exceções para final. Nas contra-alegações as recorridas sustentaram a confirmação da decisão recorrida. Colhidos os vistos, cumpre decidir. … … Fundamentação Foi tomado em consideração pelas instâncias e é matéria interessante ao conhecimento da exceção de prescrição a que certifica que: - Em 18.01.2011, a Comissão iniciou a investigação e publicou o respetivo comunicado de imprensa (informação passível de conhecimento oficioso, pelo que não carece de junção para que seja atendida por este douto Tribunal); - Em 20.11.2014, a Comissão adotou a Nota de Ilicitude e publicou o respetivo comunicado de imprensa; - Em 19 de Julho de 2016, no âmbito do processo com a referência ... AT.39824 - Trucks, a Comissão Europeia condenou a Ré, Renault Trucks SAS, no pagamento de uma coima, no valor de € 670 448 000, «por ter participado, entre 17 de Janeiro de 1997 e 18 de Janeiro de 2011, em práticas de colusão relativamente aos preços e aos aumentos do preço bruto no EEE dos camiões de média tonelagem e pesados e à temporização e transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões para camiões de média tonelagem e pesados conforme exigidos pelas normas EURO 3 a 6.»; - A referida decisão, estribada no disposto no artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e no artigo 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, foi publicada, no JOUE, em 6 de abril de 2017; - A Transmaior intentou ação contra a ré em 22.05.2019 na qual esta foi citada em 1.06.2019; a BB intentou ação contra a ré em 02.07.2019 na qual esta foi citada em 16.07.2019; a Central de São Lázaro intentou ação contra a ré em 05.07.2019 na qual esta foi citada em 23.07.2019; a Transportes Gama intentou ação contra a ré em 05.07.2019 na qual esta foi citada em 24.07.2019; a T... intentou ação contra a ré em 08.07.2019 na qual esta foi citada em 22.07.2019; a CC intentou ação contra a ré em 09.07.2019 na qual esta foi citada em 23.07.2019; a A..., S.A. intentou ação contra a ré em 11-7-2019 na qual esta foi citada em 26-7-2019; … … O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das Recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil. O conhecimento das questões a resolver, delimitadas pelas alegações, importa em apreciar e decidir se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia e, na negativa, se ocorre, contra o que foi julgado nas instâncias, a prescrição dos direitos invocados pelas recorridas. … … Quanto à omissão de pronúncia a recorrente argui esta nulidade da decisão recorrida nos termos do art. 615 nº1 al. d) do CPC argumentando que invocou exceção de prescrição em todos os processos que constituem os autos e que esta exceção deveria ter sido apreciada de forma individual e particular à luz dos concretos factos e das concretas questões de Direito que são suscitadas em cada uma das ações, isto é, relativamente a cada uma das autoras e respetivas pretensões e não na globalidade. Acrescenta que a prescrição depende da verificação de circunstâncias concretas e específicas, que variam de caso para caso, como seja o momento da produção dos danos, o conhecimento do suposto lesado do direito que lhe compete e a data em que cada ação foi proposta e/ou a Recorrente foi citada. Tendo a decisão recorrida decidido que o prazo de prescrição aplicável teve o seu início “só com a publicação da deliberação condenatória da Comissão Europeia no JOUE, a 6 de abril de 2017”, momento a partir do qual “pode ser considerado que os lesados tiveram conhecimento do direito que lhes compete”, deveria concluir-se que a decisão em revista não apreciou individual e particularmente cada uma das exceções invocadas, que têm por base diversas especificidades, inclusivamente factuais, incorrendo desta forma em omissão de pronúncia. Apreciando esta questão, lembramos que o art. 615 nº1 al. d) do CPC fere de nulidade a sentença ou acórdão em que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, protestando a recorrente, nesta parte, que o conhecimento da prescrição realizado pelas instâncias deveria ter contemplado, “individual e particularmente” cada uma das ações intentadas pelas