Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
Relator: | ARMÉNIO SOTTOMAYOR | ||
Descritores: | USURPAÇÃO DE FUNÇÕES ADVOGADO ESTAGIÁRIO ACORDÃO DA RELAÇÃO RECURSO PENAL SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA CASO JULGADO APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DECISÃO SUMÁRIA RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA NON BIS IN IDEM | ||
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Data do Acordão: | 11/15/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE COM * DEC VOT | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REJEITADO O RECURSO | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL – CRIMES CONTRA O ESTADO DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO / PARTES/ PATROCÍNIO JUDICIÁRIO – SENTENÇA / EFEITOS DA SENTENÇA PROFISSÕES FORENSES – ADVOGADOS / ADVOGADOS ESTAGIÁRIOS | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC) – ARTIGOS 36.º E SEGUINTES, 673.º. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 358, ALÍNEA B). CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (C.R.P.): - ARTIGO 29.º, N.º5. ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS (EOA), APROVADO PELO DL Nº 84/84, DE 16-3: - ARTIGOS 53.º, Nº 1, 154.º, 163.º, 164.º, 170.º. REGULAMENTO DE INSCRIÇÃO DE ADVOGADOS E ADVOGADOS ESTAGIÁRIOS (REGULAMENTO Nº 29/2002): - ARTIGO 4.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: -DE 13/04/2011, PROCESSO N.º 250/06.6PCLRS.LL-3, IN WWW.DGSJ.PT . | ||
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Sumário : | I - Inconformado com a decisão do Tribunal da Relação, que confirmou a sua condenação em 1.ª instância na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa na respectiva execução pela prática de um crime de usurpação de funções, o arguido interpôs recurso para o STJ, que fundamentou no disposto no art. 678.°, n.º 2, do CPC, norma relativa à violação de caso julgado, que defende ser aplicável ao processo penal nos termos do art. 4.° do CPP. II - Em decisão sumária, no STJ, foi tida por procedente a questão da aplicação em processo penal da norma do art. 668.º, n.º 2, do CPC, mas foi o recurso rejeitado por ser manifesta a sua improcedência, decisão de que o arguido reclamou para a conferência, consoante lhe permite o art. 417.º, n.º 8, do CPP. III - Enquanto não for entregue a cédula ao advogado estagiário, este não tem a sua inscrição definitiva na OA e não estando inscrito na OA não pode praticar actos próprios da profissão de advogado, com a ressalva dos actos levados a efeito em causa própria ou do seu cônjuge, ascendentes ou descendentes. IV -Uma vez que a cédula de advogado estagiário não foi entregue ao arguido, tendo a sua inscrição sido cancelada, verifica-se uma diferença essencial entre os actos que praticou em representação do seu cônjuge, que podia levar a efeito mesmo no período de 3 meses da duração inicial do estágio, e os actos que determinaram a sua condenação nos presentes autos, que o arguido praticou num período em que não estava ainda clarificada a sua inscrição definitiva como advogado estagiário, inscrição que nunca veio a verificar-se por o candidato ter sido considerado inidóneo para o exercício da advocacia. V - Por sentença de 09-07-2009, o Tribunal de F reconheceu que o arguido havia levado a efeito a sua inscrição preparatória no Conselho Distrital de F, que o admitiu à frequência da primeira parte do estágio, e que o legitimou a praticar actos em representação do seu cônjuge, por isso sendo absolvido do crime de usurpação de funções que lhe foi imputado. Dos precisos termos e limites com que a sentença de 09-07-2009 julgou [“a partir da sua inscrição provisória e enquanto não for decidida a não inscrição definitiva, o candidato à advocacia assume a qualidade de advogado estagiário e pode praticar os actos a que alude o art. 164.º n.º 1 do EOA”] não se pode extrair a consequência de que o arguido podia praticar os actos referidos no n.° 2 do referido artigo, por ser necessário para tal a inscrição definitiva como advogado estagiário e a emissão da respectiva cédula profissional. Perante a falta de inscrição definitiva, o arguido, ao aceitar o mandato que lhe foi outorgado por F, e ao praticar actos de representação para que não estava legitimado, incorreu no crime de usurpação de funções, por que foi condenado. VI -A condenação do arguido pela prática deste crime decidida pelo tribunal colectivo do Tribunal Judicial de O, e confirmada pelo Tribunal da Relação, não constitui violação do princípio ne bis in idem, nem configura violação de caso julgado, pelo que o recurso com fundamento em violação de caso julgado se apresenta como manifestamente improcedente. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Sob acusação do Ministério Público, foi julgado, pelo tribunal colectivo do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Olhão, no âmbito do processo em referência, AA, tendo sido condenado pela prática do crime de usurpação de funções, p. e p. pelo art. 358º al. b) do Código Penal, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa na respectiva execução por igual período, sob a condição de o arguido se inscrever no Instituto de Emprego e de Formação Profissional. Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, sustentando que, por sentença proferida pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Faro, datada de 9 de Julho de 2009, proferida no processo nº 1961/95.9TAFAR, fora absolvido do crime de usurpação de funções relativo a factos ocorridos entre 28 de Janeiro de 2005 e 7 de Fevereiro de 2005, por o tribunal haver entendido que, de acordo com o disposto no art. 164º nº 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados, encontrando-se o arguido no período de estágio para a advocacia, poderia praticar actos próprios da profissão de advogado em causas atinentes ao seu cônjuge. Defende que os factos por que foi julgado no presente processo são os mesmos do processo da comarca de Faro, pelo que o tribunal ao submetê-lo e condená-lo por factos já anteriormente julgados e decididos violou a excepção de caso julgado, devendo ter-se por procedente tal excepção, e, em consequência, julgar-se extinta a lide processual penal. Para o caso de assim se não entender, defende que a audiência de julgamento, para que fora notificado, mas que se realizou na sua ausência, deve ser declarada nula, em virtude de o juiz presidente não ter tomado as providências necessárias para fazer comparecer o arguido, devendo o julgamento ser repetido. A Relação negou provimento ao recurso, tendo confirmado a decisão condenatória recorrida. Inconformado, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que fundamentou no disposto no art. 678º nº 2 do Código de Processo Civil, norma relativa à violação de caso julgado, que defende ser aplicável ao processo penal, nos termos do art. 4º do Código de Processo Penal. No parecer que emitiu, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta sustenta que o recurso com fundamento na ofensa de caso julgado implica a afirmação de que a decisão recorrida é contrária a outra anterior, transitada em julgado, mas “no recurso agora interposto para o Supremo Tribunal [o recorrente] não vem invocar violação do caso julgado pelo acórdão da relação, mas apenas volta a defender essa violação de caso julgado que já havia suscitado durante o julgamento e que foi objecto do seu recurso para o Tribunal da Relação.” E acrescenta que “quer a decisão da lª instância quer a decisão/acórdão recorrido não reconheceram que tivesse sido ofendido o caso julgado invocado pelo arguido em ambas as instâncias. Por isso, conclui que “o arguido AA não pode nem tem qualquer fundamento para vir recorrer ao abrigo do disposto no n° 2 do artº 678º do CPC quando já sucessivamente suscitou a mesma questão na 1ª instância e no recurso que interpôs com o mesmo fundamento. … Ambos os tribunais apreciaram esta eventual ofensa de caso julgado e muito fundamentadamente o acórdão agora recorrido julgou improcedente a sua invocação e manteve a decisão da 1ª instância, por não haver violação do princípio "ne bis in idem", com referência à decisão de 9/7/2009, não podendo ser aceitável conceder um triplo grau de jurisdição, ao arguido/recorrente AA.”
Em decisão sumária do relator, foi apreciada a questão da aplicação em processo penal da norma do art. 668º nº 2 do Código de Processo Penal, tendo sido ponderadas as posições das duas correntes jurisprudenciais que sobre a questão se formaram e havendo-se concluído do seguinte modo: A violação de caso julgado em processo penal, ao acarretar o desrespeito do princípio ne bis idem, constitucionalmente garantido, assume uma gravidade tal que não devem ser razões como a de se encontrar já assegurada a dupla jurisdição que podem servir para justificar que o Supremo Tribunal de Justiça seja afastado do conhecimento da questão. Desde logo, para acatar o princípio ne bis in idem, com previsão no art. 29º nº 5 da Constituição, que garante, na sua dimensão de direito subjectivo fundamental, o direito de o cidadão não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, enquanto como princípio constitucional objectivo obriga o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material. (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª ed., pág. 497). Segundo estes autores, “para a tarefa de ‘densificação semântica’ do princípio é particularmente importante a clarificação do sentido da expressão ‘prática do mesmo crime’, que tem de obter-se recorrendo aos conceitos jurídico-processuais e jurídico-materiais desenvolvidos pela doutrina do direito e processo penais.” Ligado à certeza e segurança do direito, o princípio ne bis in idem, pressuposto da exceptio rei judicatae, é violado quando se inicie um segundo procedimento em que haja coincidência na identidade do sujeito e do facto. (Cavaleiro de Ferreira (Direito Processual Penal, III, pág. 45 seg.).
