Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17/07.4TBCBR.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
VEÍCULO AUTOMÓVEL
PERDA DE VEÍCULO
INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS
RECONSTITUIÇÃO NATURAL
VALOR REAL
DIREITO A REPARAÇÃO
SEGURADORA
PRIVAÇÃO DO USO DE VEICULO
REPARAÇÃO DO DANO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/21/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
I - Para que ocorra a obrigação de indemnizar é condição essencial que ocorra um dano, que se traduz no prejuízo que o facto ilícito culposo causa ao lesado, podendo o dano ser patrimonial ou não patrimonial, consoante seja ou não susceptível de avaliação pecuniária, estabelecendo a lei (cf. art. 566.º, n.º 1, do CC) a primazia da reconstituição natural, funcionando a reparação através de indemnização monetária como sucedânea, quando a reparação específica se mostre materialmente inviável, não cubra a integridade dos danos e quando se revele demasiado gravosa para o devedor.
II - Em relação a um veículo automóvel acidentado, sendo a sua reparação integral possível, deve privilegiar-se a sua reconstituição natural, excepto se se revelar excessivamente onerosa, o que corresponde a que o encargo seja exagerado, desmedido, desajustado para o obrigado, transcendendo-se os limites de uma legítima indemnização.
III - Um veículo de valor comercial reduzido pode estar em excelentes condições e satisfazer plenamente as necessidades do dono. Nestas circunstâncias a quantia equivalente ao valor de mercado do veículo (muitas vezes ínfima) não conduzirá à satisfação dessas mesmas necessidades, o que equivale a dizer-se que não reconstituirá o lesado na situação que teria se não fosse o acidente, pelo que a situação inicial do lesado só será reintegrada com a reparação do veículo.
IV - A indagação sobre a restauração natural ou a indemnização equivalente, deve fazer-se casuisticamente, sem perder de vista que se deve atender à melhor forma de satisfazer o interesse do lesado, o qual deve prevalecer sobre o do lesante, sendo pouco relevante, para os fins em análise, que o valor da reparação do veículo seja superior ao seu valor comercial.
V - Demonstrando-se que a reparação do veículo, no caso concreto, era possível e sendo a diferença entre o valor da reparação e o valor venal da viatura de apenas 1 241,47 € (2 999,47 – 1 750), além da lesante ser uma companhia de seguros, a reparação pretendida não se revela excessivamente onerosa para ela, dado que o valor em si deve ser entendido como pouco relevante para uma seguradora, não sendo crível que possa ter reflexos significativos na sua situação patrimonial.
VI - A simples privação de um veículo sem a demonstração de qualquer dano, i.e., sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, não é susceptível de fundar a obrigação de indemnizar, sendo necessário alegar-se e provar-se factos no sentido de que a imobilização possa significar danos para o seu proprietário.
VII - Provando-se circunstâncias que não consubstanciem simples incómodos ou transtornos (em relação aos quais a tutela do direito não se justifica – art. 496.º, n.º 1, do CC), mas sim elementos de alguma relevância que se repercutiram negativamente na qualidade de vida dos autores – v.g., utilização do veículo facilitava o acesso ao trabalho e contribuía para a fruição de momentos livres – é de considerar que a privação do uso do veículo lhes causou danos não patrimoniais.

Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I- Relatório:
1-1- AA e mulher BB, residentes na Rua da ......., Beco ... nº ...Esq., 3035-359, Arzila, propõem a presente acção com processo ordinário contra ......, Companhia de Seguros, S.A., com sede na Avenida da .................,..,., Lisboa, pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhes a quantia de € 16.130,42 a título de indemnização pelos danos sofridos num acidente de viação, acrescida de juros desde a da citação até efectivo e integral pagamento.
Fundamentam este pedido, em síntese, dizendo que a A. foi vítima de um acidente de viação causado por um condutor sobre o qual a R. tinha assumido, por contrato de seguro, a respectiva responsabilidade civil em relação ao veículo que conduzia. Do acidente resultou a inutilização do veículo, bem como ferimentos na A. e despesas com tratamentos, perdas de salários devido à incapacidade para trabalhar, despesas com aluguer de outro veículo, bem como danos de natureza não patrimonial resultantes das dores físicas padecidas e alteração do quotidiano resultante da indisponibilidade do meio de transporte que o veículos lhes proporcionava, que contabilizam em € 15,00 euros diários, prejuízos de que se querem ver ressarcidos.
A R. contestou aceitando a culpa do seu segurado pelo acidente, mas não os danos e montantes peticionados. Quanto ao veículo alega que valia à data do acidente não mais que € 1.250,00 euros e que nessa data podia ser adquirido no mercado veículo semelhante ao mesmo preço. Como o preço da reparação do veículo se mostrou muito superior ao valor do automóvel, quase o triplo, a seguradora colocou à disposição dos AA. a quantidade € 1.250,00 euros, que eles não receberam porque não quiseram. Assumiu as despesas do veículo de aluguer desde a data em que foi pedida a peritagem até à sua realização e entre esta e a divulgação do seu resultado pela oficina reparadora, mas não o tempo que decorreu até ao pedido e os dias que decorreram entre a primeira visita do perito contratado pela R. à oficina e a segunda visita, resultante do facto de na primeira visita a oficina não ter disponibilizado todos os elementos para concluir a peritagem. Alega que há abuso de direito na pretensão dos AA. ao terem preferido suportar um prejuízo de € 4.410,00 euros, resultante da indisponibilidade do veículo, quando o podiam ter mandado reparar ou ter substituído por outro.
