Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE LEAL | ||
Descritores: | OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS EX-CÔNJUGE FUNDAMENTOS DEVER DE SOLIDARIEDADE ÓNUS DE ALEGAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 01/23/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | IMPROCEDÊNCIA/NÃO DECRETAMENTO | ||
Sumário : |
I. A obrigação de alimentos entre ex-cônjuges visa suprir as dificuldades de subsistência com que se depare um dos ex-cônjuges na sequência da cessação da relação matrimonial, que deverão ser por ele solucionadas de molde a desonerar o outro ex-cônjuge de uma obrigação que dificilmente se compagina com a extinção da relação matrimonial decorrente do divórcio - mas tudo dependendo, como é óbvio, das possibilidades concretas de cada um. II. Recairá sobre quem invoca a alteração das circunstâncias determinantes da fixação dos alimentos o ónus de alegação e prova dessa alteração, ou seja, tal ónus incidirá sobre o autor da ação que tem em vista o reconhecimento dessa alteração. III. Tendo o A., aquando do seu divórcio com a R., acordado em lhe pagar uma prestação de alimentos, improcede a pretensão de cessação dessa obrigação quando apenas se demonstre que a R. é titular de património na sequência de partilha do património comum já existente aquando da fixação da pensão de alimentos, entre o qual avulta, como bem mais valioso, o imóvel que era a casa de morada de família e que constitui a residência da R. quando esta não está em casa do filho do ex-casal, provando-se igualmente que as partes se divorciaram após mais de 50 anos de matrimónio e que a R. tem 84 anos de idade, não auferindo qualquer pensão, subsídio ou rendimento para além da pensão acordada com o A. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. AA deduziu ação especial de cessação de alimentos contra BB, pedindo que, face à alteração das condições objetivas e subjetivas que determinaram a fixação da pensão alimentar, em 06.05.2015, a favor da sua ex-mulher, aqui R., no valor mensal de € 856,00 (oitocentos e cinquenta e seis euros), acrescida de seguro de saúde (Multicare) e manutenção do sistema de assistência de saúde “I...”, seja determinada a cessação do direito à prestação de alimentos por parte da mesma. O A. para fundamentar tal pretensão, alegou, em síntese, que, atendendo ao património de que a R. é proprietária exclusiva, em virtude da partilha do património conjugal e do património que lhe adveio por herança, o qual entendeu em parte doar, dispõe de um património imobiliário que pode não só rentabilizar como também alienar de forma a prover ao seu sustento. Sendo que, à data em que foi acordada a obrigação de alimentos, a R. vivia na fração que tinha constituído a casa de morada de família e não era proprietária exclusiva de nenhum bem, não podendo então dispor autonomamente de nenhum dos imóveis que integravam o património conjugal, sendo que à presente data a R. vive com o seu filho mais velho, e detém vários imóveis que podem de facto ser rentabilizados através de arrendamento ou ser alienados e com o resultado de tal alienação fazer face às suas necessidades. 2. Realizou-se conferência entre as partes, não tendo sido possível obter um acordo. 3. A R. contestou, negando que o património de que é titular seja apto a proporcionar-lhe qualquer rendimento, e alegando que, com 82 anos de idade, apenas tem como rendimento a pensão que o A. lhe paga, da qual depende para o seu sustento. Concluiu pela improcedência da ação. 4. Fixou-se à ação o valor de € 51 360,00, proferiu-se despacho saneador tabelar, foi identificado o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova. 5. Procedeu-se a audiência de julgamento e em 25.10.2022 foi proferida sentença, na qual se julgou a ação procedente e consequentemente se declarou cessada a obrigação alimentícia do requerente estabelecida a favor da requerida logo que decorressem 18 meses a contar do trânsito em julgado da sentença. 6. A R. apelou da sentença e em 22.6.2023 a Relação de Lisboa proferiu acórdão que, julgando a apelação procedente, revogou a sentença recorrida e julgou a ação improcedente. 7. O A. interpôs recurso de revista desse acórdão, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões: “1.ª Vem o presente recurso interposto do douto Acordão, datado de 23/06/2023, proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou o recurso interposto pela ré procedente e em consequência revogou a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julga improcedente a acção, mantendo a prestação alimentar nos seus precisos termos, condenando o apelado ora recorrente no pagamento das custas do processo. 2.ª O ora recorrente, AA, veio por apenso aos autos de Divórcio sem o consentimento do outro cônjuge convolado em Divórcio por mútuo consentimento, intentar acção de cessação da obrigação alimentar contra a sua ex-cônjuge, ora recorrida pedindo que seja declarada cessada a prestação alimentar fixada a seu favor, por esta já não ter necessidade da mesma. 3.ª Citada a ré defendeu a improcedência da acção 4.ª Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou “procedente a pretensão deduzida pelo Requerente, condenando-se a Requerida no pedido e declarando-se cessada a obrigação alimentícia do Requerente estabelecida a favor da requerida logo que decorram 18 meses a contar do transito em julgado da presente sentença.” 5.