Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
384/09.5TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: CONTRATO DE FACTORING
Data do Acordão: 09/13/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CONTRATO DE FACTORING
Doutrina: - António Pinto Monteiro e Carolina Cunha, in Sobre O Contrato de Cessão Financeira ou de «Factoring», in Boletim da Faculdade de Direito, Volume Comemorativo, Coimbra 2003, 533/535.
- João Caboz Santana, O Contrato De Factoring Sua Caracterização E Relações Factor-Aderente, 1995, 30/31.
- Miguel Pestana de Vasconcelos, O contrato De Cessão Financeira (Factoring) No Comércio Internacional, in Estudos Em Homenagem Ao Professor Doutor Jorge Ribeiro de Faria, Coimbra Editora, 2003, 403.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 334.º, 406.º, Nº1, 805.º, Nº2, ALÍNEA A), 813.º.
DL N° 298/92 DE 31-12, REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS (RGICSF): - ARTIGOS 73.º, 74.º, 76.º.
DL Nº 171/95, DE 18-7 (COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO DL Nº 186/2002, DE 21-8): - ARTIGOS 2.º, 8.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 24/1/2002, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I O contrato de factoring, em termos gerais, pode ser traduzido como aquele em que uma das partes (o facturizado) cede a outra (o factor) a totalidade do seu crédito comercial de curto prazo decorrente de contrato já celebrado com um terceiro (in casu o crédito proveniente da relação contratual que a Autora mantinha com U), para que o factor o administre e proceda à respectiva cobrança na data do seu vencimento e, lhe conceda nos precisos termos fixados no supra citado acordo o adiantamento calculado sobre o valor nominal desse crédito (no caso o correspondente a 90% daquele valor nominal, podendo ser ainda acordado entre as partes que pelo serviço de gestão e cobrança do crédito o facturizado lhe pague uma comissão de cobrança, em contrapartida daquele adiantamento, bem como juros e uma comissão pela garantia, o que aconteceu no caso sujeito.

II Se a Aderente, a aqui Recorrente (facturizado), assumiu o risco de não pagamento pela devedora e que o Réu (factor) lhe poderia exigir o crédito cedido e não pago (estamos face a um factoring com «recurso» (with  recourse)), estaria na disponibilidade do Recorrido demandar a Autora pelo incumprimento do devedor, mas que a tal não estava obrigado

III Se o factor executa directamente o terceiro devedor por um montante inferior ao do crédito cedido e nessa acção executiva dá por extinto até esse montante o crédito que detém sobre o factorizado por via do contrato de factoring, cessam os efeitos deste.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I T, S.A., intentou acção declarativa com processo ordinário, contra B X, S.A., pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 403.341,06 (ou, subsidiariamente, € 22.722,00), acrescida de juros legais, alegando para o efeito e em síntese ter celebrado com o R. um contrato de factoring, com direito de regresso, relativo a um crédito que detinha sobre a U, o qual já se mostrava vencido à data do factoring; o crédito não foi pago na data do vencimento e, pese embora a cessação dos efeitos do factoring, o Réu esteve cerca de dois anos a debitar juros e encargos à Autora, sem lhe devolver o crédito e sem accionar o devedor; após tal lapso de tempo, intentou acção e execução contra a U, vindo a receber o capital do crédito, mas sem devolver à Autora o diferencial entre o montante do crédito e o adiantamento efectuado pelo factoring; subsidiariamente, por força do enriquecimento sem causa, incumbe ao Réu a obrigação de restituição do diferencial entre o valor recebido e o valor em dívida pela Autora à data da instauração da acção judicial.

A final foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, condenou o Réu a pagar à Autora a quantia de € 89.397,42, bem como as importâncias que lhe cobrou, após 13.03.2005, a título de juros e encargos financeiros relativamente ao adiantamento concedido (€ 779.690,37), importâncias estas a liquidar em execução de sentença, bem como os juros moratórios, à taxa legal que sucessivamente vigorar até integral cumprimento, desde a data da citação nesta acção.

Inconformado, recorreu o Réu, tendo a final sido julgada procedente a Apelação, com a absolvição daquele do pedido.

