Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANTÓNIO LATAS | ||
Descritores: | RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO ABSOLVIÇÃO EM 1.ª INSTÂNCIA E CONDENAÇÃO NA RELAÇÃO ADMISSIBILIDADE DE RECURSO ESCOLHA DA PENA REENVIO DO PROCESSO | ||
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Data do Acordão: | 01/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
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Sumário : | I- O acórdão do Tribunal da Relação que, revogando decisão absolutória de 1ª instância, condene o arguido culpado da prática de crime que lhe vinha imputado, é compreendido pela exceção de recorribilidade consagrada na segunda parte da alínea e) do nº1 do artigo 400º CPP e não é abrangido pela causa de irrecorribilidade estabelecida na primeira parte da alínea c) do mesmo nº 1 do artigo 400º, pelo que é admissível o recurso daquele acórdão do TR para o STJ. II- Não obstante o teor aparentemente abrangente do seu dispositivo, o AFJ 4/2016 apenas impõe ao Tribunal da Relação que proceda à determinação da sanção ao revogar decisão absolutória de 1ª instância, quando dispuser dos factos necessários para essa mesma determinação da sanção. III- De acordo com o nosso modelo processual de determinação da sanção, em que sobressai a opção pela regra da cisão ou césure mitigada estabelecida nos artigos 369º a 371º para a determinação da sanção em 1ª instância, o tribunal de julgamento, quando absolva o arguido, passará de imediato à elaboração da sentença absolutória, que não conterá, assim, a enumeração de factos provados que apenas relevassem para efeitos de futura e eventual determinação da sanção, pois dos nºs 1 e 2 do artigo 369º resulta que o procedimento previsto para a determinação da sanção apenas terá lugar, “Se das deliberações e votações realizadas nos termos do artigo anterior [artigo 368º “Questão da culpabilidade”] resultar que ao arguido deve ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança…». IV- Assente que o AFJ 4/2016 não abrange as hipóteses de revogação de decisão absolutória que não tenha apurado os factos necessários para a determinação da sanção, por não ser tal hipótese abrangida pela oposição de julgados em que assentou a fixação de jurisprudência, não tem fundamento processual suficiente o posicionamento de cariz meramente doutrinário referido na fundamentação do AFJ nº 4/2016 ao apontar para que seja o Tribunal da Relação a apurar os factos necessários para a determinação da sanção quando a decisão absolutória de 1ª instância não apurou tais factos. V- O Código de processo penal não regula expressamente a hipótese em que o Tribunal da Relação decide revogar decisão absolutória de 1ª instância e considere o arguido culpado da prática de crime, mas em que a decisão recorrida de 1 ª instância não tenha apurado os factos necessários para a determinação da sanção, pelo que estamos perante lacuna a suprir nos termos do artigo 4º CPP. VI- À lacuna criada pelo regime do processo penal de determinação da sanção, deve aplicar-se por analogia o regime do reenvio do processo para novo julgamento previsto no artigo 426º C. Penal, pois a situação processual que se traduz na falta de factos essenciais para a decisão da causa (determinação da sanção) que foi criada supervenientemente com a substituição da decisão absolutória por decisão condenatória pelo tribunal de recurso, face ao disposto nos artigos 369º, 370º e 371º, todos do CPP, assemelha-se em tudo à situação de falta de factos essenciais para a decisão da causa motivada pelo vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no artigo 410º nº2 a), CPP, embora não se confunda com esta. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo NUIPC 2063/18.3T9ALM.L1 Recurso Penal Acorda-se em conferência na 5ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça I relatório 1. No Juízo Local Criminal de ..., J., foi proferida em 9/5/2022 sentença que absolveu o arguido, AA, da prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva p. e punível pelos arts. 187º, nºs 1 e 2, al. a), e 183º, nº 1, al. a), todos do Código Penal), pelo qual fora pronunciado em Instrução requerida pelo arguido na sequência de acusação particular deduzida pela assistente, Caixa Económica do Montepio Geral, S.A., e que o MP acompanhara. 2. Inconformada com a sentença absolutória, a assistente interpôs em 02.06.2022 recurso para o TRL pedindo a revogação e a consequente substituição da sentença absolutória por decisão que condene o recorrido pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de ofensa a pessoa coletiva (previsto e punível pelos arts. 187º, nºs 1 e 2, al. a), e 183º, nº 1, al. a), todos do Código Penal). 3. Por acórdão de 15.12.2022, o TRL proferiu, em recurso, a seguinte decisão: « (…) B - Julgar procedente o recurso apresentado pela assistente (Caixa Económica Montepio Geral, S.A.) e face à demais apreciação oficiosa: I – Aditar à factualidade provada (retirando-o do elenco dos factos não provados), o seguinte facto: «16-A. O arguido agiu sabendo que a sua conduta era punida por lei»; II – Revogar a decisão recorrida (na parte absolutória) que deverá ser substituída por outra que, face a toda a factualidade já dada como provada, considere que o arguido (AA) cometeu, em autoria material e na forma consumada, o crime pela qual fora pronunciado (previsto e punível pelos arts. 187º, nº 1 e nº 2, al. a), e 183º, nº 1, al. a), do CP); III – No mais, ordena-se o reenvio do processo à 1ª instância para novo julgamento a efectuar por outro tribunal, nos termos do artº 40 al. c) , 426º e 426º A, todos do CPP, no tocante à indagação das concretas condições sócio-económicas do arguido e demais condições de vida, bem como da sua personalidade, seguida de fixação da respectiva factualidade relevante e da respectiva sanção correspondente a tal condenação com as demais consequências legais.» 4. Inconformado, o arguido veio interpor recurso daquele acórdão do TRL para o STJ, apresentando, depois de notificado para o efeito, as seguintes conclusões extraídas da sua motivação, que se transcrevem ipsis verbis: «1- O artigo 187º C Penal foi introduzido na Reforma operada pelo Decreto Lei 48/95 de 15MAR, colocando-se fim à controvérsia a que se vinha assistindo sobre a questão de saber se as pessoas colectivas podiam ou não ser sujeito passivo de crimes contra a honra; 2- Como consta da acta n.º 25 da Comissão Revisora do C Penal de 1995, “visa o tipo legal previsto no artigo 187º C Penal criminalizar acções (os rumores) não atentatórios da honra, mas sim do crédito, do prestígio ou da confiança de uma determinada pessoa colectiva, valores que não se incluem em rigor no bem jurídico protegido pela difamação ou pela injúria”; 3- Como é sabido os tipos legais de difamação e de injúria, previstos, respetivamente, nos artigos 180º e 181º C Penal, pressupõem a comissão através do uso da palavra dita (preveem crimes de difamação e injúria verbais), sendo que é através do artigo 182º que se concede à difamação e à injúria, feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão, igualdade de tratamento, que o concedido às verbais, constituindo este artigo uma norma que alarga as margens de punibilidade dos tipos legais de crime de difamação e de injúria previstos nos referidos artigos 180º e 181º C Penal, isto porque os tipos legais previstos nestas duas normas estão definidos tão só em termos de comissão por palavras; 4- Através desta norma de equiparação atribui-se à comissão por escrito, gestos imagens ou qualquer outro meio de expressão, uma posição de equivalência em face daquelas (cfr. C Penal anotado e comentado por Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette) e, não fora esta norma de equiparação, o crime de difamação e o de injúria apenas previa a comissão através do verbo; 5- Já a norma do artigo 187º, do C. Penal, pressupõe a afirmação ou a propalação de factos e o seu n.º 2 - que prevê e pune o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva - espelha uma norma de remissão interna, o que vale por dizer que manda aplicar, de maneira correspondente, as normas contidas no artigo 183º e ainda as que se sedimentam nos n.ºs 1 e 2 do artigo 186º (vide Prof. Faria Costa in Comentário Conimbricense); 6- Ora, é pacífico que nesta última norma não existe norma remissiva para o artigo 182º C Penal – a tal norma que equipara a difamação e a injúria cometidas por escrito, por gestos, por imagens ou por qualquer outro meio de expressão, às que são cometidas através da palavra dita - donde, não pode deixar de se concluir, a propósito do tipo legal de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva - uma vez que a norma remissiva do artigo 187º/2 não inclui o artigo 182º - que a ofensa das entidades ali previstas, se cometida por escrito, gesto ou imagem ou por qualquer outro meio de expressão, que não o verbal, não está penalmente protegida, sendo certo que outra qualquer interpretação violaria o princípio da legalidade (vide Prof. Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário), consagrado, quer no artigo 29º/1 da CRP, quer no artigo 1º C Penal, segundo o qual ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão (“nullum crimen, nulla poena sine lege”); 7- Pelo que, in casu e com este fundamento, a conduta imputada ao Arguido não consubstancia a prática de qualquer crime e também por aplicação do princípio da intervenção mínima do direito penal, ínsito no princípio da fragmentaridade, que afirma que o direito penal constitui a ratio extrema, donde deriva a circunstância de apenas ser previsto como crime o comportamento que atente contra valores fundamentais da vida em sociedade de modo particularmente grave; 8- Em conclusão, no caso concreto a conduta do arguido não assume dignidade penal, por falta de tipicidade, uma vez que o meio usado na prática dos factos foi a escrita, através dos panfletos, meio não previsto no tipo legal do artigo 187º C Penal, nem directamente nem por remissão; 9- Deve, pois, ser alterada a decisão recorrida, porquanto a ofensa prevista no tipo de crime do artigo 187º/1 C Penal não pode ser cometida senão por meio de palavras (verbalmente), estando excluída a possibilidade – prevista para os crimes de difamação e de injúria – de se lhe equiparar a comissão através da escrita, por gestos, por imagens ou por qualquer outro meio de expressão, tais como os panfletos a que os autos se referem, concluindo-se pela atipicidade da conduta do arguido, devendo, em consequência, ser o Arguido absolvido in totum! Assim, V. Excias. farão a costumada Justiça! » 5. Admitido o recurso e cumprido o disposto no art. 411.º, n.º 5 do Código de Processo Penal (CPP), o MP apresentou a sua resposta no tribunal recorrido, concluindo do seguinte modo (transcrição ipsis verbis): « EM CONCLUSÃO: 1 – O presente recurso tem por objecto a questão de saber qual é a previsão do tipo de crime de ofensa a pessoa colectiva, constante do artº 187 do cód penal 2 – Na sequência das doutas posições assumidas pelo Acordão do tribunal da Relação sob recurso, a propósito do crime de ofensa (à honra) de uma pessoa coletiva, entendemos que é correspondentemente aplicável o disposto quanto ao crime de difamação, por meio de expressão, quer verbal quer escrito, ou por qualquer outro meio de expressão, previsto nos arts. 180º e 182º , por força da remissão expressa do nº 2, al. a) do art. 187º para o art. 183º que, expressa e precisamente, se reporta aos crimes previstos nos arts. 180º a 182º inclusive; 3 – Este entendimento tem o seu suporte também na própria CRP que, por força do art.12º, nºs 1 e 2, estabelece que tal direito fundamental é universal em termos de destinatários e é amplíssimo, pois abrange quaisquer entidades coletivas, mesmo que sem personalidade jurídica; 4 – A honra das pessoas colectivas só pode ter uma dimensão objectiva/exterior/traduzida na ideia que os outros fazem dela, merecendo deles e sendo portadora de bom nome; 5 – Reduzir a ofensa à honra das pessoas colectivas (constante da previsão do art. 187º do CP), apenas, às afirmações ou propalações, meramente, verbais seria esvaziar, em parte, a razão de ser e utilidade deste normativo, uma vez que é notório e público que a grande maioria de tais ofensas ocorrem através de meios de expressão não verbais, tais como e principalmente, pela forma escrita; 6 – Tendo em conta toda a factualidade provada, impõe-se subsumi-la ao respectivo direito aplicável, mais concretamente aos sobreditos normativos legais contidos nos arts. 187º, nº 1 e nº 2, al. a), 183º, nº 1, al. a) e 182º do CP e concluir que, com a sua conduta, o arguido praticou o crime de que vem acusado. Vª Excª, porém, Ilustres Conselheiros, apreciarão e decidirão conforme fôr JUSTIÇA » 6. Também a sociedade assistente apresentou resposta ao recurso, de que extraiu as seguintes « III – CONCLUSÕES 1. A decisão recorrida, deu como provado que o recorrente, sem qualquer fundamento, com o único propósito de prejudicar a CEMG, por via da imputação de factos que não correspondem à verdade, através de disseminação anónima, espalhou panfletos de cor amarela fluorescente, com caracteres a maiúsculas, de cor preta e a negrito, reproduzindo os dizeres “BURLA DO MONTEPIO GERAL FURTA E VENDE À REVELIA DE CLIENTE EM 2012 OURO E PEDRAS PRECIOSAS AVALIADAS EM 2002 EM CERCA DE UM MILHÃO DE EUROS", em quatro balcões do Banco Montepio, nas suas instalações e imediações – halls de acesso multibanco, via pública, para-brisas de veículos estacionados nas imediações dos balcões…, 2. O recorrente entende que esta conduta não tem dignidade penal: a. na medida em que, o art. o 187.º, n.º 2 do CP ao não remeter para o artigo 182.º (imputação por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão), afasta a ofensa de entidade abstrata, cometida por escrito, gesto ou imagem, b. mais considerando que outra interpretação violaria o princípio da legalidade. 3. O artigo 187.º do CP estabelece como elementos do tipo, os atos de “afirmar” ou “propalar” factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança de pessoa coletiva, 4. As expressões “afirmar” e “propalar” contidas no art. 187.º, n.º 1, do CP, não incluem apenas expressões verbais, mas também escritas: “afirma-se” e “propala-se” de forma verbal e de forma escrita, 5. Se a intenção do legislador fosse a de não criminalizar ofensa de pessoa coletiva cometida por escrito, não teria incluído no tipo do art. 187.º do CP expressões cujo significado importa o ato de divulgação escrita. 6. Motivo pelo qual não existe remissão do art. 187.º do CP, para o art. 182.º, porque absolutamente desnecessária e injustificada. 7. Como ensina Maia Gonçalves, no caso do art. 187.º, não teria cabimento uma remissão para o art. 182.º do CP: “Este artigo afigura-se desnecessário, porque os anteriores, relativos à difamação e injúria, são crimes de realização livre, que não particularizam qualquer tipo meio de execução do crime” 8. Assiste-lhe razão, pois, à redação dos arts. 180.º (“Quem dirigindo-se a terceiro …”) e 181.º (“Quem injuriar outra pessoa…”), subjaz a oralidade: a. Se o legislador, nestes casos (180.º e 181.º), não tivesse acautelado a remissão para o art. 182.º do CP, a incriminação da injuria e difamação ficaria limitada a expressões proferidas verbalmente, atento o princípio da tipicidade e legalidade. b. Esta situação não ocorre com o art. 187.º, cuja redação que salvaguardou expressões como “afirmar” e “propalar”, sinónimo de “divulgar”, “tornar público”, “propagar”, “espalhar”, “difundir” - o que tanto pode ser feito de forma verbal, como de forma escrita. 9. Acresce que, ao crime de ofensa (à honra) de uma pessoa coletiva, é correspondentemente aplicável o disposto quanto o crime de difamação por meio de expressão quer verbal, quer escrito, ou por qualquer outro meio de expressão, previsto nos arts. 180º e 182º, por força da remissão expressa do nº 2, al. a) do art. 187º para o art. 183º que, precisamente, se reporta aos crimes previstos nos arts. 180º a 182º inclusive. 10. E como refere o próprio Dr. Paulo Pinto de Albuquerque, em comentário ao artigo 183.º do CP: “Os graffiti, o correio e as redes de telecomunicações (telefone, telemóvel, telégrafo) não são "meios de comunicação social", mas são um meio de "publicidade", para os efeitos do n.º 1, al. a).” Dito de outro modo, 11. O art. 183.º, n.º 1, al. a) do CP prevê um conceito alargado do que são “meios de divulgação”, 12. Precisamente, com o objetivo de melhor proteger o bem jurídico alvo de tutela penal, a imagem real que os “outros” têm da pessoa coletiva (nos dizeres do Prof Faria Costa), 13. Sendo que o próprio, Dr. Paulo Pinto de Albuquerque, estende o conceito de meios de divulgação, à “palavra escrita”, para efeito de interpretação do art. 183.º, n.º 1, al. a) do CP - este artigo, como vimos, aplicável por remissão legal expressa ao art. 187.º do CP, 14. Interpretação que se compreende, porque tais meios (de divulgação) são facilitadores da violação da norma: a. Ao permitirem, frequentemente, e com mais facilidade, fazer chegar a mensagem capaz de ofender a credibilidade, prestígio, confiança da pessoa coletiva, b. A um maior número de cidadãos, c. De modo a rápida e facilmente ser percebida, d. Assim ofendendo o bem jurídico que se visa proteger, e. Preenchendo o tipo incriminador. 15. Tal como aconteceu no caso concreto, 16. Pelo que, até em face da remissão prevista para o art. 183.º do CPP, designadamente n.º 1, al. a) e a interpretação que é dada ao conceito de meio de divulgação, não faria qualquer sentido excluir do tipo incriminador do art. 187.º a palavra escrita. 17. Não podendo deixar de se entender - recorra-se à etimologia, ou à semântica - por manifesto, que na teleologia do art. 187.º está incluída ofensa a pessoa coletiva verbalizada, ou redigida. 18. Entendimento contrário, esvaziaria praticamente o âmbito de aplicação do art. 187.º do CP, retirando-lhe o seu principal efeito útil, posto que, a esmagadora maioria das ofensas a pessoas coletivas ocorre, exatamente, através da “palavra escrita”. 19. Cabendo sublinhar que, muitas vezes, a “palavra escrita” configura um meio de divulgação, com efeito bem mais ofensivo, do que a “palavra dita” porque, tantas vezes: a. Acessível a mais destinatários, b. Facilitador do anonimato (como tentou o arguido no caso destes autos), em consequência, o sentimento de impunidade e, nessa medida, a propagação de fatos inverídicos, com o propósito de prejudicar, c. Se materializa num documento, ou suporte, i. Que perdura e, ii. Frequentemente impossibilita ao ofendido impedir a sua (re)divulgação. 