Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | SEBASTIÃO PÓVOAS | ||
Descritores: | PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MATÉRIA DE FACTO ÓNUS DA PROVA NEXO DE CAUSALIDADE | ||
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Data do Acordão: | 11/02/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | 1) São as instâncias que procedem ao apuramento da matéria de facto relevante para a solução do litígio, só a Relação podendo emitir um juízo de censura sobre o apurado na 1.ª instância. 2) O Supremo Tribunal de Justiça, e salvo situações de excepção legalmente previstas, só conhece matéria de direito, sendo que, no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação fixou os factos materiais só é sindicável se foi aceite um facto sem produção do tipo de prova para tal legalmente imposto ou tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova. 3) De acordo com as regras do artigo 342.º do Código Civil o ónus da prova recai sobre ambos os litigantes, devendo o autor provar os factos constitutivos do direito que alega, sendo que o réu terá de provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que aquele invoca. 4) Mas beneficiando o autor de uma presunção legal, não tem que provar os factos que a ela conduzem, invertendo-se quanto a esses factos, se constitutivos do direito do demandante, o encargo da não prova para a contraparte “ex vi” do n.º 1 do artigo 344.º do Código Civil. 5) Na responsabilidade contratual há uma presunção legal “tantum juris” da culpa do contraente faltoso, mas é sobre o contraente cumpridor que recai o ónus da prova dos restantes pressupostos: violação contratual, dano e nexo causal. 6) O juízo de causalidade numa perspectiva meramente naturalística de apuramento da relação causa-efeito, insere-se no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 729.°, n.° 1 e 722.º , n.°2 do Código de Processo Civil. 7) Assente esse nexo naturalístico, pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade, o que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.° do Código Civil. 8) O artigo 563.º do Código Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele , que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias. 9) De acordo com essa doutrina, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA e sua mulher BB intentaram acção, com processo ordinário, contra CC e mulher DD. Pediram a condenação dos Réus a: - suprimirem os defeitos que referem na p.i. e outros que venham a ser detectados; - pagarem-lhes a quantia de 10.325,16 euros, a título de cláusula penal pelo atraso na conclusão dos trabalhos; - devolverem-lhes 1000,00 euros, a título de trabalhos previstos no contrato e não efectuados; - pagarem-lhes uma indemnização, a título de danos não patrimoniais, em montante não inferior a 3000,00 euros, acrescidos de juros à taxa legal, desde a citação. Os Réus contestaram e, em reconvenção, pediram a condenação dos Autores a pagarem-lhes a quantia de 2630,25 euros, com juros, à taxa legal. No 3.º Juízo Cível de Barcelos a acção foi julgada improcedente e os Réus absolvidos do pedido, mas a reconvenção foi julgada procedente e os Autores condenados a pagar ao Réu-marido a quantia de 2534,70 euros com juros moratórios à taxa da lei desde a citação. Os Autores apelaram para a Relação de Guimarães. Aí a apelação foi julgada parcialmente procedente e os Réus condenados a repararem os defeitos dos pontos 14 a 24 da sentença apelada, com excepção do ponto 22, absolvendo-os do mais pedido; declarado foi que os Autores têm o direito de reter 2534,70 euros, correspondentes ao remanescente do preço em falta, absolvendo-os em consequência, do pedido reconvencional. Inconformados, os Réus pedem revista. E concluem assim a sua alegação: Contra alegaram os Autores em defesa do julgado, concluindo, desde logo, pela impossibilidade deste Supremo Tribunal sindicar a matéria de facto fixada pela 2.ª instância. Mais disseram ainda que: A Relação, após ter alterado a decisão da 1.ª instância, considerou definitivamente assentes os seguintes factos: Foram colhidos os vistos. Conhecendo,
Em primeira linha, os recorrentes insurgem-se contra a alteração da matéria de facto pela Relação, quanto às respostas aos quesitos 41, 42, 43 e 44. Sem razão, porém. Cumpre às instâncias apurar a matéria de facto relevante para a solução do litígio, só a Relação podendo emitir um juízo de censura sobre o apurado pela 1.ª instância. O Supremo Tribunal de Justiça, e salvo situações de excepção legalmente previstas, só conhece matéria de direito, sendo que, no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação fixou os factos materiais só é sindicável se foi aceite um facto sem produção do tipo de prova para tal legalmente imposto, ou se tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória certos meios de prova (artigo 722.º, n.º 2 do Código de Processo Civil) podendo, no limite, mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto (artigo 729.