Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4386/07.8TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
LEI PROCESSUAL
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
MATÉRIA DE FACTO
GRAVAÇÃO DA PROVA
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 05/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO / RECURSO DE REVISTA –PROCESSO DE EXECUÇÃO / PAGAMENTO DE QUANTIAS DEVIDAS AO AGENTE DE EXECUÇÃO.
Doutrina:
-Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª Edição, p. 157.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 615.º, 638.º, N.ºS 1 E 7, 639.º, N.º 3, 640,º N.º 1, 652.º, N.º 1, ALÍNEA A), 671.º, N.º 3 E 721.º, N.º 3.


Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 14-03-2014, PROCESSO N.º 3038/07.3TVLSB.L1.S1;
-DE 14-05-2015, PROCESSO N.º 29/12.6TBFAF.G1.S1;
-DE 10-12-2015, PROCESSO N.º 1497/08.6TVLSB.S1;
-DE 21-01-2016, PROCESSO N.º 174967/12.3YIPRT.P1.S1;
-DE 03-05-2016, PROCESSO N.º 145/11.1TNLSB.L1.S1;
-DE 31-05-2016, PROCESSO N.º 1572/12.2TBABT.E1.S1;
-DE 02-06-2016, PROCESSO N.º 781/07.0TYLSB.L1.S1;
-DE 27-10-2016, PROCESSO N.º 3176/11.8TBBCL.G1.S1;
-DE 03-11-2016, PROCESSO N.º 3081/13.3TBBRG.G1.S1;
-DE 14-12-2016, PROCESSO N.º 4677/14.1TBVNG.P1.S1;
-DE 22-02-2017, PROCESSO N.º 481/09.7TBMNC.G1.S1;
-DE 20-06-2017, PROCESSO N.º 36998/13.5YIPRT.E1.S2;
-DE 19-10-2017, PROCESSO N.º 1/09.3TBMDA.C1.S1;
-DE 19-10-2017, PROCESSO N.º 11522/14.6T2SNT.L1.S2;
-DE 09-11-2017, PROCESSO N.º 772/04.3TBABF.E1.S.
Sumário :
I - Tendo os autos sido propostos no dia 02-10-2007 e o acórdão da Relação proferido na vigência do actual CPC não se aplica ao recurso de revista o obstáculo da dupla conforme consagrado no pretérito art. 721.º, n.º 3, do CPC, e no actual art. 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, em conformidade com o que estabelece a norma de direito transitório contida no art. 7.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26-06.

II - Ainda que fosse de aplicar tal obstáculo, inexistiria dupla conformidade entre as decisões das instâncias uma vez que tendo sido questionado no recurso de revista o respeito pelas normas processuais dos arts. 639.º, n.º 3, e 652.º, n.º 1, al. a), do CPC, pelo tribunal da Relação, na vertente da eventual obrigação de convite ao aperfeiçoamento das conclusões, não poderá afirmar-se que exista uma questão comum sobre a qual tenham sido proferidas duas decisões conformes.

III - A nulidade de omissão de pronúncia prevista na al. d) do art. 615.º do CPC, enquanto vício da decisão, confina-se aos casos em que o juiz, ou o colectivo de juízes, omite pronúncia total sobre a questão suscitada pela parte ou pelo recorrente, e não também aos casos em que emite pronúncia expressa sobre a razão ou razões do não conhecimento do fundo da questão com base em determinados obstáculos processuais.

IV - Assim, no caso da Relação ter decidido não conhecer da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, suscitada na apelação por, em seu entender, a recorrente não ter cumprido integralmente o ónus alegatório correspondente, previsto no art. 640.º, n.º 1, do CPC, não ocorre a nulidade referida em III, uma vez que a rejeição do conhecimento não equivale a não pronúncia.

V - A interpretação da expressão “sob pena de rejeição” consagrada no art. 640.º, n.º 1, do CPC, relacionada com a circunstância de o recorrente beneficiar já de um prazo suplementar de 10 dias, acrescido ao prazo normal do recurso de 30 dias, no caso de impugnar a decisão da matéria de facto com base na prova gravada (art. 638.º, n.os 1 e 7, do CPC), inculca a ideia que o desrespeito do cumprimento do respectivo ónus é sancionado com imediata rejeição do recurso, não havendo, neste particular, espaço para qualquer convite intercalar ao aperfeiçoamento.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório:

AA, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra BB e CC, LDA, pedindo a condenação solidária dos réus, com fundamento em responsabilidade contratual, a pagarem-lhe:

a) a quantia total de 39.412.32€, a título de despesas médicas e medicamentosas, incluindo intervenções cirúrgicas, viagens e estadias ;

b) a quantia de 2.972,44€, a título de remunerações que deixou de auferir em consequência das incapacidades temporárias sofridas ;

c) a quantia de 143.000€, a título de danos futuros ;

d) a quantia de 37.500€, a título de danos morais ;

e) as quantias que se vierem a apurar e que advirão das intervenções cirúrgicas e tratamentos a que terá ainda a autora de se submeter, tudo acrescido de juros a contar da data da citação.

Subsidiariamente, pediu a condenação dos réus no pagamento dos mesmos montantes, a título de responsabilidade contratual.

Alegou, em suma, que no seguimento de acordo entre ambos, o réu, no exercício da profissão de dentista, através da ré, diagnosticou à autora, com erro grosseiro e violação das leges artis, um osteoma no maxilar inferior e, na sequência, submeteu a autora a tratamentos e intervenções cirúrgicas desnecessárias, que lhe causaram infecções, despesas, perda de vencimento, incapacidade permanente, prejuízos futuros e prejuízos morais, por que são solidariamente responsáveis os réus. 


As rés apresentaram contestação, onde excepcionaram a ineptidão da petição inicial quanto à ré, invocaram a transferência da responsabilidade civil do réu para a DD - Companhia de Seguros, S.A.., e a má-fé da autora, impugnando ainda parte da matéria alegada.

Pediram, no seguimento, a intervenção principal da DD, a improcedência da acção e a condenação da autora, como litigante de má-fé, em indemnização a favor do réu no valor de € 12.500 e honorários a favor do mandatário no valor de € 50.000.


A autora apresentou réplica.


Admitida a intervenção principal, veio a DD - Companhia de Seguros, S.A., apresentar contestação.


Os autos seguiram os seus termos e, na devida oportunidade, foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente e absolveu os réus dos pedidos.


A autora interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação proferido acórdão, no qual decidiu:

- não conhecer do mérito da impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal a quo;

 - não conceder provimento ao recurso de apelação apresentado; e

- manter e confirmar in totum a sentença recorrida.


Inconformada, a autora interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal onde concluiu (sic):

«A) Salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal "a[d] quo'' ao não conhecer do mérito do Recurso interposto alegadamente por deficiência das Conclusões. De facto, ao fazê-lo,

B) Não obstante não ter, a nosso ver, qualquer razão ou fundamento para o fazer, o Tribunal da Relação ao não conhecer do objecto de Recurso viabiliza o presente Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que,

C) Embora mantenha a decisão da 1.ª Instância, não a confirma e muito menos o faz sem recurso a uma fundamentação essencialmente diferente daquela que foi a fundamentação da 1.ª Instância, já que nem sequer se pronuncia sobre o mérito da impugnação da matéria de facto.

D) Deste modo, inexiste dupla conforme e como tal o presente Recurso de Revista é processual e materialmente admissível nos termos do art° 671° CPCiv.

E) Por outro lado, incorreu o Acórdão do Tribunal "a[d] quo" de que, ora, se recorre numa nulidade, nos termos do art° 615° n° 1 d) do CPCiv., já que ao recusar-se a conhecer do mérito da causa, não só não lhe assiste razão na sua fundamentação, nem deixa de cumprir o disposto no art°639.º n°3.

Não lhe assiste razão na sua rejeição de conhecimento, uma vez que a recorrente cumpriu todos os ónus impostos pelos art°s 639° n° 1 e 640° do CPCiv. Já que,

F) Como se vê das suas alegações recursórias, a recorrente claramente identifica os pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, os meios probatórios, no caso os documentos e os depoimentos das testemunhas, que impunham decisão diversa, indicando não só as passagens da gravação, como a Lei impõe, como inclusivamente transcrevendo excertos dessas gravações.

G) Tarefa essa que a Recorrente cumpriu de forma tão organizada e sintética quanto a própria extensão da matéria de facto em apreço permitia. Efectivamente, toda a matéria de facto impugnada resultante de várias, complexas e extensas sessões de Julgamento a sua apreciação e abordagem necessariamente não se compagina com um tão grande espírito de síntese quanto se de um pequeno Julgamento se tratasse; sob pena de se não abordarem questões essenciais.

H) Desta forma, não assiste qualquer razão ao Tribunal "a[d] quo" ao rejeitar o conhecimento de mérito do Recurso, com base na argumentação de que a apelante supostamente "não teria cumprido a obrigação de identificar os pontos concretos de facto que considera não terem sido devidamente apreciadas e correctamente julgadas..."

De facto a Recorrente não só o fez, como identifica as passagens da gravação onde as mesmas se encontram, chegando a transcrever passagens para que o seu raciocínio fosse mais facilmente inteligível. Aliás,

I) As próprias fundamentações do Tribunal "a[d] quo" nesta matéria, para além de serem, a nosso ver, incorrectas, também são muito confusas e contraditórias, já que tão depressa o Tribunal "ad quo" afirma que a parte não cumpriu o ónus previsto no art° 640° n° 1, como diz que: "... em sede de alegações recursórias e em referência a diversos depoimentos que terão sido prestados em audiência de julgamento e que para a apelante são reveladores de erros de Julgamento de facto do Tribunal "a[d] quo" procede a recorrente/impugnante à transcrição parcial e sintética de pretensos e diversos pequenos excertos das mesmas e com a indicação do exacto minuto da respectiva gravação áudio, o que fez no intuito de justificar e comprovar que a respectiva apreciação e uma melhor e diferente valoração/julgamento, antes obrigava a um diverso julgamento de factos da parte do Tribunal da 1a Instância".

Ora, a própria fundamentação da Relação dá razão à Recorrente; isto é acaba por referir que a mesma cumpriu os seus ónus das suas alegações que impõe o art° 640° C.P.Civ.