Recorre agora a Autora de Revista, apresentando as seguintes conclusões:

- Resultou provado que a Recorrente celebrou com a Recorrida em 22/03/2004 o contrato de factoring de fls 11 a 18 dos autos. - al. a) da matéria assente.

- Resultou também provado que ao abrigo desse contrato a Recorrente cedeu à Recorrida um crédito no valor de € 869.087,79, titulado por factura emitida em 13/02/2004, na qual figura como devedor a sociedade U, S.A. - aI. b) da matéria assente.

- Resultou provado que os trabalhos efectuados pela Recorrente no âmbito de contrato celebrado com a sociedade U em 22/05/2001 foram realizados em 2002 e objecto de confirmação pelo devedor em 07/06/2004, com expresso reconhecimento da respectiva obrigação de pagamento. - al. d), f) e g) da matéria assente.

- Resultou provado que ao abrigo do aludido contrato de factoring o montante do adiantamento concedido pela Recorrida à Recorrente foi de € 779.690,37, correspondente a 90% do crédito de capital cedido. - al. i) da matéria assente.

- Resultou provado que na sequência de acção executiva instaurada pela Recorrida contra a sociedade devedora U, esta veio a receber, na sequência de transacção efectuada com aquela o montante de € 886.704,84, quantia que fez sua. - al. j) da matéria assente.

- No âmbito do contrato de factoring celebrado entre as partes, o crédito tomado pela Recorrida e cedido pela Recorrente, foi aceite com direito de regresso, o que quer dizer, que tal crédito teria de ser devolvido ao aderente, no caso a aqui Recorrente, verificando-se o não pagamento pelo devedor na data do vencimento real ou presumido.

- Obrigando-se nesta hipótese a Recorrente enquanto aderente, a restituir ao Factor nesta lide investido na qualidade de Recorrida, os valores que este lhe antecipou em pagamento de tais créditos.

- Resulta provado nos autos que, não foi esta a opção tomada pela Recorrida, pois que na data de vencimento da factura cedida e não obstante se ter verificado a ausência de pagamento pelo devedor nessa data, optou por manter o crédito tomado em carteira e não o restituir à Recorrente.

- A Recorrida recebeu do devedor o montante de € 886.704,84, fazendo-o integralmente seu e omitindo intencionalmente o seu recebimento junto da Recorrente.

- A factura cedida tinha prazo certo de vencimento - 30 dias, conforme resposta positiva aos quesitos 1, 2, 3 e 4 da base instrutória.

- Impunha-se à Recorrida debitar imediatamente o montante do crédito e a comissão de factoring na conta corrente da Autora, devolvendo-lhe a factura, assim exercendo a garantia do seu direito de regresso, devendo neste quadro e decorrentemente do débito do montante do crédito cedido, cessar o débito de juros pelo adiantamento concedido.

- Resultou provado que a factura cedida tinha vencimento em 13/02/2005.

- Resultou também provado que as partes estipularam ainda que o pagamento do crédito poderia ocorrer no prazo máximo de 30 dias após o vencimento da factura, ou seja até 13/03/2005.

- Daqui resulta, que o banco Réu podia manter o crédito em cobrança até 13/03/2005, após o que deveria realizar o débito na conta corrente da Autora e cessar com a cobrança de juros de financiamento que vinham a ser pagos pelo adiantamento concedido, devolvendo a factura.

- Mas não foi isto que a Recorrida fez; ao invés incumpriu com as suas obrigações contratuais, optando por manter a titularidade do crédito e accionando a devedora U directamente e em nome próprio, na acção executiva.

- Se o banco Réu optou por manter a titularidade do crédito como garantia própria estabelecida a seu favor, não pode imputar à Recorrente o custo desta sua opção de não devolver o crédito que lhe foi cedido com direito a regresso.

- Não pode é assumir a opção de não ceder o crédito à Recorrente após o seu vencimento e continuar a debitar-lhe juros e encargos de financiamento, decorrentes da sua própria inércia na instauração da acção executiva visando a cobrança coerciva do seu crédito decorrido mais de um ano sobre o vencimento do mesmo, sob pena de abuso de direito nos termos estatuídos no art. 334 do CC.

- A Recorrida incumpriu com as obrigações contratuais emergentes do contrato de factoring, quer ao não diligenciar com celeridade pela cobrança do crédito cedido, quer ao debitar juros de financiamento junto da Recorrente a partir de 13/03/2005.