ª Inconformada com a sentença dela apelou a ré, alegando em suma que o autor não logrou demonstrar que esta tenha melhorado a sua situação económica e financeira relativamente à altura em que foi fixada a prestação de alimentos e que os bens imóveis que possui na sua titularidade são aptos a gerar rendimento. Para além do mais, o autor não alegou e por isso mesmo também não provou qualquer insuficiência económica da sua parte para justificar a cessação de alimentos. 6.ª Apreciando a decisão de mérito proferida pelo Tribunal da Primeira instância, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa considerou que ao contrário da análise efectuada pelo Tribunal “a quo” não foi efectuada qualquer prova de que com os bens que passaram a integrar o seu património, a ré passasse a ter ao seu dispor maior rendimento 7.ª Quanto ao incremento imobiliário resulta da prova produzida que o conjunto de todos os bens rústicos têm um valor patrimonial extremamente reduzido. Que os prédios urbanos se reconduzem à casa de morada de família e respectiva garagem. 8.ª Os outros dois imóveis a que corresponde um armazém e um prédio em propriedade total sem andares ou divisões independentes desconhece-se as condições em que os mesmos se encontram. 9.ª No que concerne ao património imobiliário herdado por morte do seu irmão e doado ao seu filho, por ter sido transmitido deixou de existir na sua esfera jurídica, não tendo assim qualquer relevância para a decisão em causa, ainda para mais porque não foi feita prova das razões pelas quais o fez. 10.ª Ficou provado que a ré não dispõe de qualquer outro rendimento, pensão ou subsídio, para além da pensão de alimentos. 11.ª Por outro lado o autor, ora recorrente não alegou qualquer alteração das suas condições sócio económicas que determinem a impossibilidade de continuar a prestar-lhe alimentos. 12.ª Assim e apesar da natureza temporária dos alimentos, considerou o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que não nos podemos alhear do caso concreto, ou seja que a ré tem 84 anos de idade, não sendo exigível que com tal idade encete diligências para reorganizar a sua vida, providenciando pela sua sobrevivência pelo que ao contrário do decidido na primeira instância é do entendimento que deve manter-se a prestação alimentar nos seus precisos termos, revogando-se a decisão recorrida. 13.ª A adopção do sistema de divórcio constatação de rutura pela nossa lei, implicou a consagração do princípio da autosuficiência, daí decorrendo o carácter temporário da obrigação alimentar a favor dos ex-cônjuges, - cfr. artigo 2016 do C.C. 14.ª A obrigação de alimentos funda-se num dever de solidariedade pós conjugal, dependendo a sua constituição da necessidade do alimentado e das possibilidades do alimentante. Trata-se de uma prestação de carácter essencialmente alimentar, sujeita a alterações e cessa tão logo o titular do direito seja capaz de prover à sua subsistência ou o devedor fique sem recursos que lhe permitam continuar a suportá-la. – cfr. artigos 2012 e 2013 do C.C. 15.ª A necessidade do alimentando consiste na impossibilidade deste prover total ou parcialmente à sua subsistência, seja com os seus bens pessoais, seja com o seu trabalho, sendo pois a impossibilidade de prover ao seu sustento aferida pelo seu património e pela sua capacidade de trabalho. 16.ª Prevê o artigo 2013, n.º1, alínea b) que se extinga a obrigação alimentar quando o alimentante passe a dispor de rendimentos ou lhe advenham bens que possa alienar que lhe permitam fazer face ao seu sustento. 17.ª Importa referir que nos termos de diversa jurisprudência dos nossos tribunais, tendo o ex-cônjuge credor, património imobiliário deverá atender-se não só aos rendimentos que tais bens lhe proporcionam, mas também a possibilidade da sua alienação com vista a obter proventos que possibilitem a sua subsistência. 18.ª No caso dos autos, encontra-se provado que à ora recorrida, por efeito da partilha foi-lhe adjudicada a quantia de € 6.000,00 (seis mil euros) e acções no valor global de € 17.898,06 (dezassete mil, oitocentos e noventa e oito euros e seis cêntimos). 19.ª Quanto aos terrenos rústicos cujo valor patrimonial global ronda os € 175,00, refira-se que apesar do pouco valor que lhes é atribuído, são terrenos aptos a serem cultivados e que a ora recorrida fez questão que lhe fossem adjudicados na totalidade, na partilha dos bens comuns do ex-casal. 20.ª No que concerne aos prédios urbanos, salvo o devido respeito o mesmos não se reconduzem à casa de morada de família e respectiva garagem, como referido no acórdão recorrido. 21.ª Quanto a prédios urbanos estamos de facto a falar da casa de morada de família, com uma tipologia T4, com um valor de venda na ordem dos € 200.000,00 (duzentos mil euros) e um valor no mercado de arrendamento de, pelo menos € 1.100,00 (mil e cem euros) mensais, de uma garagem, de um armazém e de uma moradia. 22.ª Todos devolutos e aptos a serem alienados. 23.ª É assim a recorrida proprietária exclusiva de pelo menos, quatro prédios urbanos que se não geram rendimento, sempre pode alienar a fim de gerar receitas para prover à sua própria subsistência 24.ª Já quanto ao património imobiliário herdado por morte do seu irmão, considera o Tribunal recorrido que tendo ficado provado que por escritura de doação a recorrida transmitiu a propriedade de tais imóveis ao seu filho, razão pela qual deixaram de existir na sua esfera jurídica e por isso mesmo de ter relevância para a decisão da presente causa, discordamos in totum de tal posição. 25.