Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
605/09.4PBMTA.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: RECURSO PENAL
VIOLAÇÃO
ROUBO AGRAVADO
MENOR
CÓPULA
COITO ANAL
COITO ORAL
AMEAÇA
ARMA BRANCA
COMPARTICIPAÇÃO
CO-AUTORIA
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
REINSERÇÃO SOCIAL
ILICITUDE
CULPA
DOLO DIRECTO
CONCURSO DE CRIMES
CÚMULO JURÍDICO
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
Data do Acordão: 09/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática: DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO /
ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE
CRIMES.
Doutrina: - Claus Roxin, 96/98.
- Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal - 3º Tema -
Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001),
104/111.
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências
Jurídicas do Crime, 290/292.
- Jescheck, Tratado de Derecho Penal General (4ª edição), 668.
- Comissão Revisora - Acta da 28ª Sessão, realizada em 14 de Abril
de 1964.
Legislação Nacional: CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, N.º 2, 71.º, N.º 1, 77.º, N.º 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO
18.º, N.º 2.
DL N.º 401/82: ARTIGO 4.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
- DE 04.10.21, CJ (STJ), XII, III, 192.
- DE 07.03.28, PROC. N.º 653/07.
- DE 08.01.16, PROC. N.º 4837/07.
- DE 08.11.05, PROC. N.º 2861/08.
- DE 09.02.18, PROC. N.º 100/09.
- DE 08.03.05, PROC. N.º 114/08.
- DE 09.11.18, PROC. N.º 702/08.3GDGDM.P1.S1.
Sumário :