º, n.º 3). À Relação cabe, assim, a última palavra, só a esta instância competindo censurar as respostas ao questionário ou anular a decisão proferida na 1.ª instância, através do exercício dos poderes conferidos pelos n.ºs 1 e 4 do artigo 712.º do diploma citado. Em consequência, o tribunal de revista limita-se a aplicar os factos definitivamente fixados pelo tribunal recorrido, o regime jurídico adequado – cf. o artigo 26.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2005 – 05B2682, de 18 de Abril de 2006 – 06 A871, e de 18 de Maio de 2006 – 06 A1248. A Relação fez uso da faculdade do n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, sendo a validade intrínseca do uso desse poder insindicável, como resulta do n.º 6 daquele preceito (na redacção do Decreto-Lei n.º 375-A/99, de 20 de Setembro). O Supremo Tribunal nunca poderia, pois, sindicar a alteração em si mas apenas a legalidade da mesma, apurando se a Relação podia alterar as respostas sem subverter os princípios do direito probatório. É que só essa averiguação, por se prender com a aplicação de normas jurídicas, é matéria de direito, tal como o é quando (e nos termos acima referidos) o STJ lança mão da faculdade do n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil pois, então, apenas censura tacitamente o não uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão de facto, ao entender que a mesma deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito ou que ocorrem contradições naquela decisão que inviabilizam o julgamento jurídico do pleito. Mas tal não acontece “in casu” pelo que fica a valer a regra do n.º 2 do mesmo artigo 729.º, quedando intocada a factualidade provada, pois, e insiste-se, o eventual erro na apreciação das provas, isto é, a decisão da matéria de facto baseada nos meios de prova produzidos e de livre apreciação do julgador, não cabe no âmbito do recurso de revista. Apenas e “ex abundantia” se dirá que a referência a uma eventual transacção “abortada” irreleva para afastar as conclusões ora alcançadas. 2- Ónus da prova 2.1 De seguida, os recorrentes defendem cumprir aos Autores a prova de que os defeitos encontrados na obra são imputáveis à actuação do Réu/marido. Na sua contra alegação os recorridos insistem cumprir aos recorrentes a demonstração que os defeitos encontrados não eram da sua responsabilidade. Conhecendo, Estamos perante um contrato de empreitada nos precisos termos documentados a fls. 16 a 17/U, do qual faz parte integrante um caderno de encargos (“Anexo A”) resultando da cláusula terceira os trabalhos parcelares que o empreiteiro – ora recorrente – teria de efectuar (telhado; assentamento de pedra – granito; trabalhos de pedreiro; trabalhos de “trolha”; colocação de azulejos e tijoleiras; conclusão da obra). Do elenco dos factos provados resulta terem sido verificadas as deficiências/defeitos dos n.ºs 14 a 24, sendo que o Acórdão recorrido condenou o Réu a proceder à respectiva reparação (à excepção do nº 22). Certo é que, tratando-se de responsabilidade contratual, há presunção legal de culpa do contraente faltoso, nos termos do n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil. Daí que o demandante, ao beneficiar dessa presunção ”juris tantum” não tenha que provar os factos conducentes à demonstração daquele nexo de imputação subjectiva, “ex vi” do n.º 1 do artigo 350.º do mesmo diploma, invertendo-se outrossim, o “ónus probandi” - n.º 1, 1.ª parte, do artigo 344.º (cf. Prof. Vaz Serra, “Provas”, BMJ, 112-128 e ss.). Porém, tal não bastaria para concluir pela responsabilidade do empreiteiro. É que, o demandante terá sempre de demonstrar os outros pressupostos daquele tipo de responsabilidade: violação contratual, dano (ou prejuízo) e nexo causal, assim e nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil. Trata-se da aplicação do princípio “actor incumbit probatio; reus in exipiendo fit actor”. O ónus da prova recai, assim, sobre ambos os litigantes, devendo o autor provar os factos constitutivos do direito que alega ter, sendo que o réu terá de provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que aquele invoca. Não se trata de repartir o encargo da prova em atenção à qualidade do facto probando mas à posição na lide daquele que o invoca, sempre ressalvando (e no que ora releva) o citado disposto no n.º 1 do artigo 344.º da lei civil. (cf. Prof. Vaz Serra, “Provas”, BMJ 112-269/270). 2.2 Fora de dúvida que os Autores fizeram a prova do dano, e da violação contratual. Restaria para completar o elenco dos pressupostos da responsabilidade contratual, a demonstração do nexo causal entre a culpa (como nexo de imputação subjectiva) e o dano obrigacional (contratual ou negocial), isto é, que o incumprimento do contratado constituiu causa do dano, o qual terá de se apresentar como resultado directo e actual daquele. A Relação deu por assente essa causalidade e os termos em que o fez impedem a sua sindicabilidade por este Supremo Tribunal. 