ª A opção por parte da recorrida de doar os imóveis em causa ao seu filho mais novo é perfeitamente legitima do ponto de vista do seu património, porque dele é titular, não pode contudo é interferir com a esfera patrimonial do recorrente. 26.ª No entanto a verdade é que interferiu, uma vez que a recorrida continua a queixar-se de não ter recursos financeiros para assegurar a sua própria subsistência. 27.ª Quem necessita de alimentos de outrem, não faz doação de património, aliena. 28.ª Tendo em declarações o filho do ex-casal dito, que tira no Verão € 20.000,00 (vinte mil euros) de rendimento com o arrendamento de um destes imóveis, cujo valor de mercado de venda se situa nos € 100.000,00 (cem mil euros) não podemos atribuir qualquer responsabilidade ao recorrente na escassez alegada pela recorrida nem deve o recorrente ser obrigado a continuar a supri-la. 29.ª Estes valores dariam para prover à subsistência da recorrida durante bastantes anos. 30.ª Entendemos assim que a recorrida não diligenciou activamente pela sua autosuficiencia quando o poderia e deveria ter feito, onerando desta forma injustificadamente o ora recorrente 31.ª É certo que a recorrida não possui quaisquer rendimentos para além da pensão de alimentos, o que de todo o modo não a dissuadiu de querer ficar com a quase totalidade do património imobiliário do ex-casal. 32.ª O que não é justo nem equilibrado do nosso ponto de vista é ser o recorrente onerado com uma pensão de alimentos porque a recorrida não quer desfazer-se de nenhum bem, e quando se desfaz o faça de modo gratuito sem acautelar o seu sustento. 33.ª Assim não se nos oferecem dúvidas relativamente ao preenchimento da alínea b) do n.º 1 do artigo 2013 do C.C. relativamente à aquisição da suficiência económica por parte da alimentada. 34.ª Pelo que entendemos que não tem razão o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa ao proferir o acórdão recorrido, o qual violou os artigos 2013, n.º 1, alínea b), 2016, ambos do C.C., devendo manter-se a decisão proferida em primeira instância. 8. A R. contra-alegou, rematando com as seguintes conclusões: “I - Esteve bem o Tribunal da Relação de Lisboa ao decidir como decidiu, julgando o recurso interposto pela Ré procedente e em consequência revogou a decisão do Tribunal de 1.ª Instância, substituindo-a por outra que julga improcedente a ação, mantendo a prestação alimentar nos seus precisos termos. II – O recurso de revista versa, conforme se pode constatar nas respetivas alegações e conclusões, sobre a discordância do recorrente quando ao enquadramento jurídico dado pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa à factualidade dada como provada e não provada. III - Porém, o recurso de revista não cumpre nem se enquadra no disposto no artigo 674.º do C.P.C., já que a discordância do recorrente relativamente à interpretação / juízo de prova dada aos factos pelo Tribunal da Relação não se inscrevem nos parâmetros apertados em que é possível ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar o modo como a Relação fixou ou confirmou, como foi o caso, os factos materiais da causa, tanto que não corre, nem vem invocada, qualquer violação da prova vinculada. I IV – Face ao exposto, pese embora se alegue a violação da aplicação dos artigos 2013.º, n.º 1 al. b) e 2016.º do C.P.C, foi esse o regime que efetivamente foi aplicado, não existindo assim qualquer violação da Lei substantiva. V – Sem prescindir, face à prova dada como provada, o recorrente não logrou demonstrar nem provar, estarem reunidos os pressupostos para a cessação ou redução da obrigação de alimentos em causa nestes autos, nomeadamente, que a recorrida tenha melhorado a sua situação económica e financeira, relativamente à altura em que foi fixada a pensão de alimentos a pagar por aquele a favor desta, por forma a justificar a cessação de tal pensão de alimentos. VI - E quanto aos bens imóveis que veio a receber, quer em virtude de partilha do ex-casal, quer em virtude do falecimento do irmão da recorrida, só por si não bastam para chegar a essa conclusão, como aliás foi o douto entendimento do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa. VII - O recorrente não nega ter capacidade económica para continuar a prestar os alimentos, nem alega, na sua causa de pedir, a sua insuficiência para o fazer. VIII - Termos em que se requer que a presente revista seja julgada improcedente, por não provada, e consequentemente, seja confirmada a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, com todos os efeitos legais. 9. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, foi o processo aos vistos legais. II. FUNDAMENTAÇÃO 1. A questão objeto deste recurso é se deve cessar a obrigação de prestação de alimentos a que o A. se vinculou perante a R. aquando do divórcio de ambos. 2. As instâncias deram como provada a seguinte Matéria de facto A) O autor e a ré casaram um com o outro civilmente em ... de Maio de 1964, sem convenção antenupcial. B) Por decisão homologatória transitada em julgado proferida aos 06/05/2015, neste Tribunal, em processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, entretanto convolada em divórcio por mútuo consentimento, foi decretado o divórcio entre as partes; C) Na mesma decisão foi homologado o acordo quanto à prestação de alimentos a pagar pelo A. à R.. D) A pensão referida em C) era no valor mensal de 856€, a pagar até ao dia 20 de cada mês, acrescida do seguro de saúde (Multicare) a manutenção do sistema assistência de saúde do I.... E) Tal quantia deverá ser paga por transferência bancária até ao dia 20 (vinte) de cada mês. F) Autor e ré procederam à partilha judicial do acervo patrimonial conjugal, por acordo homologado no processo correu termos sob o n.