Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | OLIVEIRA MENDES | ||
Descritores: | RECURSO PENAL VIOLAÇÃO ROUBO AGRAVADO MENOR CÓPULA COITO ANAL COITO ORAL AMEAÇA ARMA BRANCA COMPARTICIPAÇÃO CO-AUTORIA REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS MEDIDA CONCRETA DA PENA PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL REINSERÇÃO SOCIAL ILICITUDE CULPA DOLO DIRECTO CONCURSO DE CRIMES CÚMULO JURÍDICO PENA PARCELAR PENA ÚNICA | ||
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Data do Acordão: | 09/12/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES. | ||
Doutrina: | - Claus Roxin, 96/98. - Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal - 3º Tema - Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111. - Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 290/292. - Jescheck, Tratado de Derecho Penal General (4ª edição), 668. - Comissão Revisora - Acta da 28ª Sessão, realizada em 14 de Abril de 1964. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, N.º 2, 71.º, N.º 1, 77.º, N.º 2. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 18.º, N.º 2. DL N.º 401/82: ARTIGO 4.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 04.10.21, CJ (STJ), XII, III, 192. - DE 07.03.28, PROC. N.º 653/07. - DE 08.01.16, PROC. N.º 4837/07. - DE 08.11.05, PROC. N.º 2861/08. - DE 09.02.18, PROC. N.º 100/09. - DE 08.03.05, PROC. N.º 114/08. - DE 09.11.18, PROC. N.º 702/08.3GDGDM.P1.S1. | ||
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Sumário : | I - O regime penal especial para jovens delinquentes, previsto no DL 401/82, de 23-09, aplicável aos jovens por factos perpetrados dos 16 até perfazer os 21 anos de idade, não é de aplicação imediata visto que, para além desse requisito de natureza formal, está sujeito a um requisito de índole material: só pode ocorrer quando o tribunal tiver estabelecido positivamente que há razões sérias para crer que dessa atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem delinquente e, simultaneamente, se considerar a atenuação compatível com as exigências de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico e garantia de protecção dos bens jurídicos. II - É consensual o entendimento de que no juízo a formular sobre a aplicação do regime penal em causa devem ser tidas em conta todas as circunstâncias ocorrentes atinentes à ilicitude do facto (gravidade e suas consequências), à culpa (tipo e intensidade do dolo e fins que subjazem ao ilícito) e às necessidades da pena, tendo presentes a personalidade do delinquente e suas condições pessoais. III -No caso, estamos perante factos delituosos de gravidade indiscutível, em especial no que tange aos 3 crimes de violação, infracções puníveis com prisão de 3 a 10 anos, perpetradas com dolo directo e intenso, em resultado dos quais a ofendida, então com 16 anos, ficou traumatizada, a sofrer de ansiedade, com crises de choro, irritabilidade, sentimento de perseguição, insegurança e fobias (medo de pessoas e locais que lhe relembrem os factos). Assim, a gravidade dos crimes perpetrados e as suas consequências, por si só, impõem o reconhecimento de que a defesa do ordenamento jurídico e a protecção dos bens jurídicos exigem o afastamento do regime de favor do DL 401/82, de 23-09, tanto mais que o recorrente se comportou com dolo directo ou de primeiro grau. IV - Culpa e prevenção constituem o binómio que o julgador tem de utilizar na determinação da medida da pena – art. 71.º, n.º 1, do CP. A culpa como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto e como realidade da consciência de liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos (dever de observância da norma jurídica), é o fundamento ético da pena e, como tal, seu limite inultrapassável – art. 40.º, n.º 2, do CP. V - No caso vertente, atentas as concretas circunstâncias ocorrentes, os crimes de violação perpetrados assumem particular gravidade. Com efeito, a ofendida foi submetida a múltiplas relações de cópula e coito, com penetração da vagina, no ânus e na boca, tendo qualquer um dos arguidos repetido os actos de cópula e de coito, primeiro mantendo–a de pé e depois obrigando-a a deitar-se, arrastando-a por escadas para junto de uma protecção ou corrimão de madeira. Durante todo este período, ambos os arguidos mantiveram-se junto desta, sendo que enquanto um deles a penetrava, o outro impedia-a de resistir mediante a colocação de uma navalha sobre o seu pescoço. Também o menor