Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | PINTO HESPANHOL | ||
Descritores: | NULIDADE DO PROCESSO DISCIPLINAR DIREITO DE DEFESA INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA OMISSÃO DESPEDIMENTO ILÍCITO | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 03/17/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | 1. Ressalvadas as limitações constantes do artigo 414.º, n.º 1, parte final, e n.º 2, do Código do Trabalho de 2003, a empregadora, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, está obrigada a realizar as diligências probatórias requeridas pelo arguido na resposta à nota de culpa, sendo que a não realização de tais diligências, se não for devidamente fundamentada, determina a invalidade do procedimento disciplinar e, consequentemente, a ilicitude do despedimento, nos termos do artigo 430.º, n.os 1 e 2, alínea b), daquele Código. 2. O procedimento disciplinar que a empregadora moveu contra o trabalhador — e que culminou com a aplicação da sanção de despedimento, com fundamento em justa causa — é de reputar inválido por violação do princípio do contraditório, no caso consubstanciada pela falta de inquirição de três das testemunhas arroladas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa. 3. A junção ao procedimento disciplinar de uma cópia da resposta à nota de culpa que cada uma das três testemunhas não inquiridas apresentou no respectivo procedimento disciplinar não substitui a sua inquirição. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. Em 17 de Abril de 2007, no Tribunal do Trabalho da Maia, secção única, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra … – CORPORAÇÃO BB, S. A., pedindo que fosse declarada a ilicitude do seu despedimento e, em consequência, a condenação da ré a reintegrá-lo ao seu serviço «ou, conforme opção, pagar-lhe a indemnização de antiguidade de € 26.078,00», bem como a pagar-lhe as retribuições vencidas desde a data do ilícito despedimento e as vincendas até ao trânsito em julgado da sentença, sendo que já se encontram vencidas prestações no valor de € 1.917,50, e a quantia de € 2.500, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal em vigor, devidos até integral adimplemento. Em suma, alegou que foi admitido ao serviço da ré, em 1 de Junho de 1990, para, sob a sua autoridade e direcção, desempenhar funções de chefia nível III e que, em 16 de Março de 2007, foi despedido ilicitamente, quer por invalidade do procedimento disciplinar, quer por inexistência de justa causa para o efeito. A ré contestou, sustentando a validade do procedimento disciplinar, bem como a existência da justa causa de despedimento invocada. O autor respondeu, concluindo como na petição inicial. Realizado o julgamento, com gravação da prova, e tendo o autor declarado optar por uma indemnização em substituição da reintegração, foi proferida sentença que, considerando verificar-se a invalidade do procedimento disciplinar, declarou a ilicitude do despedimento do autor e condenou a ré a pagar-lhe (i) a indemnização prevista no artigo 439.º do Código do Trabalho, equivalente a um mês de retribuição base por cada ano ou fracção, no valor de € 26.078 (€ 1.534 x 17), (ii) as retribuições, que este deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final, a liquidar a final, (iii) a quantia de € 2.500, a título de indemnização por danos não patrimoniais, (iv) e juros de mora sobre as aludidas quantias, à taxa legal, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento. 2. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, impugnando a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto e sustentando a validade do procedimento disciplinar, a existência de justa causa para o despedimento e, também, que a condenação nos salários intercalares devia limitar-se aos vencidos até Maio de 2007, data em que o autor recomeçou a trabalhar, sendo que o Tribunal da Relação do Porto julgou parcialmente procedente a apelação, alterando a resposta ao quesito 2.