º 5300/20.0..., tendo a sentença transitado em julgado a 12/01/2021. G) Previamente ao acordo partilharam os bens móveis que integravam as verbas n.ºs 9 a 19 da relação de bens, e as acções correspondentes às verbas n.ºs 1 a 4 da mesma, estas últimas, no valor global de € 35.796,13. H) Conforme o acordo firmado, à ré foi-lhe adjudicada para alem de uma quantia monetária no montante de € 6.000,00 (seis mil euros), a quase totalidade do património imobiliário do casal, incluindo a casa de morada de família. I) Neste momento, por partilha do património conjugal, é a ré proprietária plena dos seguintes imóveis: 1. Prédio rústico denominado “...” sito em ..., freguesia e concelho de ..., distrito de ..., a confrontar a Norte com Junta de Freguesia; a Sul e Nascente com caminho e a Poente com CC, descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ...55 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..08 com o valor patrimonial de € 12,06; 2. Fracção autónoma designada pela letra ”Y”, correspondente ao oitavo andar esquerdo, para habitação, constituído por um hall, dois quartos, sala, cozinha, despensa e uma casa de banho e uma instalação sanitária, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Rua ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...58-Y, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo...85 da União das freguesias de ..., ..., ... e ..., com o valor patrimonial de € 105.864,50; 3. Fracção autónoma designada pela letra “H”, correspondente à garagem número sete no primeiro piso, com acesso pelo número 10-C, que faz parte integrante do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Rua ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...57-H, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...86, da União das freguesias de ..., ..., ... e ..., do concelho de ..., com o valor patrimonial de € 5.054,70; 4. Prédio rústico sito em ..., freguesia e concelho de ..., distrito de ..., a confrontar a Norte com DD e outros; a Sul com EE e outros; a Nascente com DD e a Poente com FF, descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ...42 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...50, com o valor patrimonial de € 26,16; 5. Prédio rústico sito em ..., freguesia e concelho de ..., distrito de ..., a confrontar a Norte com ribeiro; a Sul com GG; a Nascente com HH e a Poente com II, descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ...43 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...53, com o valor patrimonial de € 22,18; 6. Prédio rústico sito em ..., freguesia e concelho de ..., distrito de ..., a confrontar a Norte com JJ; a Sul com KK; a Nascente com LL e a Poente com MM, descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ...46 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...80, com o valor patrimonial de € 1,82; 7. Prédio rústico sito em ..., freguesia e concelho de ..., distrito de ..., a confrontar a Norte e a Nascente com LL; a Sul com JJ e a Poente com MM, descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ...45e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...78, com o valor patrimonial de € 2,96; 8. Prédio rústico sito em ..., freguesia e concelho de ..., distrito de ..., a confrontar a Norte com caminho; a Sul com JJ; a Nascente com MM e a Poente com JJ e outro, descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ...44 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...76, com o valor patrimonial de € 11,83; 9. Prédio rústico sito em ..., freguesia e concelho de ..., distrito de ..., a confrontar a Norte com caminho; a Sul com NN; a Nascente com OO e a Poente com PP, descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ...47 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...13, com o valor patrimonial de € 50,00; 10. Prédio rústico sito em ..., freguesia e concelho de ..., distrito de ..., s confrontar a Norte com QQ e outro; a Sul com caminho; a Nascente com RR e a Poente com PP, descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ...48 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...21, com o valor patrimonial de € 13,08; 11. Prédio rústico sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., distrito de ..., a confrontar a Norte com SS; a Sul com caminho; a Nascente com TT e a Poente com UU, descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ...04 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...56, com o valor patrimonial de € 35,18; 12. Prédio urbano em propriedade total sem andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, constituído por um edifício de rés-de-chão, destinado a armazém, sito em ..., na freguesia e concelho de ..., distrito de ..., a confrontar a Norte com VV; a Sul com estrada; a Nascente com WW e a Poente com XX e YY, descrito na Conservatória do Registo predial de ... sob o n.