Passou-se então na decisão sumária à análise do caso dos autos, havendo-se entendido que: No julgamento realizado em 9-07-2009 na comarca de Faro, foi absolvido da prática de um crime de usurpação de funções, crime de que se encontra agora, de novo, acusado, com base, porém, em diferentes factos naturalísticos. Se é obvia a coincidência de sujeito, já, porém, o objecto do processo é diferente. No proc. 1961/95.9TAFAR do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Faro, onde foi absolvido, foi dado como provado que, em 28 de Janeiro de 2005, aceitou uma procuração de BB, seu cônjuge, e, em 7 de Fevereiro de 2005, intitulando-se advogado estagiário, subscreveu um requerimento que dirigiu o proc. 1765/94 do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Faro e com ele entregou a aludida procuração. Neste autos, foi dado como provado que, em 15 de Junho de 2005, aceitou uma procuração forense de CC, Unipessoal, L.da, e que, em 10 de Janeiro de 2006, em representação deste, apresentou um requerimento na Conservatória do Registo Predial de Olhão e em 15 de Maio de 2006, apresentou naquela Conservatória um recurso hierárquico. Naturalisticamente são factos diversos. Mas tratar-se-á do mesmo objecto do processo, que não muda, segundo Eduardo Correia, se nos mantivermos no âmbito da mesma concreta e hipotética violação jurídico-criminal? Aplicando à questão do objecto do processo o método da determinação da unidade e pluralidade de infracções decorrente do disposto no art. 30º do Código Penal, teremos, conforme acentua José Souto de Moura («Notas sobre o objecto do processo», Revista do Ministério Público, ano 12º, nº 48, pág. 54) que “se os factos novos se distanciam dos antes adquiridos para o processo, de forma radical no espaço e no tempo, o objecto do processo é outro, porque, embora estejamos face a uma mesma violação jurídico-penal, já não será a mesma concreta violação jurídico-penal.” É certo que, conforme põe em relevo Cristina Líbano Monteiro (Comentário Conimbricense do Código Penal, III, pág. 449), da circunstância de o tipo legal do crime de usurpação de funções prever o exercício de profissão “para a qual a lei exige título ou preenchimento de certas condições” resulta que constitui uma só crime “a prática pelo agente de repetidos actos próprios de uma profissão cujo título se arroga possuir.” Mas nem por isso os factos por que o arguido foi julgado e absolvido no processo que correu termos em Faro constituem uma unidade com os que levaram à sua condenação nestes autos. Assim poderia suceder se os factos praticados em Faro fossem susceptíveis de preencher o tipo de crime do art. 358º al. b) do Código Penal, mas o que resultava da norma do art. 164º nº 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados então vigente era a incompetência do estagiário, durante o primeiro período do estágio, para praticar actos próprios das profissões de advogado ou de solicitador judicial, excepto quando os praticasse em causa própria ou do seu cônjuge, ascendentes e descendentes. Significa isto que, como se reconheceu na decisão de 9-07-2009, os actos praticados pelo arguido em representação de BB, seu cônjuge, constituíram um acto lícito, o que levou à consequente absolvição da prática do crime que lhe era imputado. Já aqueles que foram dados por provados nos presentes autos, que só poderiam ser praticados por advogado ou solicitador, constituíram uma conduta ilícita com consequências diferentes dos actos de representação do cônjuge, com os quais não formam qualquer unidade. Trata-se assim de outros factos, que não configuram o mesmo objecto do processo que, ao contrário dos primeiros, constituem uma violação jurídico-penal. E, deste modo, não se pode falar em violação do princípio ne bis in idem.. Daí que o recurso interposto pelo arguido com fundamento em violação de caso julgado seja manifestamente improcedente.
Notificado desta decisão que rejeitou o recurso por violação de caso julgado, por ser manifesta a sua improcedência, o arguido veio reclamar para a conferência, consoante lhe permite o art. 417º nº 8 do Código de Processo Penal. Diz o arguido na sua reclamação que, apesar da sua extensão, se vai transcrever integralmente: Salvo o devido respeito por opinião contrária, diga-se desde já, que o Excelentíssimo Senhor Juiz Conselheiro fez uma errónea interpretação dos factos e aplicação do direito. Vejamos então! O Tribunal Judicial de Faro por sentença de 9 de Julho de 2009, processo comum singular nº 1961/05.9TAFAR, que correu trâmites no 2º Juízo Criminal, transitada em julgado, o recorrente (aí arguido) foi julgado e absolvido do crime de usurpações de funções, p. e p. pelo artigo 358.º, alínea b) do Código Penal. Na referida sentença absolutória escreveu-se: De acordo com o artº 164.º, nº 1, desse estatuto, "durante o primeiro período de estágio, o estagiário pode praticar actos próprios da profissão de advogado ou de solicitador judicial, senão em causa própria, do cônjuge, ascendentes ou descendentes". De acordo com o n.º 3 desse preceito, o estagiário deve indicar sempre a sua qualidade quando intervenha em qualquer acto de natureza profissional. Por seu lado, o art. 154º, nº 1, refere que a inscrição na ordem dos advogados é feita tanto pelo conselho geral como pelo conselho distrital da área do domicílio escolhido pelo requerente como centro da sua vida profissional, sendo o domicílio profissional do advogado estagiário o do seu patrono. O art. 155.