º da Base Instrutória [facto provado 28)] e deduzindo aos salários intercalares, «as importâncias obtidas pelo A. com a cessação do contrato e que o mesmo não receberia se não fosse o despedimento, sendo, em 28.05.2009, no montante já liquido de € 22.343,04, e as demais que se vencerem desde tal data e até ao trânsito da decisão final, a liquidar oportunamente», mantendo, no mais, a decisão recorrida. É contra esta decisão do Tribunal da Relação do Porto que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que alinha as seguintes conclusões: «1) A decisão recorrida considerou procedente a presente acção, condenando a Ré pela ilicitude do despedimento do Apelado, em virtude da declaração de nulidade do processo disciplinar, tendo esta origem na violação do direito de defesa do trabalhador--arguido em sede de processo disciplinar; 2) A dita violação teria tido a sua causa no facto de a Apelante apenas ter ouvido 3 das 6 testemunhas arroladas pelo Apelante na sua resposta à nota de culpa, sem prestar qualquer justificação para o facto; 3) A Apelante entende ter efectivamente ouvido todas as testemunhas indicadas, e por isso não estava obrigada a justificar qualquer omissão; 4) A Apelante acusou o Apelado da prática de determinados actos, mas sempre em associação ou comparticipação com o seus colegas de secção, cuj[o] depoimento foi pedido por aquele, tendo a apelante sempre feito menção a tal associação ao longo do processo disciplinar alegando de forma circunstanciada os factos que em conjunto praticaram ou permitiram que fossem praticados; 5) A sentença considerou provado que: “(...) 13. A Ré/arguente apenas procedeu, no âmbito das diligências probatórias requeridas pelo Autor/arguido, à inquirição das três (3) primeiras testemunhas por este arroladas (sublinhado nosso) [não foi, porém, aposto qualquer sublinhado]; 14. A Ré instaurou procedimentos disciplinares aos colegas de secção do Autor, CC, DD e EE; 15. Foi junto aos autos de processo disciplinar o relato dos factos relevantes por parte [de] CC, DD e EE, sob a forma escrita de defesa apresentada por cada um, conforme indicado pelo então arguido; (...)” 6) Acresce que é claro que a matéria objecto de todos os processos disciplinares era praticamente reproduzida como não poderia deixar de ser em face da comparticipação em causa — vide a este propósito as notas de culpa e respectivas defesas lavradas nos processos das testemunhas em causa! 7) Em cada um dos ditos processos disciplinares, o respectivo arguido juntou resposta à nota de culpa, apresentando a sua versão dos factos objecto dos processos; 8) Os interesses e defesas de cada um daqueles arguidos/testemunhas eram em tudo coincidentes e idênticos; 9) A Apelante fez juntar ao processo disciplinar do Apelado as respostas de cada um dos seus colegas de secção cujo depoimento havia sido requerido, considerando que aqueles escritos constituíam um depoimento testemunhal bastante, não as tendo inquirido pessoalmente; 10) A gestão do processo disciplinar cabe claramente à entidade empregadora, garantindo os princípios do inquisitório, do contraditório quando seja imposto por lei, ou quando se mostre adequado, da simplificação formal, da celeridade e economia processual; 11) Pode, portanto, a entidade patronal gerir a prática de actos ao longo do processo disciplinar, seja, quanto à sua prática ou omissão — caso em este último em que deverá fundamentar a decisão de omitir algum acto —, seja quanto à forma ou formalidades a que a prática do acto deverá obedecer, sem que a sua substância material seja posta em causa; 12) O PROF. ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado IV, pág. 327, diz claramente que “a nossa lei assenta no pressuposto de que a função da testemunha é simplesmente narrar factos”; 13) Como o PROF. ANTUNES VARELA, in Manual De Processo Civil, pág. 609, Coimbra Editora, diz que a prova testemunhal “constitui assim uma declaração de ciência (...)”; 14) Testemunha, será assim uma pessoa estranha àquele concreto processo, e que lhe traz uma narração de factos ou, se se preferir, uma declaração de ciência que ali relevam. “A testemunha narra ao tribunal factos passados de que teve percepção e que, consequentemente, ficaram registados na sua memória” (LEBRE DE FREITAS, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, pág. 531, Coimbra Editora); 15) E o seu depoimento não será mais do que a mera narração de factos; 16) As respostas às notas de culpa que cada um dos colegas do A. fez juntar no seu processo disciplinar contêm um relato de factos sobre o mesmo objecto do processo do próprio A.; 17) E por isso são materialmente verdadeiros depoimentos! 18) A forma de prestação do depoimento não põe em causa a natureza deste, como resulta desde logo da melhor doutrina do Prof. ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado IV, pág. 328 onde explica claramente que “Claro que, no caso figurado, a prova chega ao tribunal por meio de um escrito; o tribunal encontra-se, pois, em presença dum documento. Mas este é o aspecto formal; se atendermos, porém, ao conteúdo do escrito, havemos de reconhecer que estamos perante um testemunho, perante a simples narração de factos que o declarante pretendeu fazer chegar ao conhecimento do tribunal. O documento contém, não uma declaração de vontade, mas uma declaração de ciência”; 19) Ou seja, o que releva é o conteúdo da declaração da testemunha, e não [a] forma por que possa ser prestada; 20) A diferente posição jurídica em que aquela declaração de ciência foi emitida, no caso a posição de arguido em processo disciplinar não altera o valor do depoimento, em nada prejudicando o Apelado; 21) Muito pelo contrário, apenas favoreceu o Apelado em virtude de permitir ao seu emitente faltar à verdade — o que não poderia se depusesse presencialmente —, e por permitir ao seu emitente juízos de valor e lógicas dedutivas e indutivas que a uma testemunha nunca deveriam ser permitidas, e que, realizadas por quem sofria da mesma ameaça que o Apelado, não podiam senão beneficiar o Apelado; 22) As respostas juntas ao processo disciplinar são por isso depoimentos, mas mais do que isso, e nessa mesma medida favorecem o Apelado; 23) O Apelado nunca invocou, como não o fez a decisão recorrida, que as testemunhas pudessem dizer coisa diferente do que disseram nas respostas às suas notas de culpa; 24) A forma dos actos processuais, instrutórios ou outros, visa tão só proteger direitos e interesses das partes; 25) A forma dos actos processuais é apenas um meio para aquele fim; 26) A prestação dos depoimentos dos três colegas do Apelado por meio de escritos sob a forma de defesa nos processos disciplinares não violou qualquer direito ou interesse do Apelado; 27) O STJ, no seu acórdão de 22 de Abril de 1983, afirma que “os processos foram autónomos e, podendo ter sido apensados, não o foram, tendo-se por outro lado as partes dispensado de fazer juntar a este as notas de culpa que foram apresentadas às demais arguidas e suas respectivas respostas” — in B.MJ. 326, pág. 368 (sublinhados nossos), pelo que se conclui, a contrario, que caso houvessem sido juntas as respostas à nota de culpa, a audição das testemunhas considerar-se-ia feita de forma suficiente; 28) Considerar o processo disciplinar nulo será ceder ante um formalismo atávico e atroz... será fazer ceder a substância às mãos da forma! 29) A tendência para a desformalização do processo disciplinar foi finalmente plasmada pela revisão do Código do Trabalho, onde se prevê a não obrigatoriedade de instrução pela entidade patronal, como corolário dos princípios do inquisitório e da simplificação processual; 30) A decisão recorrida violou, portanto, a este propósito, o disposto no art. 414.º do Código do Trabalho, na redacção aplicável, por errada interpretação e aplicação.» Termina concluindo pela procedência do recurso de revista e pela revogação do acórdão recorrido, «e sua substituição por decisão que declare a inexistência de qualquer vício formal do processo disciplinar e ordene a apreciação da matéria de facto para verificação da existência de justa causa». O autor contra-alegou, defendendo a manutenção do julgado. Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta defendeu a improcedência da revista, parecer que, notificado às partes, não suscitou resposta. 3. No caso vertente, é posta a questão de saber se o procedimento disciplinar é inválido, por omissão da inquirição de três das testemunhas arroladas pelo autor na resposta à nota de culpa. Estando em causa a cessação de um contrato de trabalho por despedimento ocorrido em 16 de Março de 2007, portanto, na vigência do Código do Trabalho de 2003, que entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003 (n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), atento o preceituado nos artigos 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, e 7.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, aplica-se o regime jurídico acolhido naquele Código. Corridos os «vistos», cumpre decidir. II 1. O tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: 1) O Autor foi admitido ao serviço da Ré, em 01 de Junho de 1990, para, sob a autoridade e direcção dos seus superiores hierárquicos, e mediante retribuição, desempenhar as tarefas que lhe eram confiadas [al. A) da matéria de facto assente]; 2) A Ré dedica-se, de forma lucrativa, às actividades económicas de produção e de comercialização de tintas e de vernizes (para fins decorativos, de indústria, de anti-corrosão e de repintura automóvel), bem como à de comercialização de uma vasta gama de acessórios relacionados com as ditas tintas e