º ...40, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...98, da referida freguesia e concelho, com o valor patrimonial de € 1.877,31; 13. Prédio urbano em propriedade total sem andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, constituído por um edifício de rés-do-chão composto por 5 compartimentos, com quintal destinado a habitação, sito em ..., na freguesia e concelho de ..., distrito de ..., a confrontar a Norte com VV; a Sul com estrada; a Nascente com ZZ e WW e a Poente com AAA, descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ...41, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...44, da referida freguesia e concelho com o valor patrimonial de € 36.225,35. J) Para além, deste património imobiliário, por morte do seu irmão, BBB, ocorrida em 30/08/2019, a ré tornou-se proprietária de mais dois imóveis: - Fracção autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao primeiro andar direito, apartamento tipo T-um, destinado a habitação, pertencente ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal, denominado Bloco B, sito em Cerro ..., na União das freguesias de ... e ..., concelho de ..., descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ...52, da freguesia de ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...27, com o valor patrimonial de € 69.838,35; - Prédio urbano, sito em Estrada Velha, na freguesia da ..., concelho de ..., composto por lote de terreno destinado a construção urbana com área total de setecentos metros quadrados, que confronta a norte com a Rua ..., a sul com a estrada velha, a nascente com CCC e a poente com Rua ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...04, com o valor patrimonial actual de € 13.570,50. – cfr.Docs. 17 e 18. L) Dez meses após ter sucedido na propriedade destes dois últimos imóveis que eram do seu falecido irmão, a ré dou-os ao seu filho mais novo, DDD. – cfr. Docs.19 a 21. M) Os imóveis descritos, que integram o património da ré encontram-se devolutos. N) A fracção descrita no ponto 2 supra, que em tempos constituiu a casa de morada de família, tem um valor de mercado de arrendamento de, pelo menos € 1100,00, mensais e um valor de venda na ordem dos € 200.000,00 (duzentos mil euros). O) A ré não habita qualquer dos imoveis referidos, encontrando-se a viver com o filho mais velho no ..., na morada indicada na p. i.. P) Todos os imóveis, com exceção daquele referido infra sob a alínea R), são aptos a ser alienados. (DA CONTESTAÇÃO): Q) Não é conhecido à Requerida qualquer outro rendimento, pensão ou subsídio, para além da pensão de alimentos. R) O imóvel urbano descrito como lote de terreno para construção, já se encontrava e ainda se encontra, ocupado por terceiras pessoas, que muraram o terreno e se intitulam seus proprietários. As instâncias enunciaram os seguintes Factos não provados (Da petição inicial) - Que a garagem descrita no ponto 3, do artigo 14 desta Petição Inicial, tem um valor locativo na ordem dos € 100/150 mensais, sendo transacionável pelo valor mínimo de € 20.000,00 (vinte mil euros); - Que o prédio urbano identificado no ponto 13 do artigo 14, tem um valor locativo de cerca de € 500,00 mensais, sendo o valor de mercado para venda na ordem dos € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros). (Da contestação) - Que os bens imóveis que a Requerida possui, não são aptos a serem arrendados; - Que os bens imóveis a serem vendidos o seriam por um valor simbólico que não permitira à Requerida viver desses rendimentos por muito tempo; - Que a Requerida teve de se endividar, junto do filho mais velho do ex-casal, EEE, ao qual solicitou a quantia de € 21.000,00 (vinte e um mil euros), liquidando-lhe ainda hoje, a quantia mensal de € 300,00 (trezentos euros), ao referido filho para efeitos de pagamento da quantia ali descrita, de forma a ir abatendo ao valor da dívida acima referida; - Que o imóvel urbano, melhor descrito no artigo 14.º ponto 12 e 13 da P.I., não é apto a ser dado de arrendamento já que está em elevado estado de degradação, não sendo sequer possível a sua habitação por quaisquer pessoas; - Que, em alimentação, higiene, vestuário, calçado e transportes, a R. despende cerca de € 500,00 (quinhentos euros) por mês. - Que por ano pague cerca de € 800,00 (oitocentos euros) só para limpar os terrenos rústicos, junto de prestadores de serviço locais, sem prejuízo das outras despesas normais tais como seguros, IMI, entre outras; - Que a R., quanto aos imóveis que recebeu da herança do seu irmão, decidiu doar ao filho FFF, em virtude de ser essa a fiel vontade do seu falecido irmão, o qual manifestou que o sobrinho deveria receber aqueles imóveis; - Que a R. recebe por vezes a ajuda de terceiros, nomeadamente familiares e amigos, quando fica doente ou por qualquer razão tem de realizar uma despesa extraordinária, porquanto a pensão de alimentos já nem sequer chega para suportar todas as suas despesas mensais. 3. O Direito Durante a vigência do matrimónio os cônjuges estão mutuamente obrigados, entre outros, ao dever de assistência (art.º 1672.º do Código Civil). Este, nos termos da lei, “compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar” (n.º 1 do art.º 1675.º e 2015.º do Código Civil), contribuição que será prestada de harmonia com as possibilidades de cada um e pode ser cumprida “pela afectação dos recursos do cônjuge àqueles encargos e pelo trabalho despendido no lar ou na manutenção dos filhos” (n.º 1 do art.º 1676.º do Código Civil). Com a dissolução do casamento pelo divórcio cessam as relações pessoais e patrimoniais dos cônjuges e, consequentemente, os deveres inerentes ao matrimónio, incluindo o de assistência (artigos 1688.º, 1788.º e 1789.º do Código Civil). Porém, o ex-cônjuge deverá prestar alimentos àquele que deles careça, figurando até em primeiro lugar na lista dos legalmente obrigados à prestação de alimentos (art.º 2009.