J) Efectivamente sempre a Recorrente cumpriu esses ónus e mais, fez sempre menção nas suas alegações que a prova produzida, a qual refere especificamente nas mesmas, apontava para a não existência de tumor, mas antes e apenas uma inflamação, fazendo em sede própria alusão aos depoimentos dos médicos, Dr. EE; Dra. FF e Dr. GG, que indicam nesse sentido. Isto é, que indicam que a A. Recorrente quando foi operada não tinha nenhum tumor e que as intervenções do R. foram não só incorrectas como desnecessárias e demasiado invasivas tendo culminado com uma mutilação da Recorrente, desnecessária e que contraria a legis artis.

L) Por outro lado, ainda que assim não tivesse entendido, o que não se aceita nem se concede, sempre o Tribunal da Relação deveria, nos termos do art° 631° n° 3, convidar a Recorrente a aperfeiçoar as suas alegações e não a rejeitar pura e simplesmente o Recurso. Ao fazê-lo, a Relação incorre numa nulidade do Acórdão que urge que o STJ corrija.

M) De resto, é entendimento generalizado do STJ que as Conclusões em conformidade com o disposto nos art°s 631° 640° C.P.Civ, visam indicar de forma sintética os fundamentos porque se pede a alteração ou anulação da decisão de uma forma mais resumida de que é feito no corpo das alegações; sem necessidade, por isso, de repetir tudo o que consta na fundamentação das alegações. Por outro lado,

N) Visa também o cumprimento destas disposições que o recorrido possa exercer o princípio do contraditório relativamente à impugnação da recorrente. O que mais uma vez, no caso sub judice, ocorreu, e jamais os recorridos se manifestaram no sentido de que as conclusões da recorrente eram ininteligíveis ou não estavam em conformidade com o art° 640 C.P.Civ. Contudo,

O) Ainda que, erradamente, o Tribunal "a[d] quo" assim o tivesse entendido, deveria ter convidado a Recorrente a aperfeiçoar as suas alegações, nos termos do disposto no art° 639° n° 3 C.P.Civ.. Isto é, está previsto neste preceito o convite ao aperfeiçoamento sem distinção entre matéria de facto e de direito, aplicando-se às duas.

Neste sentido também vai a jurisprudência maioritária do STJ, isto é, a Relação deveria nos casos em que considere as alegações insuficientes ou deficientes convidar a Apelante a suprir tais deficiências, sob pena de incorrer o Acórdão, como foi o caso, numa nulidade secundária, que urge sanar mandado baixar o processo à Relação a fim de que esta se pronuncie sobre a matéria de facto.

P) Uma coisa é a ausência completa de Conclusões, outra coisa bem diferente é o facto de estas não reproduzirem todo o corpo das alegações da mesma forma exaustiva, mas antes de forma mais sintética.

Q) De resto, ao nível da doutrina tem-se suscitado a questão de saber se os requisitos do ónus impugnatório previstos no n° 1 do art° 640° do C.P.Civ., podem figurar no corpo das alegações, ou se têm de ser levadas às conclusões recursórias, não existindo consenso jurisprudencial, contudo, grande parte da jurisprudência, nomeadamente do STJ, entende que inexistindo uma disposição expressa nesse sentido não deverá concluir-se pela rejeição do Recurso, desde que no corpo das alegações conste o preceituado no art° 640°.

Assim, face à ambiguidade da Lei, inclina-se a jurisprudência na maioria para um critério moderado, no sentido de aproveitar a especificação que seja feita no corpo das alegações, desde que provida de recorte e clareza necessária à delimitação do objecto de Recurso, sob pena de o fundamento da rejeição do Recurso ser demasiado formal (neste sentido veja-se o Acórdão do STJ do dia 01/06/2017 no processo n° 664/05.9TBEINT.E1.S1 - 2a Secção), Relator Desembargador Tomé Gomes.

Ainda a este propósito veja-se o Acórdão do STJ, do Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes de 28/03/2016 no Proc0 1006/12.2TBPRD.P1.S1 em que se defende que o ónus de alegação regulado no artigo 640° do CPC não pode deixar de ser compaginado com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, atribuindo maior relevo aos aspectos de ordem material.

Não poderá haver uma elevação do nível de exigência para lá do que a Lei inequivocamente determina porque tal constitui, afinal, um mero pretexto para recusar a reapreciação da decisão da matéria de facto, com invocação do incumprimento de requisitos de ordem adjectiva. Segundo Abrantes Geraldes esta é uma matéria que tem sido objecto de diversos Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça que, de forma incisiva, vem procurando travar alguma tendência que aponta para a rejeição de recursos com base nos fundamentos do presente Acórdão.

R) Deste modo, mal andou o Tribunal "a[d] quo" ao decidir rejeitar o presente Recurso não só porque não se verifica o incumprimento do art° 640° C.P.C., mas também porque, ainda que tal cumprimento não tivesse sido suficientemente explicito nas conclusões, não devia a Relação ter recusado a apreciação da matéria, mas antes convidado ao aperfeiçoamento». 


Os réus apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II. Fundamentos:

De facto:

Vêm provados os seguintes factos:

2.1 - A autora recorreu aos serviços médicos do réu BB, cirurgião maxilofacial, inscrito na Ordem dos Médicos, Secção Regional …, com o número de cédula profissional 2…, tendo como especialidades a de Cirurgia Maxilofacial e a de Estomatologia ;

2.2.- Na sequência e em consequência da operação de 29 de Janeiro de 2004, a Autora foi submetida a mais 6 intervenções cirúrgicas todas realizadas com anestesia geral e, bem assim, a vários outros tratamentos ambulatórios ;

2.3. - Em consequência da cirurgia de 29 de Janeiro de 2004, a Autora sofreu uma infecção, que a colocou em perigo de vida e que determinou o seu internamento no Hospital … (doravante H…) por 23 dias;

2.4. - O Réu prestou os serviços médicos através da CC, Lda ;

2.5. - A Ré recebeu da Autora o preço da maioria das consultas e da maioria das intervenções cirúrgicas, designadamente o preço devido pela cirurgia realizada no dia 29 de Janeiro de 2004;

2.6. - Na prestação de serviços médicos à Autora, o Réu utilizou meios, instrumentos e recursos propriedade da Ré ;

2.7. - A Autora partiu, no início de 2002, uma pequena parte do dente n.° 46 enquanto comia uma torrada ;

2.8. - Como não lhe adveio qualquer dor e porque não conseguiu desde logo marcar consulta, só em Junho de 2002 veio a ser tratada ;

2.9. - No dia 26 de Junho de 2002, a Autora foi a uma consulta com o Senhor Dr. HH, médico-dentista, o qual iniciou a desvitalização do referido dente ;

2.10. - No dia 4 de Setembro de 2002, a Autora voltou à consulta com o Senhor Dr. HH, com vista à continuação da desvitalização daquele dente ;

2.11. - Nesta consulta, percebeu-se que a desvitalização iniciada na consulta anterior não estava a surtir o efeito desejado, já que um dos canais não morria ;

2.12. - Por essa razão, e com vista à solução do problema, o Senhor Dr. HH solicitou a intervenção do seu colega, o Senhor Dr. GG ;

2.13. - O Senhor Dr. GG tentou, então, desvitalizar o canal que persistia em não morrer, embora também sem qualquer sucesso;

2.14. - Na sequência, optou-se pela extracção do dente n.° 46, operação que veio a ser realizada pelo Senhor Dr. GG;

2.15. Todavia, algum tempo após ter extraído o dente, a Autora começou a sentir uma sensação de desconforto e mal-estar persistentes na zona da extracção;

2.16. Em Maio de 2003, a Autora voltou à consulta com o Senhor Dr. GG;

2.17. Após ter observado a Autora, o Senhor Dr. GG concluiu não existir qualquer motivo de preocupação, pelo que não prescreveu qualquer tratamento;

2.18. Em 3 Setembro de 2003, e porque se mantinha o incómodo sentido pela Autora na zona da extracção, veio então a Autora recorrer aos serviços do Senhor Dr. II, médico dentista;

2.19.- Nesta consulta, o Senhor Dr. II requisitou uma ortopantomografia e prescreveu um tratamento antibioterápico durante 3 semanas;

2.20.- Após ter realizado o tratamento antibioterápico e de ter realizado a ortopantomografia, a Autora voltou à consulta com o Senhor Dr. II;

2.21.- Informado de que o referido desconforto sentido pela Autora não havia desaparecido, o Senhor Dr. II acabou por encaminhar a mesma para o Réu;

2.22.- Em 2 de Outubro de 2003, a Autora teve a sua primeira consulta com o Réu;

2.23.- Nesta consulta, o Réu, depois de também ter examinado o resultado da ortopantomografia realizado por determinação do seu colega, prescreveu um novo tratamento antibioterápico por mais 15 dias;

2.24.- Ficou combinado entre ambos que no final do tratamento a Autora telefonaria ao Réu para o informar da evolução sentida;

2.25.- Assim, no final do novo tratamento antibioterápico, a Autora telefonou ao Réu e informou-o de que a sensação de desconforto na zona da extracção do dente não havia desaparecido;

2.26.- Na sequência e a pedido do Réu, a Autora foi a uma nova consulta;

2.27.- A A. realizou uma tomografia axial computorizada no Hospital da … no dia 24 de Outubro de 2003;

2.28.- No dia 27 de Outubro de 2003 a Autora foi internada no H…;

2.29.- No dia 30 de Outubro de 2003, a Autora recebeu alta hospitalar;

2.30. - No dia 17 de Novembro de 2003 a Autora retomou o trabalho;

2.31. - Na sequência do relatório de anatomia patológica que tinha por objecto a biopsia efectuada a 27/10/2003, o Réu pediu à Autora para realizar mais três exames, a saber, uma nova ortopantomografia, uma nova TAC à mandíbula e, bem assim, uma cintigrafia óssea da mandíbula;

2.32. - Em cumprimento do indicado pelo seu médico, a Autora realizou no dia 25 de Novembro de 2003 a TAC e a cintigrafia;

2.33. - Nesse mesmo dia, o Senhor Dr. EE elaborou o relatório da TAC à mandíbula e a Senhora Dra. JJ elaborou o relatório da cintigrafia;

2.34. - O Réu recebeu e analisou os referidos relatórios;