K penetrou-a repetidamente na boca, na vagina e no ânus, enquanto o arguido W mantinha encostada ao pescoço a referida navalha. Em consequência, a ofendida, que até então não tinha qualquer experiência sexual, sofreu escoriações na face, no pescoço e em ambas as pernas, bem como equimoses no braço esquerdo, tendo ainda sofrido, ao nível da vagina, uma fissura em y invertido na mucosa da região vestibular do hímen, sangrante ao toque, e na região anal e periana fissura numa das pregas radiárias, sendo que imediatamente após os factos apresentava dor intensa e hemorragia vaginal. Ficou em estado de choque, traumatizada e desde essa data não mais se relacionou com outro jovem do sexo oposto. Tornou-se uma pessoa medrosa, sofre de ansiedade, crises de choro, irritabilidade, sentimento de perseguição e insegurança. VI - Quanto à culpa do recorrente ela é intensa e situa-se num patamar elevado, visto que se comportou com dolo directo para satisfação dos seus desejos libidinosos, bem como os desejos libidinosos do co-arguido W e do menor K. As necessidades de prevenção geral são por demais evidentes e prementes quando é certo que quotidianamente chegam ao conhecimento da comunidade novos casos e situações de violação e abuso sexual. Por outro lado, os 2 crimes de roubo praticado pelos arguidos, com perigo iminente para a vítima pela utilização da navalha, reflectem uma personalidade deficientemente formada. VII - Sopesando todas as circunstâncias ocorrentes, sendo o crime de violação punível com pena de 3 a 10 anos de prisão e o de roubo com pena de 1 a 8 anos de prisão, nada há a censurar às penas impostas pelo tribunal recorrido aos arguidos de 6 anos e 6 meses de prisão para cada um dos 3 crimes de violação e de 1 ano e 6 meses de prisão para cada um dos 2 crimes de roubo agravado. VIII - A pena conjunta através da qual se pune o concurso de crimes, segundo o n.º 2 do art. 77.º do CP, tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso (sem ultrapassar 25 anos de prisão), o que vale por dizer que no caso vertente a respectiva moldura varia entre o mínimo de 6 anos e 6 meses de prisão e o máximo de 22 anos e 6 meses de prisão. IX - Segundo preceitua o n.º 1 daquele artigo, na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele. X -Analisando os factos verifica-se que os crimes em concurso evidenciam uma directa e estreita relação, já que perpetrados na mesma ocasião, uns imediatamente a seguir aos outros, conexão muito negativa no que tange aos crimes de violação, consabido que a prática de actos sexuais nas circunstâncias concretamente ocorrentes constitui factor de devassidão, para além de que revelar que o recorrente possuiu uma personalidade pervertida. Deste modo, tendo em conta o quantum das penas parcelares, confirma-se a pena conjunta de 12 anos e 6 meses de prisão aplicada pelo tribunal de 1.ª instância. | ||
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Decisão Texto Integral: |
* Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do processo comum n.º 605/09.4PDMTA, do 3º Juízo da comarca da Moita, foi condenado cada um dos arguidos AA e BB, com os sinais dos autos, como co-autor material, em concurso real, de três crimes de violação e de dois crimes de roubo, previstos e puníveis, respectivamente, pelos artigos 164º, n.º 1 e 210º, n.ºs 1 e 2, alínea b), este último em conjugação com o artigo 204º, n.ºs 2, alínea f) e 4, do Código Penal, na pena conjunta de 12 anos e 6 meses de prisão[1]. O arguido AA interpôs recurso. É do seguinte teor o segmento conclusivo da motivação de recurso: 1. Com todo o respeito que o douto acórdão aqui em causa nos merece, e que é muito, deve-se salientar que estamos perante penas excessivas, um cúmulo bastante elevado. 2. Confessou de forma integral e sem reservas os factos, coisa que aliás, não foi desmentida por nenhuma das testemunhas. 3. Pelo contrário, foi confirmada pelas vítimas, especialmente pela segunda vítima, CC. 4. À data dos factos o arguido contava apenas 19 anos de idade, pelo que pelo Tribunal “a quo” devia ter sido aplicado o Regime Especial para Jovens, aprovado pelo DL 401/82, de 23 de Setembro. 5. O arguido é primário, e foi de uma absoluta colaboração, porquanto, desde o início que mostrou total disponibilidade para a descoberta da verdade. 6. Foi um acidente de percurso, já que, até aí, o arguido nunca tinha tido problemas com as autoridades. 7. Foi sempre trabalhador e cumpridor com as normas socialmente aceites. 