3- Nexo de causalidade A causalidade é de apreciar em duas perspectivas. A naturalística, ou seja, no averiguar se o processo sequencial foi, ou não, factor desencadeador, ou gerador do dano. Trata-se de apurar uma mera relação de causa-efeito, ou seja, no percurso do “iter” causal-naturalistico verificar se a conduta do lesante foi desencadeadora do resultado lesivo. Esta perspectiva naturalística insere-se num plano puramente factual (cf., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 1998, P.º 660/98-2.ª; de 11 de Junho de 2002 – P.º 1810/02, 2.ª; e, desta Conferência, os Acórdãos de 13 de Março de 2008 – 08 A369; e de 17 de Junho de 2008 – 08 A1700). E a (causalidade) legal, resultando da pura aplicação dos princípios do artigo 563.º do Código Civil (cf. Prof. Pereira Coelho, “O nexo de causalidade na responsabilidade civil”, in “Revista de Direito e Estudos Sociais”, VI, 1, 2, 3, 113 e ss, e “A causalidade na responsabilidade civil em direito português”, cit., “R.D Estudos Sociais”, XII, 3, 39 e ss, e 4, 1 ss) que consagra a teoria da causalidade adequada afirmando “uma ligação positiva, em termos de juízo de probabilidade entre o facto jurídico e o dano.” (Prof. Pessoa Jorge, in “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, 413 e nota 374 a citar o Prof. Vaz Serra – BMJ – 100-127, nota 269). Ora o nexo de causalidade que a Relação deu por verificado implicou a formulação de um juízo naturalístico que, como acima se referiu, integra pura matéria de facto. Por isso, o Supremo Tribunal de Justiça não o pode sindicar, de acordo com o conjugado nos artigos 29.º da LOFTJ e 729.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Restar-lhe-ia – por esta parte ser matéria de direito, já que respeita à interpretação e aplicação de norma jurídica – verificar da sua correcta inserção nos princípios do citado artigo 563.º do Código Civil. Isto é, só se a Relação considerou verificado o nexo factual é que cumpre ao Supremo Tribunal de Justiça apurar o nexo legal de adequação. A propósito, disse-se no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 2006, deste Colectivo: “In casu”, tendo, e como se disse, a Relação considerado provado o nexo naturalístico e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça sindicar essa verificação, restaria apurar a não verificação do nexo legal por não enquadramento nos princípios do artigo 563.º do Código Civil. Ora, não resulta que o apuramento daquele primeiro nexo tenha sido feito à revelia (ou contrariando) o imperativo legal. Daí que se não censure o juízo de facto alcançado pelo Tribunal recorrido. Improcedem, assim, as conclusões dos recorrentes valendo quanto ao, eventualmente, omisso – e quanto ao pedido reconvencional – as razões constantes do Acórdão em crise que, aqui, se acolhem. 4- Conclusões Pode concluir-se que: a) São as instâncias que procedem ao apuramento da matéria de facto relevante para a solução do litígio, só a Relação podendo emitir um juízo de censura sobre o apurado na 1.ª instância. b) O Supremo Tribunal de Justiça, e salvo situações de excepção legalmente previstas, só conhece matéria de direito, sendo que, no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação fixou os factos materiais só é sindicável se foi aceite um facto sem produção do tipo de prova para tal legalmente imposto ou tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova. c) De acordo com as regras do artigo 342.º do Código Civil o ónus da prova recai sobre ambos os litigantes, devendo o autor provar os factos constitutivos do direito que alega, sendo que o réu terá de provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que aquele invoca. d) Mas beneficiando o autor de uma presunção legal, não tem que provar os factos que a ela conduzem, invertendo-se quanto a esses factos, se constitutivos do direito do demandante, o encargo da não prova para a contraparte “ex vi” do n.º 1 do artigo 344.º do Código Civil. e) Na responsabilidade contratual há uma presunção legal “tantum juris” da culpa do contraente faltoso, mas é sobre o contraente cumpridor que recai o ónus da prova dos restantes pressupostos: violação contratual, dano e nexo causal. f) O juízo de causalidade numa perspectiva meramente naturalística de apuramento da relação causa-efeito, insere-se no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 729.°, n.° 1 e 722.º , n.°2 do Código de Processo Civil. g) Assente esse nexo naturalístico, pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade, o que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.° do Código Civil. h) O artigo 563.º do Código Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele , que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias. i) De acordo com essa doutrina, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis. Nos termos expostos, acordam negar a revista. Custas a cargo dos recorrentes. Supremo Tribunal de Justiça, 2 de Novembro de 2010 Sebastião Póvoas (Relator) Moreira Alves Alves Velho |