- Da resposta ao quesito 19 apenas resultou provado que a Recorrida com o recebimento da verba de € 886.704,84 nos autos de execução movidos contra a sociedade U, deu por extinto até esse montante o crédito que detinha sobre a Recorrida.

- Mas já não resultou provado o montante concreto do seu invocado crédito, nem nos presentes autos a Recorrida deduziu pedido reconvencional contra a Recorrente visando a sua cobrança coerciva, ou suscitou na sua contestação qualquer excepção de compensação.

- Da resposta dada ao n° 20 da base instrutória, resulta apenas provado que a Ré não demandou a Autora pela diferença do crédito a que teria direito pelo contrato de factoring, e o montante recebido na execução contra a U.

- Da resposta a este quesito, extrai-se tão só que a Recorrida entende ter direito a um crédito sobre a Recorrente, que em momento algum quantifica, ou sequer indiciariamente apura.

- Mais resulta provado na resposta a este quesito e com interesse para a boa decisão da causa, que a Recorrida não demandou a Recorrente para cobrança coerciva do seu putativo crédito o que ora preclude o exercício de qualquer direito de crédito nesse sentido.

- Da resposta ao quesito 21 da base instrutória apenas resultou provado que a Recorrida não demandou a Recorrente, por ter considerado reduzida a possibilidade de pagamento desta face à sua situação económica.

- Isto é, da resposta a este quesito, apenas se extrai que a Recorrida terá optado por não demandar a Recorrente por considerar reduzida a possibilidade de pagamento desta por força da sua situação económica, mas já não está demonstrado, nem se mostra provado que a Recorrente não tivesse possibilidades de pagamento, ou a sua situação económica fosse difícil, trata-se de um mero juízo de valor da Recorrida.

- Quanto ao capital da factura cedida, tendo o banco Réu recebido esse montante na totalidade, deverá entregar à Recorrente a diferença entre o valor da factura e o adiantamento que lhe havia sido feito, ou seja o montante de € 89.397,42.

- Não pode ser levado em linha de conta, como o fez o douto acórdão sob recurso o eventual crédito da Recorrida após compensação, tendo por base os valores elencados na petição inicial, pois que independentemente de a Recorrente poder dever á Recorrida juros e encargos devidos pela operação de financiamento, estes montantes não se mostram pedidos por esta.

- Cumpre apenas apreciar da legitimidade da restituição da provisão financeira em falta e recebida pela Recorrida - 89. 397,42 €, sem qualquer dedução ou compensação, por não estar peticionada ou reconhecida pela Recorrida.

- Nos concretos termos em que a Recorrente estruturou a sua acção, não lhe competia provar o pagamento dos encargos financeiros que sobre si impendiam decorrentemente da celebração do contrato de factoring, para lhe ser reconhecido o direito à restituição da provisão financeira emergente do crédito cedido.

- Mas apenas demonstrar que o crédito cedido foi recebido na totalidade pelo Factor e que a provisão financeira resultante entre o valor cedido e o valor adiantado não foi por si recebido - facto provado.

- Diferente seria e não é esse o caso se a Recorrida tivesse alegado mas não alegou que teria direito a receber da Recorrente um determinado montante a título de juros e encargos, mas esse valor não está por si alegado, menos concretizado ou sequer pedido.

- Provado que está que a Recorrida recebeu do devedor cedido pelo menos o montante correspondente á totalidade do crédito cedido e provado que está que desse crédito apenas lhe adiantou parte do seu valor, concretamente 779.690, 37 € está constituída na obrigação de lhe restituir o montante correspondente á parte cedida não adiantada - 89.398,42 €.

- Não pode ser levado em linha de conta, como o fez o douto acórdão sob recurso o eventual crédito da Recorrida após compensação, tendo por base os valores elencados na petição inicial, pois que independentemente de a Recorrente poder dever á Recorrida juros e encargos devidos pela operação de financiamento, estes montantes não se mostram pedidos por esta.

- Cumpre apenas apreciar da legitimidade da restituição da provisão financeira em falta e recebida pela Recorrida - 89. 397,42 €, sem qualquer dedução ou compensação, por não estar peticionada ou reconhecida pela Recorrida.