2.35. - Porque se aproximava a época de Natal e considerando que a Autora tinha ainda de realizar, com um intervalo de 15 dias, duas recolhas de sangue (para auto-transfusão) a operação cirúrgica acabou por ser marcada apenas para o dia 29 de Janeiro de 2004;

2.36. - No dia 9 de Janeiro de 2004 a Autora realizou ainda, por requisição do Réu, uma nova ortopantomografia;

2.37. - No dia 29 de Janeiro de 2004, conforme previsto, a Autora foi novamente internada no HCVP;

2.38. - Nesse mesmo dia foi objecto de uma intervenção cirúrgica realizada pelo Réu;

2.39. - Nesta intervenção cirúrgica, o Réu procedeu à ressecção parcial da mandíbula com perda de continuidade 33.00.00.12 - 150 K ; reconstrução parcial da mandíbula com material aloplástico 33.00.00.19 - 100 K ; exodontias múltiplas 38.02.00.08 - 100 K; e vestibuloplastia 39.01.00.07 - 30 K, num total global de 380 K;

2.40. - A Autora recebeu alta hospitalar no dia 1 de Fevereiro de 2004;

2.41. - No dia 16 de Fevereiro de 2004 a Autora retomou o trabalho;

2.42. - Uma semana após a alta hospitalar o Réu retirou os pontos à Autora;

2.43. - Logo após ter retomado o seu trabalho, a Autora, a par de uma falta de sensibilidade na zona externa da face direita, começou a sentir uma fortíssima e aguda dor na zona interna do maxilar inferior do lado direito, ou seja, no local onde havia sido intervencionada;

2.44. - Por esta razão, entre os dias 18 e 19 de Fevereiro de 2004, tentou entrar em contacto com o Réu, mas como este não estava disponível, foi atendida por uma colega do mesmo, a Senhora Dra. KK;

2.45. Face às queixas apresentadas, a Senhora Dra. KK prescreveu a toma de Suubotex, 2 mg.;

2.46. No dia 21 de Fevereiro de 2004, domingo, o Réu telefonou para a Autora;

2.47. Nesta conversa telefónica, o Réu disse à Autora que havia sido informado pela sua colega, Senhora Dra. KK, das queixas apresentadas pela Autora e que haviam chegado à conclusão de que a dor aguda sentida pela mesma resultava da circunstância de a manga protectora do nervo dentário inferior direito (colocada na operação de 29 de Janeiro de 2007) ter ficado demasiadamente apertada ;

2.48. Tendo, na sequência, aconselhado uma nova intervenção cirúrgica com vista à remoção da referida manga protectora;

2.49. Assim, no dia 23 de Fevereiro de 2004 a Autora voltou a ser internada no H… (Doc. n.°15);

2.50. Nesse mesmo dia foi submetida à cirurgia de remoção da manga que havia sido colocada na operação de dia 29 de Janeiro de 2004;

2.51. No dia 24 de Fevereiro de 2004 a Autora recebeu alta hospitalar;

2.52. No dia 1 de Março de 2004 a Autora retomou o trabalho;

2.53. Embora a dor aguda tenha cessado, a falta de sensibilidade da face direita persistia;

2.54. O Réu informou a Autora que tal sintomatologia resultava das intervenções realizadas e que a mesma era normal;

2.55. Entretanto, uns dias mais tarde a Autora começou a sentir um formigueiro com picadas de dor naquela zona;

2.56. Em consulta com o Réu, este considerou que estas queixas resultavam de uma suposta má postura da mesma, pelo que encaminhou a Autora para uma colega oftalmologista;

2.57. A Autora foi então a uma consulta de oftalmologia, onde lhe foi prescrito o uso de óculos com lentes prismáticas;

2.58. Consequentemente, a Autora passou a usar as referidas lentes desde 17 de Abril de 2004;

2.59. Nesta altura, aliás, a sensação de formigueiro e picadas era tão intensa que a Autora não conseguia concentrar-se, nem trabalhar;

2.60. Por indicação do Réu, a Autora veio a fazer um tratamento fisioterápico;

2.61. Após ter realizado 12 sessões de fisioterapia, entre os dias 28 de Abril e 24 de Maio de 2004, a Autora não obteve qualquer melhoria;

2.62.- Pelo contrário, a sintomatologia agravou-se;

2.63. - Em consequência, a médica que seguiu a Autora, a Senhora Dra. LL, aconselhou-a a cessar o tratamento;

2.64. - Informado de que o tratamento de fisioterapia não havia produzido qualquer resultado e que as picadas de dor haviam aumentado de intensidade, o Réu disse à Autora que teria de desenervar o nervo dentário inferior direito, por ser essa a única solução a dar ao problema;

2.65. - Assim, em 17 de Junho de 2004, a Autora foi internada no H… e foi submetida a mais uma intervenção cirúrgica, durante a qual lhe foi desinervado o nervo dentário;

2.66.- No dia 18 de Junho de 2004 recebeu alta clínica;

2.67. - No dia 28 de Junho a Autora retomou o trabalho;

2.68. - Considerando a ressecção referida em 2.39., o Réu determinou que o espaço sem osso teria de ser preenchido com um enxerto da crista ilíaca direita;

2.69- Para tanto, a Autora foi novamente objecto de uma cirurgia, realizada pelo Réu no HCVP, em 14 de Outubro de 2004;

2.70.- A Autora esteve internada no H… do dia 14 até ao dia 18 de Outubro de 2004 e, no dia 8 de Novembro de 2004, a Autora retomou o trabalho;

2.71.- Cerca de 15 dias após ter recebido alta clínica, logo no início do mês de Novembro, apareceu uma mancha vermelha na zona superior do pescoço, logo abaixo da linha da mandíbula direita, ou seja, na zona vulgarmente designada por "papada";

2.72.- Dois dias após ter surgido a mancha vermelha, a Autora deu conta, ao acordar, que a sua almofada estava manchada com pus;

2.73.- Durante esse dia, a Autora apercebeu-se de várias libertações de pus;

2.74.- Face a esta circunstância a Autora telefonou ao Réu e marcou consulta;

2.75. - O R. prescreveu um tratamento antibioterápico durante oito dias;

2.76.- Na sequência de a A. manter o pus, o Réu acabou por pedir à Autora para suspender o tratamento antibioterápico e marcou, logo, uma consulta para o dia seguinte;

2.77.- Assim, no dia 12 de Novembro de 2004 foi observada pelo Réu; 2.78.- Nesta altura já era visível um quisto do tamanho de meio berlinde na zona inflamada;

2.79.- Por sorte, no final da consulta a Autora teve uma libertação de pus, o que permitiu ao Réu perceber que a mesma sofria de uma grave infecção na zona interior da mandíbula;

2.80.- Face a esta circunstância, o Réu requereu o internamento imediato da Autora no HCVP, o que aconteceu no próprio dia 12 de Novembro de 2004;

2.81.- Desta vez, face à gravidade da infecção, a Autora esteve internada no H… durante 23 dias seguidos;

2.82.- Durante este período de internamento, a Autora foi objecto, além de vários tratamentos médicos, a mais duas intervenções cirúrgicas;

2.83.- A primeira, realizada logo no dia 14 de Novembro de 2004, teve como objectivo a drenagem cirúrgica do pus, a qual foi efectuada através de uma incisão na zona superior do pescoço, logo abaixo da linha do maxilar inferior do lado direito, ou seja, na zona vulgarmente designada por "papada";

2.84. A segunda intervenção foi realizada no dia 25 de Novembro de 2004, e teve como propósito a remoção de material osteossíntese, designadamente, dois parafusos que havia sido colocado na operação de 14 de Outubro de 2004;

2.85.- Após ter recebido alta hospitalar, ao fim de 23 dias de internamento, a Autora foi para casa, onde ficou em recuperação até ao dia 02 de Janeiro de 2005;

2.86.- Desde a data de internamento até ao final de 2004, foi ministrada à Autora uma pesada medicação, constituída sobretudo por um cocktail de antibióticos, administrados através de injecções intravenosas e, bem assim, através de injecções intramusculares;

2.87.- Na sequência da intervenção a que a A. foi sujeita no dia 22/04/2005, a Autora esteve internada no H… durante 3 dias e só retomou o trabalho no dia 12 de Maio de 2005.;

2.88.- Em consequência das múltiplas intervenções no lado direito do maxilar, a Autora foi obrigada a processar toda a mastigação através do lado esquerdo.;

2.89.- Em Junho de 2005 o Réu iniciou um tratamento aos dentes dos maxilares do lado esquerdo;

2.90.- No âmbito deste tratamento, que ainda perdura, teve 6 consultas com o Réu, a última das quais em 14 de Novembro de 2005;

2.91.- Entretanto, nos finais de 2005, além de ter sentido um aumento das dores na zona direita maxilar inferior e de ter sentido alteração de sabor, a Autora deu conta do aparecimento de uma mancha vermelha na zona da face direita, junto à orelha;

2.92.- Em face desta sintomatologia, a Autora contactou telefonicamente o Réu.;

2.93.- Pode ler-se no relatório elaborado pelo Senhor Dr. EE, junto a fls. 68, datado de 25/11/2003, "A hemi-mandibula, particularmente a espanjosa do ramo horizontal é mais densa do que a contralateral, aspecto que é totalmente inespecifico e será provavelmente relacionado com reactividade após infecção e inflamação crónicas no passado recente";

2.94.- Mais esclarece que: " Na loca de extracção do # 46, nada mais observamos do que a mesma loca, parcialmente desmineralizada e alguma densificação da esponjosa, já descrita. Estes aspectos são observáveis nos cortes axiais e também nos cortes milimétricos contíguos em tamanho real 32 a 42 da película 3, onde se verifica a ausência de lesões da esponjosa ou da cortical; esta última esta integra e não há também reacção periostial. Assim, não há aspectos atribuíveis a lesões ocupando espaço líticas ou escleróticas." e que,

2.95.- "A restante apreciação da mandíbula é inteiramente considerada dentro da normalidade ";

2.96.- Entre Outubro e Novembro de 2003, a Autora teve a cara inchada, sofreu dores intensas e toda a sua alimentação resumiu-se à tomada de líquidos;

2.97.- A intervenção de 29 de Janeiro de 2004 determinou um internamento hospitalar de 4 dias e uma ITT de 18 dias.

