Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
382/15.0T8VRL.G2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
RESOLUÇÃO BANCÁRIA
DEVER DE INFORMAÇÃO
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
CONCLUSÕES DA MOTIVAÇÃO
LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA
DELIBERAÇÃO
BANCO DE PORTUGAL
ACÇÕES PREFERENCIAIS
AÇÕES PREFERENCIAIS
INTERPRETAÇÃO DE SENTENÇA
DIREITO DE ACÇÃO
DIREITO DE AÇÃO
PROCESSO EQUITATIVO
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Almedina, p. 155 e 156;
- Castanheira Neves, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 110º, p.. 289 e 305;
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, Volume I, p. 415 e 416;
- Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 110º, p. 42.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4 E 636.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 27-05-2010, PROCESSO N.º 327/1998.S1, IN, WWW.DGSI.PT;
- DE 05-05-2015, PROCESSO N.º 10033/09, IN, SUMÁRIOS, 2015, P. 259;
- DE 19-10-2017, PROCESSO N.º 11522/14.6T2SNT.L1.S2, IN, SUMÁRIOS, 2017, P. 259.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- DE 08-04-2015, PROCESSO N.º 220/2015, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. O nosso ordenamento jurídico atribui ao Banco de Portugal uma competência discricionária para, no respeito dos princípios gerais da adequação e da proporcionalidade, aplicar as medidas previstas no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, tendo em conta o risco ou o grau de incumprimento, por parte da instituição de crédito, das regras legais e regulamentares que disciplinam a sua actividade, bem como a gravidade das respectivas consequências na solidez financeira da instituição em causa, nos interesses dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro, deliberando em função do que melhor convier aos objectivos do reequilíbrio financeiro da instituição, da protecção dos depositantes, da estabilidade do sistema financeiro como um todo e da salvaguarda do erário público.

II. A resolução encerra, a par de outros procedimentos, designadamente, a intervenção correctiva e a administração provisória, uma das medidas que o Banco de Portugal pode determinar com o objectivo da defesa da solidez financeira de uma qualquer instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro.

III. A resolução é uma figura específica do direito bancário, regulada por lei especial, Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, que é aplicada por acto administrativo da competência do Banco de Portugal.

IV. A medida de resolução que o Banco de Portugal pode aplicar, assumindo os poderes discricionários que lhe são conferidos pela lei, consiste na transferência parcial ou total da actividade para instituições de transição, importando que no âmbito desta medida de resolução, o Banco de Portugal delimita a transferência parcial ou total dos direitos e obrigações de uma instituição de crédito, competindo-lhe constituir a instituição de transição e aprovar os respectivos estatutos, sendo certo que após a transferência prevista, o Banco de Portugal pode, a todo o tempo, transferir ou retransmitir, activos, passivos, elementos patrimoniais e activos sob gestão.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – RELATÓRIO


AA intentou a presente acção de processo comum nos Juízos Centrais Cíveis de … – J… – Comarca de Vila Real contra o Banco BB, S.A., peticionando a condenação do Réu a entregar ao Autor a quantia depositada no montante de €566.750,39 e os juros contratualizados, no montante de €61.231,29 e a pagar-lhe juros moratórios vencidos e calculados nos sobreditos termos no montante de €11.699,38, o que perfaz o montante global de €639.681,06€ (seiscentos e trinta e nove milhares seiscentos e oitenta e um euros e seis cêntimos); e ainda a condenação do Réu a pagar ao Autor os juros que se vençam, calculados à indicada taxa de 4% sobre a quantia de €639.681,06, desde a entrada em juízo da petição inicial até efectivo e integral pagamento.

Articulou, com utilidade que procedeu à abertura de uma conta no Banco BB, S.A., com o n.º 00…, na agência daquela entidade financeira; que em 28 de Agosto de 2012, fez um depósito a prazo na referida no valor de €566.750,39 (quinhentos e sessenta e seis milhares setecentos e cinquenta euros e trinta e nove cêntimos); que em Agosto de 2014 se dirigiu à agência do CC sita em …, sendo que o funcionário da mesma declarou que a conta não estava provisionada com a aludida quantia; que o gerente da referida agência lhe declarou que a predita quantia tinha sido aplicada na compra de acções.


O Réu contestou, invocando a excepção de ilegitimidade passiva e impugnando as alegações do Autor sustentando que o Autor disse ao gerente da sua agência bancária para comprar, com a ajuizada com a quantia, “acções preferenciais com exposição a dívida sénior CC - Poupança Plus”.

Concluiu, pugnando pela absolvição da instância ou a improcedência da acção e requerendo a condenação do Autor como litigante de má-fé.

O Autor exerceu o direito ao contraditório, requerendo a condenação do Réu como litigante de má-fé.


Foi proferido despacho saneador, tendo o Tribunal julgado procedente a excepção de ilegitimidade passiva, com consequente absolvição do Réu da instância.


Inconformado, recorreu o Autor/AA de tal decisão, a qual veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães.


Novamente inconformado, recorreu o Autor/AA para o Supremo Tribunal de Justiça que revogou a antedita decisão.


Foi, entretanto, exarado o despacho que identificou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.


Calendarizada e realizada a audiência final, foi proferida sentença, em cujo dispositivo se consignou: “A) Condenar o Réu BANCO BB, S.A.. a pagar ao Autor AA a quantia de 627.981,68€ (seiscentos e vinte e sete mil, novecentos e oitenta e um euros e sessenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos no montante de 11.699,38€ (onze mil, seiscentos e noventa e nove euros e trinta e oito cêntimos) e de juros de mora vincendos à taxa legal consignada para as obrigações civis até efectivo e integral pagamento.

B) Condenar o Réu BANCO BB, S.A.. no pagamento das custas processuais;

C) Absolver o Autor AA do pedido de condenação como litigante de má-fé;

D) Absolver o Réu BANCO BB, S.A.. do pedido de condenação como litigante de má-fé.”

Irresignado, o Réu/Banco BB, S.A. recorreu de apelação, tendo o Tribunal a quo conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão em cujo dispositivo foi consignado: “Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, revogando, em consequência, a decisão recorrida.

Custas do recurso pelo autor/recorrido.”