- Nos concretos termos em que a Recorrente estruturou a sua acção, não lhe competia provar o pagamento dos encargos financeiros que sobre si impendiam decorrentemente da celebração do contrato de factoring, para lhe ser reconhecido o direito à restituição da provisão financeira emergente do crédito cedido.

- Mas apenas demonstrar que o crédito cedido foi recebido na totalidade pelo Factor e que a provisão financeira resultante entre o valor cedido e o valor adiantado não foi por si recebido - facto provado.

- Diferente seria e não é esse o caso se a Recorrida tivesse alegado mas não alegou que teria direito a receber da Recorrente um determinado montante a título de juros e encargos, mas esse valor não está por si alegado, menos concretizado ou sequer pedido.

- Provado que está que a Recorrida recebeu do devedor cedido pelo menos o montante correspondente à totalidade do crédito cedido e provado que está que desse crédito apenas lhe adiantou parte do seu valor, concretamente 779.690, 37 € está constituída na obrigação de lhe restituir o montante correspondente à parte cedida não adiantada - 89.398,42 €.

- A partir da data de vencimento da factura - 13/03/2005 e firme a opção da Recorrida em não retransmitir o crédito, reservando para si, carece de legitimidade para continuar a debitar juros de financiamento e encargos a esse título, ao invés devia tê-los feito cessar.

- Resulta provado nos autos que o banco Réu não obstante a data de vencimento da factura apenas interpelou a devedora mais de três meses depois, objectivamente por carta de 16/06/2005, concedendo-lhe até 04/07/2005 para pagar.

- Os deveres de diligência e protecção, exigíveis em qualquer relação contratual, resultam acrescidos no caso das instituições financeiras como o banco Réu - cfr artº 73, 74 e 76 do regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras (RGICSF) aprovado pelo DL n° 298/92 de 31/12.

- O não pagamento atempado e a falta de diligência nesse desidrato, traz prejuízos ao credor, no caso da Recorrente esse prejuízo resulta agravado pelo facto de estar a pagar juros ao banco Réu pelo adiantamento concedido e nada podendo, fazer uma vez que tendo cedido o crédito, só o banco Réu o podia accionar.

- A partir de 13/03/2005 a Recorrente não está em mora com o banco Réu, porquanto foi este quem decidiu não exercer o seu direito de regresso ou cumprir o seu dever de diligência e celeridade na cobrança do crédito - cfr. artº 813 e 814 n° 2 do Cc.

- 0 douto acórdão recorrido viola o disposto nos artigos 73, 74 e 76 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) aprovado pelo DI n° 298/92 de 31/12.

- Viola também o disposto nos artigos 406, 762, 763, 813 e 814 do Cc.

- A actuação do Recorrido enquadra-se ainda nas hipóteses normativas estatuídas nos artigos 334 e 473 do CC.

Nas contra alegações o Réu pugna pela manutenção do julgado.

II Põem-se como questões a resolver no âmbito deste recurso as de saber: i) se a Autora tem direito à restituição da quantia peticionada de € 89.397,42, correspondente ao remanescente entre o crédito tomado e recebido; ii) se a Autora tem direito às importâncias cobradas após 2005.03.13, a título de juros e encargos financeiros.

 As instâncias declaram como assentes os seguintes factos:

- No âmbito da sua actividade, a R. celebrou com a A., em 22/03/2004, o contrato de Factoring, cuja cópia faz fls. 11 a 18 dos autos e cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido (alínea A) da matéria assente).

- Por meio desse contrato, a A. cedeu à R., um crédito no valor de 869.087,79 €, titulado por factura emitida em 13/02/2004, na qual figura como devedor a Sociedade U, S.A. (alínea B) - da matéria assente).

- A é uma sociedade de capitais exclusivamente detidos pelo Estado Português, à qual foi atribuída a responsabilidade ambiental nos terrenos da extinta Siderurgia Nacional – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A. (alínea C)- da matéria assente).

- A A. celebrou com a U, em 22/05/2001, o  contrato cuja cópia faz fls. 20 a 22 dos autos, cujo teor aqui damos por reproduzido (alínea D)  da matéria assente).