2.98.- Também aqui sofreu dores e foi obrigada a alimentar-se apenas de líquidos;

2.99.- A neurectomia do nervo mentoniano obrigou a Autora a um novo internamento de mais dois dias e determinou uma ITT de 11 dias;

2.100.- Em face desta neurectomia, a Autora perdeu para sempre e irreversivelmente toda a sensibilidade na zona direita do queixo e do lábio inferior;

2.101.- Durante a recuperação desta operação a Autora também teve muitas dores, sobretudo devido à extensão da incisão que lhe foi feita, e também se alimentou apenas de líquidos;

2.102.- Mais obrigou a Autora a passar por uma fase de muito difícil adaptação e de grande tormento psicológico;

2.103.- O enxerto da crista iliáca direita no lado direito do maxilar inferior, realizado com intervenção cirúrgica de 14 de Outubro de 2004, provocou fortes dores à Autora e determinou, além de um internamento hospitalar de 5 dias, uma ITT de 24 dias;

2.104. O pós-operatório desta cirurgia foi especialmente difícil para a Autora;

2.105.- Foi obrigada a permanecer a maior parte do tempo deitada ou sentada, sem qualquer mobilidade, e ficou dependente do auxílio de terceiros para todo o tipo de tarefas diárias, incluindo para a higiene íntima;

2.106.- Sofreu fortíssimas dores, quer na perna, quer em toda a boca;

2.107.- Na sequência do enxerto referido em 2.103., a Autora esteve hospitalizada durante 23 dias e foi, nesse período, objecto de mais duas intervenções cirúrgicas ;

2.108.- A pesada medicação que foi obrigada a tomar, designadamente os tratamentos antibioterápicos, provocou-lhe náuseas e cefaleias e aumentou, gravemente, a possibilidade de vir a sofrer outras e graves infecções;

2.109.- A infecção sofrida pela Autora foi tão grave que lhe foi ministrado, depois de vários tratamentos antibioterápicos falhados, Teicoplanina, um antibiótico de elevado espectro usado no tratamento de infecções graves causadas por bactérias resistentes à maioria dos outros antibióticos;

2.110.- Em face dos vários antibióticos tomados pela Autora, as bactérias adquiriram resistência aos mesmos, pelo que qualquer tratamento antibioterápico futuro poderá ficar prejudicado;

2.111.- A autora sofreu fortes dores e sentiu intenso pânico por saber que a sua vida estava em perigo;

2.112.- A Autora sofreu, ainda, uma ITT de 51 dias;

2.113.- Com a última intervenção cirúrgica a Autora esteve hospitalizada durante 3 dias e sofreu uma ITT de 20 dias;

2.114.- Além de todas as dores sofridas, quer com as intervenções cirúrgicas, quer durante os períodos de convalescença, a Autora sofreu ainda muitas dores com os tratamentos ambulatórios a que foi sujeita;

2.115. - Acresce que, a Autora continua a receber tratamentos e ainda vai ter de se submeter a mais intervenções cirúrgicas;

2.116.- O tratamento aos dentes do lado esquerdo da mandíbula, iniciado pelo Réu, foi retomado na Clínica RR em Fevereiro de 2006, sendo que até à data já foi submetida a mais 7 sessões de tratamento;

2.117.- A Autora vai ter de se sujeitar, pelo menos, a uma intervenção cirúrgica para remoção da placa de reconstrução e a outra para reabilitação dentária com implantes dentários;

2.118.- A Autora perdeu para sempre a sensibilidade em todo o território do nervo dentário inferior direito;

2.119.- A Autora suportou, com as despesas de tratamentos, internamentos, intervenções cirúrgicas, consultas, viagens e estadas, um avultado prejuízo;

2.120.- Com o primeiro internamento no H... a Autora despendeu a quantia de € 1.785,91;

2.121.- Em honorários médicos cobrados pela biopsia cirúrgica, a Autora pagou ao Réu a quantia de € 1.200,00 e à médica anestesista, Sra. Dra. KK, a quantia de €300,00;

2.122.- A medicação administrada no pós operatório teve um custo de € 100,52;

2.123.- Com os exames de diagnóstico realizados antes da realização da biopsia cirúrgica, designadamente TAC e ortopantomografia, a Autora desembolsou a quantia de € 30,00;

2.124.- Com a TAC e a cintigrafia realizadas a 25 de Novembro de 2003, a Autora desembolsou a quantia de € 86,74;

2.125.- No que respeita à intervenção cirúrgica realizada no dia 29 de Janeiro de 2004 (na qual lhe foi mutilado o lado direito da mandíbula), a Autora despendeu a quantia de € 2.991,68 com o internamento no H…;

2.126. - Em exames complementares de diagnóstico, a Autora suportou o montante de €11,50;

2.127.- Em honorários médicos a Autora pagou à Ré pessoa colectiva através da qual o Réu prestou os serviços médicos à Autora o montante de 6.400,00;

2.128.- O custo com o internamento no H… para a realização da intervenção cirúrgica realizada no dia 23 de Fevereiro de 2004 ascendeu a 854,26;

2.129.- A Autora suportou a quantia de € 70,00 com a consulta de oftalmologia ( Doc. n.° 65 ), o montante de 30,00 com a consulta ortóptica e a quantia de €61,15 com as lentes prismáticas;

2.130.- Com o internamento de 17 e 18 de Junho de 2004, a Autora despendeu o montante de € 904,56;

2.131.- Em honorários médicos devidos pela neurectomia do nervo mentoniano, a Autora pagou à Ré a quantia de € 1.500,00;

2.132.- A Autora suportou também a quantia de 12,50 com uma das sessões de fisioterapia e o total de € 16,00 em exames de diagnóstico;

2.133.- Em honorários médicos referentes à cirurgia para enxerto da crista ilíaca direita ao maxilar inferior direito, a Autora pagou à Ré a quantia de E 4.800,00;

2.134.- Com o respectivo internamento a Autora pagou ao H… a quantia global de € 2.762,73;

2.135.- A Autora despendeu a quantia de € 9.900,15 com internamento ocorrido entre os dias 12 de Novembro a 4 de Dezembro de 2004;

2.136.- Com a ortopantomografia realizada no dia 11 de Novembro de 2004, a Autora despendeu a quantia de 4,49;

2.137.- A Autora pagou à Clinica MM, onde lhe foi ministrado o antibiótico injectável, a quantia de 12,00;

2.138.- A título de honorários médicos, a Autora pagou ainda à Ré o montante € 80,00;

2.139.- No que respeita à última cirurgia realizada pelo Réu, a Autora despendeu a quantia de € 811,59 com o internamento no H…;

2.140.- Com os respectivos honorários médicos a Autora pagou à Ré o montante de € 1.350,00;

2.141.- Com a ortopantomografia realizada no dia 26 de Janeiro de 2005, a Autora suportou a quantia de €4,50;

2.142.- Em análises realizadas na Faculdade de Farmácia, a Autora despendeu a quantia de €45,90;

2.143.- Com a TAC realizado no H… em 13 de Julho de 2005, a Autora suportou a quantia de €275,00;

2.144.- No tratamento dos dentes do maxilar inferior esquerdo, realizado entre Junho a Novembro de 2005, correspondente a 6 sessões, a Autora pagou à Ré a quantia total de €730,00;

2.145.- Na última consulta com o Réu, ocorrida em 9 de Janeiro de 2006, a Autora pagou à Ré a quantia de €100,00;

2.146.- Com a ortopantomografia realizada no dia 27 de Janeiro de 2001, a Autora suportou a quantia de €43,00;

2.147.- Com a consulta do Senhor Dr. NN, a Autora suportou a quantia de €50,00;

2.148.- Com a consulta do Senhor Dr. OO, a Autora suportou a quantia de 90,00 (Doc. n.° 91);

2.149.- Com a Consulta com o Senhor Dr. PP, da Clinica Universitária QQ, a Autora despendeu a quantia de € 150,00 e suportou em despesas de viagem e estadia, a quantia de € 851,88;

2.150.- Com o tratamento dos dentes do maxilar esquerdo, realizado na Clinica Dentária RR, a Autora despendeu, até à presente data, a quantia global de E 442,41;

2.151.- Em despesas de farmácia, a Autora suportou, até à presente data, a quantia global de €301,00;

2.152.- Com as consultas realizadas no Centro de Saúde de …, a Autora despendeu o montante global de € 30,00;

2.153.- A Autora suportou a quantia de €8,10, na sequência da consulta de urgência havida no Hospital SS;

2.154.- Em análises clínicas, a Autora suportou, até à presente data, a quantia de € 56,70;

2.155.- Em despesas com tratamentos e com medicamentos não suportados pelo seguro de saúde, a Autora despendeu a quantia de € 158,05;

2.156. - A Autora deixou de auferir remunerações em consequência das ITT sofridas;

2.157.- Na sequência e em consequência da biopsia cirúrgica realizada em 27 de Outubro de 2003, a Autora sofreu uma incapacidade total temporária para o trabalho desde o dia 27 de Outubro até ao dia 16 de Novembro de 2003, ou seja, de 19 dias;

2.158.- Durante este período a Autora perdeu 19 dias de remuneração;

2.159.- A Autora auferia, àquela data, uma remuneração diária de € 48,33;

2.160.- Na sequência e em consequência da segunda intervenção cirúrgica (ressecção parcial da mandíbula, reconstrução parcial da mandíbula vestibuplastia), a Autora sofreu uma incapacidade total temporária para o trabalho desde o dia 29 de Janeiro de 2004 até ao dia 15 de Fevereiro de 2004, ou seja, de 18 dias;

2.161.- Durante este período a Autora perdeu 18 dias de remuneração; 2.162.- A Autora auferia, naquela data, uma remuneração diária de € 48,33;

2.163.- Na sequência e em consequência da operação cirúrgica para remoção da manga de protecção do nervo mentoniano, a Autora sofreu uma incapacidade total temporária para o trabalho do dia 22 até ao dia 27 de Fevereiro de 2004, ou seja, durante 5 dias;

2.164.- Durante este período a Autora perdeu 5 dias de remuneração; 2.165.- A Autora auferia, naquela data, uma remuneração diária de € 51,90;

2.166.- Na sequência e em consequência da neurectomia do nervo mentoniano, a Autora sofreu uma incapacidade total temporária para o trabalho de 11 dias, ou seja, de 17 a 27 de Junho de 2004;

2.167.- Durante este período a Autora perdeu 10 dias de remuneração; 2.168. -A Autora auferia, naquela data, uma remuneração diária de € 51,90;