8. O seu agregado familiar, composto pelos pais e irmãos, está disposto a acolher e a apoiar o ora arguido. 9. Porém, salvo o devido respeito, não se compreende que uma pessoa com esse percurso de vida, a todos os níveis, jovem, sem antecedentes criminais, que sempre trabalhou, apesar da conjuntura actual, com uma família determinada a dar-lhe todo o apoio (conquanto compreende que poderá ter sido apenas um acidente de percurso), pode ser condenado em penas tão elevadas, que em cúmulo determinaram 12 anos e 6 meses de prisão. 10. Não estará o tribunal “a quo” a contribuir para atirar para a delinquência e para a má vida um cidadão que até à prática dos factos aqui em apreço tinha um percurso imaculado, e que por isso, ainda é recuperável, podendo ainda ser útil à sociedade? 11. Em face de tudo, ou seja, o facto do ora arguido não ter antecedentes criminais, ter confessado sem reserva os factos de que vinha acusado, além de depoimentos das testemunhas aqui referenciadas, prestados de forma isenta, clara e precisa, e ainda o facto de ser jovem, é nosso entendimento que, salvo o devido respeito, que a pena que foi aplicada ao aqui recorrente foi excessiva. Na contra-motivação apresentada o Ministério Público, relativamente ao mérito do recurso e da decisão recorrida, formulou as seguintes conclusões: O S.T.J. tem vindo a reflectir que não é de fazer uso da atenuação especial prevista no artigo 4º, do DL n.º 401/82, de 23.09, quando é grande o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido e é grave a sua culpa, na forma de dolo directo. É que, neste caso, não é legítimo concluir existirem razões sérias para crer que da atenuação especial da pena resultam vantagens para a reinserção social do arguido. Por um lado, o arguido tinha à data dos factos 18 anos de idade; por outro, a gravidade da sua actuação, tendo em conta que o arguido actuou em co-autoria, de forma planeada e concertada, violando sucessiva e alternadamente a ofendida EE, apenas e tão só para satisfazer os seus instintos libidinosos, apoderando-se ainda do património alheio; a confissão parcial dos factos, por parte do arguido, não pode beneficiá-lo relativamente ao juízo de prognose que ao tribunal se impõe fazer nesta sede, dada a falta de sentido crítico que demonstrou, procurando mitigar a factualidade em causa; o arguido manifestou um profundo desprezo pelos valores instituídos na sociedade, não revelando auto censura ou arrependimento pela sua actuação. Assim, na ponderação dos aspectos referidos, tendo ainda presentes as necessidades de prevenção geral dos crimes em causa, entendemos não ser de fazer uso, no caso concreto, da faculdade de atenuação especial prevista no artigo 4º, do DL n.º 401/82, de 23.09, elevado que se mostra o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido, ser grave a sua culpa, não haver sinais de interiorização da gravidade da sua conduta e, consequentemente, de arrependimento, não havendo, por isso, razões para crer que da atenuação especial resultem vantagens para a sua reinserção. A confissão, desde que integral e sem reservas e feita de forma espontânea desinteressada, não por mera táctica processual, constitui “um sinal poderoso no sentido da inexistência de necessidades preventivas” – Paulo Pinto de Albuquerque, ob. citada, 271. O arguido/recorrente prestou declarações logo no início da audiência e a sua versão dos acontecimentos foi, em parte, acolhida pelo tribunal. No entanto, a confissão esteve longe de poder considerar-se integral e sem reservas (tal como não foi determinante para a descoberta da verdade) e, por isso, não lhe pode ser conferido grande valor atenuativo. A ausência de antecedentes criminais é um facto positivo, mas a que não pode ser atribuído grande relevância atenuativa, sobretudo quando se trata de jovens, como o arguido (tinha 18 anos de idade), além de que, como é frequentemente assinalado na jurisprudência, não ter sofrido qualquer condenação penal é, afinal, a situação normal, o que acontece com a generalidade dos cidadãos, e não uma situação, por si só, merecedora de um benefício. É unanimemente entendido que a reparação do mal causado (reparar as consequências do crime até onde for possível) constitui, no que tange à conduta posterior do agente, a mais importante circunstância atenuativa. Mas isso não fez o arguido. O facto de, no dia da audiência, ter pedido perdão ao Tribunal é muito pouco para que possa