20. Não foi, certamente, intenção do legislador criminalizar o menos (palavra dita), para permitir o mais (palavra escrita). 21. Neste sentido, tem vindo a decidir a jurisprudência dominante, indicando-se a título meramente exemplificativo: Ac. Tribunal da Relação do Porto Proc. 4213/12.4TDPRT.P1, DATA 02-10-2013, FONTE DGSI; Ac. Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. 7106/14.7TDLSB.L1-5, DATA: 05/04/2016, FONTE: DGSI; Ac. Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. 95/15.2PEPDL.L1-3, DATA: 05/07/2017, FONTE: DGSI; Ac. Tribunal da Relação do Porto, Proc. 454/14.8TABRG.P2, DATA: 03/08/2017, FONTE: DGSI; Ac. Tribunal da Relação do Porto, Proc. 2270/17.6T9VFR.P1, DATA: 18/03/2020, FONTE: DGSI, Ac. Tribunal da Relação de Lisboa, PROC 2464/19.0T9LSB.L2-5, DATA: 16-03-2021, FONTE: DGSI. Sem prescindir, 22. Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao artigo 187.º: “O crime de ofensa a pessoa coletiva está numa relação de especialidade com o crime de ofensa à reputação económica da pessoa coletiva (art. 41.º DL n.º 28/84 de 20.1, ver a anotação do art. 183.º)” 23. O que, como ensina o Prof. Faria Costa, encontra plena justificação no seguinte facto: “A credibilidade de uma instituição afere-se pelo comportamento cumpridor, diligente e pontual, mas sobretudo pela sua conduta séria e parcial revelada na actuação dos seus órgãos e membros; sendo o prestígio demonstrado pela imposição da pessoa colectiva no seu domínio específico da sua actuação, perante instituições congéneres e, por isso mesmo, perante a própria comunidade que serve e que a envolve; mostrando-se uma instituição digna de confiança “quando pela sua génese e actuações posteriores se apresenta, paradigmaticamente, como entidade depositária daquele mínimo de solidez de uma moral social que faz com que a comunidade a veja como entidade em quem se pode confiar” 24. Deste modo, a capacidade ou idoneidade de ofensa da credibilidade, do prestígio ou da confiança da pessoa coletiva, para efeito do art. 187.º e 183.º do CP, deve ser aferida de acordo com o critério objetivo da compreensão e perceção do normal homem comum. 25. Revertendo ao caso concreto, e conforme salienta o Ac. recorrido: a. “tal (actuação do arguido com) imputação de práticas criminosas de burla e furto por parte desta pessoa coletiva (aqui assistente), sendo ela uma instituição bancária existente e em funcionamento no nosso mercado financeiro, obviamente que tal actuação do arguido é apta/idónea/susceptível de atentar contra a imagem, notoriedade, credibilidade, confiança, prestígio, credibilidade desta instituição bancária”. b. “atento o quadro de actividade e/ou o fim prosseguido por uma entidade bancária como esta (a assistente), o direito à sua imagem/ao seu bom nome está interligado, obviamente, com aquela sua essência e vice-versa – uma instituição bancária quer-se (que seja e se mostre) séria, fidedigna, cumpridora e de confiança (com bom nome) aquando e por causa da sua actividade. E, nesta medida, merece a pretendida tutela penal ao seu bom nome, se e quando (como foi no caso em apreço) se lhe imputa a prática de burla a cliente, através de furto e venda de pedras preciosas, à revelia de cliente.”, 26. Pelo que a distribuição dos panfletos, pelo arguido, sem qualquer fundamento, com o único propósito de prejudicar a CEMG, por via da imputação de factos que sabe, não correspondem à verdade, com a divulgação de teor melhor descrito nos autos, nas imediações e instalações dos quatro balcões da recorrente, conforme factos provados na decisão recorrida, preenche de forma clara e cristalina o crime de ofensa a pessoa coletiva, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 187.º, n.º 1 e 2 al. a) e 183.º, n.º 1, al. a) do CP. 27. Não estando, no caso concreto, em causa a violação do art. 29.º, n.º 3 da CRP, e do princípio da legalidade conforme propugnado nas alegações de recurso, uma vez que conforme se deixou exposto a lei, à data da prática dos factos, expressamente previa e punia, como continua a prever e punir, o comportamento do recorrente. NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, NÃO CONCEDENDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E MANTENDO A DECISÃO RECORRIDA, FARÃO V. EXAS COLENDOS CONSELHEIROS DESSE SUPREMO TRIBUNAL, JUSTIÇA.». 7. Cumprido o disposto no art. 416º, o MP no STJ emitiu parecer no sentido da irrecorribilidade do acórdão do TRL objeto do presente recurso, nos seguintes termos, que aqui se transcrevem: - « É o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça? Nos termos do artigo 432.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º; b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º; c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º; d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores. O artigo 400.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, por sua vez, preceitua que não é admissível recurso: a) De despachos de mero expediente; b) De decisões que ordenam atos dependentes da livre resolução do tribunal; c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo, exceto nos casos em que, inovadoramente, apliquem medidas de coação ou de garantia patrimonial, quando em 1.ª instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no artigo 196.º; d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, exceto no caso de decisão condenatória em 1.ª instância em pena de prisão superior a 5 anos; e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância; f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos; g) Nos demais casos previstos na lei. Da conjugação dos artigos 400.º, n.º 1, alínea e), e 432.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal (as hipóteses previstas nas demais alíneas dos citados normativos não são plicáveis ao caso), resulta, assim, que apenas são recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça os acórdãos das Relações que, cumulativamente: 1.º - Revertam a decisão absolutória proferida na 1.ª instância; e 2.º - Apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos. Termos em que se emite parecer no sentido da rejeição liminar e sumária do recurso (artigos 400.º, n.º 1, alínea e), 432.º, n.º 1, alínea b), 414.º, n.ºs 2 e 3, 417.º, n.º 6, alínea b), e 420, n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Penal). Caso assim não se entenda, aderimos à posição manifestada pelo assistente e pelo Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa no sentido da improcedência do recurso, nada mais se oferecendo aduzir quanto ao acerto da subsunção jurídica da factualidade provada na previsão incriminatória dos artigos 187.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 183.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal. » 8. Cumprido o disposto no art. 417º nº2, a assistente e o arguido nada disseram. Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c) do CPP, que apreciou e decidiu o recurso nos seguintes termos. ii fundamentação A. 9. Da recorribilidade do acórdão do TRL objeto do presente recurso. 9.1. No STJ o MP pronunciou-se pela irrecorribilidade do acórdão do TRL, ora recorrido, por entender não se enquadrar o mesmo em nenhuma das hipóteses de recurso perante o STJ previstas no art. 432º , nomeadamente a que resulta da articulação da al. b) do seu nº1 com a al. e) do nº1 do art. 400º , os quais , lembremo-lo, são do seguinte teor: -«Artigo. 400º 1- Não é admissível recurso: (…) e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância; (…) » - «Artigo 432º 1. Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: a)… b. De decisões que não sejam irrecorríveis preferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º; c)…» Entende aquele magistrado, no essencial, que apesar de ter revogado a sentença absolutória do tribunal de 1ª instância, o acórdão da Relação de Lisboa não aplicou qualquer pena, antes ordenando o reenvio do processo à 1.ª instância para novo julgamento em matéria de facto e de direito relativas à determinação da pena, pelo que não se mostra preenchida a previsão desta al. e) do nº1 do art. 400.º (conjugada com o artigo 432º nº1 b)), na parte em que se refere à aplicação de uma pena, não privativa da liberdade ou de prisão até 5 anos, porquanto o acórdão do TRL ora recorrido não aplicou qualquer pena, apesar de ter revertido a decisão absolutória proferida em 1.ª instância. Argumenta ainda o MP no STJ que a irrecorribilidade do acórdão do tribunal da Relação para o STJ em nada afeta as garantias de defesa, na dimensão do direito ao recurso, na medida em que o arguido, oportunamente, terá possibilidade de recorrer da (nova) sentença que vier a ser proferida pela 1.ª instância e de suscitar não só a questão que ora pretendia submeter à consideração deste Supremo Tribunal (cabimento da sua conduta no tipo de ofensa à pessoa coletiva dos artigos 187.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 183.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal) como questionar a pena que, então, lhe seja aplicada. 