2.169.- Na sequência e em consequência da intervenção cirúrgica para enxerto do osso da crista ilíaca no lado direito do maxilar inferior, a Autora sofreu uma incapacidade total temporária para o trabalho de 18 dias:

2.170.- Durante este período a Autora perdeu 16 dias de remuneração; 2.171.- A Autora auferia, naquela data, uma remuneração diária de € 54,33;

2.172.- Na sequência e em consequência da infecção que determinou o sexto internamento da Autora no H… e que motivou, durante esse período, mais duas intervenções cirúrgicas, a Autora sofreu uma incapacidade total temporária para o trabalho de 51 dias;

2.173.- Durante este período a Autora perdeu 47 dias de remuneração; 2.174.- A Autora auferia, naquela data, uma remuneração diária de € 54,33;

2.175.- Na sequência e em consequência da intervenção cirúrgica para remoção da glândula sub-maxilar direita, a Autora sofreu uma incapacidade total temporária para o trabalho de 20 dias;

2.176.- Durante este período a Autora perdeu 20 dias de remuneração 2.177.- A Autora auferia, naquela data, uma remuneração diária de € 54,33;

2.178.- A Autora recebeu da Segurança Social, durante os vários períodos de ITT, a quantia global de € 4.050,23;

2.179.- A Autora padecerá irreversivelmente de uma assimetria mandibular secundária e da total falta de sensibilidade em todo o território do nervo dentário inferior direito;

2.180.- Tais danos afectam gravemente a Autora e correspondem a uma incapacidade parcial permanente de grau ainda não concretamente apurado mas que não é inferior a 15%;

2.181.- Tal incapacidade diminuirá, para sempre, a capacidade de trabalho da Autora;

2.182.- A Autora à data dos factos tinha 30 anos;

2.183. A Autora é licenciada em … e trabalha actualmente na Farmácia TT, em …, onde exerce as funções de Farmacêutica-Adjunta Substituta;

2.184.- Actualmente, a Autora aufere uma remuneração-base mensal de €2050,00, à qual acresce a quantia média de € 200,00 a título de trabalho suplementar e a quantia de € 126,50 a título de subsídio de almoço;

2.185.- A Autora aufere, pois, anualmente quantia não inferior a 32.000,00;

2.186.- A vida activa da Autora prolongar-se-á até aos 70 anos de idade;

2.187.- Em consequência dos danos referidos, a Autora terá ainda que receber vários tratamentos;

2.188.- A Autora terá, também, que se submeter a, pelo menos, uma intervenção cirúrgica para remoção da placa de reconstrução e a uma intervenção cirúrgica para reabilitação dentária com implantes dentários;

2.189.- A Autora não poderá ser submetida às referidas cirurgias antes da mandíbula direita ganhar osso suficiente;

2.190.- No espaço de um ano e meio, mais concretamente entre 27 de Outubro de 2003 a 22 de Abril de 2005, a Autora foi objecto de oito intervenções cirúrgicas, todas com anestesia geral;

2.191.- A Autora foi, também, submetida a vários tratamentos ambulatórios;

2.192.- A Autora viveu com grande ansiedade as intervenções cirúrgicas e os tratamentos a que foi submetida;

2.193.- Sofreu dores intensas durante os períodos de recuperação e convalescença;

2.194.- Os problemas havidos com o nervo dentário direito causaram-lhe dores fortíssimas e impediram-na, inclusive, de dormir e de trabalhar;

2.195.- Teve intensas dores, quer com as infecções de que padeceu, quer com os demais tratamentos ambulatórios a que se sujeitou;

2.196-. Autora realizou diversos tratamentos antibioterápicos com graves consequências para a sua saúde;

2.197.- A perda da sensibilidade em todo o território do nervo dentário direito é irreversível e limita, em grande medida, a vida da Autora;

2.198.- Apesar de ter obtido alguma melhoria na fase de adaptação, a Autora não consegue controlar totalmente a saída de comida, em especial de líquidos, da sua boca;

2.199.- A Autora tem receio de comer em locais públicos ou, em geral, em frente de terceiros;

2.200.- Em face da perda de sensibilidade, a Autora morde, frequente e inadvertidamente, o lábio inferior, o que lhe tem causado vários ferimentos;

2.201.- A assimetria da mandíbula direita constitui um grave dano estético que provoca na Autora um sentimento de inferioridade e de enorme tristeza;

2.202.- A Autora ficou sem os dentes 45, 47 e 48, condição que ainda hoje mantém;

2.203.- A Autora passou e tem passado por períodos de grande ansiedade, tristeza e intenso sofrimento psicológico e moral;

2.204.- Ainda hoje a Autora passa por períodos de depressão e por crises de choro;

2.205.- Todas estas circunstâncias, causam-lhe mágoa, desespero, angústia e insónias, além de profunda humilhação;

2.206.- O Réu é médico especialista em cirurgia maxilofacial, com grande experiência profissional;

2.207.- O Réu é, além do mais, professor associado da Faculdade de Medicina Dentária de …;

2.208.- O R. transferiu a responsabilidade civil pelo exercício de profissão para a DD - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A..,

2.209.- A autora recorreu aos serviços médicos do 1° réu devido a uma persistente dor sentida após extracção do dente, o n° 46 e após outras consultas com outros médicos;

2.210.- O Réu diagnosticou um osteoma (tumor benigno) bem como uma osteomielite na mandíbula do lado direito do maxilar inferior da Autora;

2.211.- Em consequência do que face deste diagnóstico, o Réu entendeu que a Autora tinha de ser submetida a uma intervenção cirúrgica ;

2.212.- Em 29 de Janeiro de 2004, o Réu procedeu à intervenção cirúrgica referida nos pontos 2.38. e 2.39, com extracção dos dentes 45, 47 e 48;

2.213.- Na consulta referida em 20., o Senhor Dr. II examinou o resultado da ortopantomografia;

2.214.- Na consulta referida em 2.26., o Réu informou a Autora de que a mesma sofria de uma osteomielite e que, em face deste diagnóstico, teria de realizar, com urgência, uma biopsia cirúrgica ;

2.215.- Face à urgência manifestada pelo Réu, o H… procedeu à marcação do internamento da Autora e à marcação da intervenção cirúrgica (biopsia) logo para o dia 27 de Outubro de 2003;

2.216.- Antes disso, a Autora realizou por indicação do Réu, mais uma ortopantomografia no dia 23 de Outubro de 2003;

2.217. - A Autora entregou ao Réu os resultados dos exames imagiológicos, tendo-os analisado nessa altura;

2.218. - No dia do internamento referido em 2.28., a Autora foi objecto da biopsia cirúrgica, realizada pelo Réu, na qual lhe foram extraídas peças para análise;

2.219.- No dia 17 de Novembro de 2003, o Laboratório de Anatomia Patológica do H… emitiu o relatório do exame às peças retiradas na biopsia cirúrgica realizada pelo Réu em 27 de Outubro de 2003, relatório esse assinado pela Médica Patologista, Senhora Dra. UU, onde consta «Fragmento de tecido ósseo lamelar maduro e denso e fragmentos de tecido fibroso - Osteoma » - cf. fls. 67;

2.220. - Após ter recebido o resultado do exame anotomopatológico, o Réu telefonou à Autora e informou-a que a mesma tinha um osteoma;

2.221. - Os exames imagiológicos referidos em 2.33. revelavam o constante em 2.93 a 2.95;

2.222.- O Réu assumiu a posição de que a Autora tinha de ser operada; 2.223.- Na operação referida em 2.69. foi realizado o enxerto referido em 103.

2.224.- A autora antes do dia referido em 2.77. informou o réu que a produção de pus não havia cessado - ver 74. a 79

2.225.- Após ter terminado a medicação referida em 86., a Autora passou a sentir uma dor aguda no lado direito da garganta;

2.226.- Na sequência a Autora realizou, por requisição do Réu, vários exames, designadamente duas ecografias, os quais vieram a revelar uma infecção crónica na glândula sub-maxilar direita

2.227.- Em face deste quadro, no dia 22 de Abril de 2005 a Autora voltou a ser operada pelo Réu no H… para remoção da glândula sub-maxilar direita

2.228.- No dia 9 de Janeiro de 2006, a Autor., deslocou-se ao consultório do Réu, o qual recebeu a mesma, apesar de a consulta se encontrar marcada em nome da sua mãe;

2.229.- A Autora optou por procurar outras opiniões e consultou outros médicos;

2.230.- Do relatório da cintigrafia, realizada no dia 25 de Novembro de 2003, resulta que a Autora tinha " hiperfixação focal do radiofármaco na mandíbula à direita, lesão focal única, podendo corresponder a tumor ósseo (benigno) ou processo inflamatório (padrão inespecifico), no entanto a valorizar no restante contexto» - cf. fls. 69;

2.231.- O Réu sabia que as intervenções do lado direito do maxilar inferior da Autora iriam causar dores à autora

2.232.- A A. sentia dores intensas há, pelo menos, um ano antes de consultar o R.;

2.233.- Em Julho de 2003, outro dentista tinha realizado à A. uma curetagem por infecção e feito antibioterapia, sem qualquer melhoria;

2.234.- O Professor Doutor II seguiu a A. durante o mês de Setembro de 2003, sob medicação antibiótica, por considerar que a doente apresentava um processo infeccioso crónico do ramo horizontal direito da mandíbula, originado ao nível do alvéolo do dente primeiro molar inferior direito (dente 46), extraído 5 meses antes, apresentando o alvéolo aberto sem sinais de cicatrização, com exposição do osso mandibular ao meio bucal;

2.235.- Esta situação resultou da progressão de uma infecção ao nível do osso esponjoso da mandíbula com os meses de evolução referidos;

2.236.- O referido médico encaminhou a A. para o R., que, após a primeira consulta, inteirando-se de todos os factos, constatou a clara existência de uma infecção óssea, ao nível do ramo horizontal direito da mandíbula, com exposição ao meio bucal da região do osso mandibular, correspondente à localização do dente 46, o que o levou a fazer diversos exames para efectuar um correcto diagnóstico;

2.237.- Devido à resistência aos sucessivos tratamentos antibióticos, de complexidade crescente desde Julho de 2003, foi feito o diagnóstico clínico de osteomielite da mandíbula, consequente a uma infecção crónica de origem odontogénica;

