Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05A3757
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERNANDES MAGALHÃES
Descritores: ARRENDAMENTO
CADUCIDADE
RESTITUIÇÃO DE IMÓVEL
RECUSA
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ200601240037576
Data do Acordão: 01/24/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 2144/05
Data: 05/30/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Sumário : 1 - A razão de ser da norma do art.º 1045º C. Civil é a de que extinto o contrato continua, apesar de tudo, a renda a ser o referencial de equilíbrio entre as prestações da relação de liquidação.
2 - E isso com base na ideia de que a renda, tendo resultado da auto-regulação das partes representa, em regra, o justo valor do lucro cessante derivado da indisponibilidade da coisa locada.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"A" e marido B intentou acção ordinária contra C e marido D pedindo a condenação destes a pagarem-lhe a quantia de 12.617.074$00 e juros legais desde a citação até integral pagamento.
O processo correu termos com contestação dos R.R., vindo, após audiência de julgamento, a ser proferida sentença a condenar aqueles a pagar aos autores a titulo do invocado enriquecimento sem causa (art.º 473 e seg? C. Civil) a quantia de 11.177.074$00 (€ 55.751.01) e juros legais desde a citação até integral pagamento.
Inconformados com tal decisão dela interpuseram os Réus recurso de apelação, sem êxito, recorrendo agora de revista.
Formulam nas suas alegações as seguintes conclusões:
a) Nas acções de enriquecimento sem causa, cabe ao A . o ónus de alegar e provar os factos de onde emerge o seu direito, o empobrecimento e o valor deste.

b) no caso de ocupação do arrendado após a caducidade do contrato de arrendamento por morte do usufrutuário, o empobrecido terá de alegar e provar o valor do imóvel, a sua capacidade locatícia, a procura de interessados e a respectiva oferta., determinante para o cômputo do empobrecimento.

c) A prova do contrato de arrendamento é efectuado por escritura publica junta aos autos, não sendo admissível outro meio de prova.

d) Provado o contrato por escritura, nenhuma prova de outra natureza prova o seu conteúdo, não podendo a prova pericial provar o arrendamento sobre um anexo com logradouro.

e) A aceitação pelo Tribunal recorrido deste meio de prova para o efeito, constitui uma nulidade processual com violação do art° 364° do CC. e com as consequências do art° 668° n.° 1 alínea d) do CPC.

f) O Prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa, corre no prazo de três anos a contar da data do conhecimento desse direito.

g) O proprietário de raiz reúne a propriedade plena com a morte do usufrutuário, sendo este o momento a partir do qual tem conhecimento dos seus direitos, contando-se desta data, o prazo de prescrição para intentar a respectiva acção .

h) a alteração da matéria de facto por forçado art° 712° do CPC, não decorre apenas da gravação da audiência, mas desde que tenha havido preterição das formalidades legais na produção de prova , constem dos autos e se os elementos fornecidos nos autos, impuserem decisão diversa.

i) constando dos autos, a escritura de arrendamento e trespasse relativa ao rés-do-chão e estabelecimento, não se prova que o anexo com logradouro faz parte do contrato por prova pericial.

j) Pode e deve ser alterada a matéria de facto, de acordo com o referido normativo.

1) A aceitação de provas processuais legalmente inadmissíveis, permitindo a resposta positiva a factos que só poderiam ser provados por escritura publica, conhecendo assim de factos que não podia conhecer, constitui uma nulidade processual, que determina a nulidade do acórdão, por força art° 668° n.° 1 alínea d) CPC.

m) Não poderia ser objecto de conhecimento o pedido de enriquecimento dos AA. nesta acção, sendo essa a acção própria, conforme consta no art° 474°- perante a natureza subsidiária da obrigação.

n) sempre que haja sido efectuado o pedido de declaração de nulidade de determinado negócio jurídico, ou a caducidade do contrato, impõe-se nessa acção a restituição do que houver sido indevidamente recebido, para evitar o locuplemento à custa alheia.

o) O Julgador, na determinação do computo indemnizatório não está sujeito à prova pericial, que pode apreciar livremente, devendo julgar o montante segundo os princípios de Justiça e Equidade.