º, por seu lado, estabelece que a cada advogado e advogado estagiário será entregue uma cédula profissional, a qual servirá de prova da inscrição na Ordem dos Advogados. O Regulamento de Inscrição nº 29/2002, de 21/05/02, por seu lado, estabelece no art. 1º, nº 1, que não pode denominar-se advogado ou advogado estagiário, quem não estiver como tal inscrito na Ordem dos Advogados, considerando-se, nos termos do artº 2º, efectuada a inscrição depois aprovada definitivamente pelo Conselho Geral, sendo a data de inscrição a do dia em que o Conselho Geral tiver deferido o pedido, e, a antiguidade conta-se desde essa data. Por seu lado, de acordo com o artº 4, nºs 1 e 2, do Regulamento de Estagio nº 16/2000, de 27/7, publicado no DR 172, II serie, o tempo de estágio conta-se desde a data do seu inicio do curso de formação, tendo por objectivo ministrar ao advogado estagiário formação adequada ao exercício da advocacia, de modo que a possa desempenhar por forma competente e responsável. O nº 5 desse regulamento estabelece que o curso de estágio compreende dois períodos de formação distintos, com a duração fixada no EOA. No primeiro período de estágio, os advogados estagiários ficam vinculados à frequência das sessões e ao cumprimento das demais obrigações de estágio determinadas nos respectivos programas. O art.º 6, nº 2, estabelece que a inscrição preparatória dos advogados estagiários, deliberada pela conselho distrital competente, importa a respectiva inscrição no primeiro curso de estágio que se iniciar posteriormente, sem prejuízo de tal inscrição se tornar ineficaz se o conselho geral, nos termos do regulamento e Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários, não confirmar a inscrição preparatória. O art.º 10º, nº 1, estabelece que no final do primeiro período de formação, os advogados estagiários estão sujeitos a um teste escrito, que incluirá, necessariamente as áreas de deontologia profissional, prática processual civil e prática processual penal. O art.º 21º, por seu lado, estabelece que todas as ocorrências significativas em que tenha intervindo o advogado estagiário, nomeadamente de natureza disciplinar, verificadas a seu respeito, durante os períodos de formação, serão devidamente anotadas no processo de inscrição, que sejam relevantes para instruir a informação final. Da leitura conjugada de todas as normas supra referidas, terá de se concluir que um candidato à advocacia que esteja inscrito preparatória, enquanto não lhe for comunicada a não inscrição definitiva, terá de considerar-se para todos os efeitos advogado estagiário. E terá de considerar-se dessa forma porque o próprio regulamento de estágio lhe dá esse tratamento e o próprio estatuto prevê a possibilidade da prática de actos pelos advogados estagiários na primeira fase do estágio. Assim, desde logo a considerar-se que apenas a inscrição definitiva e emissão de cédula permitiam a prática dos actos a que alude o art.º 164.9, n.º 1, do EDOA, tal norma ficaria esvaziada de conteúdo, já que era prática a entrega das células ter lugar apenas da primeira fase de estágio. Por outro lado, é o próprio regulamento de estágio que se refere aos advogados estagiários, mesmo na primeira fase de estágio (sem que faça distinção entre aqueles que já foram definitivamente inscritos e aqueles que o não foram). Por outro lado, a partir da inscrição provisória o candidato fica sujeito ao poder disciplinar da Ordem dos Advogados. Ora, não pode pretender-se conferir tratamento diverso ao candidato à advocacia, consoante esteja em causa o cumprimento de deveres ou o exercício de direitos. No primeiro caso, tratando-o como advogado estagiário desde a inscrição provisória e no segundo apenas a partir da inscrição definitiva. De resto, o art.º 10º do regulamento de estágio estabelece que não vindo a ser feita a inscrição definitiva, a provisória perde a sua eficácia. Assim, terá de se concluir que a partir da sua inscrição provisória e enquanto não for decidida definitiva, o candidato à advocacia assume a qualidade de advogado estagiário e pode praticar os actos a que alude o art.º 164º, n.º 1, do EOA, ficando ainda sujeito a acção disciplinar. De resto, o estabelecido no art.º 2º do Regulamento de inscrição, terá de ser articulado com o EOA e com o Regulamento de Estagio supra referidos. Assim, tal norma significará que a inscrição só se considera efectuada a partir da sua aprovação pelo Conselho geral, pelo que face à não inscrição perde eficácia a inscrição provisória, mas enquanto a mesma não ocorrer, a inscrição provisória produz os seus efeitos, sob pena de, assim não se considerando, se tornar inaplicável o regulamento de estágio, bem como o próprio EOA. Face a tudo o exposto, terá de se concluir que o arguido AApodia praticar actos atinentes à profissão de advogado em causas atinentes ao cônjuge e invocar a qualidade de advogado estagiário, no momento em que o fez. Não praticou, assim, o arguido o crime de usurpação de funções que lhe é imputado nos autos principais, impondo-se a sua absolvição da pratica desse crime".