2.238.- Secundária a uma patologia dentária com mais de um ano de evolução, tornando-se imprescindível a realização de uma curetagem do local envolvido e a realização do exame anatomopatológico do osso removido;

2.239.- O diagnóstico do R. foi explicado à A. quanto à existência da patologia óssea infecciosa;

2.240. -Na presença de toda a história clínica e exames, estava indicado a realização de uma "ostectomia" da região do dente 46, feita em 27 de Outubro de 2003 e também referida a 28 e 218., da mandíbula" e que se demonstrou relevante para a análise anatomopatológica de uma amostra do osso;

2.241.- Na intervenção cirúrgica referida, procedeu-se à ostectomia ("remoção do osso") da tábua externa da zona do dente 46 e da zona óssea afectada ao nível do osso esponjoso (também chamado "trabecular" ou "medular"), por curetagem entre os dentes 45 e 47, até à cortical interna da mandíbula que se preservou, tendo o osso corticoesponjoso removido sido enviado para exame anatomopatológico;

2.242.- O referido exame foi avaliado inicialmente pela Sra. Dra. VV, especialista em Anatomia Patológica, a quem foi confiado no Hospital … e que, perante a hipótese da existência de um tumor ósseo;

2.243.- Foi de seguida solicitado ao Senhor Professor Doutor XX, Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de …, especialista em Anatomia Patológica e reconhecida autoridade mundial no campo da Histopatologia Oral e Maxilofacial, auxílio no esclarecimento da situação;

2.244.- No seu relatório foram identificados "hemorragias focais com infiltrado inflamatório de polimorfonucleares, aspectos de necrose ao nível da transição corticoesponjosa e múltiplos focos de infecção bacteriana (provavelmente estafilocócica)" que confirmam o diagnóstico clínico de "osteomielite".

2.245.- Verificou-se também: "ao nível do osso esponjoso que as trabéculas ósseas são mais densas sem atipias, aspecto sugestivo de osteoma trabecular", isto é, constatou-se a inexistência de doença maligna do osso, e a presença de um tumor benigno ao nível trabecular;

2.246.- A patologia diagnosticada, ao nível do osso trabecular do ramo horizontal direito da mandíbula, provocou um terreno desfavorável a uma normal evolução desde o início;

2.247.- A avaliação histopatológica definitiva do caso foi realizada pelo Senhor Professor Doutor XX, sendo muito relevantes os achados microscópicos, quer ao nível do tecido ósseo corticoesponjoso removido, que R. ao nível dos três dentes extraídos (45, 47 e 48), pois "todos os aspectos descritos concordam com uma infecção crónica em actividade" (vd. relatório do Professor XX), quer ao nível ósseo, quer dentário;

2.248.- O tratamento endodôntico, iniciado em Junho de 2002, alguns meses após a fractura, no início de 2002 "enquanto comia uma torrada" e o insucesso do mesmo ao longo de muitos meses, que terminou com a extracção dentária em Abril de 2003, indicia a existência de um processo insidioso profundo, em evolução ao nível ósseo, com agravamento marcado após a extracção;

2.249.- O R. marcou uma cirurgia, para o dia 29 de Janeiro de 2004, com a plena aquiescência da A., a quem foi toda a sua situação clínica devidamente explicitada;

2.250.- Esta foi realizada pelo R., tendo como ajudantes o Senhor Dr. ZZ, Chefe de Serviço de Cirurgia Maxilofacial e o Senhor Dr. AAA, Assistente Hospitalar de Cirurgia Maxilofacial do Hospital de BBB;

2.251.- Na referida intervenção cirúrgica procedeu-se à abordagem da região em causa realizando inicialmente a abertura do osso na localização do dente 46;

2.252.- Ao aceder ao nervo dentário inferior e visualizar o seu estado, foi perceptível que a maioria das queixas dolorosas eram originadas pela compressão do nervo por espículas ósseas abundantes, ao longo do trajecto nervoso desde o buraco mentoniano, ao nível do dente 45 até ao dente 48, havendo ausência marcada do osso cortical superior a canal dentário;

2.253.- Pela extensão da afecção, evidente durante a intervenção cirúrgica, tornou-se imprescindível a remoção do osso e dos dentes adjacentes;

2.254.- Foi, assim, criada uma descontinuidade óssea ao nível da cortical óssea externa e do osso esponjoso adjacente, tendo sido preservada apenas a continuidade óssea ao nível da cortical interna da mandíbula, incapaz de, por si só, garantir a integridade morfofuncional da mandíbula, sem se fracturar;

2.255.- Para assegurar essa estabilidade procedeu-se à colocação de uma placa de titânio na face externa da mandíbula;

2.256.- O nervo dentário encontrava-se com sinais de intenso sofrimento, tendo entre os intervenientes sido equacionado a sua viabilidade ou não;

2.257.- Na tentativa de preservar o nervo e conseguir uma regeneração nervosa, optou-se por colocar uma endoprótese tubular de teflon, aberta longitudinalmente com o intuito de proteger o nervo dos tecidos envolventes e possibilitar a sua recuperação;

2.258.- O R. procedeu à remoção da protecção envolvente do nervo, na tentativa, ainda, de poder preservá-lo;

2.259.- Mais tarde, devido à dor que a A. sentia, ficou acordado a desinervação, uma vez que, como já se havia verificado da primeira intervenção de 29 de Janeiro de 2004, o nervo estava em "sofrimento";

2.260.- Em 14 de Outubro de 2004, procedeu-se à reconstrução do ramo horizontal direito com enxerto ósseo da crista ilíaca, estando presente a mesma equipa cirúrgica e a mesma anestesista da cirurgia de 29 de Janeiro de 2004;

2.261.- A 12 de Novembro de 2004 desenvolveu-se uma infecção ao nível da mandíbula da qual resultou a perda da parte cortical do enxerto ósseo;

2.262.- Com a recente patologia infecciosa da mandíbula, estaria a A. muito mais sujeita a infecções do que o normal e com a resistência aumentada a vários antibióticos e por essa situação e para segurança da doente, foi decidido o novo internamento para tratamento;

2.263. - A 22 de Abril de 2005 a A. foi submetida a uma nova intervenção, agora de glândula submandibular direita;

2.264.- A 24 de Outubro de 2003 foi feita uma TAC, que mostra a existência de patologia óssea da região posterior do ramo horizontal direito da mandíbula e observa-se que no ramo horizontal direito da mandíbula, ocupando parte da zona posterior ao dente 45, existe um processo patológico do osso mandibular, com radiopacidade óssea da esponjosa óssea;

2.265.- A A. encontrava-se à data da última consulta do R. já numa situação de perfeita estabilização, para avaliação do estado do osso mandibular;

2.266.- A autora teve perfeita percepção de que a sua vida esteve em perigo aquando da infecção do enxerto e viveu momentos de pânico por força dessa circunstância.

Não se provaram estoutros factos:

2.267. - Considerando os exames realizados à Autora, o Réu nunca podia ter diagnosticado a existência de um extenso osteoma no lado direito do maxilar inferior da Autora

2.268.- E não podia ter optado pela ressecção do lado direito do maxilar inferior da Autora;

2.269.- Com esta conduta, o Réu colocou a Autora em perigo de vida (além de ser conclusivo, pois qualquer intervenção cirúrgica envolve perigo de vida, mas dá-se como não provado por estar associado à conduta alegadamente indevida referida no art° 6° da base instrutória);

2.270.- Cerca de um mês depois da data referida em 2.59., o Réu, face à difícil adaptação da Autora àquelas lentes e à ausência de qualquer melhoria, acabou por aconselhar a mesma a desistir do uso dos óculos - resulta apenas o que já consta quanto à data sem resultar em concreto se foi ou não o réu a aconselhar a autora;

2.271.- Face à extensão da ressecção realizada na operação de 29 de Janeiro de 2004, o lado direito do maxilar inferior da Autora ficou sem osso - a resposta é apenas a constante dos pontos 2.39. e 2.212;

2.272.- A operação referida em 2.69. que teve uma duração de cerca de 7:00 horas;

2.273.- Na consulta referida em 2.74., o Réu não conseguiu apurar a origem do pus ;

2.274.- A Autora não deixou de sentir, embora com menor intensidade, dores no lado direito do maxilar inferior, as quais, aliás, ainda hoje perduram - provado o que já resultou da matéria de facto assente, nomeadamente o ponto 2.111;

2.275.- Este esforço adicional do lado esquerdo, referido em 2.88., acabou por danificar os dentes do lado esquerdo dos maxilares, inferior superior - provado o que consta do ponto 2.118, 2.88 e 2.89;

2.276.- Na sequência do que se descreve em 2.92, o R não deu qualquer resposta às queixas da Autora e mostrou-se totalmente indisponível para uma consulta e só através de uma marcação feita em nome da mãe da Autora é que esta logrou obter uma consulta com o Réu;

2.277.- Foi nessa altura, em conversa com o Réu, que a Autora se apercebeu, pela primeira vez, que o tratamento clínico indicado pelo Réu podia não ter sido o mais adequado;

2.278.- De acordo com a opinião unânime de todos os médicos especialistas que a Autora consultou durante o ano de 2006, as intervenções cirúrgicas, tratamentos, infecções e todos os danos físicos que a Autora sofreu, e que ainda vai ter de sofrer, foram absolutamente desnecessários e injustificados

 (além de conter matéria conclusiva na parte final);

2.279.- De todos os exames imagiológicos realizados, antes e depois da biopsia cirúrgica, resulta claro que a Autora tinha tão somente um minúsculo foco inflamatório ;

2.280.- Para um diagnóstico completo e para se determinar a terapia adequada à Autora, bastaria uma análise cuidada dos exames imagiológicos realizados antes da biopsia cirúrgica.