Concluiu pela improcedência do pedido.

O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou-se a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.
Nesta julgou-se a acção parcialmente procedente por provada tendo-se condenado a R. a pagar ao A., as quantias de € 2.991,47 (valor necessário à reparação do veículo), de € 574,22 (despesas com aluguer de veículo de substituição), de € 15,00 (perdas salariais originadas por faltas ao trabalho causadas pelo acidente), de € 27,70 (despesas com tratamentos médicos), de € 1.000,00 (danos não patrimoniais resultantes da privação de uso do veículo), de € 12 000,00 (danos não patrimoniais resultantes dos ferimentos e dores padecidos pela A. e desvalorização parcial permanente de que ficou portadora, acrescidas de juros de mora sobre estas quantias desde a citação até integral pagamento quanto aos danos patrimoniais e desde a data da fixação quanto aos danos não patrimoniais à taxa se 4% ao ano sem prejuízo de outra taxa que venha a ser publicada nos termos da lei.
No mais absolveu-se a R. do pedido.
Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a R. de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo-se aí, por acórdão de 6-10-2009, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
1-2- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a R. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.
A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:

1ª- Face à factualidade demonstrada, é manifesta a excessiva onerosidade da reconstituição natural no que toca aos danos sofridos pelo veículo dos AA, que importam uma perda total;

2ª- Caberá aos AA, por esse motivo, uma indemnização em dinheiro que deverá corresponder ao valor patrimonial do bem danificado;

3ª- Atendendo a que estamos perante uma perda total do veículo, que não se provou o período exacto da paralisação e que os danos não patrimoniais dos AA. não têm relevância bastante para justificar a tutela do direito, não é, salvo o devido respeito, devida a verba de 1.000 € atribuída aos demandantes pela paralisação do veículo.

4ª- E mesmo que se entendesse que os danos não patrimoniais sofridos merecem a tutela do direito, pelas mesmas razões deveria a indemnização ser equitativamente reduzida para a verba de 350€

5ª- Os danos não patrimoniais da A. mulher decorrentes das dores e da IPG de que ficou portadora não devem, em equidade, fixar-se em quantia superior à de 4.000€.

6ª- O douto acórdão sob censura violou as normas dos artigos 496º e 566° do Código Civil.

Os recorridos contra-alegaram, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil).
Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:
-Onerosidade pela reparação do veículo.
- Indemnização pela privação do uso do veículo.
-Valor da indemnização relativa aos danos não patrimoniais sofridos pela A.

2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:
1- No dia 01 de Fevereiro de 2006, cerca das 08,55 horas, ocorreu um embate entre os veículos automóveis com as matrículas ..-..-.. e ..-..-, na E.N. n.º 341, ao km 40,030, em Ameal, no Concelho e Comarca de Coimbra.
2- O LR pertencia a CC e era conduzido por DD.
3- O EL pertencia ao Autor e era conduzido pela Autora - alínea a).
4- O LR, circulando à retaguarda do EL, no sentido Arzila/Taveiro, e iniciou a ultrapassagem a este último. Em sentido contrário ao LR e ao EL, transitava um outro veículo. De modo a evitar embater frontalmente no veículo que transitava em sentido oposto, o LR embateu na parte lateral esquerda do EL – alínea b).
5- Em consequência desse embate, o LR e o EL rodopiaram e o LR embateu novamente no EL. Corolário disso, o EL embateu com a traseira nos «rails» de protecção da estrada. O LR e o EL imobilizaram-se mais à frente do local onde o embate ocorreu – al. c)
6- No local do evento, a faixa de rodagem media 7,10 metros de largura; era marginada de ambos os lados por berma; atento o sentido de marcha do LR e do EL, a berma do lado direito media 2,40 metros de largura; a estrada formava uma recta, avistando-se a faixa de rodagem em toda a sua largura numa extensão de mais de 50 metros; era asfaltada e estava em bom estado de conservação – alínea d).
7- No momento do acidente, o tempo estava bom – alínea e).
8- O DD conduzia o LR na qualidade de empregado da firma Sismodular e ao serviço desta, sabendo o condutor DD que conduzia o LR em serviço da mesa, a qual aceitou que ele fizesse os percursos que entendesse com o LR – al. f ).
9- A BBnasceu em 22-02-1968 – alínea g).
10- A Ré, por escrito, comunicou ao Autor que o EL tinha sido dado como salvado, propôs-lhe indemnização no valor de € 1.050,00 euros e não ordenou a reparação dos danos do EL – alínea h).
11- A Ré assumiu o pagamento do aluguer duma viatura respeitante ao período de 10/02 a 13/02 (período em que foi agendada peritagem a título definitivo à sua viatura, e de 21/02, dia em que a oficina informou que o perito podia deslocar-se à oficina para fazer estimativa dos danos, a 08/03 – alínea i).