Da leitura da sentença absolutória proferida pelo Tribunal Judicial de Faro em 09/07/2009, processo n.º 1961/05.9TAFAR, acima transcrita, dúvida nenhuma subsiste, que o arguido se encontra inscrito na Ordem dos Advogados. Atente-se à parte final da sentença que refere textualmente "terá de se concluir que o arguido AA podia praticar actos atinentes à profissão de advogado em causas atinentes ao cônjuge e invocar a qualidade de advogado estagiário, no momento em que o fez (era o que estava em causa naquele processo). Ora, se o AA podia praticar actos atinentes à profissão de advogado e invocar a qualidade de advogado estagiário, como decidiu e bem o Tribunal Judicial de Faro, está bem de ver, que o AA se encontrava inscrito na Ordem dos Advogados. Caso contrário, isto é: caso o arguido não estivesse inscrito na Ordem dos Advogados é óbvio que não poderia praticar actos próprios das profissões de advogado em situação alguma, nem mesmo os actos previstos no artigo 164.º, n.º 1 do EOA/84. Condição sine qua non para poder praticar os actos próprios da profissão de advogado previstos no disposto do artigo 164.º, n.º 1 do EOA/84, é se encontrar inscrito na Ordem dos Advogados. Com efeito, se o AA podia praticar actos da profissão de advogado em representação do seu cônjuge como dispõe o artigo 164.º, n.º 1 do EOA/84, como decidiu aquele douto Tribunal de Faro, é cristalino que o arguido se encontra inscrito na Ordem. Não nos podemos esquecer, que o AA ao praticar actos próprios das profissões de advogado em representação do seu cônjuge, ascendentes ou descendentes, só o poderia fazer com mandato forense, como efectivamente o fez, no processo de Faro. Nos termos da Lei 49/2004 o mandato forense é definido como sendo "o mandato judicial conferido para ser exercício em qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz". Quanto ao conteúdo e alcance do mandato forense, veja-se ainda os artigos 36.º e seguintes do C.P.C. Nos presentes autos, o que está em causa é exactamente a mesma questão, isto é, saber se o arguido AA à data dos factos que lhe são imputados 15/06/2005 - se encontrava (ou não) inscrito na Ordem dos Advogados. O Excelentíssimo Senhor Juiz Conselheiro Relator, na sua douta decisão sumária, diz que ”os factos provados nos presentes autos, que só podiam ser praticados por advogados ou solicitador, constituíram uma conduta ilícita com consequências diferentes dos actos de representação do cônjuge, com os quais não formam qualquer unidade. Trata-se assim de outros factos, que não configuram o mesmo objecto do processo que, ao contrário dos primeiros, constituem uma violação jurídico-penal. E, deste modo, não se pode falar em violação do principio ne bis in idem" (vide fls. 8 do despacho) Ora, salvo o devido respeita por opinião contrária, não assiste razão ao Excelentíssimo Senhor Juiz Relator, pois, em ambos os processos, encontramo-nos em presença dos mesmos factos, como passaremos a demonstrar. Para melhor explanarmos o nosso pensamento, socorremo-nos do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13/04/2011, Processo n.º 250/06.6PCLRS.Ll-3, in www.dgsj.pt, que de forma bem fundamentada, faz uma resenha daquele princípio constitucional. I - NATUREZA DA EXCEPÇÃO DE CASO JULGADO. A excepção de caso julgado materializa o disposto no art. 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) quando se estabelece como princípio a proibição de reviver processos já julgados com resolução executória afirmando "Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime". Por isso, o caso julgado é considerado como uma causa de extinção da acção penal. O caso julgado é um efeito processual da sentença transitada em julgado, que por elementares razões de segurança jurídica, impede que o que nela se decidiu seja atacado dentro do mesmo processo (caso julgado formal) ou noutro processo (caso julgado material). Neste último caso, o efeito do caso julgado material manifesta-se fora do processo penal, e para o futuro, impedindo a existência de um ulterior julgamento sobre os mesmos factos. Transcendendo a sua dimensão processual, a proibição do duplo julgamento pelos mesmos factos faz que o conjunto das garantias básicas que rodeiam a pessoa ao longo do processo penal se complemente com o princípio ne bis in idem ou non bis in idem, segundo o qual o Estado não pode submeter a um processo um acusado duas vezes pelo mesmo facto, seja em forma simultânea ou sucessiva. Isso implica que existe a necessidade de que a perseguição penal, com tudo o que ela significa - a intervenção do aparato estatual com vista à obtenção de uma condenação -, só se pode pôr em marcha uma vez, o poder do Estado é tão forte que um cidadão não pode estar submetido a essa ameaça dentro de um Estado de Direito. Esta garantia visa limitar o poder de perseguição e de julgamento, autolimitando-se o Estado e proibindo-se o legislador e demais poderes estaduais à perseguição penal múltipla e, consequentemente, que exista um julgamento plural. Por isso acertadamente se afirma que esta garantia fundamental deve impedir a múltipla perseguição penal, simultânea ou sucessiva, por um mesmo facto. Em consequência, como assinala Giovanni Leone: o caso julgado deve identificar-se na imutabilidade da decisão. Caso Julgado, em substância significa decisão imutável e irrevogável; significa imutabilidade do mandado que nasce da sentença. Aproximamo-nos assim à lapidar definição romana da jurisdição: quae finem controversiarum pronuntiatione iudicis accipit (que impõe o fim das controvérsias com o pronunciamento do juiz). Da