- Ao celebrar o aludido contrato, foi vontade da Autora e da U que o devedor tinha um prazo de 30 dias, após a  verificação dos trabalhos, para o seu pagamento (cláusula 5.ª do contrato)(resposta ao artigo 1.º da base instrutória).

- Ao introduzir a expressão ”Sempre que possível” (cláusula 5.ª do contrato), as partes quiseram reportar-se ao prazo de 30 dias, e não à possibilidade de cumprimento em si mesma (resposta ao artigo 2.º da base instrutória).

- Com a introdução de tal cláusula, as partes pretenderam, verificados determinados pressupostos, não fixar um prazo absolutamente estanque (resposta artigo 3.º da base instrutória).

- Permitindo à U, nessa hipótese, dilatar o prazo de cumprimento para além   dos 30 dias, caso alegasse e provasse, não poder  cumprir o  prazo fixado (resposta ao artigo 4.º da base instrutória).

- Desse contrato, resultou para a A. o crédito sobre a U, titulado pela factura referida [B)] (alínea E) da matéria assente).

- Os trabalhos efectuados pela A. e titulados pela factura cedida, foram realizados em 2002, e objecto de confirmação pelo devedor em 07/06/2004. (alínea F) da matéria assente).

- Em 07.06.2004, a U declarou «Confirmamos que tomamos conhecimento da cessão dos créditos acima relacionados pela T, (…) a V. Ex.as e assumimos a obrigação de pagar integralmente os mesmos créditos, renunciando nomeadamente a invocar perante V. Ex.as quaisquer direitos nossos sobre a empresa cedente que pudessem levar a que tais créditos não fossem, total ou parcialmente devidos.» - carta cuja cópia faz fls. 23 dos autos (alínea G) da matéria assente).

- Aquando da celebração do contrato de factoring, a R. tinha conhecimento dos termos do contrato celebrado entre a A. e a U (alínea H) da matéria assente).

- O montante  do  adiantamento concedido pela R. à A., ao abrigo do citado contrato de factoring, foi de 779.690,37 € (alínea I) da matéria assente).

- A R. instaurou execução contra a U, processo que correu termos sob o n.º…, na 2ª Secção, do 3.º Juízo de Execução de Lisboa, terminando por receber da U o montante de € 886.704,84, quantia que fez sua (alínea J) da matéria assente).

- A R. interpelou a U por carta de 16 de Junho de 2005, cuja cópia faz fls. 49 dos autos e cujo teor damos aqui por reproduzido (alínea L) da matéria assente).

- Apesar de a ter recebido, a U não respondeu a essa carta e deixou passar o dia 7 de Julho de 2005 sem pagar e sem nada dizer (alínea M) da matéria assente).

- A R. considerou-se definitivamente livre para agir judicialmente contra a U, na qualidade de devedora do crédito que lhe fora cedido pela A. (alínea N) da matéria assente).

- Na data do vencimento da factura, verificado o seu não  pagamento pelo devedor, a R. não devolveu o crédito à A. (alínea O) da matéria assente).

- A R. debitou juros e encargos financeiros na conta da A., pelo menos até à data em que instaurou acção executiva contra a U para cobrança do capital e juros referentes à factura objecto destes autos (resposta ao artigo 10.º da base instrutória).

- A R. apenas procedeu à cobrança coerciva do crédito tomado, em 05/01/2006  (resposta ao artigo 13.º da base instrutória).

- Nessa acção, a R. peticionou do devedor, o capital em dívida e juros de mora desde a data de vencimento da factura tomada, 13/02/2005, e até integral pagamento (resposta ao artigo 14.º da base instrutória).

- A factura, datada do dia 13 de Fevereiro de 2004, tinha o seu vencimento no dia 13 de Fevereiro de 2005 (resposta ao artigo 16.º da base instrutória).

- Com o recebimento da quantia acordada no processo de execução, a R. deu por extinto, até esse montante, o crédito que detinha sobre a  A. (resposta ao artigo 19.º da base instrutória).

- A R. não demandou a Autora pela diferença entre o crédito a que teria direito pelo contrato de factoring, e o montante recebido na execução contra a U (resposta ao artigo 20.º da base instrutória).