12- A Ré não pôs à disposição dos autores um veículo para substituírem o EL enquanto este não for reparado – alínea j).
13- A responsabilidade civil emergente de acidente de viação em que o LR interviesse estava transferida para a Ré através de contrato de seguro válido e eficaz, titulado pela apólice n.º 0000000 – al. l).
14- Em consequência do embate a Autora padeceu de dores ao nível da cervical e da zona lombar, sensação de calor na região pré-auricular bilateral, quantificáveis no grau 3 numa escala de 1 a 7 - quesito 1.
15- O embate produziu-lhe «pequena protrusão discal mediana posterior dos discos intervertebrais C3 e C4» - quesito 2.
16- Bem como «protrusão posterior difusa do disco intervertebral C5-C6 que reduz o espaço subaracnoideu perimedular anterior e que poderá condicionar discreta compressão do feixe ventral das raízes C6 – quesito 3.
17- Em consequência das lesões supramencionadas a Autora sentiu e sofreu dores – quesito 4.
18- A Autora teve dificuldades no exercício da sua actividade profissional de empregada de limpeza e fazer as suas lides domésticas - quesito 5.
19- Actualmente queixa-se de dores na coluna, falta de força no membro superior direito e de frequentemente sentir as mãos dormentes – quesito 6.
20- Tem algumas dificuldades em pegar em objectos pesados e realizar serviços de limpeza – quesito 7.
21- A situação factual acabada de descrever causou-lhe incómodos e transtornos e produziu-lhe alguma tristeza - quesito 8.
22- A autora BB pagou a quantia de € 10,30 respeitante ao episódio de urgência e exames radiológicos ao Centro Hospitalar de Coimbra - Hospital Geral – quesito 10.
23- Despendeu também € 17,40 na realização de um TAC – quesito 11.
24- À data do acidente, a Autora trabalhava como empregada de limpeza para a «Auto Brasil Coimbra» e auferia mensalmente, em média, a quantia ilíquida de € 315,00 euros - quesito 12.
25- Por força do acidente, a Autora teve de faltar 3,5 horas para ser sujeita a consultas e exames médicos e, por isso, deixou de receber € 15,00 euros – quesito 13.
26- A reparação do veículo EL foi orçamentada no valor de € 2.991,47 euros – quesito 14.
27- O EL, à data do acidente, encontrava-se em bom estado geral de conservação e, em consequência dos danos sofridos, o EL não pode circular na estrada – quesito 15.
28- À data do acidente, o autor era Electricista no Estabelecimento Prisional de Coimbra – quesito 16.
29- A autora utilizava o EL nas suas deslocações diárias de casa para o trabalho e vice-versa e ambos os Autores nas demais deslocações da sua vida privada – quesito 17.
30- Para substituírem o EL e se deslocarem, os Autores alugaram um veículo de aluguer sem condutor à firma «VASC Rent-a-Car» no período de 2006/02/03 a 2006/03/10 - quesito 18.
31- O Autor pagou pelo aluguer referido atrás a quantia de € 574,22 euros, correspondente ao período de 03/02/2006 a 11/02/2006 e de 14/02/2006 a 20/02/2006 - quesito 19; e a quantia de € 71,78 euros relativa aos dias 09/03/2006 e 10/03/2006 - quesito 20.
32- Os autores estiveram desde o dia 11-03-2006, inclusive, sem poderem utilizar o EL nas suas deslocações diárias até terem adquirido um outro veículo - quesito 21.
33- Os autores vêem-se obrigados a viverem de favores de outras pessoas e a utilizarem transportes públicos; a terem de se levantarem e a saírem de casa mais cedo e a chegarem a casa mais tarde – quesito 22.
34- Têm de aguardar pela chegada de vários transpores públicos; efectuam alguns percursos a pé, pelo que ficam com menos tempo para descanso e de momentos de lazer – quesito 23.
35- O que lhes causa transtornos e incómodos – quesito 24.
36- O acidente foi participado à Ré no dia 2 de Fevereiro de 2006 - quesito 28.
37- No dia 13 de Fevereiro de 2006 um perito da Ré deslocou-se à oficina escolhida pelos demandantes onde o veículo se encontrava depositado, a «Automóveis.........., Ld.ª», em Antanhol, Coimbra, a fim de elaborar a dita peritagem – quesito 29.
38- Os representantes da dita oficina não tinham, até essa data, elaborado o orçamento de reparação do veículo, pelo que a Ré ficou a aguardar que essa mesma estimativa fosse elaborada – quesito 30.
39- No dia 21 de Fevereiro de 2006, o perito deslocou-se novamente à oficina e, depois de analisado o orçamento verificou-se que a reparação do veículo 00-00-00 foi orçamentada, por estimativa, em € 2.697,72 euros, IVA incluído – quesito 31.
40- Tal veículo, de marca Peugeot, modelo 106, com 1124 cc de cilindrada, com motor de gasolina, havia percorrido, à data do sinistro, mais de 139.181 km – quesito 32; e valia, à data do acidente, no máximo, €1.750,00 euros – quesito 33.
41- Só no dia 21 de Fevereiro a oficina solicitou ao perito da Ré que se voltasse a deslocar às suas instalações para conclusão da peritagem, o que efectivamente veio a ocorrer – quesito 36.
