Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1530/18.3T8FNC.L2.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE
DUPLA CONFORME
PRESSUPOSTOS
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
Data do Acordão: 06/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Verifica-se a restrição legal da dupla conforme se, as instâncias convergem na fundamentação essencial de direito, rectius, na impugnação dos factos justificados na escritura de justificação notarial e incidente sobre o prédio, e no reconhecimento da aquisição da Autora por usucapião da respetiva propriedade.

II. Não consubstancia “fundamentação essencialmente diferente”, sendo o único e particular elemento em que não coincidiram, respeitante a aspecto marginal ao objecto fulcral do pleito e, à motivação da sentença e do acórdão recorrido, afigura-se juridicamente irrelevante para alcançar a procedência da posição da sustentada pela recorrente.

Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. BB instaurou acção declarativa condenatória contra, AA, CC, DD, EE, FF (entretanto, falecido e substituído na lide por EE e GG) e HH, pedindo:

a) reconhecimento de haver adquirido, por usucapião, o direito de propriedade incidente sobre o prédio misto inscrito na matriz, a parte urbana sob o artigo .79 e a parte rústica sob o artigo 36 da Secção HH, freguesia de ..., concelho de ... e descrito na competente Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.° ..48/...0...60622, com a área total de 960 metros quadrados, sito na Estrada..., ... ..., condenando-se os Réus a reconhecê-la como legítima proprietária do prédio e a absterem-se de, por qualquer forma, perturbar o seu direito;

b) a ineficácia da escritura de justificação celebrada pelos Réus e incidente sobre aquele prédio, bem como o cancelamento da respectiva inscrição no registo predial.

Para o efeito, alegaram em suma, que o prédio lhe foi doado, verbalmente, em Maio de 1991, por II, sua proprietária e que, desde então, sempre utilizou e fruiu do mesmo (por si, com seus filhos e marido) na convicção de que lhe pertencia em exclusivo, de forma pública, pacífica e contínua, sem que qualquer pessoa a isso se opusesse, até que, em Novembro de 2017, os Réus lhe comunicaram que II lhe deixara o prédio em testamento, e o qual registaram a seu favor, após celebração de escritura de justificação notarial.

Os Réus contestaram, pugnando pela improcedência da acção.

Em síntese, impugnaram a invocada doação verbal do prédio a favor da Autora, alegando que utilizaram a escritura de justificação notarial para legalizar a vontade expressa em testamento por II, na medida em que, por força do falecimento de JJ (a quem havia comprado verbalmente a quota que lhe cabia no imóvel), não possuíam título bastante para o registo do prédio.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo- "Nestes termos, e de acordo com o exposto e de harmonia com o disposto nos preceitos legais supra citados, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se: a. Declarar-se impugnados, para todos os efeitos legais, os factos justificados na escritura celebrada pelos Réus, no Cartório Notarial ..., a 30 de Março de 2000; b. Declarar-se ineficaz e de nenhum efeito, a escritura de justificação notarial referida em a.; c. Ordenar-se o cancelamento de todas as descrições e registos operados com base na escritura de justificação referida em a. ;d. Reconhecer a divisão material em duas parcelas autónomas do prédio rústico sito ao ..., ..., com a área total registada de 960 metros quadrados, sito à Estrada ..., composto por parcela de cultura arvense de regadio e por casa de habitação, inscrito na matriz rústica sob o artigo 36, da secção "HH" e na matriz urbana sob o artigo .79, da freguesia do ...; e. Reconhecer a aquisição, por parte da Autora, por referência ao ano de 1991, da propriedade da parcela número 1 do prédio descrito em G., correspondente ao prédio urbano inscrito sob o artigo matricial .79, afecto a habitação, sito à Estrada ..., com a área total de 290 metros quadrados, dos quais 55,9550 se referem a área de implantação do edifício; f. Condenar os Réus a reconhecer à Autora o direito de propriedade sobre o prédio referido em e.; g. Absolver os Réus do remanescente do pedido contra si efetuado; Custas por Autora e Réus.”

2. Inconformada em parte, a Autora apelou e, pugnou, em síntese, pela revogação parcial da sentença, no segmento decisório que considerou a autonomia das parcelas urbana e rústica que compõem o prédio em causa e que a Autora adquirira por usucapião apenas a parte urbana do referido prédio misto.