9.2. Vejamos, então, da recorribilidade do acórdão recorrido. O caso presente pode, esquematicamente, apresentar-se assim: - Absolvido o arguido em 1ª instância, foi interposto recurso pelo assistente para o TRL que, decidindo diferentemente a “Questão da culpabilidade” (368º CPP), revogou a decisão absolutória e julgou praticado pelo arguido um crime previsto e punível pelos arts. 187º, nº 1 e nº 2, al. a), e 183º, nº 1, al. a), do CP, que lhe era imputado, ordenando o reenvio do processo para que o tribunal de 1ª instância apurasse os factos necessários e procedesse à determinação da pena. O arguido interpôs recurso daquele acórdão para o STJ, que foi admitido no TRL por despacho, não fundamentado, de 24.02.23. Considerando, porém, que a decisão que admite o recurso não vincula o tribunal superior (art. 414º nº3) impõe-se conhecer agora da admissibilidade do recurso, posta em causa pelo MP no STJ como referido. Vejamos Nos termos do art. 432º nº 1 b) recorre-se para o STJ de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do art. 400º. Por outro lado, dispõe especificamente o art. 400º nº1 que não é admissível recurso dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, (…) (c) - “…que não conheçam, a final, do objeto do processo, exceto nos casos em que, inovadoramente, apliquem medidas de coação ou de garantia patrimonial, quando em 1ª instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no artigo 196º ; (d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações exceto nos casos de decisão condenatória em 1ª instância em pena de prisão superior a 5 anos (e) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto nos casos de decisão absolutória em 1ª instância; (f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos. Por último, o artigo 399º acolhe o “Princípio geral” de que “é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei”. 9.2.1. A recorribilidade do presente acórdão nos termos dos artigos 399º, 400º nº1 al. e) e 432º nº1 b). No caso presente, embora o MP no STJ invoque a disposição da al. e) do nº1 do artigo 400ºpara concluir pela inadmissibilidade do presente recurso, em virtude de o acórdão do TRL ora recorrido não ter aplicado qualquer pena, entendemos não ter razão porquanto, em síntese, resulta daquela al. e), a contrario, a recorribilidade de qualquer acórdão condenatório da relação proferido sobre decisão absolutória em 1ª instância, tal como se verifica in casu, independentemente da natureza e medida da pena aplicada e, mesmo, da efetiva aplicação de pena, pelas seguintes razões. 9.2.1.1. Por um lado, aquela al. e), 1ª parte, apenas se refere neste segmento à natureza da pena (não privativa da liberdade) e à medida concreta da pena de prisão (não superior a 5 anos) para delimitar a previsão da irrecorribilidade estatuída no corpo do nº1 do artigo 400º, de tal modo que, nos termos do nº1 al. e), 1ª parte, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão aplicada em medida igual ou inferior a 5 anos. O critério da pena aplicável é, pois, decisivo para delimitar o universo dos acórdãos condenatórios proferidos pelas relações cuja irrecorribilidade se estabelece na 1ª parte da al. e) ao mesmo tempo que, a contrario, se acolhe a recorribilidade das decisões da relação proferidas em recurso que condenem em prisão superior a 5 anos de prisão. Só no decurso do processo legislativo que levou à alteração do artigo 400º do CPP pela Lei 94/2021 de 21 dezembro se acrescentou a segunda parte daquela al. e) (” exceto nos casos de decisão absolutória em 1ª instância”), como forma de consagrar expressamente a recorribilidade de todas as decisões condenatórias das relações proferidas na sequência da revogação de decisão absolutória do tribunal de instância, independentemente da natureza e medida da pena, pois cabem aí todas as penas não privativas da liberdade, sejam elas pena principal (multa) ou penas de substituição, bem como as penas de prisão de qualquer medida, dando-se assim cumprimento à obrigação imposta pelo artigo 14º nº5 do PIDCP, que estabelece: «Qualquer pessoa declarada culpada de crime terá o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença em conformidade com a lei» - vd sobre esta questão e a evolução da jurisprudência ordinária e constitucional sobre a recorribilidade das decisões condenatórias proferidas pela relação na sequência de decisão absolutória em 1ª instância, nomeadamente por referência à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral (f.o.g.) proferida pelo acórdão do Constitucional 595/2018, em Lopes da Mota, A ALTERAÇÃO AO ARTIGO 400.º, N.º 1, AL. E), DO CPP PELA LEI N.º 94/2021 DE 21 DE DEZEMBRO in Colóquios no Supremo Tribunal de Justiça. Processo Penal. Recursos. Maio de 2022, livro digital, acessível na página oficial do STJ Livro Digital Colóquio de Direito Penal «Recursos». A exceção da al. e) daquele nº1, introduzida pela Lei 94/2021, acolhe, pois, solução (muito) mais ampla do que a imposta pelo citado acórdão 595/2018 do TC, com f.o.g., restrito à pena de prisão, ao alargar a recorribilidade a todas as decisões condenatórias das relações proferidas sobre decisão absolutória em 1ª instância, independentemente da natureza e medida da pena, em plena conformidade com o artigo 14º nº5 do PIDCP supra transcrito, que, literalmente, assegura o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença a qualquer pessoa declarada culpada de crime, independentemente, pois, da natureza e medida de pena aplicada ou mesmo da aplicação de uma pena na sequência da declaração de culpabilidade, prevista no nosso processo penal em casos como o presente. Significa isto, pois, em síntese, que do Princípio geral do artigo 399º e da norma especial (para o STJ) do artigo 432º nº 1b), resulta a contrario da al. e) do nº1 do artigo 400º, a recorribilidade de todas as decisões condenatórias das relações proferidas sobre decisão absolutória em 1ª instância, independentemente da natureza e medida da pena e mesmo da aplicação de uma pena concretamente determinada, limitando-se aquela alínea e) a fazer depender a recorribilidade respetiva da natureza condenatória da decisão da relação proferida na sequência de absolvição em 1ª instância, incluindo, pois, os casos em que, como no presente, a relação profira decisão condenatória sem aplicar qualquer pena por entender caber ao tribunal de 1ª instância a escolha e determinação da pena correspondente à condenação decidida pela Relação. Neste preciso sentido, concluindo pela admissibilidade do recurso de acórdão da Relação que concluíra pela culpabilidade do arguido sem lhe aplicar qualquer pena, nos termos da al. e) do nº1 do artigo 400º e artigo 399º, pode ver-se o Ac STJ de 25.10.2023 (rel. Maria do Carmo Silva Dias), www.dgsi.pt., que desenvolve ainda as razões que, no seu entender, levariam à inconstitucionalidade da norma do artigo 400º do CPP se interpretada no sentido de determinar a irrecorribilidade de acórdão da relação que, revogando decisão absolutória de 1º instância, condenasse o arguido pela prática de crime sem determinar a sanção, tal como se verifica com o acórdão ora recorrido. 9.2.1.2. Com efeito, a recorribilidade do acórdão da relação que, sem determinar a pena, declare a culpabilidade de arguido que fora absolvido em 1ª instância, sempre se impõe como forma de garantir um duplo grau de jurisdição nos mesmos termos em que é assegurado pelo menos um grau de recurso da decisão da Relação que inovatoriamente condene e aplique qualquer pena ao arguido (por dispor da necessária factualidade), em conformidade com o AFJ 4/2016, pois acórdão do T.R. proferido nestes termos é inquestionavelmente recorrível para o STJ “a contrario” da al. e) do nº1 do artigo 400º - vd sobre este ponto, Helena Morão, A Revista Penal em Revista in Revista STJ nº 2, Jul. a Dez. 2022 p. 144 e o citado Ac STJ de 25.10.2023 (rel. Maria do Carmo Silva Dias), www.dgsi.pt.. 9.2.2. A recorribilidade do presente acórdão à luz do disposto nos artigos 399º, 400º nº1 al. c) e 432º nº1 b). No sentido da recorribilidade do presente acórdão da Relação para o STJ, sempre se diga, ainda, que tal recorribilidade não é excluída pela al. c) do nº1 do artigo 400º que estatui a irrecorribilidade dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo, porquanto o acórdão recorrido conheceu a final do objeto do processo, para efeitos do ali preceituado. Na verdade, apesar de não ter procedido à determinação da sanção por falta de factos necessários para o efeito, o Tribunal da Relação apreciou a decisão final absolutória de 1ª instância que revogou, decidindo, em substituição, a condenação do arguido pela autoria do crime p. e p. pelo artigo 187º do C. Penal, com o que decidiu a final do objeto do processo relativamente à questão, essencial, da culpabilidade (artigo 368º), em termos tais que o Tribunal da Relação esgotou a esse respeito os respetivos poderes jurisdicionais, apenas podendo modificar-se tal decisão por via de recurso – vd., no sentido da recorribilidade com fundamento na al. c) do nº 1 do artigo 400º, Helena Morão e P. Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Vol. II, 5ª ed., 2023, comentários nº 4 f. ao artigo 400º, nº 5 ao art. 426º e nº 3 ao art. 432º, respetivamente a pp 570, 709 e 725. Assim sendo, uma vez que da alínea c) do nº1 do artigo 400º não resulta a irrecorribilidade do acórdão ora recorrido, sempre se impõe considerar recorrível o acórdão do TRL igualmente nos termos do artigo 399º, preceito que acolhe o princípio geral da recorribilidade dos acórdãos, sentenças e despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei, e do artigo 432º nº 1 b), que dispõe que “Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º”. 