I - O regime penal especial para jovens delinquentes, previsto no DL 401/82, de 23-09, aplicável aos jovens por factos perpetrados dos 16 até perfazer os 21 anos de idade, não é de aplicação imediata visto que, para além desse requisito de natureza formal, está sujeito a um requisito de índole material: só pode ocorrer quando o tribunal tiver estabelecido positivamente que há razões sérias para crer que dessa atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem delinquente e, simultaneamente, se considerar a atenuação compatível com as exigências de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico e garantia de protecção dos bens jurídicos.
II - É consensual o entendimento de que no juízo a formular sobre a aplicação do regime penal em causa devem ser tidas em conta todas as circunstâncias ocorrentes atinentes à ilicitude do facto (gravidade e suas consequências), à culpa (tipo e intensidade do dolo e fins que subjazem ao ilícito) e às necessidades da pena, tendo presentes a personalidade do delinquente e suas condições pessoais.
III -No caso, estamos perante factos delituosos de gravidade indiscutível, em especial no que tange aos 3 crimes de violação, infracções puníveis com prisão de 3 a 10 anos, perpetradas com dolo directo e intenso, em resultado dos quais a ofendida, então com 16 anos, ficou traumatizada, a sofrer de ansiedade, com crises de choro, irritabilidade, sentimento de perseguição, insegurança e fobias (medo de pessoas e locais que lhe relembrem os factos). Assim, a gravidade dos crimes perpetrados e as suas consequências, por si só, impõem o reconhecimento de que a defesa do ordenamento jurídico e a protecção dos bens jurídicos exigem o afastamento do regime de favor do DL 401/82, de 23-09, tanto mais que o recorrente se comportou com dolo directo ou de primeiro grau.
IV - Culpa e prevenção constituem o binómio que o julgador tem de utilizar na determinação da medida da pena – art. 71.º, n.º 1, do CP. A culpa como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto e como realidade da consciência de liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos (dever de observância da norma jurídica), é o fundamento ético da pena e, como tal, seu limite inultrapassável – art. 40.º, n.º 2, do CP.
V - No caso vertente, atentas as concretas circunstâncias ocorrentes, os crimes de violação perpetrados assumem particular gravidade. Com efeito, a ofendida foi submetida a múltiplas relações de cópula e coito, com penetração da vagina, no ânus e na boca, tendo qualquer um dos arguidos repetido os actos de cópula e de coito, primeiro mantendo–a de pé e depois obrigando-a a deitar-se, arrastando-a por escadas para junto de uma protecção ou corrimão de madeira. Durante todo este período, ambos os arguidos mantiveram-se junto desta, sendo que enquanto um deles a penetrava, o outro impedia-a de resistir mediante a colocação de uma navalha sobre o seu pescoço. Também o menor K penetrou-a repetidamente na boca, na vagina e no ânus, enquanto o arguido W mantinha encostada ao pescoço a referida navalha. Em consequência, a ofendida, que até então não tinha qualquer experiência sexual, sofreu escoriações na face, no pescoço e em ambas as pernas, bem como equimoses no braço esquerdo, tendo ainda sofrido, ao nível da vagina, uma fissura em y invertido na mucosa da região vestibular do hímen, sangrante ao toque, e na região anal e periana fissura numa das pregas radiárias, sendo que imediatamente após os factos apresentava dor intensa e hemorragia vaginal. Ficou em estado de choque, traumatizada e desde essa data não mais se relacionou com outro jovem do sexo oposto. Tornou-se uma pessoa medrosa, sofre de ansiedade, crises de choro, irritabilidade, sentimento de perseguição e insegurança.
VI - Quanto à culpa do recorrente ela é intensa e situa-se num patamar elevado, visto que se comportou com dolo directo para satisfação dos seus desejos libidinosos, bem como os desejos libidinosos do co-arguido W e do menor K. As necessidades de prevenção geral são por demais evidentes e prementes quando é certo que quotidianamente chegam ao conhecimento da comunidade novos casos e situações de violação e abuso sexual. Por outro lado, os 2 crimes de roubo praticado pelos arguidos, com perigo iminente para a vítima pela utilização da navalha, reflectem uma personalidade deficientemente formada.
VII - Sopesando todas as circunstâncias ocorrentes, sendo o crime de violação punível com pena de 3 a 10 anos de prisão e o de roubo com pena de 1 a 8 anos de prisão, nada há a censurar às penas impostas pelo tribunal recorrido aos arguidos de 6 anos e 6 meses de prisão para cada um dos 3 crimes de violação e de 1 ano e 6 meses de prisão para cada um dos 2 crimes de roubo agravado.
VIII - A pena conjunta através da qual se pune o concurso de crimes, segundo o n.º 2 do art. 77.º do CP, tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso (sem ultrapassar 25 anos de prisão), o que vale por dizer que no caso vertente a respectiva moldura varia entre o mínimo de 6 anos e 6 meses de prisão e o máximo de 22 anos e 6 meses de prisão.
IX - Segundo preceitua o n.º 1 daquele artigo, na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele.
X -Analisando os factos verifica-se que os crimes em concurso evidenciam uma directa e estreita relação, já que perpetrados na mesma ocasião, uns imediatamente a seguir aos outros, conexão muito negativa no que tange aos crimes de violação, consabido que a prática de actos sexuais nas circunstâncias concretamente ocorrentes constitui factor de devassidão, para além de que revelar que o recorrente possuiu uma personalidade pervertida. Deste modo, tendo em conta o quantum das penas parcelares, confirma-se a pena conjunta de 12 anos e 6 meses de prisão aplicada pelo tribunal de 1.ª instância.


Decisão Texto Integral:

                                         *

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

No âmbito do processo comum n.º 605/09.4PDMTA, do 3º Juízo da comarca da Moita, foi condenado cada um dos arguidos AA e BB, com os sinais dos autos, como co-autor material, em concurso real, de três crimes de violação e de dois crimes de roubo, previstos e puníveis, respectivamente, pelos artigos 164º, n.º 1 e 210º, n.ºs 1 e 2, alínea b), este último em conjugação com o artigo 204º, n.ºs 2, alínea f) e 4, do Código Penal, na pena conjunta de 12 anos e 6 meses de prisão[1].

O arguido AA interpôs recurso.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da motivação de recurso:

1. Com todo o respeito que o douto acórdão aqui em causa nos merece, e que é muito, deve-se salientar que estamos perante penas excessivas, um cúmulo bastante elevado.

2. Confessou de forma integral e sem reservas os factos, coisa que aliás, não foi desmentida por nenhuma das testemunhas.

3. Pelo contrário, foi confirmada pelas vítimas, especialmente pela segunda vítima, CC.

4. À data dos factos o arguido contava apenas 19 anos de idade, pelo que pelo Tribunal “a quo” devia ter sido aplicado o Regime Especial para Jovens, aprovado pelo DL 401/82, de 23 de Setembro.

5. O arguido é primário, e foi de uma absoluta colaboração, porquanto, desde o início que mostrou total disponibilidade para a descoberta da verdade.