A Ré CC contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso, em razão da invalidade da doação do prédio e a falta dos pressupostos para a aquisição do mesmo pela Autora por via da usucapião.

Em recurso autónomo, a Ré sustentou, porém, a revogação da sentença, alicerçada nos sobreditos fundamentos da invalidade da doação.


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3. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão proferido em 17/11/2022, decidiu : “ Pelo exposto, acordam em julgar a apelação da A procedente e a da R improcedente, nestes termos: A)— Reconhecer a aquisição, por parte da Autora, por referência ao ano de 1991, da propriedade do prédio identificado na alínea I) correspondente ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... Sob o número ..48/...0...60622, sito ao ..., ..., com área total registada de 960 metros quadrados, composto por cultura arvense de regadio e por casa de habitação, inscrito na matriz urbana sob o artigo .79 e na matriz rústica sob o artigo 36, da secção "HH", a confrontar a Norte com KK e DD, a Sul com Vereda, Leste e Oeste com a Estrada Regional; B) Declarar-se impugnados, para todos os efeitos legais, os factos justificados na escritura celebrada pelos Réus, no Cartório Notarial ..., a 30 de Março de 2006;C). Declarar-se ineficaz e de nenhum efeito, a escritura de justificação notarial referida em B.; D- Ordenar-se o cancelamento de todas as descrições e registos operados com base na escritura de justificação referida em B.; E. Condenar os Réus a reconhecer à Autora o direito de propriedade sobre o prédio referido em A; Custas pelos RR.”.

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4. Inconformada, a Ré interpôs recurso de revista.

As suas alegações finalizam com as conclusões seguintes:

« 1. A decisão recorrida foi proferida contra os factos provados, na medida em que se provou que a autora BB foi residir com a II (dona do prédio) para lhe fazer companhia e prestar os necessários cuidados, em troca de casa e comida, pelo que a posse daquela era em nome e por conta de outrem, (artº 1253º do CC) e o tribunal reconheceu à autora a aquisição de propriedade imóvel por usucapião, como se esta possuísse o prédio em nome próprio. 2. E é facto provado que a II agiu sobre o prédio, e até morrer, como se o mesmo lhe pertencesse, e sem oposição de quem quer que fosse, (facto provado em U) pelo que o tribunal não podia reconhecer e decidir a aquisição de coisa imóvel por usucapião - por parte da autora, uma vez que, para essa aquisição a lei exige posse em nome próprio, que não existe e colide com os factos provados em “R”, “S”, “U” e “W”. 3. A II morreu com testamento a favor das sobrinhas e não teria celebrado tal testamento se em vida tivesse doado à autora todo o seu património, uma vez que dos autos não resulta que a Bela possuísse outros bens. 4. E dada a não conclusão da doação datada de 1991, por falta da forma exigida por lei, gerou-se o vicio da invalidade e não se deu a transmissão da posse, por mero efeito do contrato, pelo que a autora a partir de 1991 não poderia passar a possuir o prédio em nome próprio.

5. E a autora, para passar a possuir o prédio em nome próprio, teria de inverter, e não inverteu, o título da posse, uma vez que não alegou, nem provou factos concretos para esse efeito. 6. E o facto provado em “U”, no sentido de a II ter agido sempre e até morrer, como se a casa lhe pertencesse, e ter feito testamento a favor das sobrinhas, como se não tivesse doado o prédio à autora, bem demonstra que não se deu a transmissão da posse, nem pela forma, nem pelo conteúdo do contrato, nem mesmo se deu a inversão do título da posse em consequência da doação verbal. 7. A prática de actos materiais por parte da autora e sobre o prédio em causa não corresponde ao exercício de direito próprio de propriedade, por tal prática ser em nome e por conta da II, e não faculta, a ela autora, a aquisição do imóvel por usucapião, pois, só a II possui o prédio em nome próprio e só ela Bela pode beneficiar dessa aquisição. 8. Ao decidir, como decidiu, o douto Acórdão recorrido violou, pelo menos, o artº 408º, nº 1, artº 1252º, artº 1253º e artº 1287º, todos do CC, uma vez que a autora BB foi mera detentora, e exerceu poder de facto sobre o imóvel, mas em nome e por conta de outrem, e sem intenção de agir como beneficiária do direito. Termos em que o presente recurso deve merecer provimento e consequentemente a acção julgada não provada e improcedente, com todas as consequências legais.»