p) O douto acórdão recorrido, violou o disposto nos art°s 473°, 4740, 482°, 362°, 364°, do C Civil e ainda os art°s 668° n.° 1 alínea d) e 712° n.° 1 alínea a) Ia parte e alínea b) .
Corridos os vistos, cumpre decidir.
É a seguinte a matéria de facto provada:
A) Por escritura pública de 7-04-1955, do 2°. Cartório Notarial de Vila do Conde, exarada de fls. 72 v. a 74 v., do livro 2-B, E doou ao autor, entre mais, e reservando para ele o usufruto vitalício, um prédio, actualmente com a seguinte descrição: casa de habitação, de rés do chão e andar, com anexo e quintal, a confrontar do norte com F, do sul e nascente com G e do poente com caminho público, sita no lugar de Salvada, freguesia de Aver-o-mar, concelho da Póvoa e Varzim, inscrita na matriz urbana respectiva sob o artigo 923, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 16724, a fls. 33 v., do livro B-42, conforme documento junto aos autos a fls. 5 segs. e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
B) Por escritura de 27-12-1976, do 1º, Cartório Notarial da Póvoa de Varzim, exarada de fls. 3 a 6, do livro 72-B, o referido E declarou trespassar o estabelecimento comercial de mercearia, vinhos e miudezas instalado no rés de chão de um prédio urbano àquele pertencente, situado no lugar da Salvada, na freguesia de Aver-o-mar, descrito na conservatória do registo predial sob o n.° 16724, pelo preço de 20.000$00, que declarou já ter recebido, com todos os elementos que o constituem, incluindo o direito à inscrição no respectivo grémio ou associação de classe, tendo, por sua vez, o réu declarado aceitar o referido contrato.
C) Pela mesma escritura aludida em E), o referido E declarou dar de arrendamento ao réu o rés do chão do prédio também ali referido, para exercício do comércio de mercearia, vinhos e miudezas, pelo prazo de um ano, com início em 1-01-1977, pela renda mensal de 150$00, que nunca se alterou, conforme documento junto aos autos a fls. 8 e segs. e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
D) O referido E faleceu em 4-12-1993.
E) Os réus recusaram-se a desocupar o arrendado, o que levou os autores a mover contra os réus um processo judicial, inicialmente sob a acção sumária n.° 87/97, da 4ª secção, do 2° Juízo, deste tribunal, posteriormente redistribuída, como acção ordinária, ao 3° Juízo, sob o n° 308/99, cujo pedido consistia na declaração de caducidade do referido contrato de arrendamento e consequente despejo do réus.
F) No processo aludido em E), por sentença de 20-11-2000, ulteriormente confirmada por acórdão da Relação do Porto, de 20.09.2001, já transitado, foi decidido que o contrato de arrendamento também ali aludido caducou por morte de usufrutuário, em 4.12.1993 e determinou o despejo dos réus do arrendado.
G) Os réus entregaram o locado aos autores, em 24.10.2001.
H) Em 18-05-1995 os réus depositaram na H o valor das rendas vencidas, relativas ao período de 101-1994 a 17-05-1995, em dívida, quando se convenceram que os autores iriam actuar judicialmente contra eles.
I) A partir da primeira data aludida em. H), e até que entregaram o locado, os réus foram depositando as rendas na H.
J) A partir de 1-01-1994 os autores sempre recusaram receber qualquer renda ou emitir qualquer recibo.
K) A ocupação pelos réus do locado referido em C), no período compreendido entre 5-12-1995 e 24-10-2001, foi efectuada contra a vontade dos autores.
L) Durante o período aludido em K) (05/12/1995 e 24/10/2001), os réus mantiveram o locado diariamente aberto ao público, dele retirando os respectivos proventos com a venda de vinho: mercearias e produtos alimentares.
M) Os réus conheciam a vontade dos autores em não renovar o acordo aludido em C).
N) Os réus deixaram de pagar as rendas.
O) O rés do chão ocupado pelos réus e referido em C), é composto por 5 divisões, com uma área coberta de 130 m2.
P) Do acordo aludido era C) também fazia parte um anexo, com 25 m2 logradouro, com a área de 350 m2.
Q) O rés do chão referido em C) está situado à face da estrada, a uma distância inferior a 50 metros da residência dos réus, em local de fácil acesso e movimentado a cerca de 350 metros da E.N. n° 13.
R) Em 4-12-1993 o valor do locado no respectivo mercado era de 120.000$00 mensais.
S) Os autores nunca solicitaram aos réus o aumento do valor da renda aludido em C), porque os réus sempre se comportaram como se fossem abandonar o locado.