É contra esta decisão que o Autor/AA se insurge, interpondo recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:

“1 - Em primeira instância - no Juízo Central Cível de …-J…- foi o Banco AA, condenado a pagar ao A. a quantia de 627.981, 68 €, acrescida de juros de mora vencidos no montante de 11.699,38 € e de juros vincendos à taxa legal consignada para as obrigações civis, dando procedência integral ao pedido do aqui recorrente.

2 - Tal sentença baseou-se, sumariamente, no seguinte:

Em 28 de Agosto de 2012, em agência do CC, em …, A. e CC exararam um cristalino contrato de depósito no montante de 566.750,39 €, adstringindo-se ao CC a obrigação de restituição do capital e dos juros remuneratórios convencionados, interconectadas num sinalagma genético e funcional.

A deliberação do Banco de Portugal de 03 de Agosto de 2014, induziu a constituição do R. Banco BB como banco de transição, operando a transferência para o mesmo, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 145-H do RGICSF, dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do CC, SA, que constam dos Anexos 2 e 2-A da antedita deliberação.

Assim, os activos e passivos inerentes às contas de depósitos à ordem e a prazo existentes no CC foram transladadas para o Banco BB, o qual se antolha como sucessor do CC nas respectivas posições das relações jurídicas subjacentes.

Incorreu o R. em incumprimento contratual, por não ter pago o capital depositado e os juros remuneratórios contratualizados.

3 - Da predita sentença apelou o R. para o Tribunal da Relação de Guimarães que determinou, face ao teor normativo deliberação rectificativa de 11/08/2014 e à deliberação clarificadora de 29/12/2015 do Banco de Portugal.

4 - Estas deliberações são contrárias a um dos basilares propósitos prosseguido pela medida de resolução, da protecção dos depositantes a que se reporta a alínea d), do artigo 145º-A do RGICSF e sem a mínima relevância para assegurar o outro objectivo, o da estabilidade do sistema financeiro. (alínea b) do artigo 145º-A do RGICSF).

5 - As aludidas deliberações e o Acórdão aqui recorrido violam cega e arbitrariamente o direito de propriedade do A., esbulhando o seu património (depósito bancário constituído pelas economias angariadas pelo trabalho, ao longo de décadas, em …) sem fundamento proporcionado.

6 - As ditas e o decidido sob recurso caucionam ilegitimamente a expropriação, sem indemnização, do património recorrente e ofendem clamorosamente o sentimento de justiça e de equidade e comprometem a dignidade do A. e do agregado familiar e certamente o seu sustento.

7 - E violam manifestamente a Directiva Comunitária nº 2014/59/EU que criou o mecanismo de resolução bancário da U.E, porque completamente desrespeitado o princípio da proporcionalidade e infringida a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, designadamente o conteúdo essencial do direito à dignidade, do direito à propriedade e o direito à acção.

8 - Violou também a mencionada Directiva dada a diferenciação de tratamento dispensado aos diversos depositantes, na medida em que um dos princípios da resolução era “credores da mesma categoria são tratados de forma equitativa”, o que não aconteceu, pois os depositantes que não foram vigarizados viram os seus depósitos saírem incólumes da resolução e transitados para o R..

9 - Adianta-se que tais deliberações com o alardeado propósito de estabilização do sistema financeiro não colhem, considerando que os detentores do denominado papel comercial, que é um produto com características especulativas, já foram ressarcidos em grande medida do seu capital investido.

10 - Sem prejuízo do que antecede, o crédito do A. só aparentemente era litigioso já que em substância não o era, como bem sabia o CC e o seu sucessor Banco BB, pois a alegada aquisição de acções preferenciais poupança plus não passou de um artifício congeminado pelo CC para não pagar aos depositantes-credores.

11 - Daí que o depósito do A., não é litigioso nem contingente, mas perfeitamente consolidado e indiscutível.

12 - Assim, tais deliberações não lhe são aplicáveis.

13 - À cautela do patrocínio a deliberação clarificadora não é passível de aplicação pois foi criada quando a acção já estava a tramitar em Juízo, vigorando aquela para o futuro, ocorrendo violação do nº 1 do artigo 12º do Código Civil.

14 - O douto Acordão recorrido fez incorrecta interpretação e aplicação das enunciadas deliberações do Banco de Portugal indicadas no ponto 3 supra das “conclusões”.

15 - Por ultimo, a decisão sob revista violou o direito à acção da previsão do artigo 2º, nº 2 do Código Civil e afigura-se inconstitucional por derrogação do princípio constitucional à tutela jurisdicional efectiva e a um processo equitativo, já que não levou a cabo uma análise mais vasta e apreciação mais fundamentada do caso, que se impunha, face à complexidade da temática, à dimensão dos valores em causa, económicos e humanos, no cotejo da normatividade europeia e nacional que regulam a resolução bancária com outras regras, nomeadamente outras normas e princípios gerais do direito, incluindo os constitucionais, e não atendeu à factualidade provada, à essência da realidade das coisas, nem sopesou devidamente os interesses e normas conflituantes, limitando-se a aplicar de modo austero as indicadas deliberações.

16 - E a tutela jurisdicional só é efectiva quando a Justiça prevaleça, o que no caso não se verificou.

Assim o decidido pelo douto Acordão não está conforme com a Justiça nem com o ordenamento jurídico nacional, nem com a citada Directiva, nos enunciados termos, o que conduz à sua revogação, o que se requer a V.ª Ex.ª, com todas as consequências, declarando-se o normativamente justo, incluindo a total procedência do pedido formulado na p.i., considerando-se o A., titular de um deposito a prazo no CC, que foi transferido para o R., Banco BB, SA, seu sucessor e em conformidade com a medida de resolução do Banco de Portugal de 03/08/2014, e do disposto no nº 1 do artigo 145º-H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e com direito à restituição das quantias depositadas e aos juros contratualizados e moratórios.

Em consequência, deverá ser declarada a procedência da revista sendo integralmente revogado o douto Acórdão recorrido, validando-se o sentenciado em primeira instância.

Assim decidindo, farão V.ªs Ex.ªs, aliás, como sempre, JUSTIÇA!”