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A Autora contra-alegou, invocando a inadmissibilidade da revista por ocorrer dupla conforme e, sem conceder, a improcedência integral do recurso da Ré.

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5. Em sede de exame preliminar, prefigurando-se a inadmissibilidade de ambos os recursos, notificados os recorrentes, preservaram na respetiva admissão. No âmbito da competência prevista no artigo 652.º, al. b), do CPC, por decisão da relatora datada de 24.04.2024, não foi admitida a revista.

6. A recorrente pede que a Conferência se pronuncie, para o que aduziu a seguinte motivação:

«1.O artº 671º, nº 3 do CPC é claro no sentido de que “não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, salvo nos casos previstos no art° seguinte”.

2. Está fora de causa a aplicação do “art.º seguinte” que respeita à revista excepcional.

3. Temos, pois, de analisar a questão exclusivamente no estrito âmbito referido no nº 3, do artº 671º do CPC.

4. Todavia, independentemente de opiniões, doutrina e jurisprudência diversas e divergentes, apelamos para os princípios elementares do Direito e, em particular, do enquadramento constitucional do acesso à justiça consagrado no artº 20 da CRP.

5. É o mesmo que dizer que não são consentidas interpretações e aplicações da lei que arrisquem uma desconformidade com a Constituição e com o seu espírito.

6. Aliás, podemos adiantar que a posição assumida no Tribunal da Relação pelo Exmº Srº Drº Juiz Desembargador Relator que não hesitou em admitir o recurso em causa, está, sem qualquer margem para dúvida, identificada com os princípios do direito processual, no sentido de maior amplitude da admissão dos recursos, mas também com os princípios constitucionais do Acesso ao Direito e à Justiça.

7. Aliás, está, naturalmente implícita a ideia de “duplo conforme”, essencialmente, e em primeira linha, o sentido decisório de cada despacho ou sentença.

8. Deve, aliás, partir-se para a segunda parte da análise do “duplo conforme”, ou seja, “sem fundamentação essencialmente diferente” depois de confirmado a integral sentido e extensão decisória adoptadas em cada situação concreta.

9. Dito de outra forma: - sem a primeira premissa, ou seja, que a Relação confirmou, “in integrum”, a decisão proferida na 1ª instância, não vale a pena indagar da segunda exigência ou requisito, ou seja, não ocorrer fundamentação essencialmente diferente da adoptada na primeira instância.

10. No presente caso, não se verifica o primeiro e essencial requisito do “duplo conforme”, pela razão simples de que a 1ª instância reconheceu a divisão material, em duas parcelas autónomas do prédio rústico em causa, e reconheceu, por parte da autora, apenas e tão só a aquisição duma dessas parcelas (prédio descrito em G), correspondente ao prédio urbano.

11. E o Venerando Tribunal da Relação, por sua vez, entendeu de forma diferente, não dividiu o prédio em duas parcelas autónomas, e reconheceu à mesma autora a aquisição por usucapião da totalidade do prédio em causa, incluindo assim, tanto a parte urbana como a parte rústica que a 1ª instância havia excluído.

12. Por assim ser, não se pode dizer que o Tribunal da Relação se limitou a confirmar a decisão da 1ª instância, já que, como se referiu essa confirmação foi meramente parcial.

13.V. neste sentido o Acórdão do STJ 7/7/2022 cujo sumário se transcreveu e aqui se dá por reproduzido no requerimento que se apresentou em cumprimento do douto despacho de V. Exªde 10/05/2022 referência ...).

14. Sucede ainda que o direito de recurso é, ele próprio, tido e considerado Direito Fundamental, conforme aliás, sustenta o Prof. Jorge Miranda nos seguintes termos: “O princípio pro actione, que decorre do direito a uma tutela judicial efectiva consagrado no artigo 20º da Constituição, impõe que seja dada prioridade à apreciação do fundo da causa, obstando a que simples obstáculos formais sejam transformados em pretextos para recusar uma resposta efectiva à pretensão formulada. A ideia de favor actionis, outros sim, para atenuação da natureza rígida e absoluta das regras processuais (consultar anotação do artº 20º)”.