vernizes, nomeadamente, de baldes, betumes, escovas, colas, espátulas, fitas, lixas, pincéis, pistolas, rolos, sprays, trinchas, e quejandos [al. B) da matéria de facto assente]; 3) O local de trabalho do Autor era o Centro de Distribuição de Produtos Acabados da Ré, sito à Rua …, na … [al. C) da matéria de facto assente]; 4) O Autor não é sindicalizado, sendo, por seu turno, a Ré associada da Associação Portuguesa dos Fabricantes de Tintas e Vernizes [al. D) da matéria de facto assente]; 5) Entre outras funções desempenhadas, o Autor era responsável pelo funcionamento e controle da secção de recepção de produtos acabados da Ré, coadjuvando, outrossim, trabalhadores seus subordinados e seus superiores [al. E) da matéria de facto assente]; 6) Estando profissionalmente qualificado pela Ré como «chefia nível III» [al. F) da matéria de facto assente]; 7) O Autor auferia, ultimamente, e como contrapartida do seu bom, efectivo e ininterrupto trabalho prestado à Ré, a retribuição de base mensal de € 1.534,00, com iguais montantes a título de subsídios de férias e de Natal (aos quais acrescia ainda a retribuição devida pela isenção do horário de trabalho, no valor mensal de € 383,50) — vide, para o efeito, doc. 1 [al. G) da matéria de facto assente]; 8) Até à data dos factos relatados na nota de culpa, o Autor sempre desempenhou a sua actividade profissional com zelo e dedicação à sua entidade empregadora, o que lhe valeu, por parte desta (conforme melhor se comprova através do pagamento anual de uma participação nos lucros — vide, para o efeito, doc. 2 — e, de igual modo, na sua participação activa, a solicitação da ora Ré, na implementação de novos sistemas nos seus estabelecimentos no sul do País, mais concretamente, no Barreiro, e em Tenerife e Barcelona, ambos, em Espanha), de todos os seus colegas, bem como dos clientes, um enorme respeito e reconhecimento das suas enormes qualidades profissionais [al. H) da matéria de facto assente]; 9) O Autor tomou conhecimento, em 21 de Dezembro de 2006, que contra si havia sido instaurado um processo disciplinar precedido de procedimento prévio de inquérito, conforme doc.s de fls. 79 e 80 [al. I) da matéria de facto assente]; 10) Cuja nota de culpa, com intenção de despedimento, lhe foi entregue em 24 de Janeiro de 2007 [al. J) da matéria de facto assente]; 11) E cujo despedimento se viria a consumar, por força de decisão da Administração da Ré, em 16 de Março de 2007 [al. K) da matéria de facto assente]; 12) Na sua resposta à nota de culpa, o Autor requereu a inquirição das seguintes testemunhas: «1) FF, solteiro, desempregado, residente na Rua …, Bloco …, Entrada …, Casa …, 4150-021 – PORTO; 2) GG, casado, preparador/repositor, residente na Rua …, n.º …, ...º Frente, …, 4420-025 – GONDOMAR; 3) HH, casado, preparador/repositor, residente na Rua …, n.º …, R/C Traseiras, … – FÂNZERES (GDM); 4) CC, casado, 1.º caixeiro, residente na Rua …, n.º …, 1.º, …, 4460-729 – MATOSINHOS; 5) EE, casado, 1.º caixeiro, residente na Rua …, n.º .., .., 4475-029 – MAIA; e 6) DD, casado, embalador, residente na Rua …, Bloco …, .., Casa .., …, 4250-069 – PORTO» [al. L) da matéria de facto assente]; 13) A Ré/arguente apenas procedeu, no âmbito das diligências probatórias requeridas pelo Autor/arguido, à inquirição das 3 (três) primeiras testemunhas por este arroladas (do doc. 3) [al. M) da matéria de facto assente]; 14) A Ré instaurou procedimentos disciplinares aos colegas de secção do Autor, CC, DD e EE [al. N) da matéria de facto assente]; 15) Foi junto aos autos de processo disciplinar o relato dos factos relevantes por parte de CC, DD e EE, sob a forma escrita de defesa apresentada por cada um, conforme indicado pelo então arguido [al. O) da matéria de facto assente]; 16) Existem em circulação, nos armazéns da denunciante, ainda três tipos de paletes de carga, a saber: a) as não normalizadas (antigas), a que se não reconhece qualquer valor económico; b) as de formato EUR (devidamente normalizadas e comummente aceites por todos os distribuidores); c) as de formato EUR/BB (que cumprindo todos os requisitos de normalização EUR são adequadas, contudo, à laboração, distribuição e arrumação nos armazéns automatizados da BB) [al. P) da matéria de facto assente]; 17) As paletes antigas estão a cair em desuso, sendo recolhidas pelos distribuidores, e substituídas pelas paletes EUR [al. Q) da matéria de facto assente]; 18) A Ré incentiva e pratica, na distribuição dos seus produtos, a troca das paletes EUR por paletes EUR/BB [al. R) da matéria de facto