O Recorrido/Réu/Banco BB, S.A.. apresentou contra alegações, sem apresentar quaisquer conclusões, tendo terminado as ditas alegações da seguinte forma:

“A.   Deve o presente Recurso de Revista improceder integralmente, mantendo-se a absolvição in totum do Recorrido do pedido formulado pelo Recorrente;

Subsidiariamente:

B.     Prevenindo-se, por mera hipótese de raciocínio, a circunstância de vir a dar-se acolhimento à tese sufragada pelo Recorrido nestes autos de que o mesmo era, em 3 de Agosto de 2014, titular de um depósito a prazo junto do CC, o Recorrido requer a ampliação do objecto do recurso no sentido de ser incluído na matéria de facto provada o facto 7, referido na impugnação da matéria de facto pelo Recorrido em sede de recurso de Apelação, plenamente demonstrado pelos Documentos n.os 29 e 30 da Contestação, nos termos requeridos, Apenas assim se fazendo a costumada, JUSTIÇA”


Foram colhidos os vistos.


Cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO


II.1. A questão a resolver, recortada das alegações de revista interposta pelo Recorrente/Autor/AA, consiste em saber se:

(1) O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao reconhecer que, pese embora o Réu/Banco BB, S.A., possua legitimidade processual para intervir nestes autos, o facto é que carece de legitimidade substantiva, uma vez que as deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal, expressamente excluem da transmissão do CC, S.A. para o Banco BB, S.A., todas as responsabilidades que, no entender do Autor, fundamentam a sua pretensão, julgando procedente a interposta apelação, revogando, assim, a decisão proferida pela 1ª Instância que, conhecendo do mérito, absolveu o Réu/Banco BB, S.A.. do pedido?


II. 2. Da Matéria de Facto


Factos Provados.

“1. O Autor procedeu à abertura de uma conta no Banco CC, SA. com o n.º 00…3, na agência daquela entidade financeira, sita na Avenida …, em … .

2. Em 28 de Agosto de 2012, afigurava-se depositada na predita conta a quantia de 566.750,39€ (quinhentos e sessenta e seis mil, setecentos e cinquenta euros e trinta e nove cêntimos).

3. Em 28 de Agosto de 2012, na identificada agência do CC, o gerente da mesma e o Autor subscreveram um escrito com a epígrafe “Depósito a Prazo”, consignando, designadamente, que:

N.º de conta D.O. de suporte: 00…3

Montante: 566.750, 39€ (quinhentos e sessenta e seis mil, setecentos e cinquenta euros e trinta e nove cêntimos)

Prazo contrato: 748 dias

Data de vencimento: 15 de Setembro de 2014

Taxa juro anual bruta: 6,933%

Taxa juro anual líquida: 5,200%

Periodicidade no pagamento de juros: no vencimento

(…)


Condições gerais

(…)

11. Reembolso

No final do prazo o capital e os juros serão creditados na conta DO.

(…)

15. Garantia de capital

É garantida a totalidade do capital do D/P no seu vencimento (…)”

4. No dia 30 de Julho de 2014, o Banco CC, SA, divulgou, mediante comunicação à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), os resultados do Grupo CC relativos ao primeiro semestre de 2014, declarando, designadamente, um prejuízo de 3.577,3 milhões de euros.

5. No dia 3 de Agosto de 2014, o Conselho Directivo do Banco de Portugal deliberou, designadamente, o seguinte:

“Ponto Um

Constituição do Banco BB, SA

E constituído o Banco BB, SA, ao abrigo do n. 5 do artigo 145.º -G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreta- Lei n. 0 298/92, de 31 de dezembro, cujos Estatutos constam do Anexo 1 a presente deliberação.

Ponto Dois

Transferência para o Banco BB, SA, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco CC, SA

São transferidos para o Banco BB, SA, nos termos e para os efeitos do disposto no n. 1 do artigo 145.º -H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n. 0 298/92, de 31 de dezembro, conjugado com o artigo 17.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco CC, SA, que constam dos Anexos 2 e 2A a presente deliberação (…)”

6. Após o indicado em 5), em Agosto de 2014, o Autor dirigiu-se à agência do CC sita em …, sendo que o funcionário da mesma declarou que a conta mencionada em 1) não estava provisionada com a quantia citada em 2).

7. No circunstancialismo mencionado em 6), o gerente da predita agência declarou ao Autor que a predita quantia tinha sido aplicada na compra de “acções preferenciais – Poupança Plus”.

8. Por fax de 24 de Setembro de 2014 e carta registada do dia 29 de Dezembro de 2014, remetidos pelo Autor para a administração do Réu, o Autor declarou requerer que a conta referida em 1) fosse provisionada com a sobredita quantia de 566.750,39 € (quinhentos e sessenta e seis mil setecentos e cinquenta euros e trinta e nove cêntimos).”


Foram dados como não provados os seguintes factos:

“9. O Autor, no dia 31.08.2009, subscreveu com o CC um escrito com a epígrafe “contrato de registo e depósito de instrumentos financeiros”, consignando, designadamente, que “para efeitos de transmissão ao CC de ordens sobre instrumentos financeiros, o Cliente poderá utilizar meios informáticos, telefónicos ou de telemensagem”.

10. Em Agosto de 2012, na agência do CC sita em …, o Autor disse ao gerente da mesma para comprar “acções preferenciais com exposição a divida senior CC – Poupança Plus” no valor de 566.750,39€ (quinhentos e sessenta e seis mil setecentos e cinquenta euros e trinta e nove cêntimos).

11. Em consequência do indicado em 10), o gerente da antedita agência, a pedido do Autor, efectuou a compra das preditas acções.”


II. 3. Do Direito


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjectivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código Processo Civil.


II. 3.1. O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao reconhecer que, pese embora o Réu/Banco BB, S.A., possua legitimidade processual para intervir nestes autos, o facto é que carece de legitimidade substantiva, uma vez que as deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal, expressamente excluem da transmissão do Banco CC, S.A. para o Banco BB, S.A., todas as responsabilidades que, no entender do Autor, fundamentam a sua pretensão, julgando procedente a interposta apelação, revogando, assim, a decisão proferida pela 1ª Instância que, conhecendo do mérito, absolveu o Réu/Banco BB, S.A.. do pedido? (1)


Questão prévia.

Este Tribunal ad quem no exame preliminar que fez dos autos ao abrigo do art.º 652º nº. 1 b) ex vi art.º 679º, ambos do Código de Processo Civil, ordenou o cumprimento da notificação dos litigantes, para os termos prevenidos nos art.º 655º n.º 1 ex vi art.º 679º, ambos do Código de Processo Civil, uma vez que entendeu poder estar em causa a inadmissibilidade da deduzida ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido,  por incumprimento das respectivas formalidades.