6. Foi um acidente de percurso, já que, até aí, o arguido nunca tinha tido problemas com as autoridades.

7. Foi sempre trabalhador e cumpridor com as normas socialmente aceites.

8. O seu agregado familiar, composto pelos pais e irmãos, está disposto a acolher e a apoiar o ora arguido.

9. Porém, salvo o devido respeito, não se compreende que uma pessoa com esse percurso de vida, a todos os níveis, jovem, sem antecedentes criminais, que sempre trabalhou, apesar da conjuntura actual, com uma família determinada a dar-lhe todo o apoio (conquanto compreende que poderá ter sido apenas um acidente de percurso), pode ser condenado em penas tão elevadas, que em cúmulo determinaram 12 anos e 6 meses de prisão.

10. Não estará o tribunal “a quo” a contribuir para atirar para a delinquência e para a má vida um cidadão que até à prática dos factos aqui em apreço tinha um percurso imaculado, e que por isso, ainda é recuperável, podendo ainda ser útil à sociedade?

11. Em face de tudo, ou seja, o facto do ora arguido não ter antecedentes criminais, ter confessado sem reserva os factos de que vinha acusado, além de depoimentos das testemunhas aqui referenciadas, prestados de forma isenta, clara e precisa, e ainda o facto de ser jovem, é nosso entendimento que, salvo o devido respeito, que a pena que foi aplicada ao aqui recorrente foi excessiva.

Na contra-motivação apresentada o Ministério Público, relativamente ao mérito do recurso e da decisão recorrida, formulou as seguintes conclusões:

O S.T.J. tem vindo a reflectir que não é de fazer uso da atenuação especial prevista no artigo 4º, do DL n.º 401/82, de 23.09, quando é grande o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido e é grave a sua culpa, na forma de dolo directo. É que, neste caso, não é legítimo concluir existirem razões sérias para crer que da atenuação especial da pena resultam vantagens para a reinserção social do arguido.

Por um lado, o arguido tinha à data dos factos 18 anos de idade; por outro, a gravidade da sua actuação, tendo em conta que o arguido actuou em co-autoria, de forma planeada e concertada, violando sucessiva e alternadamente a ofendida EE, apenas e tão só para satisfazer os seus instintos libidinosos, apoderando-se ainda do património alheio; a confissão parcial dos factos, por parte do arguido, não pode beneficiá-lo relativamente ao juízo de prognose que ao tribunal se impõe fazer nesta sede, dada a falta de sentido crítico que demonstrou, procurando mitigar a factualidade em causa; o arguido manifestou um profundo desprezo pelos valores instituídos na sociedade, não revelando auto censura ou arrependimento pela sua actuação.

Assim, na ponderação dos aspectos referidos, tendo ainda presentes as necessidades de prevenção geral dos crimes em causa, entendemos não ser de fazer uso, no caso concreto, da faculdade de atenuação especial prevista no artigo 4º, do DL n.º 401/82, de 23.09, elevado que se mostra o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido, ser grave a sua culpa, não haver sinais de interiorização da gravidade da sua conduta e, consequentemente, de arrependimento, não havendo, por isso, razões para crer que da atenuação especial resultem vantagens para a sua reinserção.

A confissão, desde que integral e sem reservas e feita de forma espontânea desinteressada, não por mera táctica processual, constitui “um sinal poderoso no sentido da inexistência de necessidades preventivas” – Paulo Pinto de Albuquerque, ob. citada, 271.

O arguido/recorrente prestou declarações logo no início da audiência e a sua versão dos acontecimentos foi, em parte, acolhida pelo tribunal. No entanto, a confissão esteve longe de poder considerar-se integral e sem reservas (tal como não foi determinante para a descoberta da verdade) e, por isso, não lhe pode ser conferido grande valor atenuativo.

A ausência de antecedentes criminais é um facto positivo, mas a que não pode ser atribuído grande relevância atenuativa, sobretudo quando se trata de jovens, como o arguido (tinha 18 anos de idade), além de que, como é frequentemente assinalado na jurisprudência, não ter sofrido qualquer condenação penal é, afinal, a situação normal, o que acontece com a generalidade dos cidadãos, e não uma situação, por si só, merecedora de um benefício.