assente]; 19) Armazenando, na sua maioria, todas as paletes EUR que lhe chegam dos seus fornecedores [al. S) da matéria de facto assente]; 20) E empregando, na sua distribuição, as paletes EUR/BB, uma vez que estas paletes são adequadas a serem facilmente distribuídas e armazenadas no seu armazém automatizado [al. T) da matéria de facto assente]; 21) No exercício das suas funções, já referidas, cabia ao A., em colaboração com os seus colegas de Secção, descarregar as paletes de produtos recebidas de fornecedores [al. U) da matéria de facto assente]; 22) E esvaziá-las, carregando os respectivos produtos em paletes de formato EUR/BB, de forma a poderem ser facilmente armazenadas no armazém robotizado da Ré [al. V) da matéria de facto assente]; 23) Nomeadamente, fiscalizando tais actos materiais [al. X) da matéria de facto assente]; 24) Tendo recebido ordens para empilhar as paletes EUR vazias nesse procedimento [al. Y) da matéria de facto assente]; 25) No dia 21 de Dezembro de 2006, a viatura conduzida por aquele II foi fiscalizada na portaria do Centro de Distribuição [al. Z) da matéria de facto assente]; 26) A Ré, por vezes, reutilizava as paletes em tarefas ocasionais [al. AA) da matéria de facto assente]; 27) A Ré colocou em causa a honorabilidade e dignidade de um trabalhador e de um cidadão que sempre pautou o seu comportamento, profissional e cívico, por critérios de eticidade irrepreensível (item 1.º da base instrutória); 28) Pelo menos, desde 28.5.2007, o A. trabalha, auferindo desde essa data a remuneração ilíquida de € 1.100,00, acrescida de um subsídio de almoço de € 6,94, por cada dia de trabalho efectivamente prestado [redacção alterada pelo Tribunal da Relação]; 29) O seu agregado familiar, constituído por mulher e filha (estudante no ensino superior, mais concretamente no Instituto Superior Politécnico de Viana do Castelo), viu-se, subitamente, privado dos seus rendimentos, absolutamente impresBBdíveis aos encargos normais da vida familiar — quais sejam, o pagamento das propinas da filha (€ 750,00/ano lectivo, cujo pagamento é efectuado através de 4 prestações no valor de € 187,50/cada — vide doc. 4) o empréstimo bancário contraído para aquisição de veículo automóvel (€ 343,70/mês — vide doc. 5); as despesas essenciais com alimentação, vestuário e calçado; os encargos que advêm do consumo de água, electricidade e telefone; entre tantos outros (item 3.º da base instrutória); 30. Tudo gerador de sofrimento, angústia, auto-comiseração, profunda desilusão pelo desrespeito à honra e ao seu bom-nome (item 4.º da base instrutória); 31) Para além de outras, as funções do Autor traduziam-se concretamente na «coordenação e supervisão da secção de armazenagem de produtos acabados» e, especificamente: – Organização e coordenação da estrutura pessoal e funcional da secção; – Coordenar e supervisionar a execução dos processos de preparação das encomendas para expedição, distribuindo as tarefas pelos subordinados; – Cumprir e fazer cumprir as regras de higiene, segurança e ambiente aplicáveis; – Efectuar a averiguação das reclamações do serviço de Distribuição e comunicar a resolução tomada pelo Responsável do Departamento de Distribuição ou se delegado; – Coordenar o processo de devoluções e de emissões de notas de crédito; – Responsável pelas existências físicas do armazém de produtos acabados; – Supervisionar a execução dos inventários periódicos; – Assegurar a manutenção dos equipamentos e das instalações, em ligação com os serviços de manutenção; – Controlar e registar a produtividade diária dos seus subordinados, não controlada pelo Sist. Gestão Arm.; – Efectuar os movimentos informáticos de requisição de gastos e transferências para a fábrica; – Transferir, todas as semanas, física e informaticamente para a fábrica os produtos devolvidos e danificados no armazém, susceptíveis de recuperação; – Supervisionar os trabalhos de limpeza periódica das instalações do Centro de Distribuição; – Utilização racional de energia eléctrica; – Segregação de resíduos; – Outras inerentes à função (item 5.º da base instrutória); 32) Sendo da sua responsabilidade, «assegurar o correcto e eficaz funcionamento do armazém de produtos acabados, garantindo a obtenção dos níveis de produtividade e qualidade definidos» (item 6.º da base instrutória); 33) As paletes de formato EUR são economicamente valiosas (item 9.º da base instrutória); 34) Os colegas de secção do Autor, CC, DD, FF e EE, ao longo de, pelo menos, um ano, e aproveitando-se do facto de trabalharem no cais de recepção de mercadorias se apropriaram d[o] valor de muitas paletes EUR (item 10.