Notificadas as partes para os termos estatuídos no art.º 655º n.º 1 ex vi art.º 679º, ambos do Código de Processo Civil, distinguimos que o Recorrido sustenta a admissibilidade da deduzida ampliação do âmbito do recurso interposto, ao invés, o Recorrente pugna pela sua inadmissibilidade.

Assim, antes de conhecermos do recurso interposto, impõe-se a apreciação da questão preliminar que se reconduz a saber se a deduzida ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, cumpre as formalidades adjectivas civis.

Como sabemos, a lei processual civil estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, e, se é certo que nos termos do art.º 636º n.º 2 do Código de Processo Civil, o recorrido pode, na respectiva alegação, a titulo subsidiário, impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnadas pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas, ampliação do âmbito do recurso interposto, temos que reconhecer que esta prerrogativa adjectiva civil, confunde-se, ao cabo e ao resto, com um verdadeiro recurso, importando concluir, por isso, que a dita ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, estará, necessariamente, sujeita às formalidades exigidas para a interposição de qualquer recurso, nomeadamente, ao ónus de alegar e formular conclusões, no caso, a cargo do recorrido.

Nos termos do art.º 639º do Código de Processo Civil as alegações de recurso dividem-se em corpo das alegações, nas quais o recorrente expõe os fundamentos ou argumentos através dos quais procura convencer o Tribunal de recurso da sua razão, e conclusões das alegações, nas quais o recorrente deve sintetizar as concretas questões que pretende que o Tribunal de recurso aprecie e o sentido com que as deverá decidir.

Este entendimento encontra-se proclamado, quer na Doutrina, veja-se, Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Almedina, páginas 155 e 156, quer na Jurisprudência, onde distinguimos, nomeadamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2015 (Processo n.º 10033/09), in, Sumários, 2015, página 259.

Sublinhamos, para o que interessa ao caso trazido a Juízo, e acompanhando a síntese conclusiva vertida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2015 (Processo n.º 10033/09) que “As conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, através de proposições sintéticas que emanam do corpo alegatório, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter a procedência do recurso, de modo a balizar o objecto cognoscível do mesmo, com ressalva das situações de conhecimento oficioso.”

As conclusões circunscrevem a esfera de actuação do Tribunal - o thema decidendum do recurso - permitindo dar a conhecer, de modo objectivo e preciso, à parte contrária, e ao Tribunal, as razões da discordância com a decisão impugnada, encerrando, se quisermos, o “resumo conclusivo” conforme sustendo no Acórdão do Supremo Tribunal de justiça de 27 de Maio de 2010 (Processo n.º 327/1998.S1), in, dgsi.pt.

Compreende-se, assim, que as conclusões se exibam diferenciadas do demais conteúdo recursivo, ou seja, das alegações propriamente ditas que as precedem.

Ao consignado normativo adjectivo civil - art.º 639º do Código de Processo Civil - subjaz a distinção entre, alegações não acompanhadas de conclusões onde seja feita uma síntese dos fundamentos invocados na motivação, o que dá lugar à imediata rejeição do recurso; e alegações onde são formuladas conclusões, mas afectadas de deficiência, obscuridade ou complexidade ou nas quais faltem as especificações exigidas, o que dá lugar à formulação de convite à parte no sentido de as completar, esclarecer ou sintetizar antes de se decidir não conhecer do recurso na parte afectada, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2017 (Processo n.º 11522/14.6T2SNT.L1.S2), in, Sumários, 2017, página 259. 

Revertendo ao caso sub iudice, distinguimos que o Recorrido/Réu/Banco BB, S.A., apresentou contra alegações, e, aí, a título subsidiário, impugnou a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnadas pelo Recorrente/Autor/AA, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas, deduzindo ampliação do âmbito do recurso interposto, todavia, sem apresentar quaisquer conclusões, sendo que não se pode entender como “conclusão” a formulação de um pedido dirigido ao Tribunal de recurso, deixando, assim, de cumprir as exigidas formalidades, concretamente, formular as pertinentes conclusões.

Tudo visto, atendendo a que as alegações não acompanhadas de conclusões, onde é levado a cabo, uma síntese dos fundamentos invocados na motivação, dá lugar à imediata rejeição do recurso, este Tribunal ad quem não conhecerá do pedido de ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido.

Custas do incidente a cargo do Recorrido/Réu/Banco BB, S.A.

Apreciada a questão prévia, impõe-se conhecer da revista interposta, cuja questão a resolver, recortada das alegações apresentadas pelo Recorrente/Autor/AA, se encontra enunciada neste item II. 3.1.

Cotejado o acórdão recorrido anotamos que o Tribunal a quo perante a facticidade demonstrada nos autos (reapreciada que foi a decisão de facto proferida em 1ª Instância que, alias, não mereceu censura, mantendo-se inalterável), concluiu no segmento decisório pela revogação da decisão proferida em1ª Instância, reconhecendo que, embora o Réu/Banco BB, S.A., possua legitimidade processual para intervir nestes autos, o facto é que carece de legitimidade substantiva, uma vez que as deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal, expressamente excluem da transmissão do Banco CC, S.A., para o Banco BB, S.A., todas as responsabilidades que, no entender do Autor, fundamentam a sua pretensão, donde, ao conhecer do mérito da causa, absolveu o Réu/Banco BB, S.A. do pedido.

O aresto escrutinado apreendeu a real conflitualidade subjacente ao pleito chegado a Juízo.

Acompanhando o objecto da apelação interposta pelo Réu/Banco BB, S.A., apreciando os actos ou factos jurídicos donde emerge a sustentação do respectivo inconformismo, o Tribunal recorrido condensou o objecto do recurso, enunciando as questões a conhecer - da apreciação da decisão de facto e enquadramento jurídico dos factos - proferindo aresto fazendo apelo a um enquadramento jurídico-normativo, que nos merece aprovação, o que desde já o afirmamos.

Tenhamos em atenção a pretensão jurídica do Autor/AA sustentada no arrogado reconhecimento de que, tendo sido declarada a medida resolutiva do Banco de Portugal em relação ao Banco CC, S.A., através da qual foi deliberada a constituição do Banco BB, S.A., aqui Réu, ocorreu a transferência de todos os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco CC, S.A., para o Banco BB, S.A., nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 145º-H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, daí que, tendo sido mobilizada da conta de depósitos à ordem do Autor/AA, alegadamente sem a sua autorização, a quantia de €566.750,39, aplicada em acções, é o Réu/Banco BB, S.A., responsável pelo pagamento do valor que peticiona, uma vez que sucedeu em todos os activos e passivos do Banco CC, S.A..