É unanimemente entendido que a reparação do mal causado (reparar as consequências do crime até onde for possível) constitui, no que tange à conduta posterior do agente, a mais importante circunstância atenuativa. Mas isso não fez o arguido. O facto de, no dia da audiência, ter pedido perdão ao Tribunal é muito pouco para que possa considerar-se revelador de genuíno arrependimento (não basta verbalizar arrependimento, é preciso que as palavras sejam acompanhada por atitudes que, inequivocamente, o revelem).

Também quanto à alegada colaboração com as autoridades, a mesma resume-se a confirmar os factos relatados pelo menor DD, o qual foi inquirido em primeiro lugar, na sequência das diligências realizadas pelo OPC com vista ao apuramento do detentor do telemóvel que subtraíram à ofendida EE (e que ficara na posse do DD). No mais o arguido sujeitou-se a uma recolha de saliva, com vista à realização de exames periciais pelo IML, diligência à qual estava, aliás, obrigado por lei - artigo 61º, n.º 3, alínea d), do Código de Processo Penal.

Em conclusão, dir-se-á que da ponderação de todas as circunstâncias atendíveis, reveladoras de muito fortes exigências de prevenção geral e de não negligenciáveis exigências de prevenção especial, resulta que a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena deve propor alcançar, ao contrário do que pretende o recorrente, tem de afastar-se consideravelmente do limite mínimo da moldura penal, antes se situando no meio da mesma, como entendeu, e bem, o colectivo de juízes que elaborou o douto acórdão agora em análise.

A pena aplicada é, pois, justa e adequada, quer nas penas unitárias, quer no cúmulo efectuado, sendo que, se ficar aquém este limite, gera frustração nos ofendidos e na comunidade que quer e precisa de acreditar na existência e utilidade das normas violadas – artigos 210º e 164º, do Código Penal.

Não se vislumbra a violação de qualquer preceito ou norma legal por parte do colectivo.

Termos em que, mantendo na íntegra o acórdão recorrido, V. Exas. farão a costumada Justiça.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.

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Com o recurso interposto o arguido AA visa, exclusivamente, a redução da medida das penas aplicadas.

O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos[2]:


1. No dia 23 de Junho de 2009, pelas duas horas, no Parque José Afonso, na Baixa da Banheira, o arguido AA, o arguido BB e DD (nascido a 1 de Novembro de 1994 e, à data, com 14 anos de idade) por aí circulavam a pé e em grupo.
2. O arguido BB, na altura, empunhava, numa das mãos, uma navalha com 6 cm de lâmina e o arguido AA empunhava, também numa das maõs, uma barra metálica com 43 cm de comprimento.
3. Quando os arguidos e o menor DD vinham a caminhar e se aproximaram do restaurante “...”, no aludido parque, avistaram a ofendida EE (nascida e 19 de Outubro de 1992) e o ofendido CC (nascido a 9 de Março de 1992) que aí se encontravam.
4. Acto contínuo, os arguidos abordaram os mesmos e pediram-lhes um cigarro.
5. De seguida, face à informação prestada pelo ofendido CC de que não fumavam, os arguidos AA e BB exibiram e apontaram aos ofendidos a navalha e a barra metálica que empunhavam e, em seguida, quer os arguidos, quer o menor DD, de imediato, começaram a revistar os ofendidos, impedindo-os, assim, através de ameaça com a utilização dos aludidos objectos, de resistir à sua actuação.
6. Acto contínuo, os arguidos e DD retiraram à ofendida EE o telemóvel que a mesma tinha na sua posse, de marca Samsung, modelo C520, de cor preta e com o IMEI 357548017391001, no valor de 49 € e umas moedas (moedas correntes do Banco Central Europeu) que a mesma trazia consigo, em valor não concretamente apurado, tendo tal telemóvel ficado na posse de DD .
7. Ao mesmo tempo, os arguidos e DD retiraram algumas moedas (do Banco Central Europeu), bem como o telemóvel que o ofendido CC tinha na sua posse, cuja marca e modelo não foi possível apurar.
8. Imediatamente após, o menor DD colocou totalmente para a frente o capuz do casaco que o ofendido CC trajava, por forma a que este não visse o que se preparavam para fazer.
9. Os arguidos ordenaram a CC para ficar quieto, ao mesmo tempo que exibiam os objectos que empunhavam, tendo o menor DD permanecido junto de CC enquanto os outros dois agarravam a ofendida EE.
10. Em seguida, o arguido BB, ao mesmo tempo que empunhava a navalha acima referida, encostou-a ao pescoço da ofendida EE e, juntamente com o arguido AA, que continuava a empunhar a barra metálica acima indicada, afastaram a ofendida alguns metros do local onde se encontrava o ofendido CC e o menor DD tendo, em seguida, os arguidos ordenado à ofendida EE que despisse a roupa que a mesma trajava, designadamente as calças e as cuecas, o que esta fez, contra a sua vontade.
11. Após, e de forma alternada, cada um dos arguidos, agindo contra a vontade da ofendida EE, introduziu o seu pénis erecto na boca, na vagina e no ânus da ofendida EE, friccionando-o, repetidamente, até ejacular, ao mesmo tempo que, enquanto um deles mantinha as referidas relações de cópula com a ofendida, o outro mantinha a navalha acima referida encostada ao pescoço de EE, impedindo-a, assim, de resistir à actuação dos arguidos, sendo que, nesse momento, a ofendida se encontrava, ainda, de pé.
12. A certa altura, os arguidos AA e BB arrastaram a ofendida EE por umas escadas, para junto de uma protecção ou corrimão de madeira que protege os passantes do Rio Tejo, a qual se situa a poucos metros do coreto existente no local, e aí, forçaram-na a deitar-se no chão e, mais uma vez, sob a ameaça da aludida navalha que encostavam ao pescoço da vítima, os arguidos AA e BB, de forma alternada e contra a vontade de EE, introduziram os seus pénis erectos na boca, na vagina e no ânus da ofendida, friccionando-os, repetidamente, até ejacularem, sendo que, durante tais actos, mantiveram sempre a navalha acima referida encostada ao pescoço da ofendida EE.
13. Em seguida, o arguido AA deslocou-se para junto do ofendido CC, continuando a empunhar a barra metálica acima referida, que exibia ao ofendido, tendo-se o menor DD dirigido para junto da ofendida EE e do arguido BB.
14. Aí chegado, DD introduziu o seu pénis erecto na boca, na vagina e no ânus da ofendida EE, contra a vontade desta, friccionando-o repetidamente até ejacular, ao mesmo tempo que o arguido BB mantinha encostada ao pescoço da ofendida a navalha acima referida.
15. Após, os arguidos e o menor DD abandonaram o local deixando aí a navalha e a barra metálica acima referidas.
16. Em consequência da conduta dos arguidos e do menor DD Sanches, a ofendida EE sofreu escoriações na face, no pescoço e em ambas as pernas, bem como equimoses no braço esquerdo, tendo ainda sofrido, ao nível da vagina uma fissura em Y invertido na mucosa da região vestibular do hímen, sangrante ao toque, e na região anal e perianal fissura numa das pregas radiárias às 6 horas, sendo que imediatamente após os factos a ofendida apresentava dor intensa e hemorragia vaginal.
17. Os arguidos AA e BB, agindo em conjugação e comunhão de esforços com o menor DD , quiseram integrar no seu património os bens e quantias que os ofendidos tivessem na sua posse, o que conseguiram não obstante saberem que actuavam contra a vontade dos legítimos detentores de tais bens.
18. Como consequência da actuação supre descrita dos arguidos e do menor DD, os ofendidos ficaram seriamente perturbados nos seus sentimentos de liberdade e segurança, viram a sua integridade física ser atingida e foram privados os objectos que detinham, contra a sua vontade e conforme lhes foi impostos pela conduta dos arguidos.
19. De igual modo, ao agirem da forma acima descrita, os arguidos BB e AA, actuando de comum acordo e em conjugação de esforços, previram e quiseram forçar a ofendida EE a manter relações sexuais de cópula oral, vaginal e anal com eles e com o menor DD, o que fizeram, bem sabendo que agiam contra a vontade da ofendida.
20. Agiram os arguidos de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
*

Quanto à situação económico-social dos arguidos provou-se que:

AA
21. O arguido nasceu e cresceu numa aldeia, no interior da Guiné-Bissau, sendo o segundo elemento de uma fratria de quatro.
22. O arguido concluiu a 4ª classe no seu país de origem, com cerca de 15 anos.
23. A desvinculação do arguido do sistema de ensino não facilitou o desenvolvimento neste de competências pessoais e sociais.
24. Quando tinha 16 anos, o arguido, a sua progenitora e irmãos vieram residir para Portugal, dado que o seu pai já se encontrava a residir cá desde 2000.
25. Ainda se inscreveu e frequentou o 5º ano, mas sem qualquer sucesso.
26. Iniciou a sua actividade laboral com 17 anos, primeiro na construção civil com o seu pai (4 meses), depois numa fábrica (3 meses) e posteriormente num talho (5 meses).
27. Evidencia instabilidade em termos laborais que o arguido atribui à precariedade contratual.
28. Durante os períodos de desemprego, as suas rotinas assumiram um carácter, tendencialmente, desestruturado, em que os consumos de álcool e o acompanhamento dos pares assumiram primazia no seu quotidiano.
29. À data dos factos em causa nos autos residia com o seu agregado de origem, em casa arrendada pelos pais.
30. O pai na altura era o único elemento da família que dispunha de rendimentos, auferindo cerca de 600 € por mês.
31. Actualmente o agregado familiar do arguido debata-se com uma situação de fragilidade económica, dado que, de acordo com o arguido, os pais e os irmãos adultos encontram-se desempregados, recebendo subsídios no âmbito do programa de rendimento social de inserção.
32. O arguido evidencia dificuldade em avaliar a gravidade das consequências que dos factos em causa nos presentes autos advieram para as vítimas, quer em termos físicos, quer em termos psicoemocionais.
33. Numa atitude tendencialmente de desculpabilização da sua responsabilidade pessoal, refere a sua dificuldade de, sob o efeito do álcool, ponderar as suas acções, antecipar as suas consequências e gerir os seus impulsos.
34. Como factor de protecção, destaca-se a disponibilidade do agregado de origem para acolher e apoiar o arguido.

BB
35. O arguido nasceu e cresceu no Barreiro, integrado no agregado familiar de origem constituído pelos progenitores, duas irmãs uterinas e sobrinhos.
36. A dinâmica familiar seria pautada pela instabilidade e violência, esta dirigida pelo progenitor à mãe do arguido.
37. O arguido vivenciou este ambiente agressivo até aos oito anos de idade, altura em que ocorreu a separação dos progenitores.
38. O arguido apresentou, desde a infância, dificuldades em cumprir normas e seguir as suas orientações, denotando uma atitude manipuladora e de oposição aos limites que lhe procuravam estabelecer.
39. O processo de escolarização do arguido pautou-se por diversas retenções, no primeiro e no segundo ciclo do ensino básico.
40. O arguido não frequentava regularmente a escola, registando um absentismo que não permitiu a sua avaliação em nenhuma das áreas curriculares.
41. À data da prática dos factos o arguido integrava o agregado familiar materno e um grupo de pares de natureza desviante, na sua maioria composto por elementos mais velhos, conotados a um grupo organizado designado por “Caixa Baixa”.
42. Na última entrevista realizada com o arguido, o mesmo evidenciava a sua identificação a uma subcultura desviante e uma fraca capacidade para perspectivar os sentimentos do outro.
43. De acordo com a progenitora, o arguido deixou a residência da família em Outubro de 2010, sendo desconhecido o seu actual paradeiro.
*

Relativamente aos antecedentes criminais provou-se que:

AA
44. Não tem antecedentes criminais.

BB
45. Não tem antecedentes criminais.

Quanto à matéria alegada em sede de pedido de indemnização civil pela assistente EE, para além da constante da acusação deduzida e com relevância para presente causa, resultou provado que:
46. Em consequência da conduta dos arguidos a ofendida sofreu na face duas escoriações lineares na região zigomática esquerda medindo 4 e 2,5 centímetros; sofreu três escoriações lineares na face lateral esquerda do pescoço medindo entre 5 e 2 cm; uma equimose azulada no membro superior esquerdo; uma escoriação linear no terço médio da face anterior da coxa medindo cerca de 6 cm; escoriações confluentes no joelho esquerdo e direito.
47. A ofendida em consequência da conduta dos arguidos ficou em estado de choque.
48. A ofendida era à data dos factos uma jovem de atitude séria, socialmente considerada e apreciada.
49. Não tinha qualquer experiência sexual.
50. Desde a data dos factos não mais de relacionou com CC ou qualquer outro jovem de sexo oposto.
51. A ofendida, na sequência dos factos em causa, ficou traumatizada.
52. Era, à data, estudante do 11º ano de escolaridade.
53. Antes da prática dos factos era uma pessoa saudável, independente e sociável.
54. A ofendida, na sequência dos factos supra referidos, tornou-se uma pessoa medrosa.
55. A ofendida, em consequência da conduta dos arguidos, sentiu dores, humilhação e nojo.
56. A ofendida, em consequência da conduta dos arguidos, sofre de ansiedade, crises de choro, irritabilidade, sentimento de perseguição, insegurança e fobias (medo de pessoas e locais que lhe relembrem os factos).