autoras e que, depois de apensas, constituem de forma processualmente unitária os presentes autos. Isto é, sem o dizer expressamente a recorrente sustenta que a decisão que julga improcedente a prescrição de todas as pretensões das autoras nestes autos constitui, paradoxalmente, uma omissão de pronúncia sobre a própria prescrição, por tal decisão reportada a todas as pretensões não se poder aplicar a nenhuma. Vejamos. Não está em causa que o conhecimento da exceção perentória prescrição no despacho saneador é legalmente admissível nos termos do art. 595 nº1 al. b) do CPC o qual prescreve a possibilidade de se conhecer do mérito da causa nesse momento “sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação total ou parcial do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória”. Sendo, pois, a exceção de prescrição conhecível no despacho saneador, o seu conhecimento não constitui qualquer omissão de pronúncia e tão pouco um excesso de pronúncia. Acresce que, a decisão recorrida (à semelhança da proferida em primeira instância) deixou totalmente claro que nos autos - compostos por todas as ações intentadas pelas autoras, que ao serem apensas passaram a formar uma só com diferentes pretensões respeitantes a cada uma das demandantes – que os elementos de facto que entendeu e selecionou como essenciais para o conhecimento da prescrição invocada pela ré eram os mesmos relativamente a todas as pretensões. Deste modo, a decisão sobre essa exceção perentória diz respeito e engloba todos os pedidos de todas as autoras uma vez que não existe quanto a elas e no âmbito do conhecimento da prescrição, independentemente das suas particularidades de identidade, qualquer diferença ou especificidade. Aliás, protestando a recorrente o contrário e afirmando que existem particularidades e especificidades “inclusivamente factuais” em matéria de prescrição quanto a cada uma das demandantes, não aponta concretamente quais sejam essas diferenças essenciais que implicassem diferentes subsunções. Refere a recorrente que os elementos de ponderação para o conhecimento da prescrição contemplam “o momento da produção dos danos, o conhecimento do suposto lesado (rectius, de cada uma das Recorridas) do direito que lhe compete e a data em que cada ação foi proposta e/ou a Recorrente foi citada”, porém, a decisão recorrida entendeu que para o conhecimento dessa exceção o elemento fundamental e único para aferir do começo do prazo era a data da publicação da decisão da Comissão em 6 de Abril de 2017 que tornou pública a infração cometida pela ré e a sanção aplicada. Pode questionar-se essa contagem de início do prazo e isso também a recorrente opõe nas suas restantes conclusões, o que não pode é imputar-se à decisão recorrida qualquer nulidade por omissão de pronúncia ao ter decidido a exceção de prescrição, selecionando os factos existentes nos autos já provados e que entendeu, sem necessidade de outros, permitirem esse conhecimento. Não teria aliás o mínimo sentido, para lá de ser ofensivo do art. 595 nº1 al, b) do CPC que, por razões de mera diplomacia processual ou outras irrelevantes em termos de finalidade decisória, se não conhecesse logo no despacho saneador da exceção perentória e que o julgador entendia ser já possível, só para que não se apodasse essa decisão de prematura ou porque tinha sido alegada matéria de facto que o julgador em seu critério considerava desnecessária. A questão é saber se existem ou não os elementos de facto que permitam a decisão, isto é, se a decisão tomada nesse momento ou na sentença final conta apenas com os factos já provados quando tem de se proferir o saneador, e não questionar se alguma outra razão recomenda que se deixe o conhecimento para a sentença, sabendo-se que na economia da decisão a proferir de nada vai valer postergar esse conhecimento por apenas contarem os factos que já se encontravam certificados no momento do despacho saneador. Pelo exposto, inexistindo qualquer omissão de pronúncia que fira de nulidade a decisão recorrida, julgam-se improcedentes, nesta parte, as conclusões de recurso. … … A recorrente sustenta igualmente