º da base instrutória); 35) Um dos colegas referidos em 10.º avisava o motorista da sociedade PML – Transportes …, Lda., de nome II, quando havia paletes EUR não reutilizadas, recebidas dos fornecedores da Ré, empilhadas num extremo do armazém para passar a carregar as mesmas (item 13.º da base instrutória); 36) Este motorista, depois de carregar todos os produtos da denunciante para a sua normal distribuição no cais de entrega/distribuição — sito em local distinto do armazém — manobrava a sua viatura de forma a permitir entrar no cais de recepção do armazém, onde o A. exercia funções (item 14.º da base instrutória); 37) Eram o EE ou o FF que carregavam por vezes aquela viatura pesada com as paletes que haviam sido arrumadas no armazém (item 16.º da base instrutória); 38) O II saía das instalações da BB para a sua volta diária levando as ditas paletes, sem que, relativamente a estas houvesse qualquer documento de transporte ou de facturação (item 17.º da base instrutória); 39) E vendia-as à empresa denominada … – SOCIEDADE DE …, LDA, em Oliveira de Azeméis, por valor não inferior a € 3,00/unidade (item 18.º da base instrutória); 40) O II dividia o produto da venda daquelas paletes com os colegas referidos em 10.º [da base instrutória, correspondente ao facto provado 34)], por vezes no gabinete de trabalho do CC e DD (item 19.º da base instrutória); 41) As operações de carregamento das paletes, de transporte sem documento de suporte e de venda nunca foram autorizadas pela Ré (item 20.º da base instrutória); 42) Nem sequer eram do conhecimento da empresa, ou de qualquer dos responsáveis hierárquicos do armazém (item 21.º da base instrutória); 43) Havia, e há, ordens expressas, até para garantir o cumprimento das obrigações legais, no sentido de que todos os produtos ou mercadorias que saíam do armazém da Ré sejam devidamente acompanhadas com toda a documentação de transporte necessária e obrigatória (item 23.º da base instrutória); 44) No dia 15 de Dezembro de 2006, a viatura conduzida pelo II foi carregada pelo próprio com 10 paletes, sem qualquer guia de remessa ou qualquer outro título de transporte (item 27.º da base instrutória); 45) O II, de comum acordo entre todos os implicados, vendeu as ditas paletes na empresa … (item 29.º da base instrutória); 46) Tendo, ao final do dia, repartido o produto dessa venda pelos [sic] entre si, o EE e o DD (item 30.º da base instrutória); 47) No dia 21 de Dezembro de 2006, a viatura conduzida pelo II foi carregada pelo próprio com 38 paletes que o FF deixou no cais (item 31.º da base instrutória); 48) De forma a que este as pudesse transportar e vender, e posteriormente repartir o produto da dita venda entre todos (item 32.º da base instrutória); 49) Tendo os funcionários da segurança e responsáveis hierárquicos do Autor verificado o transporte ilícito das paletes referidas (item 33.º da base instrutória); 50) Assim impedindo a sua sonegação da empresa (item 34.º da base instrutória). Eis o acervo factual a considerar para resolver a questão posta no recurso. 2. Importa, então, ajuizar se o procedimento disciplinar é inválido, por omissão da inquirição de três das seis testemunhas arroladas pelo autor na resposta à nota de culpa. O acórdão recorrido entendeu que a sobredita omissão violou o direito de defesa do autor, inquinando o procedimento disciplinar, concluindo, assim, pela sua invalidade e pela ilicitude da sanção disciplinar de despedimento aplicada ao autor. Aduziu, em suma, que o número de testemunhas arroladas pelo autor (seis) não atingiu o máximo legal (dez) e que todas as testemunhas arroladas poderiam ser inquiridas não apenas sobre a matéria da acusação, mas também sobre a matéria da defesa, que contém factos susceptíveis de atenuarem, diminuírem ou, até, infirmarem a acusação, sem olvidar que o instrutor do procedimento disciplinar não demonstrou, minimamente, que a inquirição das restantes três testemunhas arroladas constituísse um acto patentemente dilatório, impertinente ou mesmo inútil. A ré discorda, alegando, em substância, não ter havido violação do direito de defesa do trabalhador em sede do procedimento disciplinar, por ter ouvido apenas três das seis testemunhas arroladas na resposta à respectiva nota de culpa, porquanto, sendo as outras três testemunhas comparticipantes e arguidos pelos mesmos factos, em distintos procedimentos disciplinares, em vez da inquirição pessoal, bastava a junção da resposta à nota de culpa por cada uma delas apresentada no respectivo procedimento disciplinar, já que o que releva é o conteúdo da declaração e não a forma como se presta. Esta questão é idêntica à que foi decidida por este Supremo Tribunal no acórdão de 17 de Dezembro de 2009, Processo n.