42- Por carta datada de 08 de Março de 2006 a Ré comunicou ao Autor, através de carta que lhe foi enviada, o resultado da aludida peritagem, ou seja, que o veículo EL fora dado como salvado, mais lhe comunicando que, «tendo em conta as características do veículo, propomos como indemnização o valor de 1.050€, ficando os salvados na posse de Vª Ex.a» - quesito 37.
43- No dia 15 de Março de 2006, a Ré recebeu uma carta da Associação de Consumidores de Portugal, entidade que se disse representante do Autor na qual era proposto à Ré o pagamento da indemnização de 1.500 € (ficando os salvados na posse da Ré), acrescidos das despesas suportadas com o veículo de aluguer – quesito 38
44- A Ré aceitou o pagamento da quantia de € 1.500,00, com a entrega dos salvados à ora Ré, apenas não tendo aceite o pagamento das quantias relativas à paralisação do veículo, pelas razões acima expostas – quesito 39
45- Tal posição foi comunicada à Associação de Consumidores de Portugal por escrito no dia 15 de Março de 2006, tendo, nessa data, sido posta à disposição do Autor a verba de € 1.500,00 euros – quesito 40.
46- Posteriormente, a Associação de Consumidores de Portugal viria a esclarecer que o sentido da proposta correspondia ao pagamento pela Ré do montante de € 1.500,00 euros, ficando os salvados na posse do demandante - quesito 41.
47- A Ré respondeu a esta proposta no sentido de a aceitar, pagando, para acordo extra-judicial ao demandante a verba de € 1.500, ficando os salvados na posse deste, tendo, desde logo, colocado à disposição do Autor tal quantia – quesito 42.
48- Esta mesma proposta foi reiterada ao demandante através de carta que lhe foi endereçada no dia 12 de Maio de 2006 – quesito 43.
49- A Autora ficará a padecer futuramente de uma de uma incapacidade permanente parcial de 3% - quesito 44.----------------------------

2-3- Como se vê, a recorrente apenas coloca para apreciação as supra-indicadas objecções, impugnações atinentes à onerosidade pela reparação do veículo, à indemnização pela privação do uso do veículo e ao valor da indemnização relativa aos danos não patrimoniais sofridos pela A.. Quer dizer que as outras questões decididas nas instâncias, designadamente a culpa pelo evento, a responsabilidade da R. Seguradora e o ressarcimento dos outros danos, porque não contestados no recurso, não serão conhecidas e, consequentemente, permanecerão incólumes.
Não se levanta qualquer dúvida que no caso vertente se verificam os pressupostos do dever de indemnizar no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, designadamente, o facto voluntário, a ilicitude, a culpa, o dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano (art. 483º do C.Civil, diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem) (1)
Para que ocorra a obrigação de indemnizar, é condição essencial que ocorra o dano, que se traduz no prejuízo que o facto ilícito culposo causa ao lesado, podendo o dano ser patrimonial ou não patrimonial, consoante seja ou não susceptível de avaliação pecuniária.
A obrigação de indemnizar deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562º).
Por sua vez o art. 566º consagra o princípio da reconstituição natural, devendo a indemnização, quando esta reconstituição não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa, ser fixada em dinheiro, estabelecendo o nº 2 da disposição a medida da indemnização monetária.
O art. 566º nº 1 estabelece a primazia da reconstituição natural, funcionando a reparação através de indemnização monetária como sucedânea, quando a reparação específica se mostre materialmente inviável, não cubra a integridade dos danos e quando se revele demasiado gravosa para o devedor (2).
Como esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela (3) “0 fim precípuo da lei nesta matéria é o de prover à directa remoção do dano à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes”.
Nem sempre o recurso à reconstituição in natura é possível (4), ocorrendo casos que ela se revela como meio insuficiente de reparação (5), ou revela que não é meio idóneo para tal (6).
Para o que aqui nos interessa, deve considerar-se que reconstituição natural como meio impróprio de restauração, quando for excessivamente onerosa para o devedor, isto é, “quando houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural envolve para o responsável” (7)
Transpondo estes princípios para o caso dos autos, em relação ao veículo, uma vez que a sua reparação integral é possível, deve privilegiar-se a sua reconstituição natural.
A recorrente coloca em dúvida este pressuposto porque considera ser excessivamente oneroso o pagamento da reparação do veículo, porque o valor deste era de 1.750 €, sendo que o seu arranjo ascende a 2.991,47 €. Quer dizer, a recorrente entende que se deve fixar uma indemnização em dinheiro (correspondente ao valor comercial do automóvel), por a reconstituição natural se revelar excessivamente onerosa para si.
De sublinhar que a lei não expressa a este propósito a simples onerosidade da reparação. Exige que esta seja excessivamente onerosa para o devedor, o que corresponde a que o encargo seja exagerado, desmedido, desajustado para o obrigado, transcendendo-se os limites de uma legítima indemnização.
Nesta ponderação, como se refere no Acórdão deste STJ de 5-6-2008 (8), “não podem deixar de ser considerados factores subjectivos, respeitantes não só (embora primacialmente) à pessoa do devedor e à repercussão do custo da reparação natural no seu património, mas também às condições do lesado, e ao justificado interesse específico na reparação do objecto danificado, antes que no seu percebimento do seu valor em dinheiro”.