mesma opinião é Binder para quem o princípio ne bis in idem tem efeitos muito concretos no processo penal. O primeiro deles é a impossibilidade de modificar uma sentença transitada em julgado contra o acusado. O acusado que foi absolvido não pode ser condenado num segundo julgamento; o que foi condenado, não pode ser novamente condenado por uma sentença mais grave. Por força deste princípio ne bis in idem, a única revisão possível é uma revisão a favor do condenado. O caso julgado é uma instituição processual irrevogável e imutável. Traduz o valor que o ordenamento jurídico dá ao resultado da actividade jurisdicional, consistente na subordinação aos resultados do processo, por converter-se em irrevogável a decisão do órgão jurisdicional. II - REQUISITOS DE PROCEDIBILlDADE DA EXCEPÇÃO DE CASO JULGADO Para que a excepção funcione e produza o seu efeito impeditivo característico, a imputação tem que ser idêntica, e a imputação é idêntica quando tem por objecto o mesmo comportamento atribuído à mesma pessoa (identidade de objecto - eadem res). Trata-se da identidade fáctica, independentemente da qualificação legal (nomen iuris) atribuída. As duas identidades que refere a doutrina unidade de acusado e unidade de facto punível têm sido assim consideradas: Para que proceda a excepção de caso julgado requere-se que o crime e a pessoa do acusado sejam idênticos aos que foram matéria da instrução anterior à que se pôs termo no mérito de uma resolução executória. A identidade da pessoa, refere-se só a do processado e não à parte acusadora para que proceda a excepção de caso julgado. III - IDENTIDADE DE FACTOS No segundo limite objectivo do caso julgado, os factos objecto do processo penal anterior devem ser os mesmos que são a base do novo processo penal, independentemente da qualificação jurídica que tiverem merecido em ambas causas. Assim, se os factos são os mesmos e culminaram com uma sentença executória, ainda que o nomen juris seja distinto, é procedente a excepção de caso julgado; inclusive se a qualificação no primeiro processo foi uma simples contra-ordenação ou se tratou de tipificação errónea. O ne bis in idem, como exigência da liberdade do indivíduo, o que impede é que os mesmos factos sejam julgados repetidamente, sendo indiferente que estes possam ser contemplados de distintos ângulos penais, formal e tecnicamente distintos. Para a identificação de facto, consequentemente tem que tomar-se em linha de conta os critérios jurídicos de "objecto normativo", "identidade ou diversidade do bem jurídico lesionado", etc. Por conseguinte, parece haver caso julgado quando no segundo processo aparecem uns factos que foram julgados no primeiro, ainda que se apresentem com um aspecto de um crime distinto, se o "objecto normativo" é o mesmo: ofensa à integridade física, em vez de homicídio; e, também, se na mudança de um processo a outro, se refere à forma de autoria ou consiste em variar de esta para a cumplicidade: entra em jogo o critério do "bem jurídico violado" ou o da conexão. A identidade do facto mantém-se ainda quando seja pelos mesmos elementos valorados no primeiro julgamento ou pela superveniência de novos elementos ou de novas provas deva considerar-se em forma diferente em razão do título, do grau ou das circunstâncias. O título refere-se à definição jurídica do facto, ao nomen iuris do crime. A mutação do título sem uma correspondente mutação de facto, não vale para consentir uma nova acção penal. Ora, quando nos referimos "aos factos", estamos a referir na realidade uma hipótese. Com efeito, o processo penal funda-se sempre em hipóteses fácticas com algum tipo de significado jurídico. A exigência de eadem res significa que deve existir correspondência entre as hipóteses que fundam os processos em questão. Trata-se, em todo caso, de uma identidade fáctica, e não de uma identidade de qualificação jurídica. Não é certo que possa admitir-se um novo processo sobre a base dos mesmos factos e uma qualificação jurídica distinta. Se os factos são os mesmos, a garantia do ne bis in idem impede a dupla perseguição penal, sucessiva ou simultânea. Em face do exposto, há que ter presente que também existem casos claros como o concurso de normas, subsidiariedade ou consumpção, donde em última instância existe só uma distinção de qualificação jurídica e nenhum tipo de discussão sobre os factos. Por exemplo, um mesmo facto pode constituir uma burla ou uma entrega de cheques sem provisão; evidentemente, esta diferente qualificação jurídica não produz uma excepção ao princípio ne bis in idem porque nos factos - v.g. a entrega de um cheque que cujo pagamento resultou rejeitado - não existe diferença alguma. Em consequência, do que até agora dissemos, podemos concluir que para estabelecer a identidade fáctica para efeito de aplicar a excepção de caso julgado não interessa que os mesmos factos tenham sido qualificados ou subsumidos a distintos tipos penais, nem importa tão pouco o grau de participação imputado ao sujeito. Quer se lhe impute que a prática dos factos denunciados foram executados na qualidade de autor ou que noutro caso se precise que esses mesmos factos foram executados só a título de cumplicidade, e inclusive qualificados num distinto tipo penal o que interessa em suma é que ao mesmo sujeito se lhe impute os mesmos factos (apresentado o mesmo comportamento) pelos que se quer de novo submeter a um processo penal. Há um terceiro requisito de procedibilidade, que tem relação estreita com a natureza do caso julgado, que respeita a que o primeiro processo tenha sido findo