º do Código Civil). Embora o legislador enuncie que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio” (nº 1 do art.º 2016.º do Código Civil, com a redação introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31.10), logo acrescenta que “qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio” (n.º 2 do art.º 2016.º do Código Civil). Só excecionalmente, “por razões manifestas de equidade”, o direito a alimentos poderá ser negado (a quem, à partida, deles careceria) – n.º 3 do art.º 2016.º. Prevaleceu o entendimento de que não pode escamotear-se a realidade de uma antecedente vida em comum, independentemente da responsabilidade individual de cada cônjuge na rutura da relação matrimonial. A obrigação de alimentos entre ex-cônjuges assenta num princípio de solidariedade pós-conjugal (cfr., v.g., Maria João Vaz Tomé, “Reflexões sobre a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges”, in Textos de Direito da Família para Francisco Pereira Coelho, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, pág. 588). Dispõe o art.º 2003.º n.º 1 que “por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário.” Os alimentos “serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los”. Outrossim, acrescenta o n.º 2 do art.º 2004.º do CC, “na fixação de alimentos atender-se-á (…) à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.” Especificamente sobre os cônjuges, estipula-se no n.º 3 do art.º 2016.º-A do Código Civil que “o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio.” Este texto, introduzido pela Lei n.º 61/2008, de 31.10, elimina algumas dúvidas que a este respeito se suscitavam anteriormente, colando o regime da prestação de alimentos a ex-cônjuges ao regime regra, de âmbito mais restritivo do que o dever de assistência matrimonial. Estabelece-se no n.º 1 do art.º 2016.º-A que “na fixação dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.” Do princípio da autossuficiência, consagrado no art.º 2016.º n.º 1 do Código Civil, conjugado com o desligamento da obrigação de alimentos do padrão de vida gozado na constância do matrimónio (art.º 2016.º-A n.º 3), se deduz o caráter excecional, subsidiário e transitório da obrigação de alimentos entre ex-cônjuges. Esta visa suprir as dificuldades de subsistência com que se depare um dos ex-cônjuges na sequência da cessação da relação matrimonial, que deverão ser por ele solucionadas de molde a desonerar o outro ex-cônjuge de uma obrigação que dificilmente se compagina com a extinção da relação matrimonial, decorrente do divórcio - mas tudo dependendo, como é óbvio, das possibilidades concretas de cada um (neste sentido, cfr. a jurisprudência uniforme do STJ, in, v.g., acórdãos de 03.3.2016, processo n.º 2836/13.3TBCSC.L1.S1, de 27.4.2017, processo n.º 1412/14.8T8VNG.P1.S1, de 19.6.2019, processo n.º 3589/15.6T8CSC-A.L1.S1, de 14.01.2021, processo n.º 5279/17.6T8LSB.L1.S1, de 04.5.2021, processo n.º 3777/18.3T8FNC.L1.S1, de 09.12.2021, processo n.º 10093/17.6T8PRT-C.P1.S1, de 31.01.2023, processo n.º 242/12.6TMLSB.L1.S1). Por sua vez, o art.º 2013.º, n.º 1 alínea b) do Código Civil estipula que a obrigação de prestar alimentos cessa “quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles.” Trata-se de uma norma quase desnecessária, por representar consequência lógica do estipulado no artigo anterior: “Se, depois de fixados os alimentos pelo tribunal ou por acordo dos interessados, as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podem os alimentos taxados ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos, ou podem outras pessoas ser obrigadas a prestá-los” (art.º 2012.º do Código Civil). Recairá sobre quem invoca a alteração das circunstâncias determinantes da fixação dos alimentos o ónus de alegação e prova dessa alteração, ou seja, neste caso, conforme decorre das regras gerais (art.º 342.º n.º 1 do Código Civil), tal ónus incidirá sobre o autor da ação que tem em vista o reconhecimento dessa alteração (cfr., v.g., STJ, 20.01.2022, processo n.º 8050/19.7T8LSB-A.L1.S1). No caso destes autos, aquando do divórcio os cônjuges acordaram que o ex-cônjuge marido pagaria à ex-cônjuge mulher uma pensão de alimentos no valor mensal de € 856,00. Tal acordo foi homologado por sentença proferida em 06.5.2015. Em ação instaurada em dezembro de 2021 o ex-cônjuge marido peticionou a cessação da obrigação de alimentos. Para tal alegou a alteração da situação patrimonial da R., a qual ficou municiada com bens que lhe permitem, seja pela respetiva exploração, seja pela respetiva alienação, prover ao seu sustento. A primeira instância deu provimento à ação, fixando embora uma dilação de 18 meses entre o trânsito em julgado da decisão e o termo da prestação alimentar. Para tanto a 1.