considerar-se revelador de genuíno arrependimento (não basta verbalizar arrependimento, é preciso que as palavras sejam acompanhada por atitudes que, inequivocamente, o revelem). Também quanto à alegada colaboração com as autoridades, a mesma resume-se a confirmar os factos relatados pelo menor DD, o qual foi inquirido em primeiro lugar, na sequência das diligências realizadas pelo OPC com vista ao apuramento do detentor do telemóvel que subtraíram à ofendida EE (e que ficara na posse do DD). No mais o arguido sujeitou-se a uma recolha de saliva, com vista à realização de exames periciais pelo IML, diligência à qual estava, aliás, obrigado por lei - artigo 61º, n.º 3, alínea d), do Código de Processo Penal. Em conclusão, dir-se-á que da ponderação de todas as circunstâncias atendíveis, reveladoras de muito fortes exigências de prevenção geral e de não negligenciáveis exigências de prevenção especial, resulta que a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena deve propor alcançar, ao contrário do que pretende o recorrente, tem de afastar-se consideravelmente do limite mínimo da moldura penal, antes se situando no meio da mesma, como entendeu, e bem, o colectivo de juízes que elaborou o douto acórdão agora em análise. A pena aplicada é, pois, justa e adequada, quer nas penas unitárias, quer no cúmulo efectuado, sendo que, se ficar aquém este limite, gera frustração nos ofendidos e na comunidade que quer e precisa de acreditar na existência e utilidade das normas violadas – artigos 210º e 164º, do Código Penal. Não se vislumbra a violação de qualquer preceito ou norma legal por parte do colectivo. Termos em que, mantendo na íntegra o acórdão recorrido, V. Exas. farão a costumada Justiça. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto. Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir. * Com o recurso interposto o arguido AA visa, exclusivamente, a redução da medida das penas aplicadas. O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos[2]: Quanto à situação económico-social dos arguidos provou-se que: AA BB Relativamente aos antecedentes criminais provou-se que: AA
BB Quanto à matéria alegada em sede de pedido de indemnização civil pela assistente EE, para além da constante da acusação deduzida e com relevância para presente causa, resultou provado que: Mais se provou que: * A discordância do recorrente relativamente às penas singulares e conjunta que lhe foram cominadas, penas que entende deverem ser substancialmente reduzidas, vem fundamentada na idade que possuía à data dos factos, circunstância que a seu ver justifica a aplicação do regime penal especial para jovens, bem como na sua primariedade e confissão integral e sem reservas. Começando por averiguar se as penas parcelares cominadas ao arguido AA devem ser objecto de atenuação especial, por via da aplicação do regime penal especial para jovens, dir-se-á que este regime penal especial previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, não é de aplicação automática aos jovens delinquentes, concretamente aos jovens condenados por factos perpetrados entre os 16 e os 21 anos de idade, visto que para além deste requisito de natureza formal está sujeito a requisito de índole material. De acordo com o entendimento maioritário deste Supremo Tribunal[3], a atenuação especial da pena fundada no artigo 4º, do Decreto-Lei n.º 401/82, só pode ocorrer quando o tribunal tiver estabelecido positivamente que há razões sérias para crer que dessa atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem delinquente e, simultaneamente, se considerar a atenuação compatível com as exigências de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico e garantia de protecção dos bens jurídicos. Com efeito, no preâmbulo daquele diploma legal exarou-se sob o ponto n.º 7: «As medidas propostas não afastam a aplicação – como última ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a 2 anos». Daqui resulta que, não obstante a emissão de um juízo de prognose favorável incidente sobre jovem delinquente, pode o mesmo revelar-se insuficiente para a aplicação do regime de favor do Decreto-Lei n.