2.281.- Em face dos exames imagiológicos realizados até à biopsia cirúrgica, designadamente, ortopantomografia realizada em 3 de Setembro de 2003, ortopantomografia realizada em 23 de Outubro de 2003 e TAC realizada em 24 de Outubro de 2003 não era necessário, sequer, a realização da mesma;

2.282.- A intervenção cirúrgica de 29 de Janeiro de 2004, foi injustificada e desnecessária e foi consequência directa de todas as demais intervenções cirúrgicas e tratamentos de que a Autora foi objecto;

2.283.- Não obstante o teor do relatório assinado pela médica patologista do Laboratório de Anatomia Patológica do H… Sra. Dra. UU, todos os dados clínicos e exames imagiológicos entretanto realizados confirmaram, inequivocamente, que a lesão detectada consistia apenas num minúsculo e inespecífico foco inflamatório

2.284.- A ortopantomografia realizada após a biopsia cirúrgica revelou, uma vez mais, que a Autora tinha apenas uma minúscula lesão localizada no lado direito do maxilar inferior;

2.285.- Também, da TAC à mandíbula realizada no IMI - Imagens Médicas Integradas em 25 de Novembro de 2003, pelo Senhor Dr. EE, resulta que a Autora sofria apenas de um minúsculo foco inflamatório inespecífico - provado o que resulta dos pontos 2.93. e 2.94;

2.286.- Em face dos exames de diagnóstico realizados, o tratamento adequado passava, quanto muito, por uma mera e pequena raspagem no local em que se detectou o minúsculo foco inflamatório (sem anestesia geral) e nunca, como fez o Réu, pela ressecção do lado direito do maxilar inferior

2.287.- Ainda que se tratasse de osteoma o que, como se viu, não era, o tratamento indicado passava igualmente por uma mera raspagem local.

2.288.- O tratamento de osteomas, tumores benignos, não deve ser invasivo e antes de controlo clínico-radiográfico - conclusivo e não circunscrito ao caso em concreto;

2.289.- Sempre que se justifique uma excisão cirúrgica, o que nem sequer se justificava no caso em apreço, esta deve ser feita efectuada de forma totalmente conservadora e com a extracção limitada à lesão, já que não há qualquer possibilidade de recidiva ou de malignização;

2.290.- Apesar da sua formação e da experiência profissional, o Réu menosprezou os inequívocos resultados dos exames realizados à Autora;

2.291. - Caso o Réu não tivesse optado por proceder à ressecção do lado direito do maxilar inferior direita da Autora — como era a sua obrigação — esta nunca teria sofrido as intervenções cirúrgicas e os tratamentos já descritos;

2.292.- Nem teria sofrido a gravíssima infecção que determinou o seu internamento por 23 dias no H… e que a colocou em perigo de vida.

2.293.- Não tivesse o Réu optado, sem qualquer fundamento ou justificação, pela ressecção do lado direito do maxilar inferior da Autora, nunca a mesma teria sofrido quaisquer danos e prejuízos;

2.294.- Em consequência da biopsia cirúrgica realizada em 27 de Outubro de 2003, a Autora esteve internada no H… durante 4 dias e teve uma incapacidade total para o trabalho de 19 dias - provado o que consta dos pontos 2.28. a 2.30. dos factos assentes/provados;

2.295.- Com a intervenção cirúrgica de 29 de Janeiro de 2004, o lado direito do maxilar inferior da Autora foi mutilado e, em seu lugar, colocada uma placa de titânio de grande dimensão - provado o que consta do ponto 3.39 dos factos provados;

2.296.- Em consequência desta cirurgia, a Autora ficou com a cara inchada e deformada e suportou uma alimentação apenas de líquidos durante 3 semanas - provado o que consta dos pontos 2.37 a 2.41;

2.297.- As dores que a Autora sofreu em consequência da manga de protecção do nervo dentário, excessivamente apertada pelo Réu, foram tão violentas que lhe provocaram acessos de choro compulsivo e a impediram de dormir noites seguidas;

2.298.- Em consequência da intervenção cirúrgica realizada no dia 23 de Fevereiro de 2004, para remoção da manga protectora do nervo mentoniano, a Autora esteve internada durante 2 dias e sofreu uma ITT de 5 dias - provado o que consta dos pontos 2.49 a 2.52 dos factos provados;

2.299.- Não obstante a adaptação à nova circunstância referida em 100. a 102., a Autora continua a padecer, e continuará a sofrer para o resto da sua vida, de grande limitação - provado o que consta dos pontos 2.100 a 2.102 e 2.180 dos factos provados;

2.300.- O enxerto referido em 2.103. provocou uma infecção colocou a Autora em efectivo perigo de vida e obrigou ao seu internamento com carácter de urgência - provado o que consta dos pontos 2.103. a 2.109 dos factos provados;

2.301.- Todo o enxerto realizado se desfez e se perdeu - provado o que consta do ponto 2.206;

2.302.- Em consequência da actuação do Réu, a A Autora sofre, irreversivelmente, de uma assimetria mandibular secundária;

2.303.- A circunstância descrita em 2.202. além de obrigar a Autora a processar toda a mastigação pelo lado esquerdo, com a consequente deterioração de toda a dentição desse lado, provoca-lhe grande sensação de vergonha - provado o que consta dos pontos 2.197 a 2.205 dos factos assentes/provados;

2.304.- Em consequência da cirurgia para drenagem de pus, a Autora ficou marcada na papada com uma cicatriz com um diâmetro de 2,5 cm;

2.305.- O Réu tinha de saber, em face dos resultados dos exames realizados, que a Autora tinha apenas um minúsculo foco inflamatório e não um extenso osteoma;

2.306.- O R. advertiu a A. para a necessidade de controlo prolongado da infecção e da dor, com recurso a antibióticos e analgésicos e não a cirurgia;

2.307.- O Dr. CCC, Chefe de Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, do Instituto Português de Oncologia de … gratuitamente, consultou a A. para fazer uma análise cuidada do caso, a pedido do R., na Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de …;

2.308.- Realizou-se uma nova TAC, a 13 de Julho de 2005, que demonstrou que o enxerto esponjoso colocado na reconstrução fora eficaz;

2.309.- Toda a terapêutica foi seguida com a mais cuidada e conscienciosa conduta profissional conclusivo;

2.310.- A A. manteve enorme insistência em ser operada o mais rapidamente possível ao invés de ter aguardado até à Páscoa, uma vez que alegadamente, sofria de "dores terebrantes" há muito tempo;

2.311.- Uma vez que a infecção mandibular não regredia e essas dores se tornavam cada vez mais intensas, produzindo profundo sofrimento à A., não esquecendo também a cintigrafia de 8 de Janeiro em que parecia não haver qualquer melhoria - conclusivo e já resulta da resposta positiva na parte meramente factual;

2.312.- Foi explicado à A. que para o tratamento da osteomielite da mandíbula, haveria necessidade de estender a remoção óssea até se encontrar osso são, o osso esponjoso afectado pelo osteoma trabecular remanescente à anterior intervenção cirúrgica encontrar-se-ia incluído nesta segunda ostectomia, mais alargada - provado o que consta do ponto 2.248;

2.313.- A avaliação intra-operatória forneceu o esclarecimento definitivo ao caso concreto;

2.314.- O R. sempre se mostrou totalmente disponível (mesmo nas raras situações que não esteve presente), reencaminhando-a sempre para um outro distinto colega e estando o R. sempre disponível para receber a A. onde quer que estivesse e atender o telefone a qualquer hora do dia ou da noite, em Portugal ou no estrangeiro e ainda que o R. acompanhou de muito perto toda a situação clínica até aqui verificada, tendo um contacto quase diário, quer com a doente, quer com a sua mãe - conclusivos e irrelevantes;

2.315.- Inúmeras vezes o R. esperou até horas tardias para dar uma consulta a pedido da A., que várias vezes lha pedia, nunca nada lhe sendo negado usivo;

2.316.- O zelo e preocupação que guiam e sempre guiaram o R. no tratamento dos seus doentes teve plena aplicação no caso da A.


De direito:

Em face da síntese conclusiva apresentada pela recorrente (autora), balizadora do objecto do recurso – artigos 635.º, n.º 4, e 639.º,n.º 1, do Código de Processo Civil – e, bem assim, das contra-alegações do recurso, vêm suscitadas as seguintes questões, ordenadas segundo critério lógico:

  - admissibilidade do recurso;

 - nulidade do acórdão recorrido;

- obrigatoriedade da formulação de convite pelo Tribunal da Relação ao recorrente para aperfeiçoar as conclusões da sua alegação de recurso.


1. Entende o recorrido que a existência de dupla conformidade entre a sentença de 1.ª instância e o acórdão da Relação implica a inadmissibilidade do recurso de revista de acordo com disposto no artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

Apreciando.

Os presentes autos foram propostos no dia 2 de Outubro de 2007 e o acórdão da Relação foi proferido na vigência do actual Código de Processo Civil, pelo que ao presente recurso de revista se aplica o regime de recursos decorrente do D.L. n.º 303/2007, de 24 de Agosto, com as alterações agora introduzidas, com excepção do n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, em conformidade com o que estabelece a norma de direito transitório contida no artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.

Está, assim, excluída a aplicação do disposto no citado artigo 671.º, n.º 3, por disposição expressa da lei adjectiva.

Na consideração, de “que o legislador pretendeu não privar a parte de um recurso com que podia contar segundo o regime vigente à data da instauração da acção, o que significa que aplicando-se o novo regime de recursos, não se aplica, porém, a restrição ao recurso de revista resultante da situação de dupla conforme (que não existia na lei vigente anterior ao DL n.º 303/2007) ” – Acórdão de 27-03-2014, Revista excepcional n.º –, conclui-se, igualmente, pela não aplicação do congénere artigo 721.º, n.º 3 do CPC, introduzido pelo D.L. n.º 303/2007, de 24-08 (neste sentido se pronunciou este Supremo Tribunal de justiça nos Acórdãos de 14-03-2014, revista excepcional n.º 3038/07.3TVLSB.L1.S1, e de 09-11-2017, revista excepcional n.º 772/04.3TBABF.E1.S1), solução que o artigo 11.º, n.º 1, deste diploma já impunha.

Em suma, não se aplica ao recurso de revista o obstáculo da dupla conforme consagrado no pretérito artigo 721.º, n.º 3, do Código de Processo Civil e no actual artigo 671.º, n.º 3, do mesmo código.