Um veículo automóvel é hoje um bem essencial para a deslocação da comum dos cidadãos, proporcionando a quem o utiliza evidentes vantagens de comodidade e rapidez nas viagens de trabalho ou de ócio.
Como é sabido, um veículo de valor comercial reduzido, pode estar em excelentes condições (9). e satisfazer plenamente as necessidades do dono. Nestas circunstâncias a quantia equivalente ao valor de mercado do veículo (muitas vezes ínfima) não conduzirá à satisfação dessas mesmas necessidades, o que é equivalente a dizer-se que não reconstituirá o lesado na situação que teria se não fosse o acidente. Ou seja, a situação do lesado, se se lhe conceder apenas o valor comercial do veículo, não ficará análoga à que existia antes do acidente, o que violará o art. 562º cujo teor já acima se referenciou. A inicial situação do lesado só será reintegrada com a reparação do veículo, recolocando-o no estado em que se encontrava antes do acidente.
Como se refere no acórdão deste STJ já mencionado, “vale isto dizer que, para o dono do veículo sinistrado, o valor deste não se afere apenas pelo seu valor venal ou comercial: o valor de uso, traduzido pela utilidade que o veículo proporciona, pode ser, e é frequentemente, muito significativo. Em tais casos, o pagamento do valor comercial não repara integralmente o dano decorrente da sua danificação, só ficando satisfeito o interesse do lesado com a reparação do veículo, com a sua recolocação – quando tal é tecnicamente possível – no estado em que se achava antes do evento danoso”.
A indagação sobre a restauração natural ou a indemnização equivalente, deve fazer-se casuisticamente, sem perder de vista que se deve atender à melhor forma de satisfazer o interesse do lesado, interesse que deve prevalecer sobre o do lesante (10)
.
Significa isto que nos parece pouco relevante, para os fins em análise, que o valor da reparação do veículo seja superior ao seu valor comercial. No fundo, do que se trata é de determinar a melhor forma de reconstituir a situação do lesado que existiria, se não tivesse ocorrido o acidente que obriga à reparação. E essa situação pode não coincidir com uma indemnização equivalente ao valor comercial ou venal do veículo.
Vendo a questão pelo lado do lesante, este só poderá opor-se à restauração natural quando, como já se disse, for excessivamente onerosa para si, isto é, quando houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado e o custo que a reparação natural envolve para si.
No caso dos autos, posto que se demonstrou que a reparação do veículo era possível e sendo que a diferença entre o valor da reparação e o valor venal da viatura se cifra em apenas 1.241,47 € (2.999,47 - 1750,00) e por que a lesada é uma companhia de seguros (11), somos em crer que a reparação pretendida não se revela excessivamente onerosa para ela, dado que o valor em si deve ser entendido como pouco relevante para uma seguradora, não sendo crível, como nos parece notório, que possa ter reflexos significativos na sua situação patrimonial.
Como se refere no acórdão deste STJ de 5-6-2008 em jeito de síntese “a inadequação da reconstituição natural por via da excessiva onerosidade para o devedor apenas surge no caso de manifesta ou flagrante desproporção entre o interesse do lesado, que importa repor e o custo que ela envolve para o lesante, em termos de representar para este um sacrifício manifestamente desproporcionado, de tal sorte que se deva considerar abusivo por contrário à boa fé o valor decorrente da reconstituição natural”.
Esta situação, não ocorre, claramente, no caso vertente, pelo que a pretensão do recorrente é improcedente.
A posição que assumimos, tem vindo a ser tomada, pelo menos maioritariamente, neste Supremo Tribunal, como demonstram, entre outros, os acórdãos indicados no douto acórdão recorrido, o Ac. de 5-6-2008 já referido, o Ac. 19-3-2009, ambos acessíveis em www.dgsi.pt/jstj.nsf e o Ac. 7-7-1999 (Col. Jur. 1999, Tomo III, pág. 16).
2-4- No que toca à indemnização pela paralisação do veículo, no douto acórdão recorrido referiu-se que em tese geral, a mera privação do uso de um veículo automóvel é insusceptível de, só por si, fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil, pois que pode não ter qualquer repercussão negativa no património ou esfera pessoal do lesado, ou seja, dela não resultar um dano específico, emergente ou na vertente de lucro cessante. Isto porque existem outros meios de transporte à disposição do dono ou por acabou por deles não necessitar. Acrescentou-se que, pese embora este entendimento, “em sede de direito probatório, a prova a efectivar pelo lesado deve ser aliviada e não deve exigir-se como reportada a factos minuciosos, pois que efectivamente, as regras da experiencia e normalidade das coisas nos inculcam a ideia que, nos dias que correm e atenta a hodierna organização económico-social, a perda do uso de um veículo automóvel, por regra, acarreta afectações negativas ao nível dos direitos da personalidade e prejuízos para o seu dono”. Por isso se entendeu, face às circunstâncias provadas, que causaram afectações negativas na vivência dos demandantes, ser equilibrado fixar uma indemnização neste âmbito no montante de 1.000 €.