Vejamos, pois, da bondade da decisão recorrida que conheceu do mérito da causa e absolveu o Réu/Banco BB, S.A.. do pedido, reconhecendo que o mesmo carece de legitimidade substantiva, uma vez que as deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal, expressamente excluem da transmissão do Banco CC, S.A., para o Banco BB, SA., todas as responsabilidades que, no entender do Autor/AA, fundamentam a sua pretensão.

Na esteira do já consignado pelo Tribunal a quo sublinhamos que por deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014, foi aplicada uma medida de resolução ao Banco CC, S.A., o qual determinou: Ponto Um: constituir o Banco BB, S.A., e aprovar os respectivos Estatutos (Anexo 1 da deliberação); Ponto Dois: transferir para o Banco BB, S.A.. determinados activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco CC, S.A. (Anexos 2 e 2A da deliberação); Ponto Três: designar uma entidade independente para avaliação dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, transferidos para o Banco BB, S.A.; Ponto Quatro: designar os membros dos órgãos sociais do Banco CC, S.A..

No âmbito da crise financeira que devastou o país, e, concretamente, no que respeita à declarada medida de resolução do Banco CC, S.A., que ao caso sub iudice interessa, o Banco de Portugal tomou, desde Julho de 2014, várias deliberações, todas publicitadas no sítio da Internet atinente ao Banco de Portugal, enunciadas adiante:

- Deliberação do Conselho de Administração de 30 de Julho de 2014;

- Deliberação do Conselho de Administração de 3 de agosto de 2014 sobre a nomeação dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização do Banco BB, S.A.;

- Deliberação do Conselho de Administração de 3 de agosto de 2014 sobre a aplicação de uma medida de resolução ao Banco CC, S.A.;

- Deliberação sobre clarificação e ajustamento do perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco CC, S.A. transferidos para o Banco BB, S.A., de 11 de Agosto de 2014;

- Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 11 de Agosto de 2014, sobre dispensa temporária do Banco CC, SA, da observância de normas prudenciais e do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas;

- Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 14 de agosto de 2014;

- Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 13 de maio de 2015;

- Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015, denominada “Contingências”;

- Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015, denominada de “Perímetro”;

- Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015, denominada de “Retransmissão”.

A resolução encerra, a par de outros procedimentos, designadamente, a intervenção correctiva e a administração provisória, uma das medidas que o Banco de Portugal pode determinar com o objectivo da defesa da solidez financeira de uma qualquer instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro - art.º 139º n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (doravante abreviado e denominado RGICSF) - .

Impõe-se, assim, corporizar os preceitos legais que importam aos princípios que orientam a medida de resolução a que foi sujeito o Banco CC, S.A., com vista ao reconhecimento, ou não, da reclamada responsabilidade civil do constituído Banco BB, S.A., emergente da consignada medida de resolução, por danos, alegadamente, causados ao Autor/AA, em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da actividade daquele Banco CC, S.A., que lhes eram impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

Relembramos que a resolução é uma figura específica do direito bancário, regulada por lei especial (RGICSF), que é aplicada por acto administrativo da competência do Banco de Portugal, importando também, por isso, não deixar de considerar o Aviso do Banco de Portugal n.º 13/2012, de 8 de Outubro de 2012, o qual veio estabelecer “as regras necessárias à criação e ao funcionamento de bancos de transição” - art.º 1º - sendo que, de acordo com o n.º 1 do art.º 2º do mesmo Aviso, sob o título “Regime dos bancos de transição”, estabeleceu-se que “Os bancos de transição são instituições de crédito com duração limitada, com a natureza jurídica de banco e a forma de sociedade anónima, que se regem pelos estatutos aprovados por deliberação do Banco de Portugal, pelas disposições legais e regulamentares que lhes são especialmente aplicáveis, pelas normas aplicáveis aos bancos e, subsidiariamente, pelo Código das Sociedades Comerciais, com as adaptações necessárias aos objectivos e natureza destas instituições”, acrescentando o n.º 3 deste art.º 2º que “Os bancos de transição são criados para receberem e administrarem a totalidade ou parte dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição originária, desenvolvendo todas ou parte das actividades dessa instituição com vista à prossecução das finalidades enunciadas no artigo 145.º-A do RGICSF”.

Outrossim, tenhamos em atenção o art.º 140º do RGICSF ao estabelecer que “na adopção das medidas previstas no presente título, o Banco de Portugal não se encontra vinculado a observar qualquer relação de precedência, estando habilitado, de acordo com as exigências de cada situação e os princípios indicados no artigo anterior, a combinar medidas de natureza diferente, sem prejuízo, em qualquer caso, da verificação dos respectivos pressupostos de aplicação”.

Como decorre dos enunciados normativos, o nosso ordenamento jurídico atribui ao Banco de Portugal uma competência discricionária para, no respeito dos pressupostos de aplicação de cada uma delas, bem como dos princípios gerais da adequação e da proporcionalidade, “A aplicação das medidas previstas no presente título está sujeita aos princípios da adequação e da proporcionalidade, tendo em conta o risco ou o grau de incumprimento, por parte da instituição de crédito, das regras legais e regulamentares que disciplinam a sua atividade, bem como a gravidade das respetivas consequências na solidez financeira da instituição em causa, nos interesses dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro.” (art.º 139º n.º 2 do RGICSF), importando, pois, “(…) decidir em função do que melhor convier aos objectivos do reequilíbrio financeiro da instituição, da protecção dos depositantes, da estabilidade do sistema financeiro como um todo e da salvaguarda do erário público” (Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de Fevereiro que procedeu à alteração do RGICSF).

Como sabemos, a resolução foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 31º-A/2012, de 10 de Fevereiro que “(…) substituiu o regime de saneamento (…) previsto no título VIII do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (…) por uma nova disciplina legal caracterizada pela existência de três fases de intervenção distintas - intervenção correctiva, administração provisória e resolução”.