E, ainda que, por mera hipótese, fosse de aplicar, no caso, o disposto em algum daqueles preceitos, sempre se concluiria inexistir dupla conformidade entre as decisões das instâncias. Com efeito, ao ser questionado o respeito pelas normas processuais dos artigos 639.º, n.º 3 e 652.º, n.º 1 al. a), ambos do Código de Processo Civil, pelo Tribunal da Relação, na vertente de eventual obrigação de convite ao aperfeiçoamento das conclusões, não poderá afirmar-se que exista uma questão comum sobre a qual tenham sido proferidas duas decisões conformes. Neste sentido, sobre o caso paralelo em que se questiona o cumprimento dos ónus previstos no artigo 640.º do CPC, ver Acórdãos deste Supremo Tribunal de 14-05-2015 (revista excepcional n.º 29/12.6TBFAF.G1.S1), de 21-01-2016 (revista excepcional n.º 174967/12.3YIPRT.P1.S1), de 03-11-2016 (revista excepcional n.º 3081/13.3TBBRG.G1.S1), de 22-02-2017 (revista excepcional n.º 481/09.7TBMNC.G1.S1) e de 19-10-2017 (revista excepcional n.º 1/09.3TBMDA.C1.S1) –.

Pelo exposto, não existe óbice legal à admissão do recurso de revista.


2. A recorrente imputa ao acórdão recorrido o vício da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, com o argumento de que se recusou conhecer do mérito da causa por, alegadamente, as suas alegações não observarem o disposto no artigo 639.º, n.º 1 e 640.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, quando a mesma cumpriu os ónus exigidos neste último normativo.

O cumprimento ou incumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto na apelação apenas releva, atenta a forma como o recorrente – no contexto do princípio processual da auto-responsabilidade das partes – estruturou o recurso de revista, como argumento da questão da nulidade do acórdão e não como questão a decidir.

As questões a decidir são, por conseguinte, a da nulidade do acórdão e, se não ocorrer tal vício, a da violação do dever de convite ao aperfeiçoamento das conclusões.

Vejamos.


2.1. A nulidade em causa, prevista na al. d) do artigo 615.º do Código de Processo Civil, correlaciona-se com a obrigação de o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação consignada no artigo 608.º, n.º 2, daquele código, ao qual se referirão, doravante, todos os preceitos citados sem outra menção expressa.

A omissão de pronúncia enquanto vício da decisão confina-se, porém, aos casos em que o juiz, ou o colectivo de juízes, omite pronúncia total sobre questão suscitada pela parte ou pelo recorrente, e não também aos casos em que emite pronúncia expressa sobre a razão ou razões do não conhecimento do fundo da questão com base em determinados obstáculos processuais. Nestes, quadra o caso concreto, em que a Relação decidiu não conhecer da impugnação da decisão sobre a matéria de facto suscitada na apelação por, em seu entender, a recorrente não ter cumprido integralmente o ónus alegatório correspondente previsto no artigo 640.º, n.º 1.

A pronúncia sobre a questão teve, como se vê, o sentido expresso da rejeição do seu não conhecimento, o que não equivale a não pronúncia; caso contrário, o legislador teria consagrado duas soluções paradoxalmente antagónicas, a saber: por um lado, a rejeição do recurso por incumprimento daquele ónus (artigo 640.º, n.º 1) e, por outro lado, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, al. d)), interpretação que se rejeita por carecida de sentido.

Logo, improcede a arguida nulidade do acórdão recorrido.


2.2. Questão diferente da nulidade do acórdão é a de saber se o Tribunal da Relação estava obrigado a, previamente à rejeição do conhecimento da questão da impugnação da decisão fáctica, convidar o recorrente a aperfeiçoar as deficiências de que padecesse, nesse particular, a peça recursória, da qual, porque suscitada pela recorrente, passamos a conhecer.

O acórdão recorrido decidiu não tomar conhecimento da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto (i) por, nas alegações, a recorrente ter manifestado genérica discordância com o julgamento da matéria de facto, transcrevendo parcial e sinteticamente excertos de depoimentos, indicando pontualmente os pontos de facto incorrectamente julgados e não indicando, concretamente, a decisão a conferir, em seu entender, aos específicos pontos de facto impugnados (provado, não provado, provado apenas) e, bem assim, (ii) por não ter indicado nas respectivas conclusões o objecto daquela impugnação, ou seja, os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, num universo de 315, e as decisões a proferir sobre eles pelo tribunal ad quem, ónus imposto pelo citado artigo 640.º, n.º 1.

A recorrente entende que, de acordo com o disposto no artigo 639.º, n.º 3, devia “o Juiz Relator da Relação convidar a Apelante a aperfeiçoar as alegações; aí sim se esta não o fizesse sob pena de rejeição do Recurso”.

A questão a resolver assenta na premissa de que o recorrente não deu cumprimento integral aos ónus impostos no artigo 640.º, expressamente afirmada pela Relação e apenas colocada em crise na presente revista sob a veste de omissão de pronúncia potencialmente geradora da nulidade do acórdão, questão já tratada supra e que já não está neste momento em discussão.

Ainda assim, sempre se dirá ser inteiramente correcta a apreciação feita pela Relação.

O cotejo do ónus primário de o recorrente especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, contemplado, respectivamente, nas alíneas a) e c) do artigo 640.º, n.º 1, foi parcialmente ignorado pelo recorrente nas alegações, quanto à indicação da decisão a proferir, em seu entender, e integralmente ignorado nas conclusões do recurso.

Nestas, o que se observa é a manifestação pela recorrente, de forma expositiva e narrativa, de discordância com o decidido na 1.ª instância em matéria de facto, longe da exigida forma especificada traduzida na indicação com precisão e clareza dos factos atacados e, bem assim, da decisão a proferir relativamente a cada um deles.

O universo de trezentos e quinze factos relevantes para a boa decisão da causa impunha, por forma a garantir o exercício cabal do contraditório pela parte contrária e o respeito do princípio do dispositivo pelo Tribunal, aqui na dupla perspectiva de não conhecer mais do que aqueles concretos pontos impugnados e de não decidir mais do que a decisão pedida, impunha que a recorrente tivesse sido cuidadosa na apresentação da questão, conformando-a com os ditames legais expressos a propósito.

Daí que, ante o incumprimento do referido ónus no contexto da extensão e complexidade do substrato fáctico e probatório da acção, o desfecho lógico e legal tenha sido o da rejeição do recurso nessa parte, cominação confirmada em casos análogos de omissão daquele ónus nas conclusões, podendo citar-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03-05-2016 (revista n.º 145/11.1TNLSB.L1.S1), de 31-05-2016 (revista n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1), de 02-06-2016 (revista n.º 781/07.0TYLSB.L1.S1), de 27-10-2016 (revista n.º 3176/11.8TBBCL.G1.S1) e de 20-06-2017 (revista n.º 36998/13.5YIPRT.E1.S2).

Cumpre então saber se, antes da decisão de rejeitar o conhecimento da questão, o Tribunal da Relação devia ter convidado a recorrente a completar as alegações e as conclusões.

O recorrente funda a obrigatoriedade desse convite no disposto nos artigos 639.º, n.º 3 e 652.º, n.º 1, al. a), preceitos que enunciam o dever de o juiz relator convidar as partes a completar, esclarecer ou sintetizar as conclusões quando sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior.

A consagração do convite ao aperfeiçoamento enfrenta quanto à questão da impugnação da decisão sobre a matéria de facto dois obstáculos evidentes:

- primeiro, a norma adjectiva que o prevê regula o genérico ónus de alegar e formular conclusões e não o especial ónus relativo à impugnação da decisão relativa à matéria de facto; e

 - segundo, circunscreve-se unicamente às conclusões, e não também às alegações strictu sensu, donde a aplicação ao caso em questão sempre redundaria na impossibilidade de contornar o incumprimento, nas alegações, do ónus de especificação da decisão que o recorrente pretendia ver proferida sobre as questões de facto impugnadas.

A transposição do convite ao aperfeiçoamento das conclusões do recurso para o caso sub judice enfrenta um obstáculo maior e decisivo, traduzido na contemplação, relativamente ao especial ónus consagrado no artigo 640.º n.º 1, da consequência do incumprimento do mesmo enunciada na expressão “sob pena de rejeição”.

A interpretação desta expressão – “sob pena de rejeição” –, relacionada com a circunstância de o recorrente beneficiar já de um prazo suplementar de 10 dias, acrescido ao prazo normal do recurso de 30 dias, no caso de impugnar a decisão da matéria de facto com base em prova gravada (artigo 638.º, n.ºs. 1 e 7) inculca a ideia que o desrespeito do cumprimento do respectivo ónus é sancionado com imediata rejeição do recurso, não havendo, neste particular, espaço para qualquer convite intercalar.

A existir, o convite abriria a possibilidade de o recorrente inadimplente beneficiar de um segundo prazo complementar de recurso e ser favorecido, sem justificação razoável, face ao recorrente cumpridor.

De facto, “A comparação que necessariamente tem que ser feita com o disposto no artigo 639.º e, além disso, a observação dos antecedentes legislativos levam-se a concluir que não existe, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento. Resultado que é comprovado pelo teor do artigo 652.º, n.º 1, al. a), na medida em que limita os poderes do relator ao despacho de aperfeiçoamento «das conclusões das alegações, nos termos do n.º 3 do artigo 639».” (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª Edição, pág. 157).

Posição que, de resto, tem sido sustentada de forma consistente na jurisprudência deste Tribunal. Por todos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03-05-2016, (revista n.º 145/11.1TNLSB.L1.S1), de 02-06-2016, (revista n.º 781/07.0TYLSB.L1.S1), de 27-10-2016, (revista n.º 3176/11.8TBBCL.G1.S1), de 14-12-2016, (revista n.º 4677/14.1TBVNG.P1.S1) e de 19-10-2017 (revista n.º 11522/14.6T2SNT.L1.S2).

Por fim, à conclusão tirada pela recorrente, de que na falta daquele convite “a Relação incorre numa nulidade do Acórdão que urge que o STJ corrija”, contraponha-se que sempre a “omissão do dever de convidar o recorrente a apresentar conclusões relativas à questão da impugnação da matéria de facto não integra uma nulidade da sentença, mas antes uma nulidade processual por se traduzir na omissão de uma formalidade que a lei prescreve e que influi no exame ou na decisão da causa – arts. 195.º, n.º 1, e 639.º, n.º 5, do NCPC (2013)” (cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de 10-12-2015, revista n.º 1497/08.6TVLSB.S1), não alegada oportunamente.

Também neste particular improcede o recurso.


III. Decisão:

Pelo exposto, acorda-se no Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 24 de Maio de 2018


Fernanda Isabel Pereira (Relatora)

Olindo Geraldes

Maria do Rosário Morgado