- E não demandou a A. por ter considerado reduzida a possibilidade de pagamento da A., face à sua situação económica (resposta ao artigo 21.º da base instrutória).

Ao abrigo do disposto no artigo 659.º, n.º 3, ex vi  artigo 713.º, n.º 2, CPCivil o Tribunal da Relação do Porto acrescentou os seguintes factos ao elenco dos factos provados:

- É o seguinte o teor da cláusula 4.ª do contrato referido em na alínea A) da matéria assente, sob a epígrafe «Direito de recurso do banco»:

1. O ADERENTE assume o risco do não pagamento, total ou parcial, dois créditos cedidos.

2. O BANCO poderá exigir ao ADERENTE  os créditos cedidos e não pagos, levando os valores em causa a débito do ADERENTE na Conta-corrente, logo após as respectivas datas de vencimento, a menos que nas condições particulares seja fixado prazo diverso (“dias após vencimento”).

- Estabelece a cláusula 5.ª, sob a epígrafe «Movimentação de débitos e créditos - convenção de conta corrente, que:

1. A contabilização dos créditos e débitos que nasçam entre as partes ao abrigo do previsto no presente contrato será efectuada pelo BANCO nas seguintes duas contas:

a) Conta de créditos Tomados, que reflectirá apenas movimentos dos créditos cedidos;

b) Conta-corrente que reflectirá todos os valores que as partes tenham a a haver uma da outra.

2. A Conta-corrente referida no número anterior será título bastante para a exigência pelo BANCO ao ADERENTE do  respectivo saldo, mas não produzirá a novação dos créditos e débitos nela registados.

- A cláusula 6.ª, epigrafada «Cobrança dos créditos», reza assim:

1. O BANCO diligenciará junto dos DEVEDORES cobrar os créditos que lhe foram cedidos.

2. O ADERENTE obriga-se a ceder ao Banco os poderes e a assistência necessária à cobrança dos créditos cedidos.

(…)

- A cláusula 9, epigrafada «Remuneração do Banco>> tem a seguinte redacção:

1. Pela actividade do BANCO relativa ao acompanhamento e gestão dos créditos e à sua posterior cobrança, será devida pelo ADERENTE a comissão de factoring (eventualmente diferenciada por DEVEDOR) que for fixada nas condições particulares (ou na lista anexa) pagável no momento de cada aceitação de créditos, e que incidirá sobre o valor dos créditos incluídos nessa cessão (…).

2. O BANCO poderá reaplicar a comissão sempre que o pagamento dos créditos em causa ocorrer após o crédito máximo fixado nas condições particulares (“dias após vencimento”).

- De acordo com a cláusula 14.ª, epigrafada «exigibilidade do saldo da conta-corrente»,

1. No final do presente contrato, o ADERENTE pagará ao BANCO o saldo que a conta-corrente eventualmente apresente.

 (…)

1.Do contrato havido entre as partes.

As instâncias qualificaram o contrato havido entre as partes como contrato de cessão financeira, vulgo factoring, previsto no artigo 2º do Decreto-Lei nº 171/95, de 18 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 186/2002, de 21 de Agosto, qualificação que não mereceu contestação, inexistindo qualquer razão para a alterar.

Tal acordo, em termos gerais, pode ser traduzido como aquele em que uma das partes (o facturizado, no caso sujeito a Autora/Recorrente) cede a outra (o factor, no caso o Réu/Recorrido), a totalidade do seu crédito comercial de curto prazo decorrente de contrato já celebrado (in casu o crédito proveniente da relação contratual que a Autora mantinha com U, alíneas B), E) e F), da matéria assente), para que este último o administrasse e procedesse à respectiva cobrança na data do seu vencimento e, lhe concedesse nos precisos termos fixados no supra citado acordo o adiantamento calculado sobre o valor nominal desse crédito (no caso o correspondente a 90% daquele valor nominal, alínea I) da matéria assente, tendo sido ainda acordado entre as partes que pelo serviço de gestão e cobrança do crédito o facturizado (ora Apelante) pagaria ao Recorrido uma comissão de cobrança, em contrapartida daquele adiantamento, bem como juros e uma comissão pela garantia, cfr resposta ao ponto 19. da base instrutória, nos termos do artigo 8º, nº2 do DL 171/95, de 18 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 186/2002, de 21 de Agosto.