ª instância exarou o seguinte: “De facto, à data, a Requerida tinha uma situação patrimonial distinta daquela de que beneficia atualmente, é que, tal situação patrimonial alterou-se drasticamente ao longo dos últimos anos, pois, em 12 de Janeiro de 2021, a R. ficou com grande património imobiliário do ex-casal, mas já anteriormente, aquando do decesso do seu irmão, em 2019, a Requerida herdou também um razoável património imobiliário, conforme resulta dos factos provados. Ou seja: a Requerida passou de uma condição em que não podia dispor do património comum do casal, a uma situação em que dispõe de vários imóveis que poderia, pode e poderá vender ou arrendar de modo a prover à sua subsistência. Aliás, decorreram assim cerca de três anos sem que, durante o referido período, a R. tenha tratado de resolver a sua situação patrimonial, providenciando por se autonomizar economicamente e, parece-nos manifesto, podia fazê-lo, seja através da obtenção das quantias necessárias à sua autossubsistência, por via da venda ou do arrendamento seja do património comum, seja do património deixado por óbito de seu irmão, após o que, por sua conta, poderia encontrar forma de gerir sozinha a sua própria situação económica, ainda que sem ter um tradicional “emprego” por conta de outrem. Ao invés, o que a Ré fez, com isto demonstrando a sua capacidade de decidir acerca do seu património e do seu futuro, foi dispor de modo gratuito do património que herdou a favor do seu filho mais novo, ao invés de o vender ou rentabilizar, tornando-se autossuficiente. Acresce ainda que durante todo este período de tempo, a Requerida vem ocupando a que foi a casa de morada da família, pelo que não tem quaisquer gastos com habitação, sendo que atualmente deixou de o fazer, pois que reside atualmente e desde a pandemia, com o filho mais velho, no ..., o qual gere um negócio próprio e que, se não contribui para as despesas domésticas, tem condições para o fazer, pelo que a aqui Requerida já poderia ter, por exemplo, arrendado a sua casa de ..., o que lhe permitiria subsistir autonomamente do aqui Requerente, atento o valor da renda que auferiria só deste imóvel. (…) Assim, no caso em apreço, se é certo que será de entender-se que, depois da alteração da situação patrimonial da Requerida, já não é razoável exigir do Requerente a continuação da contribuição, também é certo que a Requerida não consegue “alimentar-se” do seu património no imediato. Para solucionar este impasse, em nosso entender, teremos de nos socorrer de um juízo de equidade, um juízo equitativo que assenta na procura da solução mais justa para o caso concreto. (…) É assim, em obediência a essas razões de conveniência, de oportunidade, mas principalmente de justiça concreta em que a equidade se funda, que entendemos que a solução mais justa e equitativa desde caso sub judice passará por determinar a cessação da obrigação alimentar anteriormente fixada, mas deferindo tal cessação para daqui a 18 meses, concedendo-se assim à Requerida um prazo para liquidar ou rentabilizar o seu património de modo a tornar-se autossuficiente, entendendo-se que tal lapso temporal será bastante mas necessário para que assim o logre. Isto, por se entender, a nosso ver, e salvo melhor opinião, ter ficado demonstrado que as necessidades económicas da aqui R., que beneficia da pensão de alimentos do seu ex-cônjuge, se alteraram de modo a permitir a sua subsistência, ainda que se não possa/deva operar a cessação da prestação alimentar (artº 2019º e 2016º-A do CC) de imediato, mas antes num prazo, o mais curto possível, mas bastante para a mesma Requerida “obter liquidez” que lhe permita prover à sua subsistência”. Pelo contrário, a Relação entendeu que as alterações patrimoniais ocorridas não eram de molde a eximir o A. da sua obrigação. No acórdão recorrido fundamentou-se a procedência da apelação pela seguinte forma: “No caso dos autos, ficou [provado] que à Ré não são conhecidos quaisquer rendimentos, designadamente, qualquer pensão de reforma. Veja-se a al. Q) da matéria de facto dada como provada. Funda o Autor a presente acção na alegação de que a Ré não necessita da prestação alimentícia por ter visto incrementado o seu património com diversos bens imóveis que identifica, alegando que os mesmos poderão aportar-lhe rendimentos susceptíveis de prover as suas necessidades. Ora, contrariamente ao entendido em 1.ª instância cremos que não [foi] feita qualquer prova de que, com os bens imóveis que passaram a integrar o seu património a Ré passasse a ter ao seu dispor maior rendimento. Com efeito, veja-se que provado ficou que, por partilha do património conjugal, é a ré proprietária plena de imóveis rústicos que, no seu conjunto, têm valor patrimonial que ascende a cerca de € 175,00. Relativamente aos prédios urbanos, reconduzem-se à casa de morada de família e respectiva garagem. Por outro lado e sendo certo que tendo ficado provado que a Ré se encontra a viver com o filho mais velho no ..., tal não determina, que a mesma disponha da sua residência de forma definitiva, designadamente arrendando-a. No que concerne ao prédio a que corresponde um armazém, com o valor patrimonial de € 1 877,31, desconhece-se as suas condições o mesmo acontecendo com o prédio urbano em propriedade total sem andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, sito em ..., com o valor patrimonial de € 36 225,35 – cfr. Docs. 4 a 16. Já quanto ao património imobiliário, herdado por morte do seu irmão, provado ficou que por escritura de doação, a Ré transmitiu a propriedade de tais bens ao seu filho razão pela qual já não existem na sua esfera jurídica e desconhecendo-se as razões pelas quais o fez, de tal não podem retirar-se quaisquer relevantes para a decisão da presente causa. Aliás está provado nos autos que a requerida não dispõe de qualquer outro rendimento, pensão ou subsídio, para além da pensão de alimentos não tendo o autor alegado qualquer alteração nas suas condições económicas que determine a sua impossibilidade de continuar a prestar-lhe alimentos. É certo que o direito a alimentos tem natureza temporária, não deve perdurar para sempre e, no espírito da nova lei, destina-se apenas a permitir uma reorganização da vida nos primeiros tempos subsequentes ao divórcio, prevalecendo