º 285/07.1TTMTS.S1, 4.ª Secção, que indeferiu a reclamação da aqui recorrente dirigida à decisão sumária proferida naqueloutro processo pelo Ex.mo Juiz Conselheiro relator. Escreveu-se no citado acórdão de 17 de Dezembro de 2009: «Na decisão sumária proferida pelo relator, esta questão foi apreciada nos seguintes termos: “Em poucas palavras, como é suposto que aconteça nas decisões sumárias, a questão da invalidade do processo disciplinar prende-se com o seguinte: – O autor foi despedido na sequência de processo disciplinar que lhe foi instaurado; – Na resposta à nota de culpa, o autor requereu a inquirição de seis testemunhas; – Três dessas testemunhas eram colegas de trabalho do autor e contra elas a ré também tinha instaurado processo disciplinar; – Aquelas três testemunhas não foram inquiridas no processo disciplinar movido contra o autor, mas a instrutora do processo juntou ao processo uma cópia da resposta à nota de culpa que cada uma delas tinha apresentado no respectivo processo disciplinar, consignando que o teor das referidas respostas iria ser tomado em consideração, como correspondendo à sua audição como testemunhas; – No relatório final, a instrutora do processo disciplinar justificou o procedimento adoptado dizendo que das seis testemunhas, cuja audição tinha sido requerida pelo autor, apenas três tinham sido ouvidas, ‘dado ter-se entendido que a audição das restantes era desnecessária em face das especiais condições e contornos concretos do presente processo disciplinar’, uma vez que, sendo os factos imputados ao autor praticados em co-autoria com as testemunhas não ouvidas e sendo a instrutora a mesma em todos os processos disciplinares individualmente instaurados, a versão escrita apresentada por cada um deles nos respectivos processos disciplinares, junta ao processo disciplinar do autor, salvaguardava a sua audição neste processo, sendo esse o motivo pelo qual se substituiu a sua audição pessoal pelas declarações escritas constantes das respectivas respostas à nota de culpa. A questão a resolver restringe-se, pois, em saber se a junção da cópia das referidas respostas à nota de culpa pode valer como acto de inquirição. Por outras palavras, trata-se de saber se a junção das referidas respostas à nota de culpa pode substituir a inquirição dos autores daquelas respostas. E a nossa resposta, tal como a das instâncias, é decididamente negativa. Vejamos porquê. Notificado da nota de culpa, ‘[o] trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considere relevantes para o esclarecimento dos factos e da sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade’ (art. 413.º do CT, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, aqui aplicável e a que pertencerão os normativos legais que vierem a ser referidos sem indicação em contrário). Por sua vez, nos termos do art. 414.º do referido Código, ‘[o] empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, procede às diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo, nesse caso, alegá-lo fundamentadamente por escrito’ (n.º 1), não sendo, todavia, obrigado a proceder à audição de mais de três testemunhas por cada facto descrito na nota de culpa, nem a mais de 10 no total (n.º 2). A obrigação que impende sobre o empregador no que toca à realização das diligências probatórias requeridas pelo trabalhador/arguido prende-se inequivocamente com o direito de defesa do trabalhador o qual implica necessariamente o exercício do contraditório, sendo que a violação desse direito implica, nos termos do art. 430.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), do CT, a invalidade do procedimento disciplinar e a ilicitude do despedimento. No caso em apreço, o autor requereu a inquirição de seis testemunhas, mas a ré só ouviu três. Sendo o número de testemunhas arroladas pelo autor inferior ao previsto no n.º 2 do art. 414.º e não vindo questionado que a sua inquirição caísse na alçada do disposto na primeira parte do n.º 2 do art. 414.