Como se explicitou na sentença recorrida, dentro dos vários tipos que pode assumir na óptica dos serviços prestados pela entidade financeira (factor) em função das necessidades das empresas a que se dirige, o contrato de cessão financeira traduz uma relação obrigacional complexa, onde se destaca uma vertente de concessão de crédito (pelo lado do factor), com a contrapartida da cessão dos créditos que o facturizado/aderente tem sobre terceiros, uma remuneração (juros) e comissão (cláusula 9. do contrato, matéria aditada pelo Tribunal da Relação), cfr L. Miguel Pestana de Vasconcelos, O contrato De Cessão Financeira (Factoring) No Comércio Internacional, in Estudos Em Homenagem Ao Professor Doutor Jorge Ribeiro de Faria, Coimbra Editora, 2003, 403.

Pretende a Autora, aqui Recorrente, que o Réu, Recorrido, lhe satisfaça a quantia de € 89.397,42, correspondente à diferença  entre o valor  que lhe foi adiantado por este por via do contrato de factoring (€ 779.690,79) e o que o mesmo recebeu  (€ 869.087,79), na execução que moveu a U, mas sem razão.

O Recorrido com o recebimento da verba de € 886.704,84 nos autos de execução movidos contra a sociedade U, deu por extinto até esse montante o crédito que detinha sobre a Recorrida por via do contrato de factoring, não tendo sequer demandado a Recorrente pelo excedente a que teria direito e por ter considerado ser reduzida a possibilidade de pagamento por esta, cfr alínea I) da matéria assente e respostas aos pontos 19., 20. e 21. da base instrutória.

É que, não podemos ignorar que o contrato de factoring teve por objecto a cedência do crédito de € 869.087,77, que a Autora tinha sobre aquela sociedade, crédito esse cujo vencimento ocorreria em 13 de Março de 2005, quantia essa à qual acresceriam os juros e comissão de cobrança, nos termos do contrato, cfr resposta ao ponto 19 da base instrutória, sendo certo que o excedente verificado, aqui peticionado pela Recorrente, traduz precisamente os interesses vencidos e a aludida comissão, embora em quantia inferior à devida, como se afere da matéria dada como provada e supra referenciada e a que o Réu tinha direito nos termos consignados no acordo celebrado, cfr António Pinto Monteiro e Carolina Cunha, in Sobre O Contrato de Cessão Financeira ou de «Factoring», in Boletim da Faculdade de Direito, Volume Comemorativo, Coimbra 2003, 533/535 e Ac STJ de 24 de Janeiro de 2002 (Relator Oliveira Barros), in www.dgsi.pt.

Ora, na data do vencimento do crédito cessionado, a aderente não o satisfez ao Recorrido, nem subsequentemente, apesar de ter sido instada para o efeito, nem tão pouco a Autora o fez, alíneas G), L), M) e O) da matéria assente, sendo certo que ambas sabiam que a divida existia e que estavam em mora, artigo 805º, nº2, alínea a) do CCivil, naufragando por completo o argumento da Recorrente quanto a uma eventual morosidade na instauração da acção executiva por parte do Recorrido, já que, desde a data do vencimento da factura em divida, 13 de Março de 2005 e até à instauração da acção executiva, 5 de Janeiro de 2006, não se mostra ter havido qualquer acção sua com vista ao pagamento da quantia em divida, sendo sobre si que impendia a obrigação de pagar a mesma e não sobre o Recorrido o dever de obter o seu ressarcimento coercivo. A entender-se deste modo seria a completa inversão das regras existentes e criar uma forma de eximir os devedores faltosos do cumprimento das obrigações decorrentes dos acordos havidos, sendo que estes são para cumprir pontualmente, de harmonia com o preceituado no artigo 406º, nº1 do CCivil.

Estes mesmos argumentos são o quantum satis, para o afastamento do pretenso abuso de direito por violação do disposto no artigo 334º do CCivil, por parte do Recorrido, como lhe imputa a Apelante, por via do alegado «atraso» na instauração da acção executiva (cerca de um ano em relação à data de vencimento da factura), sem que se mostre ter havido por parte da Autora, ou do devedor ali executado, qualquer actuação com vista ao pagamento das quantias em divida.