9.2.3. Assim, em síntese, na medida em que o acórdão do TRL ora recorrido é compreendido pela exceção de recorribilidade consagrada na segunda parte da alínea e) do nº1 do artigo 400º e não é abrangido pela causa de irrecorribilidade estabelecida na primeira parte da alínea c) do mesmo nº 1 do artigo 400º, sempre é admissível o recurso do acórdão do TRL ora interposto pelo arguido, nada obstando a que o tribunal do recurso (STJ) conheça de objeto limitado à questão da culpabilidade em virtude de o acórdão recorrido não ter aplicado qualquer pena. Tal como sucede, afinal, sempre que o recorrente limite o recurso a parte da decisão recorrida nos termos do artigo 402º nº2 al. d), que prevê expressamente a limitação do recurso, em caso de unidade criminosa, à questão da culpabilidade, relativamente àquela que se referir à questão da determinação da sanção». 9.2.4. Por último, sempre se diga que a recorribilidade para o STJ de acórdão da Relação que decide da culpabilidade de arguido absolvido em 1º instância e reenvia o processo para apuramento de factos e determinação da sanção em 1ª instância, é a solução que mais se harmoniza com os princípios da economia e celeridade processuais. Com efeito, ao conhecer-se desde já da questão da culpabilidade em recurso interposto para o STJ, pode evitar-se o reenvio do processo para determinação da pena em 1ª instância no caso de o STJ vir a “repristinar” em recurso a absolvição da 1ª instância ao revogar o acórdão da relação ou, caso confirme a condenação da Relação, permite que a determinação da pena tenha lugar após o trânsito em julgado da decisão sobre a culpabilidade, potenciando os resultados procurados pelo modelo de césure mitigada em matéria de determinação da sanção acolhido no código de processo penal. Por outro lado, o recurso imediato do acórdão da Relação para o STJ permite evitar a interposição de recurso da decisão de 1ª instância que vier a ser proferida na sequência do reenvio, quando o arguido, em face do trânsito em julgado do acórdão da Relação confirmado pelo STJ, se conforme com a sanção aplicada em 1ª instância. B. 10. Objeto do recurso - apreciação oficiosa de eventual nulidade do acórdão recorrido, face ao AFJ 4/2016, por falta de determinação da sanção pelo tribunal recorrido. 10.1. Assente a recorribilidade do presente acórdão do TRL, há que apreciar o objeto do recurso que, tal como delimitado pelas conclusões do arguido recorrente, se reconduz à questão de saber se, em termos de direito penal substantivo, o tipo de crime de ofensa a pessoa coletiva previsto no artigo 187º C. Penal pode ser cometido por escrito, tal como se entendeu no acórdão do TRL ora recorrido em sentido contrário ao entendimento do arguido recorrente, entendimento este que, caso vingasse, implicaria a revogação do acórdão do TRL recorrido e a absolvição do arguido, tal como decidira o tribunal de 1ª instância. 10.2 Sendo esta a questão de direito substantivo suscitada pelo recorrente, impõe-se, porém, apreciar oficiosamente se o STJ, em vez de decidir de mérito o presente recurso, deve antes ordenar a remessa dos autos ao Tribunal da Relação recorrido para que este proceda aí à determinação da sanção de acordo com o seu entendimento da questão de direito substantivo, questão que nos é suscitada pelos termos do AFJ 4/2016, em face do qual se decidiu no supracitado acórdão do STJ de 25.10.23 julgar nulo o acórdão da Relação recorrido por omissão de pronúncia (falta de determinação da sanção). AFJ 4/2016, cujo dispositivo, lembremo-lo, é do seguinte teor: - «Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal.». 10.2.1. Porém, desde já se adianta não ser aquela a nossa perspetiva da questão, pois não obstante o teor aparentemente abrangente do seu dispositivo, o AFJ 4/2016 apenas impõe ao Tribunal da Relação que proceda à determinação da sanção ao revogar decisão absolutória de 1ª instância, quando dispuser dos factos necessários para o efeito. Inclinando-se já para esta leitura do dispositivo do AFJ 4/2016, pode ver-se o, então, Juiz Desembargador Dr. Jorge Gonçalves, O recurso da decisão sobre a matéria de facto em processo penal: breves notas, Intervenções no XI Encontro Anual do Conselho Superior da Magistratura, Viseu, 2016, pp. 114 e sgs, acessível no site do CSM, onde pode ler-se: « Confesso que a leitura do supra citado dispositivo, à luz da fundamentação desenvolvida ao longo do AFJ n.º 4/2016, parece apontar no sentido de que a fixação de jurisprudência abrange todos os casos em que a Relação, revogando decisão absolutória da 1ª instância, decidir pela condenação do arguido. A ser assim, a prova suplementar que haja que produzir, incluindo prova testemunhal, em ordem à determinação da sanção, terá de ser produzida na Relação, como inculca a expressa menção ao artigo 371.º do C.P.P Porém, a leitura mais atenta do AFJ, ponderadas as mencionadas declarações de voto, sugere que a jurisprudência fixada no dispositivo tem, afinal, um alcance mais limitado, ficando aquém do sentido consentido por algumas passagens da respectiva fundamentação.» .(cf. p. 136). Assim, nos casos em que o tribunal de 1ª instância tiver deixado de apurar factos indispensáveis à determinação da sanção (como sucedia no caso versado no Ac STJ de 25.10.2023 e no caso que aqui nos ocupa), o Tribunal da Relação deve reenviar o processo ao tribunal de 1ª instância para que apure aí os factos em falta e proceda à determinação da sanção (tal como decidido pelo acórdão do TRL ora recorrido), embora por aplicação analógica do disposto no artigo 426º ex vi do artigo 4º e não por verificação do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (conforme considerado pelo acórdão ora recorrido), pelas razões que desenvolveremos mais adiante. Resta-nos procurar deixar claras as razões de ordem processual em que apoiamos este entendimento quanto ao sentido e alcance da fixação de jurisprudência operada pelo acórdão do STJ 4/2016. 10.2.2. Em primeiro lugar, não obstante o teor literal aparentemente abrangente do seu dispositivo, como aludido, uma leitura da fixação de jurisprudência que considerasse nela abrangida os casos em que o tribunal de primeira instância não apurou todos os factos necessários à determinação da sanção, sempre se mostraria desconforme com os pressupostos do acórdão de fixação de jurisprudência concretamente verificados, pois em qualquer dos casos a que se reportam os acórdãos em oposição (Ac R.G. de 06.05.2013, proc. 93/02.6TAPTB.G1, e Ac TRC de 19.09.2012, proc. nº 279/09.2PCLRA.C1, acessíveis em www.dgsi.pt), o tribunal de 1ª instância apurara todos os factos necessários à determinação da pena, pelo que a fixação de jurisprudência que abrangesse também as hipóteses de falta de apuramento de factos pela 1ª instância, decidiria questão de direito que não foi apreciada ou decidida pelos acórdãos das relações em oposição. O acórdão do STJ 4/2016 apenas versou sobre a oposição de julgados entre dois acórdãos das relações em que se encontravam apurados, em 1ª instância, os factos necessários para a determinação da sanção, pelo que é esse o âmbito preciso daquela fixação de jurisprudência. Com efeito, no processo a que respeita o acórdão aí recorrido (o citado ac TRG de 06.05.2013), o tribunal de julgamento absolvera em 1ª instância o arguido de todos os crimes pelo qual foi julgado mas, não obstante o disposto no art. 369º do CPP, apurara e fixara os factos necessários para a determinação da pena; por sua vez, no processo a que respeita o acórdão fundamento (o citado Ac TRC de 19.09.2012), o tribunal de julgamento em 1ª instância absolvera o arguido de alguns dos crimes pelos quais foi julgado, condenando-o por outros, e, face ao disposto no art. 369º do CPP, apurou e fixou os factos necessários para a determinação da pena ou penas que aplicou. Foi, pois, por dispor dos factos necessários que o acórdão fundamento (TRC) entendeu dever proceder à determinação da pena, o que não sucederia na hipótese inversa, conforme pode ver-se claramente daquele acórdão e do respetivo sumário que é do seguinte teor: - «Com excepção das situações em que a factualidade provada não permita, com o rigor exigível, a determinação da espécie e medida da pena, nos termos dos art.ºs 70º e 71º, do C. Penal, o que a ocorrer, justificaria, então que se determinasse a reabertura da audiência para a determinação da sanção, nos termos dos art.ºs 369º, 370º e 371º, do C. Proc. Penal, o tribunal ad quem pode e deve, na consideração da verificação dos elementos constitutivos do tipo legal, condenar o arguido, que vinha absolvido.» Fim de citação, negrito aposto agora. A oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento verifica-se, pois, na parte em que, dispondo ambos de factos suficientes para a determinação da pena, o acórdão recorrido entendeu, ainda assim, caber ao tribunal de 1ª instância proceder à determinação da pena e o acórdão fundamento considerou, inversamente, que competia ao tribunal da Relação proceder a essa mesma operação. Se alguma pronúncia houve no acórdão recorrido e no acórdão fundamento sobre a solução jurídica a seguir caso não dispusessem de factos suficientes, foi mesmo no sentido de caber o reenvio do processo à 1ª instância, entendimento expresso pelo acórdão fundamento (TRC), como vimos. Nada permite, pois, concluir que existiria sequer oposição de julgados entre ambos os acórdãos caso os respetivos tribunais de 1ª instância tivessem deixado de apurar os factos necessários à determinação da sanção, sendo mesmo provável, face ao entendimento neles sufragado, que ambos os acórdãos das relações teriam entendido que, na falta de factos, o processo devia ser devolvido à primeira instância, pelo que não existiria sequer oposição de julgados que conduzisse à fixação de jurisprudência com o referido objeto. 