totalmente e que não seja susceptível de meio impugnatório algum, para que justamente se possa reclamar os efeitos de inalterabilidade que acompanha as decisões jurisdicionais que passam à autoridade de caso julgado. IV - CASO JULGADO E CRIME CONTINUADO No crime continuado encontramo-nos diante de uma pluralidade de factos aos que por força da lei corresponde uma unidade de acção e portanto o tratamento como um único crime. Para esse tratamento unitário a lei exige a concorrência de dois elementos indispensáveis a existência de uma pluralidade de resoluções conglobantes de todas as condutas e a uniformidade no ataque da mesma lei penal ou uma de igual o semelhante natureza. Em consequência, que sucederia se o mesmo sujeito é processado primeiro por uma pluralidade de factos que configuram um crime continuado, e logo noutro processo se pretende julgar por um ou alguns dessa pluralidade de factos que configuram esse crime continuado: estaríamos ante um duplo julgamento? Para responder a esta pergunta, devemos precisar a estruturação normativa e jurisprudencial do crime continuado tal como se encontra positivado no nosso Código Penal. E fazendo uma breve sinopse da doutrina mais autorizada para estabelecer se se pode excepcionar o caso julgado quando se pretende tornar a julgar um mesmo sujeito por um ou mais factos que em conjunto constituem uma unidade como delito continuado. O crime continuado pode entender-se como uma pluralidade de acções semelhantes objectiva e subjectivamente, que são objecto de valoração jurídica unitária. Na figura do crime continuado consideram-se os casos de pluralidade de acções homogéneas que, apesar de enquadrar cada uma delas no mesmo tipo penal ou em tipos penais com igual núcleo típico, uma vez realizada a primeira, as posteriores se apreciam como a sua continuação, apresentando assim uma dependência ou vinculação em virtude da qual se submetem a um único desvalor normativo, que as reduz a uma unidade delitiva. Ora, para a determinação de identidade de facto, é a nosso ver imprescindível considerar o seu significado jurídico. Os processos de subsumpção são um caminho de ida e volta, em que se transita da informação fáctica à norma jurídica e desta aos factos outra vez. Sempre que, segundo a ordem jurídica, se trate de uma mesma entidade fáctica, com similar significado jurídico em temos gerais - e aqui "similar" deve ser entendido de modo mais amplo possível -, então deve operar o princípio “ne bis in idem". Pelo que, só quando claramente se trata de factos diferentes será admissível um novo processo penal. A excepção de caso julgado é aplicável quando existe identidade de factos ou objecto do processo, identidade do acusado e resolução transitada em julgado ou definitiva.
Nos presentes autos o arguido vem acusado em autoria material da prática do crime de usurpações de funções, p. e p. pelo artigo 358.º, alínea b) do Código Penal e que no alicerce de tal imputação residia o facto do arguido ter praticado actos próprios da profissão de advogado sem que para isso estivesse habilitado - inscrito na Ordem. Cotejando os factos que estiveram na origem dos autos que correram termos no Tribunal Judicial de Faro sob o n.º 1961/05.9 TAFAR, 1.º Juízo Criminal e os destes autos (1054/07) salta aos olhos, que a imputação é idêntica. E a imputação é idêntica quando tem por objecto o mesmo comportamento atribuído à mesma pessoa (identidade de objecto - eadem res). Trata-se da identidade fáctica, independentemente da qualificação legal (nomen iuris) atribuída. E salta igualmente à vista desarmada, que a identidade do acusado é a mesma em ambos os processos. Por conseguinte, em ambos os processos, os factos e a identidade da pessoa do acusado são os mesmos aos que foram matéria da acusação anterior à que se pôs termo no mérito da sentença absolutória proferida pelo Tribunal Judicial de Faro em 09/07/2009, no processo n.º 1961/05.9TAFAR, transitada em julgada. À guisa de conclusão, dúvida nenhuma subsiste, que em ambos os processos, existe identidade de factos ou objecto do processo e identidade do acusado. O ne bis in idem, como exigência da liberdade do indivíduo, impede que os mesmos factos sejam julgados repetidamente, sendo indiferente que estes possam ser contemplados de distintos ângulos penais, formal e tecnicamente distintos. Sempre que, segundo a ordem jurídica, se trate de uma mesma entidade fáctica, com similar significado jurídico em temos gerais - e aqui "similar" deve ser entendido de modo mais amplo possível -, então deve operar o princípio “ne bis in idem", Pelo que, só quando claramente se trata de factos diferentes será admissível um novo processo penal. Resta afirmar que o princípio ne bis in idem, não é exclusivo da fase do julgamento. Como refere o Prof. Damião da Cunha, este princípio deve ser entendido como "garantia subjectiva para o arguido não ser submetido duas vezes a um julgamento pelos mesmos «factos» e, consequentemente, e de acordo com um processo regido pelo princípio de acusação, não ser «acusado» duas vezes pelos mesmos factos. Assim, e de acordo com o que supra ficou dito, porque se verifica uma unificação da conduta do arguido entre os factos submetidos nestes autos (1054/07.4TAOLH) e aqueles que foram objecto de absolvição transitada em julgado, no processo n.º 1961/05.9 TAFAR do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Faro e como tal há que absolver o arguido nos presentes autos, sob pena de ser violado o artigo 29.º, n.º 5 da Constituição, que dispõe: "Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime".