º 401/82, se colidir com a “última barreira”da defesa da sociedade, aqui incontornável bastião[4]. Por outro lado, ainda, é consensual o entendimento de que no juízo a formular sobre a aplicação do regime penal em causa devem ser tidas em conta todas as circunstâncias ocorrentes atinentes à ilicitude do facto (gravidade e suas consequências), à culpa (tipo e intensidade do dolo e fins que subjazem ao ilícito) e às necessidades da pena, tendo presentes a personalidade do jovem delinquente e suas condições pessoais[5]. Pronunciando-nos sobre se o arguido AA deve beneficiar de atenuação especial das penas parcelares por que foi condenado, constatamos estar perante factos delituosos de gravidade indiscutível, em especial no que tange aos três crimes de violação, infracções puníveis com prisão de 3 a 10 anos, perpetradas com dolo directo e intenso, em resultado dos quais a ofendida EE, então como 16 anos de idade, ficou traumatizada, a sofrer de ansiedade, crises de choro, irritabilidade, sentimento de perseguição, insegurança e fobias (medo de pessoas e locais que lhe relembrem os factos). A gravidade dos crimes perpetrados e as suas consequências, por si só, impõem o reconhecimento de que a defesa do ordenamento jurídico e a protecção dos bens jurídicos exigem o afastamento do regime de favor do Decreto-Lei n.º 401/82, tanto mais que o arguido se comportou com dolo directo ou de primeiro grau. * Não sendo de censurar a decisão recorrida ao afastar a aplicação ao arguido AA do regime penal especial para jovens, vejamos, no entanto, se as penas cominadas se mostram correctamente fixadas. Culpa e prevenção, constituem o binómio que o julgador tem de utilizar na determinação da medida da pena – artigo 71º, n.º 1, do Código Penal. A culpa como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto e como realidade da consciência social e moral, fundada na existência de liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos (dever de observância da norma jurídica), é o fundamento ético da pena e, como tal, seu limite inultrapassável – artigo 40º, n.º 2, do Código Penal[6]. Dentro deste limite a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais. É este o critério da lei fundamental – artigo 18º, n.º 2 – e foi assumido pelo legislador penal de 1995[7]. O crime de violação tutela a liberdade pessoal na esfera sexual, ou seja, a liberdade de determinação sexual, sendo um crime de acentuada gravidade. Trata-se do crime mais grave do nosso ordenamento jurídico-penal contra a liberdade e autodeterminação sexual, punível, como já se consignou, com prisão de 3 a 10 anos. O crime de roubo tutela bens jurídicos patrimoniais e pessoais, visto que a sua perpetração colide com o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis e com a liberdade individual de decisão e de acção; trata-se pois de um crime complexo, englobando o furto e a coacção, assumindo gravidade relativa, reflectida na pena de 1 a 8 anos de prisão que lhe é aplicável. No caso vertente, atentas as concretas circunstâncias ocorrentes, os crimes de violação perpetrados assumem particular gravidade, como aliás se sublinhou na decisão impugnada. Com efeito, a ofendida EE foi submetida a múltiplas relações de cópula e coito, com penetrações na vagina, no ânus e na boca, tendo qualquer um dos arguidos repetido os actos de cópula e de coito, primeiro mantendo a ofendida de pé e depois obrigando-a a deitar-se, arrastando-a por escadas para junto de uma protecção ou corrimão de madeira. Durante todo este período de tempo, ambos os arguidos mantiveram-se junto da ofendida, sendo que enquanto um deles a penetrava, o outro impedia-a de resistir mediante a colocação de uma navalha sobre o seu pescoço. Também o menor DD penetrou repetidamente a ofendida na boca, na vagina e no ânus até ejacular, enquanto o arguido BB mantinha encostada ao pescoço da ofendida a navalha referida. Em consequência, a ofendida EE sofreu escoriações na face, no pescoço e em ambas as pernas, bem como equimoses no braço esquerdo, tendo ainda sofrido, ao nível da vagina, uma fissura em y invertido na mucosa da região vestibular do hímen, sangrante ao toque, e na região anal e perianal fissura numa das pregas radiárias, sendo que imediatamente após os factos apresentava dor intensa e hemorragia vaginal. Ficou em estado de choque, traumatizada. Desde a data dos factos não mais se relacionou com outro jovem do sexo oposto. Tornou-se uma pessoa medrosa, sofre de ansiedade, crises de choro, irritabilidade, sentimento de perseguição e insegurança. A ofendida, então com 16 anos de idade, não tinha qualquer experiência sexual. O dano ou efeito externo provocado pelos três crimes de violação assume, pois, acentuada gravidade. Quanto à culpa do arguido ela é intensa e