10.2.3. Em segundo lugar, o Dispositivo do AFJ 4/2016 não refere textualmente que a fixação de jurisprudência abrange os casos em que o tribunal de primeira instância deixou de apurar os factos pessoais necessários para a determinação da sanção, sendo certo que as disposições legais citadas naquele Dispositivo não têm inequivocamente esse sentido, pois não substituindo elas a enunciação normativa que pretendessem fundamentar, tão pouco a deixam entrever inequivocamente. Com efeito, não só não é claro o alcance da menção ao art. 368º, que apenas respeita à questão da culpabilidade, como não o é a referência aos artigos 369º, 370º e 371º, dado que estes preceitos apenas contêm normas relativas ao julgamento em 1ª instância e não ao julgamento em via de recurso. Em todo o caso, mesmo a entender-se que no texto do Dispositivo do AFJ 4/2016 cabem tanto os casos em que o tribunal de 1º instância apurou os factos necessários para a determinação da sanção, como os casos em que tais factos não foram apurados, sempre se imporia interpretação restritiva daquele mesmo Dispositivo pelas demais razões ora desenvolvidas, de que destacamos a desconformidade do Dispositivo, lido desse modo, com a oposição de julgados que deu origem à fixação de jurisprudência e a qualificação e teor das declarações de voto apostas àquele mesmo AFJ. É verdade que na sua fundamentação o acórdão do STJ nº 4/2016 parece entender que deve ser o Tribunal da Relação a proceder à determinação da sanção mesmo quando não disponha dos factos necessários, mas tais referências apenas têm mero valor doutrinário ou argumentativo (a que voltaremos adiante), não integrando o objeto da fixação de jurisprudência. 10.2.4 Em terceiro lugar, a leitura do Dispositivo da fixação de jurisprudência no sentido de aquela abranger os casos em que o tribunal da absolvição (1ª instância) não apurara os factos necessários para a determinação da sanção, sempre contrariaria a qualificação e o sentido da declaração de voto do Conselheiro Manuel J. Braz (igualmente subscrita pelo Conselheiro Francisco Caetano) e a declaração de sentido similar do Conselheiro Raúl Borges (sobre as particularidades desta declaração pode ver-se Jorge Gonçalves, texto supracitado p. 135), todas elas assumidas como meras declarações de voto e não como votos de vencido (contrariamente ao voto de vencido do Conselheiro Nuno Gomes da Silva), o que se compreende bem se considerarmos, como resulta do teor respetivo, que aquelas declarações se afastam apenas da fundamentação do acórdão 4/2016 e não da fixação de jurisprudência, como resulta claramente da declaração expressa pelo Conselheiro Manuel J. Braz, que é do seguinte teor: - «Concordo com a jurisprudência proposta. Mas não com parte da fundamentação quando se afirma que, em casos como este, o tribunal de 1.ª instância, não chegando à fase de determinação da sanção por haver decidido antes que a ela não há lugar, se não decidir toda a matéria de facto relevante para a determinação da pena concreta, não incorre no vício da al. a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, porque a decisão de facto deve ser suficiente para qualquer das decisões de direito plausíveis. Não apenas para aquela que o tribunal de 1.ª instância perspetiva. Se a Relação, em recurso, passa de uma absolvição para uma condenação e verifica que a decisão recorrida não decidiu toda a matéria de facto relevante para determinar a pena concreta, só terá um caminho a seguir: declarar a verificação daquele vício e decretar o reenvio do processo para novo julgamento relativamente aos pontos de facto não decididos, ao abrigo do art. 426.º, n.º1, do CPP). (negrito agora aposto)». Note-se que as declarações de voto apostas ao AFJ 4/2016, a que voltaremos (infra 10.3.4.3.), vão precisamente no sentido de o Tribunal da Relação dever decretar o reenvio do processo para novo julgamento relativamente aos pontos de facto não decididos, ou seja, toda a matéria de facto relevante para determinar a pena concreta, em sentido oposto às considerações doutrinárias da fundamentação do AFJ 4/2016 que apontam para o apuramento desses factos pelo tribunal de recurso, ainda que não acompanhemos, com todo o respeito pelo entendimento contrário, os fundamentos em que assenta aquela conclusão contida nas declarações de voto, ou seja, considerar-se ocorrer o vício de insuficiência previsto no artigo 410º nº2 a). 10.3. Assente, em nosso ver, que o AFJ 4/2016 não abrange as hipóteses de revogação de decisão absolutória que não tenha apurado os factos necessários para a determinação da sanção, por não ser tal hipótese abrangida pela oposição de julgados em que assentou a fixação de jurisprudência, concluímos igualmente não ter fundamento processual suficiente o posicionamento de cariz meramente doutrinário referido na fundamentação do AFJ nº 4/2016 ao apontar para que seja o Tribunal da Relação a apurar os factos necessários para a determinação da sanção quando a decisão absolutória de 1ª instância não apurou tais factos. Pelas seguintes razões. 10.3.1.A lacuna. Antes de mais, entendemos que o Código de processo penal não regula expressamente a hipótese em que o Tribunal da Relação decide revogar decisão absolutória de 1ª instância e considerar o arguido culpado da prática de crime, mas em que a decisão recorrida de 1 ª instância não disponha dos factos necessários para a determinação da sanção, pelo que estamos perante lacuna a suprir nos termos do artigo 4º. Com efeito, contrariamente ao que parece entender-se na fundamentação do AFJ 4/2016, a situação verificada não cabe na previsão do artigo 430º, quer porque não se verifica vício do artigo 410º nº2, como melhor veremos, quer porque, em todo o caso, não estaria em causa a renovação de prova regulada naquele preceito, mas antes a produção de novas provas. Por outro lado, a falta de factos para a determinação da sanção em casos como o presente não se deve a vício da sentença que determinasse o reenvio do processo por aplicação direta dos artigos 410º nº2 e 426º, uma vez que a sentença absolutória recorrida não tem de conter os factos relativos à determinação da sanção face ao modelo de cisão ou césure mitigada acolhido nos artigos 369º, 370º e 371º. Se é verdade que a jurisprudência fixada no acórdão 4/2016 é conforme com o modelo de substituição que carateriza o recurso em processo penal, na medida em que a determinação da sanção com base nos factos disponíveis se enquadra nos poderes da Relação enquanto questão de direito a decidir no âmbito do recurso, o código de processo penal não prevê em passo algum que, no âmbito de recurso penal, a Relação proceda ex novo ao julgamento de matéria de facto em 1ª instância. Por último, como aludido antes, os artigos 369º, 370º e 371º contêm normas relativas ao julgamento em 1ª instância e não ao julgamento em via de recurso, assumindo o código de processo penal o reenvio do processo para o tribunal recorrido como meio de suprir a falta de factos necessários para a decisão, que se revele em 2ª instância; isto é, o modelo do Código de Processo Penal para apuramento de factos essenciais para a decisão da causa que o tribunal de julgamento (1ª instância) tenha deixado de apurar é o de reenvio do processo nos termos dos artigos 410º nº2 a) e 426º e não o julgamento de facto ex novo pela 2ª instância, em substituição da instância recorrida. 10.3.2 A integração da lacuna Verifica-se, pois, a apontada lacuna de regulamentação em resultado da revogação da absolvição seguida de condenação quanto à questão da culpabilidade em recurso interposto para a Relação, questão que a lei de processo não regula expressamente, lacuna a suprir nos termos do artigo 4º, que começa por dispor que aos casos omissos aplicam-se as disposições do código de processo penal que possam aplicar-se por analogia. No caso presente, parece-nos ser de meridiana evidência que à lacuna verificada deve aplicar-se por analogia o regime do reenvio do processo para novo julgamento previsto no artigo 426º C.P. Penal, como, aliás, se vem fazendo (ainda que por apelo ao vício previsto no artigo 410º nº2 a), como sucede com o acórdão do TRL ora recorrido), por ser tal regime particularmente adequado ao apuramento de factos cuja falta ou insuficiência se detete em 2ª instância, como sucede in casu. Com efeito, a situação processual que se traduz na falta de factos essenciais para a decisão da causa (determinação da sanção) que foi criada supervenientemente com a substituição da decisão absolutória por decisão condenatória pelo tribunal de recurso, face ao disposto nos artigos 369º, 370º e 371º, assemelha-se em tudo à situação de falta de factos essenciais para a decisão da causa motivada pelo vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no artigo 410º nº2 a), exceto, obviamente, no que respeita à sua génese. Impõe-se, pois, a aplicação analógica (analogia legis) das disposições do artigo 426º que preveem o reenvio para novo julgamento, ainda que parcial, para apuramento dos factos necessários para a determinação da sanção com aplicação, na medida do que os sujeitos processuais requeiram e o tribunal de julgamento em 1ª instância entenda, nomeadamente em face do estabelecido nos artigos 369º, 370º e 371º (“Reabertura da audiência para determinação da sanção), concluindo pela determinação da sanção. 