que se verifica no caso, e relativamente a todas as pretensões das autoras, a prescrição dos direitos que invocam, seja na perspetiva da de longo prazo do art. 309 do CCivil, seja na de curto prazo nos termos do art. 498 nº 1 do mesmo diploma legal. Abordando esta problemática, a prescrição assenta no direito romano que reconhecia já a repercussão do tempo nas situações jurídicas visando, no essencial, tutelar o interesse do devedor. E segundo a doutrina hoje dominante, o fundamento específico da prescrição reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo tido como razoável pelo legislador e durante o qual seria legítimo esperar o seu exercício, se nisso estivesse interessado – vd. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2010, 6ª edição, pág. 380 e Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, pág. 1123. Ainda que outras razões existam para justificação do instituto da prescrição e possam ser enunciadas na perspetiva: da certeza ou segurança jurídica, a exigir que as situações de facto que se constituíram e prolongaram por muito tempo, sobre a base delas se criando a expectativa e organizando planos de vida, se mantenham e não possam ser atacadas por antijurídicas – vd. Manuel Andrade, Orações de Sapiência da Faculdade de Direito de Coimbra, pág. 220 -; na ótica da proteção dos obrigados, especialmente os devedores, contra as dificuldades de prova, a que estariam expostos no caso do credor vir exigir o que já haja, porventura, recebido - vd. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, V, 2ª edição revista e atualizada, Almedina, 2015, págs. 196 e 197 - ; ou no enfoque da pressão ou estímulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efetivação, quando não queiram abdicar deles, todas estas justificações resumem os diversos interesses em jogo tornando evidente que, por regra, qualquer direito tem um prazo para ser exercido sem que possa perdurar eternamente no tempo. Afinal, em termos axiomáticos, o direito existe enquanto durar o tempo em que pode ser exercido. Por isso, mesmo que olhada com reserva pela moral e pelo direito natural que qualificavam a prescrição como impium remedium ou impium praesidium por repugnar à consciência social o facto de um cidadão se poder livrar de uma obrigação apenas pelo transcorrer do tempo - vd. Manuel Augusto Domingues de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Coimbra 1953, pág. 466 – a verdade é que ela, a prescrição, é reclamada pela boa organização das sociedades, apresentando-se entre nós como uma exceção não privativa dos direitos de crédito (art. 298 do Cód. Civil) e, por isso mesmo, inserida na sua parte geral, no capítulo relativo ao tempo e à sua repercussão sobre as relações jurídicas (arts. 296 a 327 do Cód. Civil). À prescrição estão sujeitos todos e quaisquer direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos dela (art. 298º, nº 1, do Cód. Civil) e, uma vez completado o prazo prescricional, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer forma, ao exercício do direito prescrito (art. 304, nº 1 do Cód. Civil), desse modo, bloqueando e paralisando a pretensão do credor, na configuração de exceção perentória (art. 576 nº 3, do Cód. Proc. Civil). Tratando-se de um prazo, o seu início é o “fator estruturante do próprio instituto da prescrição, dele dependendo, depois, todo o desenvolvimento subsequente, existindo, a tal propósito, no Direito comparado dois grandes sistemas: o objectivo e o subjetivo”- vd. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, V, 2ª edição revista e atualizada, Almedina, 2015, pág. 202”. O primeiro “é tradicional, dá primazia à segurança e o prazo começa a correr assim que o direito possa ser exercido e independentemente do conhecimento que disso tenha ou possa ter o respetivo credor, sendo compatível com prazos longos. O segundo privilegia, porém, a justiça, iniciando-se o prazo apenas quando o credor tiver conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito e joga com prazos curtos” - vd. Menezes Cordeiro op. e loc. cit. O nosso sistema, no art. 306 n.