É que o instituto do abuso do direito pressupõe que o exercício do direito seja ilegítimo, por o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, o que não ocorre, quando o credor instaura uma acção executiva, mesmo um ano depois após o vencimento do respectivo crédito, para se ver ressarcido das quantias que desembolsou.

Também não houve a violação por parte do Réu de quaisquer deveres de diligência e protecção, nomeadamente os decorrentes dos artigos 73º, 74º e 76º do regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras (RGICSF) aprovado pelo DL n° 298/92 de 31/12.

Naufragam desta sorte as conclusões da Autora quanto a este particular.

2.Da restituição dos juros

Insurge-se ainda a Autora contra o Acórdão sob recurso uma vez que na sua tese a partir da data de vencimento da factura, 13/03/2005, e firme a opção da Recorrida em não retransmitir o crédito, reservando para si, carece de legitimidade para continuar a debitar juros de financiamento e encargos a esse título, ao invés devia tê-los feito cessar.

Em primeiro lugar cumpre deixar aqui devidamente consignado que não houve por parte do Réu a violação dos termos acordados com a Autora, nomeadamente, de uma qualquer obrigação de lhe devolver o crédito na data do respectivo vencimento, debitando-o na sua conta-corrente, pois decorre daqueles mesmos termos, cfr alínea A) da matéria assente, vg, cláusula 4., que a Aderente, a aqui Recorrente, assumiu o risco de não pagamento pela devedora e que o Réu lhe poderia exigir o crédito cedido e não pago (estamos face a um factoring com «recurso» (with  recourse)), o que vale por dizer que estava na disponibilidade do Recorrido demandar a Autora pelo incumprimento do devedor, mas que a tal não estava obrigado, cfr João Caboz Santana, O Contrato De Factoring Sua Caracterização E Relações Factor-Aderente, 1995, 30/31.

Em segundo lugar, como deflui inequivocamente do contratado, maxime, da cláusula 5. «1.A contabilização dos créditos e débitos que nasçam entre as partes ao abrigo do previsto no presente contrato será efectuada pelo BANCO nas seguintes duas contas: a) Conta de créditos Tomados, que reflectirá apenas movimentos dos créditos cedidos; b) Conta-corrente que reflectirá todos os valores que as partes tenham a a haver uma da outra. 2. A Conta-corrente referida no número anterior será título bastante para a exigência pelo BANCO ao ADERENTE do respectivo saldo, mas não produzirá a novação dos créditos e débitos nela registados.».

Pretende a Autora, na acção, que o Réu lhe restitua as quantias por este «debitadas» a título de juros e comissões, as quais foram objecto de um débito em conta indevido.

Como supra se assinalou, a Autora estava em mora para com o Réu, não se vislumbrando qualquer actuação da sua parte para lhe por fim.

Não se demonstrou nos autos que a Autora tenha oferecido qualquer prestação ao Réu, de forma a podermos deduzir que afinal das contas estaríamos, quiça, perante a mora deste fazendo convocar o preceituado no artigo 813º do CCivil.

Contudo, inequívoco se torna que para além de se mostrar configurada uma obrigação de prazo certo, daquela cláusula contratual livremente aceite pelas partes, os créditos e débitos existentes entre Recorrente e Recorrido, assumiriam a forma de «conta-corrente», daí o Acórdão sob recurso se ter focalizado na existência de débitos em conta que não corresponderiam, como não correspondem, a qualquer cobrança efectiva dos mesmos que não houve por parte do Banco Recorrido, frisando-se todavia que os juros e comissões que foram contabilizados por via da mora, eram devidos pela Autora em montante superior até, cfr respostas aos pontos 10. e 19. a 21. da base instrutória e a cláusula supra transcrita.

Assim sendo, nunca poderia o Réu ser condenado a devolver à Autora uma quantia que nunca dela recebeu.

Improcedem, in totum, as conclusões de recurso.

III Destarte, nega-se a Revista confirmando-se a decisão plasmada no Acórdão sob recurso.

Custas pela Apelante.

Lisboa, 13 de Setembro de 2012

(Ana Paula Boularot)

(Pires da Rosa)

(Maria dos Prazeres Pizarro Beleza)