10.3.2.1. A propósito do reenvio do processo determinado pela Relação em resultado da falta de factos necessários para a determinação da sentença em casos como o presente, entendeu-se no citado acórdão de 25.10.2023 que « … para além do mais, não se pode olvidar o valor e a eficácia da decisão contida no ac. do STJ n.º 4/2016, visto o disposto no art. 445.º do CPP e, mesmo que nos termos do seu n.º 3 a Relação viesse a fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada nessa decisão, único caso em que poderia determinar o reenvio, este deveria limitar-se à averiguação dos factos pertinentes, mas deveria ser sempre a Relação a determinar as sanções individuais e única a aplicar à arguida, para não inviabilizar ou inutilizar o disposto no art. 400. º, n.º 1, al. e), do CPP, o mesmo é dizer, o direito ao recurso da arguida perante uma decisão inovadora como esta (em que passa de uma absolvição da 1ª instância para uma condenação na Relação.» Ou seja, parece entender-se ali que, em casos como o presente, o Tribunal da Relação poderá reenviar o processo à 1ª instância apenas para apuramento de factos necessários, sem proceder, porém, à determinação da sanção, que seria levada a cabo pelo TR, com base nos factos apurados ( e enviados) pela 1º instância. Esta solução, porém, independentemente dos méritos que possa assumir de iure condendo, parece-nos não encontrar suporte no atual processo penal, pois o reenvio do processo tem em vista novo julgamento, total ou parcial, que culminará com a sentença, que decidirá de facto e de direito, não prevendo o CPP que em casos como o presente ou noutros a sentença contenha apenas os factos apurados ou que aqueles factos possam constar de ato processual intercalar a remeter ao Tribunal da Relação, para que este procedesse então à determinação da sentença em acórdão único. A solução legal para o problema criado pelo regime do processo penal de determinação da sanção que vimos encarando, encontra-se, pois, de iure condito, na aplicação analógica do disposto no artigo 426º, nos termos e pelas razões expostas 10.3.3. Diga-se ainda, em complemento e abono deste entendimento, que apesar de o reenvio do processo para apuramento dos factos e determinação da sanção pela 1ª instância ser igualmente a solução processual que decorre das declarações de voto apostas ao AFJ 4/2016 pelos Conselheiros Manuel J. Braz, Francisco Caetano e Raúl Borges, não é mera pretensão de rigor técnico que, com o respeito devido pelo entendimento que lhe subjaz, nos leva a marcar a diferença de fundamentação que seguimos, não obstante ser equivalente o resultado processual a que se chega. Está em causa, sobretudo, a projeção do entendimento expresso naquelas declarações para o que deve ser a conduta processualmente adequada do tribunal de 1ª instância ao decidir absolver o arguido, pois afirma-se naquelas declarações de voto que o tribunal de 1ª instância “não chegando à fase de determinação da sanção por haver decidido antes que a ela não há lugar, incorre no vício da al. a) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, porque a decisão de facto deve ser suficiente para qualquer das decisões de direito plausíveis, não apenas para aquela que o tribunal de 1.ª instância perspetiva.”. Inversamente, entendemos que o tribunal de 1ª instância não incorre no vício da al. a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, antes cumpre o regime legal, quando, decidindo-se pela absolvição, não apura factos relativos à determinação da sanção, seguindo-se nesta parte a fundamentação do AFJ 4/2016, onde pode ler-se: - «Porém, no caso de o tribunal de 1.ª instância não passar à questão da determinação da espécie e medida da pena porque, previamente, da deliberação e votação sobre a questão da culpabilidade resultou que ao arguido não devia ser aplicada uma pena ou medida de segurança já não se poderá considerar a existência de tal vício mesmo quando a relação altere a decisão absolutória respondendo afirmativamente à questão da culpabilidade. Neste caso, a falta de elementos necessários à determinação da sanção não é um vício que afete a decisão recorrida porque para a mesma eles não eram necessários; do que se trata é de a relação, respondendo afirmativamente à questão da culpabilidade, não dispor de todos os elementos que são reclamados pela determinação da espécie e medida da sanção. Do que se trata, por conseguinte, não é de um vício intrínseco da decisão recorrida mas de uma falta revelada pela decisão do recurso ao revogar a decisão recorrida quanto à questão da culpabilidade.». Fim de citação. Com efeito, de acordo com o nosso modelo processual de determinação da sanção e respetivas finalidades, em que sobressai a opção pela regra da cisão ou césure mitigada estabelecida nos artigos 369º a 371º para a determinação da sanção em 1ª instância, o tribunal de julgamento, quando absolva o arguido, passará de imediato à elaboração da sentença absolutória, que não conterá, assim, a enumeração de factos provados que apenas relevassem para efeitos de futura e eventual determinação da sanção, pois dos nºs 1 e 2 do artigo 369º resulta que o procedimento previsto para a determinação da sanção apenas terá lugar, “Se das deliberações e votações realizadas nos termos do artigo anterior [artigo 368º “Questão da culpabilidade”] resultar que ao arguido deve ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança…». Ou seja, a culpabilidade do arguido constitui pressuposto necessário de todo o procedimento específico para determinação da sanção, pelo que, no caso de absolvição, não haverá que assegurar o acesso de todos os juízes à documentação existente nos autos (artigo 369º/1), nem eventual reabertura da audiência nos termos do artigo 371º para discussão específica sobre os factos e o direito que apenas relevem para determinação da sanção, nem deliberação para fixação dos factos relevantes e do direito aplicável à espécie e medida de sanção. Nos casos de absolvição, o regime legal visa alcançar algumas das vantagens que se reconhecem ao modelo ou sistema de cisão ou césure. Nomeadamente, evitar a discussão e exposição públicas dos hábitos, relações, personalidade e outros aspetos da vida pretérita do arguido que venha a ser considerado inocente, salvaguardando aspetos da vida pessoal e familiar do arguido, bem como da sua personalidade, sempre que a discussão e exposição destes aspetos da sua privacidade, visassem apenas a determinação da sanção. Do mesmo modo, o modelo de cisão mitigada previsto no nosso código de processo penal permite maior celeridade e economia do processo em 1ª instância, nos casos de absolvição, compensando assim, numa perspetiva global, a demora provocada no processo com o reenvio para apuramento dos factos e determinação da pena pelo tribunal de julgamento em 1ª instância, nos casos de revogação da absolvição pelo tribunal da relação. Last but not the least, o apuramento de factos relativos à determinação da sanção e a discussão sobre eles, nomeadamente com eventual reabertura da audiência nos termos do artigo 371º, que só venha a ter lugar depois de transitado em julgado o acórdão da relação sobre a culpabilidade, é a solução processual que melhor prossegue outras finalidades dos modelos de césure, sobretudo na pequena e média criminalidade e no julgamento de inimputável, pois permite o apuramento dos factos relevantes para a determinação da sanção de forma mais profícua, evitando, nomeadamente, o chamado dilema da defesa, ao ter lugar depois de definitivamente assente a culpabilidade do arguido (artigo 368º). Resultado este que é favorecido pela imediata recorribilidade, como aludido antes, pois no caso de confirmação da decisão condenatória, a determinação da sanção tem lugar depois de transitada em julgado a decisão sobre a culpabilidade – sobre prós e contras dos modelos de césure pode ver-se F. Dias, Direito Processual Penal, Primeiro Volume, Coimbra Editora 1981, pp.279 a 29 a 2931 e J. A. Barreiros, A Ressocialização e o Processo Penal in Cidadão Delinquente Reinserção Social, IRS, 1983, especialmente 125 a 130 e, ainda, Paulo Pinto de Albuquerque, A Reforma da Justiça Criminal em Portugal e na Europa, Almedina, 2003 pp 1010 a 1013. São estas as razões que suportam a nossa conclusão de que o código de processo penal não só não impõe como afasta mesmo o dever de o tribunal de julgamento apurar os factos relativos à determinação da sanção quando absolva o arguido, pelo que a sentença absolutória que deixe de apurar tais factos – como decorrerá em regra do cumprimento do disposto nos artigos 369º a 371º - não incorre no vício de “Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada “ previsto no artigo 410º nº2 a), tal como exposto no trecho da fundamentação do AFJ 4/20216 supratranscrito e em que nos revemos sem reservas, pelas razões expostas. Daí que, como referido antes, não possamos deixar de entender que o reenvio do processo à 1ª instância e apuramento dos factos respetivos e determinação da sanção quando o tribunal da relação não dispõe dos mesmos, na sequência de revogação de decisão absolutória, resulta de aplicação analógica do artigo 426º a tais hipóteses e não da verificação do vício previsto no artigo 410º nº2 a). C. 11. Objeto do recurso - decisão de mérito. 