º 1, do Cod. Civil, adotou o sistema objectivo que, como se deixou sublinhado, dispensa qualquer conhecimento, por parte do credor, dos elementos essenciais referentes ao seu direito, iniciando-se o decurso do prazo de prescrição “quando o direito puder ser exercido”, sendo a injustiça a que tal sistema possa dar lugar temperada pelas regras atinentes à suspensão e interrupção da prescrição (arts. 318 a 327 do Cód. Civil). A expressão constante daquela disposição (art. 306 n.º 1, do Cod. Civil), “quando o direito puder ser exercido” deve ser interpretada, no entanto, no sentido de o prazo de prescrição se iniciar quando o direito estiver em condições (objetivas) de o titular o poder fazer acionar, portanto desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação - vd. Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, 2ª edição, pág. 83 -. Isto é, começa a partir do momento em que o credor tem a possibilidade de exigir do devedor que realize a prestação devida e, uma vez iniciado o prazo de prescrição de qualquer direito, a respetiva contagem prossegue, a menos que ocorra qualquer suspensão ou interrupção (arts. 318 e ss do Cód. Civil), não relevando sequer a sua transmissão (art. 308 nº 1 e 2, do Cód. Civil) - cfr. acs. STJ de 22.9.2016 no proc. 125/06.9TBMMV-C.C1.S1 e de 14-10.2021 no proc. 1292/20.4T8FAR-A.E1.S1 ambos consultáveis em dgsi.pt. Explicando esta solução legislativa Vaz Serra refere que “o tempo legal da prescrição deve ser um tempo útil, não podendo censurar-se o credor pelo facto de não ter agido numa altura em que não podia fazê-lo. Se assim não fosse, poderia acontecer que a prescrição se consumasse antes de poder ser exercido o direito prescrito” não sendo de aceitar uma solução que faça “correr o prazo de prescrição antes de o credor poder praticamente exercer o seu direito”, sublinhando que o termo inicial do prazo deve ter como ponto de partida a existência objetiva, no aspeto jurídico - e não de mero facto - das condições necessárias e suficientes para que o direito possa ser exercitado, isto é, a ausência de causas (impedimentos de natureza jurídica) que obstem ao exercício do direito e, com ele, consequentemente, o da prescrição – in, “Prescrição e Caducidade”, in BMJ, nº 105, págs. 190, 193 e 194. Ainda sobre esta problemática, mas agora incidente no art. 498 do C.Civil, no âmbito da responsabilidade civil por facto ilícito, Vaz Serra esclarece que o prazo de prescrição a que se refere este preceito conta-se a partir do conhecimento, pelo titular do respetivo direito, dos pressupostos que condicionam a responsabilidade e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento, salientando que “não se afigura suficiente o conhecimento de tais pressupostos, sendo ainda preciso que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe compete, como expressamente diz a lei: se ele conhece a verificação dos pressupostos da responsabilidade do lesante, mas não sabe que tem direito de indemnização, não começa a correr o prazo de prescrição de curto prazo”, acrescentando mais adiante que “se ele (lesado) tendo embora conhecimento da verificação dos pressupostos da responsabilidade do lesante, ignora o seu direito de indemnização, seria violento que a lei estabelecesse um prazo curto para exercício desse direito e declarasse este prescrito com o decurso de tal prazo” - em anotação ao ac. do STJ de 27.11.1973, in RLJ, ano 107, pág. 296 -. O lesado tem conhecimento do seu direito quando, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu, correndo o prazo desde o momento em que o lesado tem conhecimento do dano (embora não ainda da sua extensão integral), do facto ilícito e do nexo causal entre a verificação deste e a ocorrência daquele – vd. Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código Civil”, Vol. II, pág. 299 e ainda c. do ST de Acórdão de 12.09.2019 (processo nº 2032/16.8T8STR.E1-A.S1. Porque no caso dos autos a causa de pedir invocada pelos autores radica na conduta ilícita da ré consubstanciada na prática de colusão realizada com a finalidade de obter benefícios próprios em detrimento de um mercado livre e da concorrência, atividade proibida pela lei nacional e pelo Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o essencial para a decisão é determinar qual o prazo da prescrição e, a par, qual o momento em que se inicia a contagem do prazo para as autoras exercerem os seus direitos. Está demonstrado nos autos que em 18.01.2011, a Comissão Europeia iniciou uma investigação referente à eventual prática de colusão pela Ré e publicou comunicado de imprensa, no qual dava nota de as inspeções surpresa constituírem um passo preliminar quando existe a suspeita de práticas anticoncorrenciais, advertindo para que a circunstância de a Comissão realizar tais inspeções não significar que as empresas visadas viessem a ser condenadas pelo comportamento anticoncorrencial, nem influenciar o resultado da investigação. Com as cautelas que sempre seriam desnecessárias em função de ser elementar aviso que nenhuma inspeção ou investigação constitui sequer, em termos jurídicos-institucionais, princípio de certeza de ilícito, a Comissão Europeia, em registo de transparência, noticiou a sua atividade inspetiva e investigatória, reforçando em simultâneo a ideia de que se tratava de uma atividade que partindo de uma suspeita ainda não tinha obtido qualquer grau de evidência. Aliás, a própria natureza do ilícito investigado convoca pactos de sincretismo e confidencialidade entre as entidades envolvidas na colusão porque a sua finalidade é, exatamente, agirem de forma concertada na ofensa das normas de concorrência, mas com a máxima garantia e cuidado de que não se saiba dessa atuação. Por outro lado, o cuidado da Comissão em equilibrar a transparência da notícia e o resguardo de informação é visível quando se verifica que o comunicado refere a possibilidade de práticas anticoncorrenciais mas não identifica as concretas entidades envolvidas, as condutas em causa, sequer o âmbito temporal das mesmas. Mais tarde, quando em 20.11.2014 a Comissão adotou a Nota de Ilicitude e publicou o respetivo comunicado de imprensa, a informação prestada foi a de ter sido comunicado a alguns produtores de veículos pesados de mercadorias a suspeita da sua participação num cartel em violação das regras de direito da concorrência europeia. Acrescentando que a adoção de uma nota de ilicitude não influencia o resultado da investigação, mas que a Comissão tem a preocupação de que determinados produtores possam ter acordado e coordenado os preços que praticam no Espaço Económico Europeu, constituindo tal prática, se verificada, violação dos arts. 101 do TFUE e 53.º do EAA, os quais proíbem cartel e práticas restritivas do comércio. De novo, como no comunicado de 2011, ao lado da informação persiste a reserva de não antecipar qualquer desfecho da investigação, no sentido de revelar qualquer probabilidade de certeza de condenação, omitindo-se a identificação das entidades envolvidas, as concretas condutas em investigação, que tipo e classe camiões objeto de tais possíveis infrações ou o âmbito temporal das mesmas. Finalmente, em 19-7-2016, o comunicado de imprensa dá conta de a Comissão Europeia ter condenado a Ré, Renault Trucks SAS, no pagamento de uma coima, no valor de € 670 448 000, “por ter participado, entre 17 de Janeiro de 1997 e 18 de Janeiro de 2011, em práticas de colusão relativamente aos preços e aos aumentos do preço bruto no EEE dos camiões de média tonelagem e pesados e à temporização e transmissão dos custos relativos à introdução das tecnologias de emissões para camiões de média tonelagem e pesados conforme exigidos pelas normas EURO 3 a 6.” tendo esta decisão sido publicada, no JOUE, em 6 de Abril de 2017. A recorrente defende que o prazo de prescrição a atender é de 20 anos e deve ser contado a partir do facto danoso, que situa em 17.01.1997, porque, independentemente de se tratar de um caso de responsabilidade civil por facto ilícito cabível na previsão do art. 498 nº1 do CCivil, a circunstância de, como sustenta, a prescrição ordinária (de 20 anos) já ter decorrido a partir do facto danoso, impede que nos termos da parte final daquele preceito seja atendível e verificável o prazo de 3 anos que só operaria se aquele outro