A resolução, conforme se colhe do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, encerra um procedimento, cuja inovação não se deixou de se aclarar, nos seguintes termos: “À luz do regime vigente até à data, quando uma instituição de crédito se encontrava numa situação de desequilíbrio financeiro muito grave, sem perspectivas realistas de recuperação, o ordenamento jurídico oferecia às autoridades, como única alternativa de actuação, a revogação da respectiva autorização para o exercício da actividade e sua subsequente entrada em liquidação, ou, em situações de maior gravidade sistémica, a sua possível nacionalização, com custos inerentes para o erário público”

Como decorre do art.º 145º-E n.º 1 alínea b) do RGICSF, e para ao caso trazido a Juízo interessa sublinhar, uma das medidas de resolução que o Banco de Portugal pode aplicar consiste na transferência parcial ou total da actividade para instituições de transição, sendo que no âmbito desta medida de resolução, o Banco de Portugal delimita a transferência parcial ou total dos direitos e obrigações de uma instituição de crédito (art.º 145º-O n.º 1 do RGICSF), competindo-lhe constituir a instituição de transição e aprovar os respectivos estatutos (art.º 145º-P n.º 1 do RGICSF).

Revertendo ao caso sub iudice, resulta, pacificamente, ter o Banco de Portugal aplicado uma medida de resolução ao Banco CC, S.A., traduzida na transferência parcial da respectiva actividade, constituindo, outrossim, uma instituição de transição, o Banco BB, S.A., por se entender “(…) como a única medida que garantia a continuidade da prestação dos seus serviços financeiros e que permitia isolar, em definitivo, o Banco BB, S.A.. dos riscos criados pela exposição do Banco CC, S.A., a entidades do Grupo CC” (Considerando (11) da deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014).

Assumindo os poderes discricionários que lhe são conferidos pela lei, conforme já acentuamos (artºs. 145º-C n.º 2 e 145º-O n.º 1 do RGICSF), percebemos que o Banco de Portugal determinou os direitos e obrigações que constituíam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão que foram transferidos do Banco CC, S.A., para o Banco BB, S.A..

A este propósito, divisamos no Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto de 2014, e para o que interessa ao caso trazido a Juízo, que o Banco de Portugal integrou na categoria de “Passivos Excluídos” - responsabilidades do Banco CC, S.A. perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais do Banco CC, S.A. que se mantiveram na sua esfera jurídica, não tendo sido transferidos para o Banco BB, S.A.. - “quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais” (alínea b), subalínea (v)).

Entretanto, por deliberação de 11 de Agosto de 2014, o Banco de Portugal julgou pertinente aclarar e afinar o perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco CC, S.A., transferidos para o Banco BB, S.A., consignando-se, neste particular “deve ser definido de modo mais preciso as exclusões constantes da subalínea (v) da alínea b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto” (Considerando (21) da deliberação de 11 de Agosto de 2014), passando a ter, a subalínea (v) da alínea b) do Anexo 2, a redacção que se enuncia: “Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais” (alínea H) da deliberação de 11 de Agosto de 2014).

Posteriormente, em 29 de Dezembro de 2015, as subalíneas (v) e (vii) da alínea b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto de 2014, foram novamente objecto de clarificação através de duas deliberações do Banco de Portugal, cujo conteúdo se enuncia, revelando a decisão do Banco de Portugal, a propósito do perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco CC, S.A., transferidos para o Banco BB, S.A..

“A) Clarificar que, nos termos da alínea b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto, não foram transferidos do Banco CC, S.A., para o Banco BB, S.A.. quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do Banco CC, S.A. que, às 20:00 horas do dia 3 de Agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do Banco CC, S.A;

B) Em particular, clarificar não terem sido transferidos do Banco CC, S.A., para o Banco BB, S.A.. inter alia:

- Todos os créditos relativos a acções preferenciais emitidas por sociedades veículo estabelecidas pelo Banco CC, S.A. e vendidas pelo Banco CC, S.A.;

- Qualquer responsabilidade que seja objecto de qualquer dos processos descritos em anexo.

C) Na medida em que, não obstante as clarificações efectuadas, se verifique terem sido efectivamente transferidos para o Banco BB, S.A.. quaisquer passivos do Banco CC, S.A. que devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, são os referidos passivos retransmitidos do Banco BB, S.A.. para o Banco CC, S.A., com efeitos às 20 horas do dia 3 de Agosto de 2014;

D) Determinar que o Conselho de Administração do Banco CC, S.A. e o Conselho de Administração do Banco BB, S.A. deverão praticar todos os actos necessários à implementação e eficácia das clarificações e retransmissões operadas pelo Banco de Portugal, em particular, inter alia:

- Praticar todos os actos, sejam estes de natureza procedimental ou processual, nos processos em que sejam parte de modo a dar adequada execução às decisões do Banco de Portugal referidas na alínea A), incluindo aqueles que sejam necessários para reverter actos anteriores que tenham praticado contrários àquelas decisões;

- Requerer a imediata junção da deliberação do Banco de Portugal aos autos em que sejam parte”.

Ademais, e com interesse para o caso que nos ocupa, importa realçar que nas consignadas deliberações de 29 de Dezembro de 2015, foi também alterada a redacção da subalínea (vii) da alínea b) do Anexo 2, cuja redacção se enuncia: “Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores, designadamente as subalíneas (iii) e (v), que (a) fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respectivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respectivo vencimento) já se ter verificado, e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de Junho de 2014, que tenham cumprido as regras para expressão da vontade e vinculação contratual do Banco CC, S.A. e cuja existência se possa comprovar documentalmente nos arquivos do Banco CC, S.A., em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”

Emerge, pois, cremos que de forma inequívoca, e de acordo com a nova redacção da subalínea (vii), não ter havido transferência para o Banco BB, S.A.. das eventuais responsabilidades do Banco CC, S.A. assumidas na comercialização, intermediação financeira de acções preferenciais, sendo certo que após a transferência prevista, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre o Banco CC, S.A., e o Banco BB, S.A., activos, passivos, elementos patrimoniais e activos sob gestão, nos termos da lei em vigor, o art.º 145.º H, n.º 5 do RGICSF.

Ademais, sublinhamos, conforme também reconhecido pelo Tribunal a quo que no anexo I, referido no ponto B) vii) da deliberação (deliberação contingências) relativa ao ponto da agenda “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do nº 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014, na redacção que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014”, consta relacionado o presente processo com o n.º 382/15.0T8VRL, Comarca de Vila Real – …. – Instância Central Cível.