a ideia de que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio. Porém, não podemos alhear-nos do caso concreto. A Ré tem cerca de 84 anos de idade (veja-se certidão de casamento junta aos autos de divórcio), não sendo exigível que, com tal idade encete diligências para reorganizar a sua vida, providenciando pela sua subsistência”. Na revista, o recorrente, para fundar a reversão do decidido pela Relação, alinha as seguintes razões: - Por efeito da partilha foi adjudicada à R. a quantia de € 6.000,00 (seis mil euros) e ações no valor global de € 17.898,06 (dezassete mil, oitocentos e noventa e oito euros e seis cêntimos); - Quanto aos terrenos rústicos cujo valor patrimonial global ronda os € 175,00, apesar do pouco valor que lhes é atribuído, são terrenos aptos a serem cultivados e que a ora recorrida fez questão que lhe fossem adjudicados na totalidade, na partilha dos bens comuns do ex-casal; - No que concerne aos prédios urbanos, trata-se da casa de morada de família, com uma tipologia T4, com um valor de venda na ordem dos € 200.000,00 (duzentos mil euros) e um valor no mercado de arrendamento de, pelo menos € 1.100,00 (mil e cem euros) mensais, de uma garagem, de um armazém e de uma moradia. Todos devolutos e aptos a serem alienados. Não foi apurado o estado dos imóveis, contudo da prova produzida resultou que a recorrida quando vem a ... pernoita naquela que constituiu em tempos a casa de morada de família e que o filho mais novo no Verão vai com a família para a moradia e arrenda o seu apartamento a terceiros; - Quanto ao património imobiliário herdado por morte do seu irmão, a R. era livre de o doar, mas desde que com essa opção não prejudicasse o ora A., dele continuando a reclamar meios de subsistência. Ora, em declarações o filho do ex-casal disse que tira no Verão € 20.000,00 (vinte mil euros) de rendimento com o arrendamento de um destes imóveis, cujo valor de mercado de venda se situa nos € 100.000,00 (cem mil euros). Vejamos. No que concerne ao valor em dinheiro e aos títulos mobiliários partilhados, trata-se de bens cujo montante não é suscetível de proporcionar valor relevante para a subsistência do seu titular, apenas garantindo necessidades transitórias. Quanto aos terrenos rústicos, ao seu reduzido valor patrimonial acresce nada se ter provado quanto à sua rentabilidade económica. No que concerne ao bem mais valioso, ou seja, ao imóvel que era a casa de morada de família, não é exigível que a R. dele se prive, pondo em causa o seu próprio direito à habitação, sendo certo que não é, em primeira linha, ao filho da R. que cabe receber a mãe em sua casa, suprindo as suas necessidades de residência. Conforme se expendeu no acórdão do STJ, de 31.01.2023, acima citado, “…não é exigível que o credor aliene o seu património imobiliário, se tal implicar, a prazo, ficar o credor exaurido de património e, portanto, do rendimento potencial que o mesmo é capaz de proporcionar, e/ou ficar, até, privado do direito à habitação.” Quanto aos restantes prédios urbanos mencionados pelo recorrente, não se provou que sejam suscetíveis de rendimento relevante, apenas se sabendo que se trata de uma garagem com o valor patrimonial de € 5 054,70, de um armazém com o valor patrimonial de € 1 877,31 e de uma casa de habitação com o valor patrimonial de € 36 225,35 (factos I.3, I.12 e I.13). Note-se que entre os factos provados não consta o afirmado pelo recorrente, que “o filho mais novo no Verão vai com a família para a moradia e arrenda o seu apartamento a terceiros” – pelo que tal alegação não pode ser considerada. Quanto aos dois prédios urbanos que a R. doou a um dos filhos, um deles, terreno para construção, está ocupado por alguém que reclama a sua propriedade (factos provados J, 2.ª parte, e R). Quanto à fração autónoma, para habitação, referida na primeira parte da alínea J) dos factos provados, nada se provou quanto ao seu valor de mercado ou de arrendamento, sendo certo que entre os factos provados não consta o que o recorrente alega na revista, ou seja, que o filho do ex-casal tira no Verão € 20 000,00 de arrendamento com esse imóvel e que o valor de mercado de venda do mesmo é de € 100 000,00 – pelo que tais factos não podem aqui ser considerados. O A. e a R. divorciaram-se após mais de 50 anos de casamento. A R. tem cerca de 84 anos de idade. Não aufere qualquer pensão, subsídio ou rendimento, para além da pensão de alimentos que o A. lhe paga. O património de que é titular, e que já integrava o património comum do casal à data em que foi acordada a obrigação de alimentos ora sub judice, não é de molde a garantir as suas duradouras necessidades de sustento. Não é expectável nem exigível à R. que, nestas circunstâncias, refaça a sua vida e reúna condições para a sua autossubsistência. Não ficou demonstrado que os bens que a R. doou lhe garantiriam esse estado ou condição. Cabia ao A., enquanto demandante, demonstrar que ocorreram factos que fundamentam a cessação da obrigação alimentar a que voluntariamente se sujeitou em 2015. O A. não logrou preencher esse pressuposto. A revista é, pois, improcedente, devendo manter-se o acórdão recorrido. III. DECISÃO Pelo exposto, julga-se a revista improcedente e, consequentemente, mantém-se o acórdão recorrido. As custas da revista, na componente de custas de parte, são a cargo do recorrente, que nela decaiu (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º, do CPC). Lx, 23.01.2024 Jorge Leal (Relator) Jorge Arcanjo António Magalhães |