não tivesse expirado. A este propósito salientamos que da condenação da ré pela Comissão decorre que o facto ilícito consistiu em a recorrente ter participado, entre 17 de janeiro de 1997 e 18 de janeiro de 2011, em práticas de colusão sendo por essa razão que a recorrente fixa o início do prazo de prescrição nesse dia 17 de janeiro de 1997 (por entender que a infração única e continuada não altera esse momento inicial de contagem). Não desconhecemos que o legislador estabeleceu o critério objetivo no art. 306 nº 1 do C.Civil, afastando qualquer consideração pelo eventual carácter continuado ou duradouro do ato lesivo de que emerge o direito de indemnização, mas como o afirmámos, essa objetividade não se contenta com a simples ocorrência de um facto que em si mesmo seja ilícito e danoso, mesmo que ninguém a não ser o lesante saiba da sua prática e, sobretudo, dos efeitos danosos. A dispensa de qualquer conhecimento, por parte do credor, dos elementos essenciais referentes ao seu direito não inclui a dispensa da exigência da verificação de “o direito puder ser exercido”, o que significa que a prescrição se inicia quando o direito estiver em condições (objetivas) de o titular o acionar, desde que lhe seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação. Renovando a lição Vaz Serra entende que o tempo da prescrição é um tempo útil que desconsidera aquele outro (inútil) em que o credor desconhece, sem qualquer censura lhe poder ser dirigida, que podia exercer o direito. A exigência de se ter como primordial referência em matéria de prescrição a existência objetiva, no aspeto jurídico - e não de mero facto - das condições necessárias e suficientes para que o direito possa ser exercitado, isto é, a ausência de causas (impedimentos de natureza jurídica) que obstem ao exercício do direito, faz perceber que se assim não fosse, ocorreria o absurdo de a prescrição se poder consumar antes de poder ser exercido o direito prescrito, como se adverte - in, “Prescrição e Caducidade”, in BMJ, nº 105, págs. 190, 193 e 194 e ac. STJ de Acórdão do STJ, de 20.03.2014 no processo nº 420/13.0TBMAI.P1.S1, in dgsi.pt. Isto exposto, fica esclarecido que no caso em decisão era de todo impossível às autoras terem conhecimento do direito que invocam na ação contra a ré antes de ter sido publicada a condenação desta por infração aos arts. 101 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu. Ao contrário de um facto produzido naturalisticamente sobre a esfera jurídica de cada uma das autoras e que estas pudessem perceber, de imediato, que lhes provocava um dano, o facto natural gerador do facto ilícito em que se traduz a atuação da ré tem natureza oculta por incorporar na sua realização, por definição, um esforço conseguido durante algum tempo de subtração ao conhecimento dos lesados e das autoridades inspetivas, apenas se configurando como facto ilícito quando é declarado como atuação ilegal. A afirmação segundo a qual o prazo da prescrição se iniciou em 17 de janeiro de 1997, porque foi nessa data que a ré confirma ter iniciado a sua prática ilegal e ilícita, é de tal forma avulsa que a matéria de facto provada realiza a evidência de as próprias autoridades de fiscalização apenas em 18 de janeiro de 2011 suspeitaram da ilegalidade da atuação da ré a qual, existindo como se veio a investigar e provar desde início de 1997, apenas teve indícios inconclusivos de existência que conduziram a uma inspeção nessa data de 2011 e posteriormente a uma nota de ilicitude em 2014 não certificativa do ilícito que só se evidencia com potencialidade de acionar a responsabilidade com a publicação da condenação. Em explicação, a ré pretende com as suas conclusões que se tenha por iniciado o prazo de prescrição numa data (17 de janeiro de 1997) em que o facto ilícito juridicamente relevante, consistente na infração a normas que defendem em primeiro lugar as regras da livre concorrência no quadro do direito europeu e só reflexamente os interesses dos particulares, não era conhecido de ninguém por estar a ser ocultado e quando apenas em 6 de Abril de 2017 vem, a ser publicada a condenação