15. E ainda o Prof. Jorge Miranda acrescenta o seguinte: “O direito de recurso – à semelhança, aliás, do direito de reclamação do despacho que não admita o recurso – constitui, inclusivamente, em coerência com a relevância dos direitos processuais no sistema de direito fundamentais consagrado constitucionalmente, um direito fundamental” (Jorge Miranda, Manual, VI, 2ª Ed. pág. 204)

16. Daqui se conclui que, em matéria da admissibilidade dos recursos, não são permitidas interpretações restritivas, e, bem pelo contrário, a Constituição da República aponta para o princípio da maior admissibilidade dos Recursos, o que se não compadece, com o devido respeito, com a posição do douto despacho sobre o qual se requer, agora, que recaia Acórdão da Conferência.

17. Acresce que, estão em causa questões da maior relevância, como seja o direito de propriedade e o direito à habitação, que têm consagração constitucional, e, consequentemente, sempre se justifica a admissão do recurso em causa.»


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II. Fundamentação

A. Factos

A factualidade e incidências processuais que importam à decisão da reclamação constam do relatório.

B. Do mérito da Reclamação

Os fundamentos da rejeição do recurso de revista foram analisados e considerados no despacho da relatora, não tendo a reclamante rebatido qualquer um deles, invocando, outrossim, razões marginais do seu inconformismo, sem que tenha logrado um convencimento do tribunal em sentido diverso da decisão singular proferida.

Nesse conspecto, em razão da economia de actos, conforme Jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal em situações análogas, circunscreve-se a apreciação da reclamação em conformidade com a decisão singular pretérita que vai transcrita:

«A análise dos autos surpreende uma típica acção declarativa de aquisição do direito de propriedade sobre imóvel por usucapião; este foi o pedido da Autora, e contra o qual os Réus opuseram a eficácia da sua aquisição do direito de propriedade sobre o mesmo imóvel através de escritura de justificação notarial, conforme quadro factual enunciado na sentença e o acórdão recorrido.

O tribunal de 1ª instância, acolheu a pretensão da Autora, embora com a restrição do da aquisição do direito de propriedade sobre a parte urbana do prédio misto.

A Ré, em resposta e nas suas alegações de recurso, não questiona essa dimensão bipartida do prédio, reclamando, outrossim, que dos factos provados não pode o tribunal julgar procedente a aquisição por usucapião da propriedade do imóvel.

A segunda instância contemplou a insurgência da Autora, e decidiu que não ocorrendo motivo para a autonomização, a aquisição por usucapião do direito de propriedade daquela reporta ao prédio -imóvel, conforme descrição no registo predial, e indicada na petição inicial.

O recurso da Ré foi julgado improcedente.

Em decorrência, temos que, ambos os julgados coincidem no core do pedido e causa de pedir da acção, rectius, a impugnação dos factos justificados na escritura de justificação notarial celebrada pelos Réus e incidente sobre o prédio em causa, e reconhecimento da aquisição por usucapião da Autora, por referência ao ano de 1991, da propriedade do prédio, sendo na sentença quanto à casa edificada -parte urbana, e o acórdão recorrido sobre a totalidade.

Nas duas decisões, constata-se que, em convergência na fundamentação essencial de direito, julgou-se improcedente a oposição dos Réus, em ordem à eficácia da aquisição do invocado direito de propriedade por usucapião sobre o mesmo prédio, e também, unânimes na condenação dos Réus a reconhecerem à Autora o direito de propriedade sobre o prédio.

O único e particular elemento em que as instâncias não coincidiram, diz respeito em exclusivo à pretensão da Autora, de aquisição do direito de propriedade sobre o prédio na sua integral descrição predial constante da petição inicial e dos factos assentes, acolhida pela Relação.

Semelhante aspecto, marginal ao objecto fulcral do pleito e, à motivação essencial da sentença e do acórdão recorrido, além de não vir posto em causa pela Ré nos seus articulados, na apelação ou na revista, afigura-se juridicamente irrelevante para alcançar a procedência da posição da sustentada pela recorrente.