Tudo visto, reconhecemos que na operação de criação do Banco BB, S.A., enquanto Banco de transição, o Banco de Portugal, entidade competente para o efeito, determinou, no âmbito de exercício dos respectivos poderes, que não fossem objecto de transferência ou transição ou transmissão para o aludido banco de transição, as responsabilidades pretendidas accionar por via da presente acção, as quais não foram transferidas para o Banco BB, S.A., determinando que o conhecimento das mesmas importará conhecer na esfera primária do Banco CC, S.A., estranho à presente demanda.

Assim, não sendo o Autor/AA titular do direito que invocou sobre o Banco BB, S.A., verifica-se uma situação de ilegitimidade substantiva.

Na verdade, a legitimidade material, substantiva ou ad actum consiste num complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de concreto direito que o mesmo invoque ou que lhe seja atribuído, respeitando, portanto, ao mérito da causa.

A imputação de qualquer responsabilidade que pudesse decorrer em razão da alegada violação de deveres por parte do Banco CC, S.A. na comercialização e intermediação financeira, nomeadamente violação do dever de informação, em data anterior a 3 de Agosto de 2014, mostra-se inequivocamente excluída a sua transferência para o Banco de transição, aqui Réu/Banco BB, S.A., em todo e em qualquer caso, em razão das deliberações tomadas pelo Banco de Portugal, sufragando, assim, o entendimento do Tribunal a quo ao excluir qualquer responsabilização do Réu/Banco BB, S.A., nomeadamente, naquela em que o Autor/AA pretende sustentar a reclamada pretensão.

Ora, perante a conclusão de que na operação de criação do Banco BB, S.A., enquanto Banco de transição, o Banco de Portugal, determinou, no âmbito de exercício dos respectivos poderes, que não fossem objecto de transferência ou transição ou transmissão para o Banco BB, S.A., as responsabilidades pretendidas accionar por via da presente acção, torna-se elementar reconhecer que a decisão recorrida não merece qualquer censura, uma vez que o Autor/AA não é titular da relação material controvertida invocada.

E não se diga, como faz o Recorrente/Autor/AA que não só a deliberação clarificadora não é passível de aplicação pois foi criada quando a acção já estava a tramitar em Juízo, vigorando aquela para o futuro, ocorrendo violação do n.º 1 do art.º 12º do Código Civil, mas também que o acórdão recorrido violou o direito à acção da previsão do art.º 2º, n.º 2 do Código de Processo Civil, tendo derrogado o princípio constitucional à tutela jurisdicional efectiva e a um processo equitativo.

A este propósito importa observar, por um lado que a intervenção efectuada pelo Banco de Portugal, com deliberações tomadas após 3 de Agosto de 2014, nomeadamente, as de 11 de Agosto de 2014 e 29 de Dezembro e 2015, na medida em que encerram inequívoca elucidação acerca da transferência dos activos, passivos, elementos patrimoniais e activos sob gestão do Banco CC, S.A. para o Banco BB, S.A., enquanto Banco de transição, não trilha qualquer outro sentido que pudesse decorrer da versão originária da deliberação de 3 de Agosto de 2014 ou de quaisquer outra alteração posterior, designadamente, relativamente ao teor do Anexo A de tais deliberações, afigurando-se legítimo, conforme decorre do enquadramento jurídico aduzido, o exercício da competência levada a efeito pelo Banco de Portugal, não sendo despiciendo sublinhar que, em todo o caso, qualquer transmissão para o Banco BB, S.A. sempre seria de considerar retransmitida – com efeitos retroactivos à data da medida de resolução – para o Banco CC, S.A.

Estas deliberações, proferidas ultimamente pelo respectivo órgão da autoridade reguladora, com competência legal para o efeito, qual seja, o Banco de Portugal, configuram uma interpretação autêntica do teor da ajuizada medida de Resolução, tornando mais claro e completo o perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco CC, S.A., transferidos para o Banco BB, S.A., que já derivavam do Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto de 2014, daí a sua aplicação ao caso dos autos, importando sufragar, neste particular, o entendimento vertido no acórdão recorrido que, a dado passo, consignou: “Ora, no anexo I, referido no ponto B) vii) da deliberação (deliberação contingências) relativa ao ponto da agenda «Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do nº 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redacção que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas)», consta relacionado (pág. 17 da deliberação) o presente processo 382/15.0T8VRL, Comarca de Vila Real – … – Instância Central Cível. Assim sendo, dúvidas não restam de que a responsabilidade que o autor imputa ao CC, mas que pretende exercer contra o aqui réu/recorrente Banco BB, S.A., não foi transferida do CC para o aqui réu/recorrente, mantendo-se no primeiro, por força da aplicação das deliberações do Banco de Portugal supra referidas.”

Por outro lado, também não colhe a invocação de que o acórdão recorrido violou o direito à acção da previsão do art.º 2º, n.º 2 do Código de Processo Civil, tendo derrogado o princípio constitucional à tutela jurisdicional efectiva e a um processo equitativo.

No que respeita a este segmento do objecto do presente recurso de revista, acerca da garantia do processo equitativo, que necessariamente supõe a independência dos tribunais, e a imparcialidade do juiz da causa perante os litigantes, que pressupõe o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva - art.º 20º da Constituição da República Portuguesa - estabelecendo o respectivo n.º 1 que “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos” importando enfatizar que o direito a um processo equitativo, está constitucionalmente consagrado, sendo reforçado pelo direito internacional público, que integra o nosso ordenamento jurídico.

Assim, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada, em 10 de Dezembro de 1948, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, estabelece no seu art.º 10º “Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações (… )”.

A Convenção Europeia dos Direitos do Homem adoptada no âmbito do Conselho da Europa, em 4 de Novembro de 1950, estatui no seu art.º 6º “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá … sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil.”      


A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 7 de Dezembro de 2000, com as alterações de 12 de Dezembro de 2007, no seu art.º 47º, consagra sobre o Direito à acção e a um tribunal imparcial “Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma acção perante um tribunal nos termos previstos neste artigo. Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei.”