Feita esta enumeração, e delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações dos recorrentes começaremos desde logo por acentuar que nos termos do art.º 729º C.P.C. nºs 1 e 2 este Supremo Tribunal aplica definitivamente factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue aplicável, não podendo a decisão do tribunal recorrido quanto à matéria de facto ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº2 do art.º 722º C.P.C..
Ora tal significa que o que nos é legalmente pedido é que examinemos a questão ou questões de direito julgadas pelo tribunal recorrido.
E, assim, faremos no caso "sub judice" pondo antes de tudo em destaque que aqui não se verifica o caso excepcional supra referido dada a índole do pedido formulado pelos autores contra os réus.
Como se sabe na base do instituto do enriquecimento sem causa encontra-se a ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se injustificadamente à custa alheia (art.º 473 nº1 C. Civil).
E, assim para que haja uma pretensão de enriquecimento, quer dizer, uma obrigação em que é devedor o enriquecido e credor aquele que suporta o enriquecimento, mostra-se indispensável a verificação cumulativa de três requisitos:
1 - A existência de um enriquecimento;
2 - Que esse enriquecimento se obtenha à custa de outrém;
3 - A falta de causa justificativa.
Ora no caso presente face à matéria provada pelo Tribunal da Relação no acórdão recorrido (e é com esta e só com esta que temos de decidir o objecto deste recurso, sendo de todo injustificado o alegado pelos recorrentes quanto à violação do art.º 364 C. Civil. e 668º nº1 d) C.P.Civ.) não há dúvidas de que tais requisitos se verificam.
Na verdade, como também salienta o Prof. Almeida Costa, Direito das Obrigações , 9ª edição, pág. 450, é, em primeiro lugar, indispensável que se produza um enriquecimento da pessoa obrigada à restituição.
Há-de traduzir-se numa melhoria da sua situação patrimonial, que se apura segundo as circunstâncias.
Ora aqui há o provado enriquecimento dos réus, que beneficiaram economicamente da utilização do rés do chão em questão, o qual não teve qualquer causa justificativa, já que havia sido decidido, por sentença transitada em julgado, que o contrato de arrendamento em causa caducou por morte do usufrutuário em 4-12-1993, não tendo, portanto, os Réus qualquer título que justificasse a sua permanência no imóvel.
E, finalmente, tal enriquecimento foi obtido à custa dos autores, proprietários do imóvel em causa, (continuando a possuir o imóvel os réus privaram os autores do mesmo, causando-lhes danos ressarcíveis).
Assenta isto há necessariamente lugar a uma indemnização a pagar pelos Réus aos Autores pelo atraso na restituição da coisa que foi locada por estes àqueles.
O tribunal de 1ª instância calculou essa indemnização na base do valor do locado no mercado, ou seja, de 120.000$00 mensais e com os factores de correcção anual das rendas comercial, com isso concordando o Tribunal da Relação no acórdão recorrido.
Cremos, contudo, que não é esse o valor a ter em conta para tal fim, mas sim o valor mensal da renda, ou seja, 150$00 mensais.
Na verdade, estabelece-se no nº1 do art.º 1045 C. Civil que:
Se a coisa locada não for restituída por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
Como se sabe a razão de ser desta norma é a de que extinto o contrato continua a renda, apesar de tudo, a ser o referencial de equilíbrio entre as prestações da relação de liquidação. E isso com base na ideia de que a renda, tendo resultado da auto-regulação das partes, representa, em regra, o justo valor do lucro cessante derivado da indisponibilidade da coisa locada. (v. o Acórdão deste Supremo Tribunal de 19/4/05, 6ª Secção, que também subscrevemos e Ac. T.C. de 24/11/99 - Proc. 954/98 - 2ª Sec.).
Resta agora decidir a questão posta pelos recorrentes da prescrição do direito dos autores, já que o mais são questões novas de que este Tribunal não pode conhecer.
Ora aqui carecem os recorrentes de razão já que, como se salienta no acórdão recorrido a presente acção foi instaurada em 17/12/2001 - logo no terceiro mês seguinte ao do reconhecimento por parte dos autores do direito que lhe competia decorrente da decisão judicial de caducidade do aludido arrendamento, sem ter decorrido, portanto, o prazo de três anos estabelecido para a prescrição no art.º 482 C. Civil.
Decisão
1 - Concede-se parcialmente a revista e revoga-se o acórdão recorrido na parte em que condena os Réus a pagar aos Autores aos Autores a quantia de 11.177.074$00 condenando-se os mesmos a pagar apenas a quantia de 12.300$00, mantendo-se o mais decidido naquele.
2 - Custas na proporção do vencido.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2006
Fernandes Magalhães
Azevedo Ramos
Silva Salazar