º (mais de três testemunhas por facto), a ré só podia deixar de inquirir aquelas três testemunhas se, fundamentadamente e por escrito, considerasse a sua inquirição patentemente dilatória ou impertinente. Como decorre do que atrás já foi referido, a instrutora do processo disciplinar considerou desnecessária a inquirição daquelas três da testemunhas, por entender que a junção ao processo disciplinar movido do autor de uma cópia da resposta à nota de culpa que cada uma delas tinha apresentado no respectivo processo disciplinar era motivo bastante para dispensar a inquirição das mesmas. Constata-se, assim, que a não inquirição das três testemunhas não se ficou a dever ao facto da instrutora ter considerado a inquirição patentemente dilatória. Mas também se constata que não foi por ter considerado a diligência patentemente impertinente. O motivo invocado foi a desnecessidade da inquirição, o que é coisa diferente. De qualquer modo, ainda que se entendesse que a invocada desnecessidade tinha aqui o sentido de impertinência, a verdade é que tal inquirição nada tinha de impertinente, nem de desnecessário. Com efeito, ainda que se admitisse que os factos disciplinarmente imputados ao autor e às testemunhas que não foram inquiridas eram idênticos, a junção, ao processo disciplinar instaurado ao autor, de cópia da resposta à nota de culpa que cada uma daquelas testemunhas tinha apresentado no respectivo processo disciplinar, de forma alguma, tornava desnecessária, e muito menos impertinente, a sua inquirição, uma vez que a resposta à nota de culpa e o depoimento testemunhal são realidades processuais diferentes. Basta ter presente que na resposta à nota de culpa, o trabalhador arguido defende-se dos factos de que ele próprio é acusado no processo disciplinar que lhe foi instaurado, ou seja, é chamado a pronunciar-se sobre os factos que lhe são imputados, enquanto que, ao depor como testemunha em processo disciplinar alheio, é chamado a pronunciar-se sobre os factos que são imputados a outrem e ainda sobre os factos por este aduzidos na respectiva resposta à nota de culpa. Acresce que o trabalhador arguido poderá assistir pessoalmente à inquirição das testemunhas por si arroladas, ou fazer-se representar ou acompanhar por advogado, podendo ele ou o seu advogado sugerir ao instrutor do processo a formulação de determinadas perguntas às testemunhas, sendo que a substituição da inquirição pela junção da cópia da resposta à nota de culpa produzida pela testemunha no processo disciplinar que contra ela foi instaurado retira ao arguido o uso daquela faculdade, o que se traduz numa violação do seu direito de defesa. Por último, dir-se-á que a lei não prevê a substituição em causa. O que a lei impõe é que o empregador proceda às diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, ‘a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo, nesse caso, alegá-lo fundamentadamente por escrito’ (art. 414.º, n.º 1). No caso em apreço, as diligências probatórias requeridas pelo autor não foram totalmente realizadas, na medida em que das seis testemunhas arroladas só foram inquiridas três. A diligência realizada pela ré, em substituição da inquirição daquelas três testemunhas, é uma diligência probatória de natureza diferente daquela que fora requerida pelo autor, uma vez que se traduziu na junção de documentos que se encontravam juntos a outros processos disciplinares, o que vale por dizer que a diligência requerida não foi realmente efectuada. Bem decidiram, pois, as instâncias ao considerar inválido o processo disciplinar.» Reapreciada a questão, sufraga-se inteiramente a fundamentação transcrita, que têm perfeito cabimento no caso em apreciação, e confirma-se o julgado, neste preciso segmento decisório, na medida em que, perante a matéria de facto dada como provada [factos provados 12) a 15], não se pode deixar de concluir que não foi respeitado o princípio do contraditório, nos termos enunciados no artigo 414.º do Código do Trabalho de 2003, e daí a invalidade do procedimento disciplinar, que determina a ilicitude do despedimento, por força do estipulado no artigo 430.º, n.os 1 e 2, alínea b), daquele Código. Apenas se acrescentará, tal como foi salientado no transcrito acórdão de 17 de Dezembro de 2009, que, para decidir da invalidade do procedimento disciplinar, não é necessário proceder ao cotejo entre o teor da nota de culpa enviada ao autor e o teor da resposta à nota de culpa que cada uma das três testemunhas não inquiridas apresentou no respectivo procedimento disciplinar. Não ocorre, pois, a alegada violação do artigo 414.º do Código do Trabalho. Em conformidade, não há motivo para alterar o julgado. III Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido. Custas a cargo da recorrente. Lisboa, 17 de Março de 2010 Pinto Hespanhol (Relator) Vasques Dinis Bravo Serra |