A recorrente sustenta que não se provou qualquer prejuízo patrimonial decorrente da privação do uso do veículo, sendo certo também que os transtornos e incómodos que os AA. alegam ter sofrido em razão da falta do automóvel, não merecem a tutela do direito, pelo que não se deveria ter fixado qualquer indemnização neste âmbito a favor dos AA..
A indemnização tem por finalidade, como se sabe, ressarcir o lesado dos prejuízos realmente sofridos. Vem isto a propósito de certo entendimento jurisprudencial e doutrinário considerar indemnizável, per si, a privação do uso do veículo, mesmo sem a prova de quaisquer perdas concretas, sustentando-se que o reconhecimento do direito à indemnização não está necessariamente dependente da prova das perdas efectivas de rendimento que a utilização do veículo poderia proporcionar ou das despesas a que a sua falta directamente motivou, mas antes da própria indisponibilidade da viatura (neste sentido António Abrantes Geraldes, in Indemnização do Dano de Privação do Uso, 33/41, Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Vol. I, 269 e Acs. do STJ de 9-6-1996, BMJ 457º, 325 de 29-11-2005 Col Jur. Acs. Supremo, 2005, Tomo III, pág. 151), 24-1-2008 (www.dgsi.pt/jstj.nsf), 5-7-2007 (www.dgsi.pt/jstj.nsf), da Rel. de Coimbra de 9-11-99 C.J. 1999, Tomo 5º, 23 e de 26-11-2002, Tomo 5º, 19 e da Rel. do Porto de 5-2-2004, C.J. 2004, Tomo 1º, 178). Como afirma Menezes Leitão, constituindo o uso (por via e regra diário) de um veículo próprio, uma vantagem susceptível de avaliação pecuniário, mal seria que a respectiva privação não constituísse um dano.
Não aceitamos esta maneira de ver as coisas, porque, face ao nosso sistema jurídico a indemnização no quadro da responsabilidade civil depende da verificação concreta de danos. Com efeito, o art. 562º já acima referido, que estabelece o princípio geral da obrigação de indemnizar, faz depender desta obrigação a verificação de um dano. O art. 563º e quanto ao nexo de causalidade, determina que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. O art. 566º refere que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria se não existissem danos. Ou seja, o princípio da diferença patrimonial a que se refere a disposição, não desobriga a determinação de factos que revelem a existência de danos da pessoa ofendida. Por outro lado, no que toca a responsabilidade por factos ilícitos (art. 483º) ou pelo risco (art. 499º), a indemnização depende da confirmação de um dano. Quer dizer, face ao nosso ordenamento jurídico, a pedra de toque desencadeadora de indemnização, é o dano. Daí que entendamos que a simples privação de um veículo sem a demonstração de qualquer dano, isto é, sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, não é susceptível de fundar a obrigação de indemnizar (neste sentido, entre outros, Acs. desta STJ de 8-6-2006 e 5-7-2007, ambos em (www.dgsi.pt/jstj.nsf) e vide ainda doutrina indicada nesses arestos).
Aceita-se que uma paralisação de um veículo, normalmente, causa prejuízos ao proprietário. O dono goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem (art. 1305º), pelo que ficando, pela paralisação, desprovido desses direitos, em princípio, ocorrerão, para si, perdas. Mas nem sempre os prejuízos se verificarão. Basta lembrarmo-nos, por exemplo, de uma pessoa que tem vários veículos em garagem e que a impossibilidade de utilizar um, apenas implica a necessidade de utilizar outro, ou senão aquele caso de uma pessoa que utiliza o veículo apenas para se deslocar para o trabalho e que, em consequência da impossibilidade de o continuar a usar, passa a ir para o emprego num veículo da empresa. Aqui até, ao invés de haver um prejuízo, haverá um benefício, já que tal evita a utilização do seu automóvel, com as patentes despesas inerentes a esse uso.
Não nos parece, assim, que a paralisação de um veículo possa per si denunciar, para o respectivo proprietário, um prejuízo. Para que uma imobilização de uma viatura possa significar danos para o seu proprietário, é necessário alegar-se e provar-se factos nesse sentido (12).
No caso vertente provou-se que a A. utilizava o EL nas suas deslocações diárias de casa para o trabalho e vice-versa e ambos os AA. nas demais deslocações da sua vida privada. Os AA. estiveram desde o dia 11-03-2006, inclusive, sem poderem utilizar o EL nas suas deslocações diárias até terem adquirido um outro veículo. Os AA. vêem-se obrigados a viverem de favores de outras pessoas e a utilizarem transportes públicos; a terem de se levantarem e a saírem de casa mais cedo e a chegarem a casa mais tarde. Têm de aguardar pela chegada de vários transpores públicos; efectuam alguns percursos a pé, pelo que ficam com menos tempo para descanso e de momentos de lazer, o que lhes causa transtornos e incómodos.
Perante estes facto será lícito concluir que o facto de os AA. terem ficado privados do uso do seu automóvel sofreram prejuízos não patrimoniais, decorrentes da necessidade de mudarem a sua vivência diária, tendo-se de adaptar a um modus vivendi mais desconfortável, prejudicando o seu tempo de descanso e os momentos de lazer.