situa-se em patamar elevado, visto que se comportou com dolo directo para satisfação dos seus desejos libidinosos, bem como dos desejos libidinosos do co-arguido BB e do menor DD. As necessidades de prevenção geral são por demais evidentes e prementes quando é certo que quotidianamente chegam ao conhecimento da comunidade novos casos e situações de violação, coacção e abuso sexual. Relativamente aos dois crimes de roubo cuja execução com a ameaça com perigo eminente criada pela posse por parte dos arguidos de uma navalha não deu lugar à qualificação por efeito do valor diminuto das coisas subtraídas, reflectem uma personalidade deficientemente formada. Em favor do arguido AA há que considerar, destacadamente, a circunstância de possuir 18 anos à data dos factos. Acresce a sua primariedade ( circunstância de pouco valor atenta a idade do mesmo) e a confissão parcial, bem como as suas condições pessoais, designadamente o facto de haver nascido e crescido no seio de família humilde, residente numa aldeia do interior da Guiné-Bissau, família que se mostra disposta a apoiá-lo; há que considerar, ainda, possuir reduzidas habilitações (4º ano). Sopesando todas as circunstâncias ocorrentes, sendo o crime de violação punível com pena de 3 a 10 anos de prisão e o de roubo com pena de 1 a 8 anos de prisão, nada há a censurar às penas impostas. * A pena conjunta através da qual se pune o concurso de crimes, segundo o texto do n.º 2 do artigo 77º do Código Penal, tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos, o que equivale por dizer que no caso vertente a respectiva moldura varia entre o mínimo de 6 anos e 6 meses de prisão e o máximo de 22 anos e 6 meses de prisão. Segundo preceitua o n.º 1 daquele artigo, na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas[8]. Com efeito, a lei elegeu como elementos determinadores da pena conjunta os factos e a personalidade do agente, elementos que devem ser considerados em conjunto. Como esclareceu o autor do Projecto do Código Penal, no seio da respectiva Comissão Revisora[9], a razão pela qual se manda atender na determinação concreta da pena unitária, em conjunto, aos factos e à personalidade do delinquente, é de todos conhecida e reside em que o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, de onde resulta, como ensina Jescheck[10], que a pena única ou conjunta deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente. Posição também defendida por Figueiredo Dias[11], ao referir que a pena conjunta deve ser encontrada, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique, relevando, na avaliação da personalidade do agente sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro daquele, sendo que só no caso de tendência criminosa se deverá atribuir à pluriocasionalidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura da pena conjunta. Adverte no entanto que, em princípio, os factores de determinação da medida das penas singulares não podem voltar a ser considerados na medida da pena conjunta (dupla valoração), muito embora, «aquilo que à primeira vista possa parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração»[12]. Daqui que se deva concluir, como concluímos, que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado. Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos[13], tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele[14]. Analisando os factos verifica-se que os crimes em concurso evidenciam uma directa e estreita relação, já que perpetrados na mesma ocasião, uns imediatamente a seguir aos outros, conexão muito negativa no que tange aos crimes de violação, consabido que a prática de actos sexuais nas circunstâncias concretamente ocorrentes constitui factor de devassidão, para além de que revela possuir o arguido uma personalidade pervertida. Deste modo e tendo em conta o quantum das penas singulares, confirma-se a pena conjunta de 12 anos e 6 meses de prisão cominada. * * Termos em que se nega provimento ao recurso interposto pelo arguido AA Custas pelo recorrente, fixando em 5 UC a taxa de justiça. * Oliveira Mendes (relator) [8] - O nosso legislador penal não adoptou o sistema da absorção (punição com a pena concreta do crime mais grave), o sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo), nem o sistema da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e os singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), tendo mantido todas as opções possíveis em aberto. |