que considera a atuação ilícita. Tendo as autoras enquanto particulares interessados ficado a saber, face à comunicação da condenação da ré, que essa decisão lhes permitia reclamar direitos decorrentes das aquisições que haviam feito, a comunicação dessa decisão da Comissão é em si mesma declarativa da infração e da responsabilidade da ré e constitutiva do facto ilícito (normativo) do direito que é invocado pelas autoras. Assim, não sofre qualquer censura a decisão recorrida quando entende que o prazo de prescrição não é de 20 anos e, mesmo que fosse, não teria este decorrido a partir do momento em que as autoras podiam exercer o direito que invocam contra a ré. … … No domínio da responsabilidade civil por facto ilícito em que quadra a reclamação do direito das autoras, seguindo as opções dos mais recentes códigos de reduzirem os prazos de prescrição do direito a indemnização por responsabilidade civil extracontratual – vd. o Código Civil italiano que estatui a prescrição do à reparação do dano derivado de facto ilícito em cinco anos, contados do dia em que o facto ilícito se verifica (art. 2947º, nº 1) e o Co. Civil alemão que estabelece a prescrição de três anos contados do momento em que o lesado teve conhecimento do dano e da pessoa obrigada a indemnizar (§ 852º) - também o nº 1 do art. 498 do C.Civil, como exceção ao prazo prescricional ordinário (art. 309º) estabeleceu para tais casos uma prescrição de mais curto prazo, fixando à semelhança da legislação germânica o início da contagem do prazo no momento em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora - e afastando-se aqui daquela - com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos. Segundo Vaz Serra - In BMJ, nº 87, pág. 38 - o regime de prescrição da responsabilidade civil extracontratual, previsto no art. 498 nº 1, do C.Civil, procura compatibilizar os interesses do credor da indemnização e os do devedor, dando prevalência, através da redução do prazo normal, ao fator da segurança jurídica, sendo com igual sentido que Menezes Cordeiro afirma que tal prazo, especialmente curto, tem por finalidade pôr rapidamente cobro a situações de insegurança que é representada pela existência de danos imputáveis, cujo ressarcimento, dependente do lesado, se encontra em dúvida quanto à realização e, também, motivar os lesados à realização pronta dos seus direitos - In “Direito das Obrigações”, Vol. II, pág. 430. Ao determinar que o prazo de prescrição se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, o art. 498 quer sublinhar que esse prazo é contado a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento – vd. Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", vol. I, 6ª edição, Coimbra, 1989, pag. 596. O início da contagem do prazo especial de três anos não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respetivo direito, exigindo-se apenas que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, saiba que o ato foi praticado ou omitido por alguém - saiba ou não do seu carácter ilícito - e dessa prática ou omissão resultaram para si danos. E porque o facto ilícito só se torna danoso quando o dano se produz em concreto se os danos não se verificaram na data em que ocorreu o facto ilícito o prazo de prescrição de três anos só começará a contar a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento da produção efetiva desses novos danos – era já a orientação do ac. do STJ de Ac. STJ de 03/12/98, in BMJ nº 482, pág. 211 repetida nos acs. do STJ de 20.03.2014, processo nº 420/13.0TBMAI.P1.S1., e no de 14-10.2021 no proc. 1292/20.4T8 FAR-A.E1.S1, in dgsi.pt. Na perspetiva da contagem do prazo nos termos do art. 498 nº1 do CCivil, repetimos aqui que as autoras, como lesadas, apenas a partir da data da publicação da condenação da ré pela prática de colusão tiveram conhecimento do seu direito, só nesse momento souberam ter direito à indemnização e ficaram conhecedoras da verificação dos pressupostos que condicionavam a responsabilidade. Nesta conformidade, sendo a data da publicação da condenação da ré em 7 de abril de 2017 observamos que as ações foram propostas: a da