A nosso ver, as circunstâncias provadas não consubstanciam simples incómodos ou transtornos (em relação aos quais a tutela do direito não se justifica – art. 496º nº 1 -), mas sim elementos de alguma relevância que se repercutiram negativamente na qualidade de vida dos AA.. A utilização do seu automóvel facilitava-se o acesso ao emprego e, naturalmente, contribuiria para a fruição de momentos livres. Com a privação dele, o acesso ao trabalho tornou-se mais penoso e cessou a utilização e fruição que da viatura poderiam fazer em tempo de lazer.
Como se disse correctamente no douto acórdão recorrido, haverá que “valorar esta vertente ressarcitória não patrimonial pois que muitas vezes os danos a ela atinentes, consubstanciados em incómodos, transtornos, angustias, stress, perturbação da tranquilidade e da paz de espírito, são mais afectantes e perniciosos para a integridade e estabilidade emocional e psico-somatica - e, consequentemente, da qualidade de vida - do que certos danos materiais, os quais, com o correr da vida e o esforço e trabalho do lesado podem ser ultrapassados ou minimizados”.
Por isso nos parece que a privação do uso do veículo causou danos não patrimoniais aos AA. que merecem ser ressarcidos.
Quanto ao montante da indemnização, o mesmo deve ser fixado equitativamente (13).
O douto acórdão recorrido valorou essa indemnização em 1.000 €, 500 € para cada um dos AA..
Parece-nos que este valor é algo elevado, tanto mais que não se provou o lapso de tempo durante o qual os AA. estiveram impedidos de utilizar um veículo(14). Além disso, provou-se que durante o período de imobilização do automóvel, a R. seguradora pagou-lhes durante algum tempo o aluguer de um veículo (vide facto acima referenciado sob o nº 11) e também se demonstrou que os AA. alugaram um veículo de aluguer sem condutor (de 2006/02/03 a 2006/03/10 – facto acima referido sob o nº 30 -), donde resulta que durante esses períodos temporais os transtornos derivados da privação do uso de veículo não se verificaram.
Assim, parece-nos mais adequado fixar, equitativamente, essa indemnização na quantia de 500 € (250 €, igualitariamente para cada um dos AA.)
2-5- Por fim a recorrente defende que o valor dos danos não patrimoniais fixados à A. mulher decorrentes das dores e da IPG de que ficou portadora peca por excesso, devendo antes ser fixado esse montante em quantia não superior a 4.000 €.
No douto acórdão recorrido (bem como a sentença de 1ª instância), fixaram-se esses danos em 12.000 €.
Ponderou-se, face ao acervo factual provado “que há que concluir que os danos na integridade física da autora são significativos e graves. Quiçá não tanto pelo grau de incapacidade que provocaram, mas antes pelas consequências que acarretaram, acarretam e muito provavelmente continuarão a acarretar para o desempenho da profissão da lesada e, em geral, para o desenvolvimento de qualquer actividade física. Não sendo ainda de olvidar que todo este handicap irá afectá-la a nível psicológico e emocional. Com as inerentes consequências nocivas para a sua qualidade de vida ao longo dos anos que, naturalmente, se prevêem ainda dilatados. Como bem se expende na sentença: «Uma incapacidade representa sempre para quem a sofre uma diminuição das capacidades da pessoa que se reflectem em todos os aspectos da sua vida, sendo causa de desconforto e sofrimento moral.» O que, atenta a ocupação profissional da autora e a sua ainda pouco avançada idade é atendível e relevante. Para além do quantum doloris importa, pois, valorar os supra referidos “prejuízo de afirmação social” e o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”. Por outro lado, a quantia fixada não se alcança como manifestamente dispare e desconforme por comparação com outras arbitradas em situações mais ou menos similares, maxime das supra referidas e aceite que deve ser o mencionado grau de diferenciação e aleatoriedade que se afiguram inelutáveis. Coadunando-se, outrossim, com os demais critérios legalmente fixados, vg. a situação económico-financeira das partes, rectius da ré seguradora a qual, à míngua de factos infirmatórios, se deve considerar como saudável e até desafogada”. Por isso se concluiu que o valor de 12.000,00 € fixado na sentença “se alcança como equilibrado, adequado e, logo, justo, tanto para consecutir a justiça do caso concreto, como para atingir a sempre desejada justiça comparativa”.
Vejamos:
No que concerne aos danos não patrimoniais, a obrigação de indemnização decorre do disposto no art. 496º nº 1 que estabelece que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela dos direitos ”.

Não se concretiza na disposição legal os casos de danos não patrimoniais que justifiquem uma indemnização. Refere-se tão só que esses danos, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Significa isto que cabe ao tribunal, no caso concreto, dizer se o dano merece ou não a tutela do direito.
No caso vertente parece-nos que, pela sua gravidade, os danos sofridos pela A. e que adiante identificaremos, merecem ser indemnizados. A própria R. não coloca qualquer dúvida em relação a este aspecto da questão visto que apenas impugna o montante da indemnização a que o tribunal recorrido chegou.