O Tribunal Constitucional (Acórdão do Tribunal Constitucional de 8 de Abril de 2015 (Processo n.º 220/2015), in, www.dgsi.pt.) chamado a pronunciar-se sobre o direito de acesso aos tribunais, enquanto garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva e adequado à complexidade da causa, consignou a propósito “ (...) A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetíva, cujo âmbito normativo abrange, nomeadamente: (a) o direito de ação no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas (veja-se, neste sentido, entre outros, o Acórdão n.º 440/94). Acresce ainda que o direito de ação ou direito de agir em juizo terá de efetivar-se através de um processo equitativo, o qual deve ser entendido não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais.

A jurisprudência e a doutrina têm procurado densificar o conceito de processo equitativo essencialmente através dos seguintes princípios: (1) direito à igualdade de armas ou igualdade de posição no processo, sendo proibidas todas as diferenças de tratamento arbitrárias; (2) proibição da indefesa e direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e direito, oferecer provas, controlar a admissibilidade e a produção das provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado de umas e outras; (3) direito a prazos razoáveis de ação e de recurso, sendo proibidos os prazos de caducidade demasiados exíguos; (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em prazo razoável; (6) direito de conhecimento dos dados do processo (dossier); (7) direito à prova; (8) direito a um processo orientado para a justiça material (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, Volume I, págs. 415 e 416).

Por outro lado, importa ainda salientar que a exigência de um processo equitativo, consagrada no referido artigo 20.°, n.º 4, da Constituição, não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo. No entanto, no seu núcleo essencial, tal exigência impõe que os regimes adjectivos proporcionem aos interessados meios efectivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efectiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva (...)”,

Como sabemos, a decisão judicial proferida em demanda judicial constitui um verdadeiro acto jurídico, a que se aplicam as regras reguladoras dos negócios jurídicos - art.º 295º do Código Civil - pelo que, os preceitos que disciplinam a interpretação da declaração negocial são, deste modo, tal-qualmente válidas para a interpretação de uma qualquer decisão judicial, importando, pois, que a decisão judicial seja interpretada com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto (art.º 236° do Código Civil).

A interpretação da decisão judicial, dita a análise dos antecedentes lógicos que tornam possível a decisão final, pressupondo-a, sendo interdependentes, exigindo que se atenda à fundamentação e ao dispositivo, enquanto elementos básicos da sua estrutura, não sendo por acaso que se reconhece que a decisão judicial não é nem dispositivo sem motivos, nem motivos sem dispositivo, mas a combinação destes.

A este propósito, o Professor Castanheira Neves, in, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 110º, páginas. 289 e 305, defende que a identificação do objecto da decisão passa pela definição da sua estrutura, constituída pela correlação teleológica entre a motivação e o dispositivo decisório, elementos que reciprocamente se condicionam e determinam, fundindo-se em síntese normativa concreta, entendimento que, de resto, é sublinhado pelo Professor, Vaz Serra, in, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 110º, página 42.

Acerca da interpretação das decisões judicias, entendidas como declarações negociais, que, embora o objecto da interpretação seja a própria decisão judicial, a verdade é que, nessa tarefa interpretativa, há que ter em conta outras circunstâncias, mesmo que posteriores, que funcionam como meios auxiliares de interpretação, na medida em que daí se possa retirar uma conclusão sobre o sentido que se lhe quis emprestar.

Cotejados os autos, distinguimos claramente que o direito fundamental ao processo equitativo, não foi cerceado ao Recorrente/Autor/AA, ou de qualquer modo tolhido, como decorre da respectiva actividade processual retratada nos autos, onde dispôs de todos os procedimentos adjectivos, julgados por convenientes, com vista a obter ganho de causa traduzido na reclamada pretensão jurídica deduzida, a par de que não enxergamos que o Tribunal recorrido deixasse de levar a cabo uma análise fundamentada do caso, face à complexidade da temática, à dimensão dos valores em causa, económicos e humanos, e no cotejo das normas que regulam a resolução bancária com os princípios gerais do direito, incluindo os constitucionais, encerrando a decisão proferida um enquadramento jurídico onde se distingue um debate transparente da argumentação trazidas a Juízo, daí que, temos que reconhecer, tomando em consideração a fundamentação e a parte dispositiva da decisão judicial, e dispostos na situação e com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto, ter sido manifesto que a demanda não podia proceder dada a carência de legitimidade substantiva do Réu/Banco BB, S.A., donde, não descortinamos em que é que o Tribunal recorrido, tivesse violado qualquer direito do Recorrente/Autor/AA, mormente o invocado, ao invés, o aresto proferido salvaguardou o direito a um processo equitativo.

De igual modo, como decorre do consignado enquadramento jurídico, não colhe a argumentação de que as enunciadas deliberações do Banco de Portugal são contrárias a um dos basilares propósitos prosseguidos pela medida de resolução, da protecção dos depositantes, e sem a mínima relevância para assegurar a estabilidade do sistema financeiro, a par de não fazer sentido sustentar, salvo o devido respeito por opinião contrária, que as mencionadas deliberações do Banco de Portugal e a decisão vertida no acórdão recorrido violam o direito de propriedade do Autor, pois, como vimos, o que verdadeiramente está em causa é a determinação, por parte do Banco de Portugal, na operação de criação do Banco BB, S.A., no âmbito de exercício dos respectivos poderes, do perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco CC, S.A., transferidos para o Banco BB, S.A., a confrontar com o direito arrogado na presente demanda.


Tal como não distinguimos, apelando ao enunciado enquadramento jurídico, como é que as declaradas deliberações do Banco de Portugal violam a Directiva Comunitária n.º 2014/59/EU que criou o mecanismo de resolução bancário da U.E, ou infringem a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, dado que, como acabamos de adiantar, o Banco de Portugal, assumindo os poderes discricionários que lhe são conferidos pela lei, limitou-se a, no âmbito de exercício dos respectivos poderes, produzir deliberações atinentes ao perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco CC, S.A., transferidos para o Banco BB, S.A., sendo as ditas deliberações aplicáveis ao caso sub iudice.

Pelo exposto, não reconhecemos às conclusões trazidas à discussão pelo Recorrente/Autor/AA, virtualidade bastante no sentido de alterar o destino traçado no Tribunal da Relação, merecendo o acórdão recorrido, a aprovação deste Tribunal ad quem.


III. DECISÃO


Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente a revista interposta, e, consequentemente, nega-se a revista, mantendo o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente/Autor/AA.

Notifique.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 24 de Outubro de 2019


Oliveira Abreu (Relator)                                                      

Ilídio Sacarrão Martins

Nuno Pinto Oliveira