Transmaior 22.05.2019 e citada a ré em 11.06.2019; a da BB em 02.07.2019 e citada a ré em 16.07.2019; a da Central de São Lázaro em 05.07.2019 e citada a ré em 23.07.2019; a da Transportes Gama em 05.07.2019 e citada a ré em 24.07.2019; a da T... em 08.07.2019 e citada a ré em 22.07.2019 e a da CC em 09.07.2019 e citada a ré em 23.07.2019; a da A..., S.A. em 11-7-2019 e citada a ré em 26-7-2019; Isto é, a ré foi citada em todas as ações antes de decorrido o prazo de 3 anos relativamente ao facto que determina o início da contagem do prazo de prescrição, razão para que se confirme a decisão recorrida também neste segmento recursivo. Atente-se ainda que mesmo que se pretendesse que a data a tomar em consideração fosse a de 19-7-2016, em que por comunicado da Comissão se noticia a condenação da ré no pagamento de uma coima por ter participado entre 17 de janeiro de 1997 e 18 de janeiro de 2011, em práticas de colusão, mesmo assim a prescrição não teria ocorrido. Efetivamente, se a prescrição é interrompida pela citação e se esta se não fizer no prazo de cinco dias depois de ter sido requerida - por causa não imputável ao requerente - a prescrição se interrompe logo que decorram cinco dias - art. 323 nº1 e 2 do CCivil – a observação das datas das proposituras das ações e nas quais foi pedida a citação da ré revela sem dúvida a eficácia das mesmas para interromper a prescrição decorridos cinco dias sobre as datas das respetivas proposituras (22.05.2019; 02.07.2019; 05.07.2019; 05.07.2019; 08.07.2019, 09.07.2019 e 11.7.2019). Nesta conformidade improcedem na totalidade as conclusões da recorrente e improcede a revista. … … Síntese conclusiva - Não se verifica a nulidade de omissão de pronúncia prevista no art. 615 nº1 al. d) do CPC quando a recorrente consubstancia essa nulidade no protesto de, para conhecimento da exceção perentória de prescrição, não terem sido tomados em consideração factos que ela entendia como relevantes; - O art. 306 n.º 1, do CCivil, adotou em matéria de prescrição um sistema objetivo que dispensa qualquer conhecimento, por parte do credor, dos elementos essenciais referentes ao seu direito, iniciando-se o decurso do prazo de prescrição “quando o direito puder ser exercido”, significando esta expressão que a prescrição se inicia quando o direito estiver em condições (objetivas) de o titular poder exigir do devedor o cumprimento da obrigação. - O art. 498 nº1 do CCivil no âmbito da responsabilidade civil por facto ilícito determina que o prazo de prescrição se inicie a partir do momento em que o titular do respetivo direito tem conhecimento dos pressupostos que condicionam a responsabilidade e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento o que ocorre quando tem conhecimento do dano (ainda que não da sua extensão integral), do facto ilícito e do nexo causal entre a verificação deste e a ocorrência. - Sendo o facto ilícito a prática pela ré de colusão traduzida na finalidade de obter benefícios próprios em detrimento de um mercado livre e da concorrência, atividade proibida pela lei nacional e pelo Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o prazo de prescrição inicia-se com a publicação da condenação da ré por esse ilícito. - Ao contrário de um facto produzido naturalisticamente sobre a esfera jurídica de cada uma das autoras e que estas pudessem perceber, de imediato, que lhes provocava um dano, o facto natural gerador do facto ilícito em que se traduz a atuação da ré tem natureza oculta por incorporar na sua realização, por definição, um esforço, conseguido durante algum tempo, de subtração ao conhecimento dos lesados e das autoridades inspetivas, apenas se configurando como facto normativamente ilícito quando é declarado como atuação ilegal. … … Decisão Pelo exposto, acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente a revista e, em consequência, confirmar a decisão recorrida. Custas pela recorrente. 7 de julho de 2022 Relator: Conselheiro Manuel Capelo 1º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Tibério Nunes da Silva 2º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Nuno Ataíde das Neves |