Na sua extensa reclamação, o arguido não produz novos argumentos que devam levar a uma modificação da decisão sumária do relator. Centra a sua argumentação na circunstância de, ao tempo dos factos, ter a qualidade de advogado estagiário, o que lhe permitiria a prática de actos forenses, conforme diz ter sido reconhecido pela sentença de 9 de Julho de 2009 proferida pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Faro, transitada em julgado, defendendo que os seus efeitos se alargam à factualidade praticada em representação de CC, Unipessoal, L.da. A argumentação do reclamante a partir de uma sentença transitada em julgado despreza, todavia, o âmbito do conceito de caso julgado expresso no art. 673º do Código de Processo Civil: “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”. Com efeito, a qualidade de advogado estagiário com inscrição provisória que o arguido detinha, e que aquela sentença reconheceu, não transformou em lícitos os actos praticados em representação de CC, Unipessoal, L.da, como veremos com mais pormenor. Ao tempo em que o arguido requereu o seu ingresso no estágio da advocacia (Fevereiro de 2004) vigorava o Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março. Nos termos do art. 53º nº 1 “só os advogados e advogados estagiários com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem … praticar actos próprios da profissão e, designadamente exercer o mandato judicial ou funções de consulta jurídica em regime de profissão liberal remunerada.” A inscrição como advogado depende do cumprimento das obrigações do estágio, nos termos do respectivo regulamento (art. 170º EOA). O estágio divide-se em 2 períodos distintos, o primeiro com a duração de 3 meses e o segundo com a duração de 15 meses (art. 163º), não podendo o estagiário, durante o primeiro período, praticar actos das profissões de advogado ou solicitador senão em causa própria ou do seu cônjuge, ascendentes ou descendentes (art. 164º), mas no segundo período de estágio podem praticar os actos indicados no nº 2 do art. 164º EOA. A inscrição é feita no Conselho Distrital, que, depois de ter verificado que o requerimento para a inscrição está devidamente documentado, e que nada obsta à inscrição, delibera a inscrição preparatória. A inscrição definitiva depende do deferimento do Conselho Geral, só então sendo a cédula datada e assinada pelo Bastonário e, seguidamente, devolvida ao Conselho Distrital que averba a inscrição e a entrega ao interessado. (art. 4 do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários (Regulamento nº 29/2002). A cédula serve de prova de inscrição na Ordem dos Advogados (art. 154º do EOA). Deste conjunto de preceitos, resulta, assim, que enquanto não for entregue a cédula ao advogado estagiário, este não tem a sua inscrição definitiva na Ordem dos Advogados e não estando inscrito na Ordem não pode praticar actos próprios da profissão de advogado, com a ressalva dos actos levados a efeito em causa própria ou do seu cônjuge, ascendentes ou descendentes durante a primeira fase do estágio. Uma vez que a cédula de advogado estagiário não foi entregue ao arguido, tendo a sua inscrição vindo a ser cancelada, verifica-se uma diferença essencial entre os actos que praticou em representação do seu cônjuge, actos que podia levar a efeito mesmo no período de 3 meses da duração inicial do estágio, e os actos que determinaram a sua condenação nos presentes autos, que o arguido praticou num período em que não estava ainda clarificada a sua inscrição definitiva como advogado estagiário, inscrição que, de resto, nunca veio a verificar-se por o candidato ter sido considerado inidóneo para o exercício da advocacia. Na sentença de 9-07-2009, o Tribunal de Faro reconheceu que o arguido havia levado a efeito a sua inscrição preparatória no Conselho Distrital de Faro que o admitiu à frequência da primeira parte do estágio, o que, por força dessa frequência, o legitimou a praticar actos em representação do seu cônjuge, por isso o tendo absolvido do crime de usurpação de funções que lhe foi imputado. Mas nada mais. A partir dos precisos termos e dos limites com que a sentença de 9-07-2009 julgou, ao absolver o arguido com fundamento em que “a partir da sua inscrição provisória e enquanto não for decidida a não inscrição definitiva, o candidato à advocacia assume a qualidade de advogado estagiário e pode praticar os actos a que alude o art. 164º nº 1 do EOA” não se pode extrair a consequência de que o arguido podia praticar os actos referidos no nº 2 do mesmo artigo. Para que tal sucedesse era necessário que o arguido estivesse definitivamente inscrito como advogado estagiário e tivesse sido emitida a respectiva cédula profissional. A falta dessa inscrição definitiva teve por consequência que, ao aceitar o mandato que lhe foi outorgado por CC, Unipessoal, L.da., e ao praticar actos de representação para que não estava legitimado, o arguido incorreu no crime de usurpação de funções, por que veio a ser condenado. A condenação do arguido pela prática deste crime decidida pelo tribunal colectivo do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Olhão, e confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora, não constitui, portanto, violação do princípio ne bis in idem, nem configura violação de caso julgado, conforme se referiu na decisão sumária. Daí que o recurso, com fundamento em violação de caso julgado, se apresentasse como manifestamente improcedente, como ali se decidiu.
Termos em que acordam no Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a reclamação para a conferência apresentada pelo arguido AA, confirmando a decisão sumária do relator que julgou o recurso manifestamente improcedente. Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 3 (três) UC.
Lisboa, 15 de Novembro de 2012 Arménio Sottomayor (relator) |