Obiter dictum, em paridade, não divisamos qual o interesse jacente em agir da Ré recorrente, perante o resultado declarado na 1ª instância, e confirmação plena no acórdão recorrido, da aquisição do direito de propriedade pela Autora sobre o prédio objecto da referida justificação notarial a seu favor, cuja declaração de ineficácia de igual alcançou confirmação plena.

Rui Pinto aborda o tópico na matéria na restrição da dupla conforme, afirmando que “(…) se trata de impedir o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça pela parte que carece de interesse processual para tal, em razão de o julgamento da sua pretensão estar consolidado com a prolação do acórdão da Relação, julgando de apelação (cf. artigo 644.º) ou de reclamação (cf. artigo 643.º). Não carece de mais tutela jurisdicional a parte que viu a sua pretensão ser julgada de modo idêntico por dois tribunais – por uma primeira instância e por uma Relação. Portanto, apesar de, por estar vencida pela segunda decisão, o recorrente apresentar legitimidade recursória (cf. artigo 631.º), ele não apresenta necessidade recursória. Em consequência, no plano orgânico, racionaliza-se o acesso ao Supremo, mais reservado para as funções de orientação e uniformização de jurisprudência.”

Em conclusão.

Posto que, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, que ao caso não cabe, não é admitida revista (normal) do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância- artigo 671.º, n.º 3, do CPC- ocorrendo o obstáculo da dupla conforme, não se admite a revista.»

Ainda assim, a reclamante preconiza a admissão da revista com apelo ao artigo 20º da Constituição da República Portuguesa e ao direito ao recurso, que implicam algumas breves notas quanto à pretensa questão de constitucionalidade. 1

Com efeito, não lobrigamos que a rejeição do recurso de revista no caso afronte a tutela consagrada no artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa- isto é o direito ao acesso ao direito e do direito de acesso aos tribunais, que aliás a recorrente e ora reclamante, exerceu em pleno, vendo a sua causa discutida e apreciado em duas instâncias jurisdicionais.2

A garantia judiciária ali prevista consiste no direito de recurso a um Tribunal e de obter dele uma decisão jurídica sobre a questão colocada, qual seja o Tribunal a que se tem direito dependerá dos preceitos constitucionais e legais que regem a repartição da competência jurisdicional.3

A Constituição não contém previsão que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil.

O Tribunal Constitucional tem entendido, invariavelmente, que o direito ao recurso é “restringível pelo legislador ordinário”, estando-lhe apenas “vedada a abolição completa ou afetação substancial (entendida como redução intolerável ou arbitrária)” deste, sendo que o texto constitucional “não garante, genericamente, o direito a um segundo grau de jurisdição e muito menos a um terceiro grau”4

O Tribunal Constitucional vem assumindo invariavelmente que a Constituição não impõe que o direito de acesso aos tribunais, em matéria cível, comporte um triplo ou, sequer, um duplo grau de jurisdição, apenas estando vedado ao legislador ordinário uma redução intolerável ou arbitrária do conteúdo do direito ao recurso de atos jurisdicionais, manifestamente inexistente nas normas do Código de Processo Civil relativas aos requisitos de admissibilidade do recurso de revista.5

Conclui-se, portanto, que não se verifica qualquer violação do artigo 20.º, nº1, da CRP.

III. Pelas razoes expostas, acorda-se em indeferir a reclamação, confirmando-se a decisão reclamada de rejeição do recurso de revista.

Custas do incidente a cargo da recorrente e reclamante, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça.

Lisboa, 18.06.2024

Isabel Salgado (relatora)

Ana Paula Lobo

Maria da Graça Trigo

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1. Observe-se que a fiscalização da constitucionalidade atribuída ao Tribunal Constitucional Português, é uma fiscalização de normas e não de decisões, e no caso, o que se invoca não é que a decisão de rejeição da revista seja ela própria violadora de direitos fundamentais.

2. O artigo 20º, nº 1, da Constituição assegura a todos «o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos».

3. cfr” - Ac. n.º do Ac. n.º 930/96 do TC, de 21.05.1996: DR, II, de 7.12.1996, págs. 16977 e seguintes)” e Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP anotada, 3ª edição, pág.164.

4. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP anotada, 3ª edição, pág.164.