11.1. O acórdão do TRL ora recorrido julgou provado com interesse para a decisão do presente recurso, os seguintes factos, tal como descritos na sentença recorrida, acrescidos do ponto 16-A por si aditado : «1. A Caixa Económica Montepio Geral, S.A. (CEMG) tem por objecto social, entre outros, a prática de actividades permitidas por lei aos bancos 2. No âmbito dessa sua actividade comercial, a CEMG dispõe de uma alargada rede de balcões em todo o país, por forma a prestar o adequado atendimento aos seus clientes. 3. Em particular, tem balcões sedeados nas seguintes localizações: a. … - Rua …; b. … - Rua …; c. … - Rua …; d. … - Rua …; e. … - Rua …. 4. Balcões esses que dispõem de um Hall de acesso a terminais multibanco e a terminais “Chave24” - que permitem a realização de operações bancárias 24 sobre 24 horas. 5. Hall, esse, que se encontra sempre aberto ao público, equipado com as respectivas câmaras de vídeo-vigilância. 6. O arguido espalhou panfletos de cor amarela fluorescente, com caracteres a maiúsculas, de cor preta e a negrito, reproduzindo os dizeres: “BURLA DO MONTEPIO GERAL FURTA E VENDE À REVELIA DE CLIENTE EM 2012 OURO E PEDRAS PRECIOSAS AVALIADAS EM 2002 EM CERCA DE UM MILHÃO DE EUROS". 7. Nos halls de acesso às máquinas multibanco e imediações, dos seguintes balcões da CEMG: a. … - Rua …; b. … - Rua …; c. … - Rua …; d. … - Rua …. 8. O que fez, em momento que não foi possível determinar, mas que se situa entre o dia 18 de Janeiro de 2018 e a madrugada/manhã do dia 19 de Janeiro de 2018 9. Já após o encerramento dos referidos balcões e antes da sua abertura, na manhã seguinte, por volta das 8:00h. 10. Na manhã de 19 de Janeiro de 2018 e naqueles balcões, cerca das 8:00h, aquando da chegada ao seu local de trabalho, os colaboradores da CEMG depararam-se com a existência de inúmeros panfletos nas instalações e imediações do balcão. 11. Designadamente em pára-brisas de veículos estacionados, junto ao balcão da Rua …, em … e ao balcão da Rua …, em …, bem como nos já referidos halls de acesso aos terminais multibanco. 12. Panfletos que por essa via acabaram também por chegar ao conhecimento de vários cidadãos, 13. Quer por se encontrarem disponíveis nos respectivos halls nas instalações das dependências bancárias à vista de quem necessitava de utilizar um multibanco, quer por estarem espalhados na via pública. 14. A actuação do arguido, sem qualquer fundamento, teve como único propósito prejudicar a imagem da CEMG. 15. Por via da imputação de factos que não correspondem à verdade através da disseminação anónima de folhetos. 16. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de denegrir a imagem da CEMG 16-A. O arguido agiu sabendo que a sua conduta era punida por lei; (aditado pelo acórdão recorrido) 17. O arguido possui as seguintes condenações no seu registo criminal: a) O arguido foi condenado por decisão transitada em 02.05.2018 pela prática, em 01.07.2016, de dois crimes de abuso de confiança fiscal, na pena de multa de 160 dias, à taxa diária de €7,00, perfazendo o total de €1.120,00 (extinta). b) O arguido foi condenado por decisão transitada em 11.06.2018 pela prática, em 15.11.2016, de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de multa de 160 dias, à taxa diária de €8,00, perfazendo o total de €1.280,00 (extinta). c) O arguido foi condenado por decisão transitada em 21.11.2019 pela prática, em 05.2018, de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 1 ano de prisão substituída por 360 dias de multa, à taxa diária de €6,00, perfazendo o total de €2.160,00 (extinta). d) O arguido foi condenado por decisão transitada em 02.07.2020 pela prática, em 12.11.2018, de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, por referência ao processo da condenação referida em a), não sendo aplicada nova pena.» 11.2 Assente a recorribilidade do presente acórdão do TRL e afastada oficiosamente a hipótese de nulidade do acórdão recorrido, há que apreciar agora o objeto do recurso tal como delimitado pelas conclusões do arguido recorrente. Conforme resulta claramente da sua motivação de recurso, o arguido sem pôr minimamente em causa ter espalhado panfletos de cor amarela fluorescente, com caracteres a maiúsculas, de cor preta e a negrito, reproduzindo os dizeres:“BURLA DO MONTEPIO GERAL FURTA E VENDE À REVELIA DE CLIENTE EM 2012 OURO E PEDRAS PRECIOSAS AVALIADAS EM 2002 EM CERCA DE UM MILHÃO DE EUROS", conforme descrito na factualidade provada, entende, porém, que «a conduta do arguido não assume dignidade penal, por falta de tipicidade, uma vez que o meio usado na prática dos factos foi a escrita, através dos panfletos, meio não previsto no tipo legal do artigo 187º C Penal, nem directamente nem por remissão.». A questão colocada, reconduz-se, pois, a saber se, em termos de direito penal substantivo, o tipo de crime de ofensa a pessoa coletiva previsto e punível pelo artigo 187º C. Penal pode ser cometido por escrito, tal como se entendeu no acórdão do TRL ora recorrido, contrariamente ao entendimento do arguido recorrente, tal como exposto na sua motivação de recurso, entendimento este que, caso vingasse, implicaria a revogação do acórdão do TRL recorrido e a absolvição do arguido, tal como decidira o tribunal de 1ª instância. Sucede, porém, que foi proferido recentemente, em 8.11.2023, o acórdão de fixação de jurisprudência (AFJ) do STJ n.º 14/2023, publicado no DR-237/2023, Série I de 2023-11-12, em que se decidiu, em sentido oposto ao recorrente e no sentido do acórdão recorrido, que: - «O crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, previsto e punível pelo artigo 187.º do Código Penal, pode ser cometido através de escrito.», Naquele AFJ, relatado pelo relator do presente acórdão, considerou-se, em síntese, sobre a questão de direito penal substantivo controvertida, que: «- Contrariamente ao entendimento do acórdão fundamento, a ausência de remissão do artigo 187. n. 02, para o artigo 182.0, é irrelevante para a determinação da conduta típica de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva praticada por escrito. - Metodologicamente, a interpretação da norma incriminadora contida no artigo 187. 0 deve partir da sua letra, resultando do elemento literal da interpretação, corroborado pelos demais elementos da interpretação apreciados, que a afirmação e a propalação de factos prevista no artigo 187. 0, n.0 1, abrangem no seu significado comum a utilização de palavras, ou seja, a linguagem verbal no seu sentido mais amplo, que abarca tanto a expressão por meio de palavras ditas como escritas, independentemente do que possa entender-se, igualmente por via de interpretação do artigo 187.0, quanto à tipicidade da utilização de gestos imagens ou qualquer outro meio de expressão, aspeto de que não se cuida no presente acórdão.» 11.3. Assim, tendo em conta que na jurisprudência fixada no Acórdão do STJ nº 14/2023 se decidiu que «O crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, previsto e punível pelo artigo 187.º do Código Penal, pode ser cometido através de escrito» e considerando-se a fundamentação daquele AFJ, para a qual se remete integralmente, onde se expõem e analisam os argumentos aduzidos pelos entendimentos jurisprudenciais em oposição, bem como as razões que, em detalhe, suportam aquela fixação de jurisprudência, e tendo em conta o disposto nos artigos 445º e 446º, não pode deixar de julgar-se totalmente improcedente o presente recurso, interposto pelo arguido, José Luís da Silva Almeida, confirmando-se integralmente o acórdão do TRL de 15.12.2022, ora recorrido. 11.4. Considerando-se, por outro lado, que da procedência do recurso resulta o reenvio do processo ao tribunal de 1ª instância independentemente de considerarmos, diferentemente do acórdão recorrido, que o presente reenvio decorre da aplicação analógica do art. 426º, ex vi do artigo 4º, e não da verificação de vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto previsto no artigo 410º nº2 a), pelas razões expostas, remetam-se os autos ao tribunal de 1ª instância tal como determinado pelo acórdão do TRL ora recorrido. III. DISPOSITIVO Nesta conformidade, acorda-se na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em negar total provimento ao recurso interposto pelo arguido, José Luís da Silva Almeida, confirmando-se integralmente o acórdão do TRL de 15.12.2022, ora recorrido, ainda que com diferente fundamentação jurídico-processual quanto ao reenvio determinado naquele acórdão, que se confirma, ordenando-se a remessa dos autos ao tribunal de 1ª instância, com conhecimento ao T.R.L. Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5UC – cfr art. 513º do CPP, art. 8º nº5 do RCP e Tabela III a que se refere aquele preceito. Lisboa, 11.01.2024 Os juízes Conselheiros, António Latas – Juiz relator Jorge Gonçalves – Juiz adjunto João Rato – Juiz adjunto
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