No que toca ao quantum indemnizatório estabelece o art. 496º nº 3 que “o montante da indemnização será fixado equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º ”. Isto é, a indemnização por danos não patrimoniais, deve ser fixada de forma equilibrada e ponderada, atendendo em qualquer caso (quer haja dolo ou mera culpa do lesante) ao grau de culpabilidade do ofensor, à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, como por exemplo, o valor actual da moeda. Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela “o montante de indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas de criteriosa ponderação da realidade da vidaIn Obra citada, pág. 501.
A A. sofreu as consequências do acidente que acima se referenciaram. Concretamente a A. padeceu de dores ao nível da cervical e da zona lombar, sensação de calor na região pré-auricular bilateral, quantificáveis no grau 3 numa escala de 1 a 7 . O embate produziu-lhe «pequena protrusão discal mediana posterior dos discos intervertebrais C3 e C4», bem como «protrusão posterior difusa do disco intervertebral C5-C6 que reduz o espaço subaracnoideu perimedular anterior e que poderá condicionar discreta compressão do feixe ventral das raízes C6. Em consequência das lesões supramencionadas a A. sentiu e sofreu dores. A A. teve dificuldades no exercício da sua actividade profissional de empregada de limpeza e fazer as suas lides domésticas. Actualmente queixa-se de dores na coluna, falta de força no membro superior direito e de frequentemente sentir as mãos dormentes. Tem algumas dificuldades em pegar em objectos pesados e realizar serviços de limpeza. A situação factual acabada de descrever causou-lhe incómodos e transtornos e produziu-lhe alguma tristeza. A A. ficará a padecer futuramente de uma de uma incapacidade permanente parcial de 3%.
Estas circunstâncias revelam evidentes sofrimentos, amarguras e provações. Também desgosto denuncia a circunstância de, tratando-se de uma mulher ainda nova aquando do acidente (nasceu em 22-02-1968), ficar a padecer de uma incapacidade permanente parcial (se bem que leve) para os resto dos seus dias. De sublinhar que ainda hoje ela se queixa de dores na coluna, falta de força no membro superior direito e de, frequentemente, sentir as mãos dormentes.
Os tratamentos médicos a que necessariamente foi submetida e que os factos provados denunciam, indiciam igualmente patentes transtornos, contrariedades e padecimentos.
Sob o ponto de vista psicológico, a A. sofreu, pois, claras lesões. Evidentemente que não desconhecemos a dificuldade que existe, neste campo, em concretizar em algo de material, aquilo que é imaterial ou espiritual, realidades tais como “dor”, “desgosto”, “sofrimento” “contrariedades” “preocupações”. Mas a lei impõe que assim seja devendo o juiz na fixação ou concretização de tais danos, como já se disse, usar de todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas de criteriosa ponderação da realidade da vida.
Por outro lado, temos vindo a entender que o valor de uma indemnização neste âmbito, deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não ser meramente simbólico (neste sentido, entre muitos, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 17-1-2008 e de 29-1-2008, ambos in www.dgsi.pt/jstj.nsf).
Ponderando em todos os elementos salientados e ainda no valor actual da moeda, na ausência de culpa no evento da lesada, somos em crer ser equilibrado o montante fixado nas instâncias, 12.000 €, considerando-se a quantia proposta pela recorrente muito exígua, para o grau de gravidade e teor das lesões psicológicas sofridas pela lesada.
Aqui improcede a pretensão da recorrente.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, dá-se provimento parcial ao recurso e, consequentemente, fixa-se a indemnização aos AA. pela privação do uso do veículo em 500 €, revogando, nessa parte, o douto acórdão recorrido.
No mais nega-se a revista, confirmando-se o douto aresto recorrido.
Custas pelas partes na proporção do respectivo vencimento.

Lisboa, 21de Abril de 2010

Garcia Calejo (Relator)
Helder Roque
Sebastião Póvoas
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(1) Vide este propósito, Noções de Direito Civil, Mário Júlio de Almeida Costa, 2ª edição, pág. 103 e C.Civil Anotado de Pires de Lima e Antunes Varela, 4ª edição, Volume I, pág. 471, Das Obrigações em Geral, Antunes Varela, Vol. I, 9ª edição, pág. 544.
(2) Vide a este propósito Antunes Varela, obra indicada, págs.933 a 936, Pires de Lima e Antunes Varela, obra referida, pág. 582, Menezes Leitão Direito das Obrigações, Volume I, págs. 377 e 378.
(3)Obra referida pág. 582.
(4) No caso, por exemplo, do perecimento da coisa.
(5) No caso, por exemplo, de a reconstituição não cobrir todos os danos.
(6)No caso, por exemplo, de a reconstituição de revelar excessivamente onerosa para o devedor.
(7) Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, pág. 582.
(8) Em www.dgsi.pt/jstj.nsf
(9) Por exemplo um automóvel já com muitos anos, mas bem conservado e com pouca utilização.
(10) A este propósito vide Ac. deste STJ de 19-3-2009 em www.dgsi.pt/jstj.nsf
(11)Que a Relação presumiu ter uma situação sólida e desafogada, sob pena de não inspirar confiança aos seus clientes
(12) Factos determinativos de danos patrimoniais ou não patrimoniais.
(13) À frente desenvolveremos este tema.
(14) Facto que deveria ter sido alegado e provado pelos AA.
(15) In Obra citada, pág. 501