Mais se provou que:
57. Os arguidos após se terem apropriado do telemóvel do ofendido CC viriam posteriormente a arremessar o mesmo contra o chão.
58. O ofendido CC pediu aos arguidos para não fazerem nada a EE porquanto a mesma ainda era virgem.
59. Antes de abandonarem o local dos factos um dos arguidos agrediu o ofendido CC com murros nas costas.
60. Na sequência das agressões físicas que sofreu o ofendido CC teve dores.
61. Na sequência dos factos perpetrados pelos arguidos, o ofendido CC sentiu-se humilhado.
62. Em consequência dos factos praticados pelos arguidos o ofendido tornou-se uma pessoa menos sociável, tendo tido necessidade de receber acompanhamento psiquiátrico e de ser medicamentado.

*

A discordância do recorrente relativamente às penas singulares e conjunta que lhe foram cominadas, penas que entende deverem ser substancialmente reduzidas, vem fundamentada na idade que possuía à data dos factos, circunstância que a seu ver justifica a aplicação do regime penal especial para jovens, bem como na sua primariedade e confissão integral e sem reservas.

Começando por averiguar se as penas parcelares cominadas ao arguido AA devem ser objecto de atenuação especial, por via da aplicação do regime penal especial para jovens, dir-se-á que este regime penal especial previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, não é de aplicação automática aos jovens delinquentes, concretamente aos jovens condenados por factos perpetrados entre os 16 e os 21 anos de idade, visto que para além deste requisito de natureza formal está sujeito a requisito de índole material. De acordo com o entendimento maioritário deste Supremo Tribunal[3], a atenuação especial da pena fundada no artigo 4º, do Decreto-Lei n.º 401/82, só pode ocorrer quando o tribunal tiver estabelecido positivamente que há razões sérias para crer que dessa atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem delinquente e, simultaneamente, se considerar a atenuação compatível com as exigências de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico e garantia de protecção dos bens jurídicos.

Com efeito, no preâmbulo daquele diploma legal exarou-se sob o ponto n.º 7: «As medidas propostas não afastam a aplicação – como última ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a 2 anos».

Daqui resulta que, não obstante a emissão de um juízo de prognose favorável incidente sobre jovem delinquente, pode o mesmo revelar-se insuficiente para a aplicação do regime de favor do Decreto-Lei n.º 401/82, se colidir com a “última barreira”da defesa da sociedade, aqui incontornável bastião[4].

Por outro lado, ainda, é consensual o entendimento de que no juízo a formular sobre a aplicação do regime penal em causa devem ser tidas em conta todas as circunstâncias ocorrentes atinentes à ilicitude do facto (gravidade e suas consequências), à culpa (tipo e intensidade do dolo e fins que subjazem ao ilícito) e às necessidades da pena, tendo presentes a personalidade do jovem delinquente e suas condições pessoais[5].

Pronunciando-nos sobre se o arguido AA deve beneficiar de atenuação especial das penas parcelares por que foi condenado, constatamos estar perante factos delituosos de gravidade indiscutível, em especial no que tange aos três crimes de violação, infracções puníveis com prisão de 3 a 10 anos, perpetradas com dolo directo e intenso, em resultado dos quais a ofendida EE, então como 16 anos de idade, ficou traumatizada, a sofrer de ansiedade, crises de choro, irritabilidade, sentimento de perseguição, insegurança e fobias (medo de pessoas e locais que lhe relembrem os factos).

A gravidade dos crimes perpetrados e as suas consequências, por si só, impõem o reconhecimento de que a defesa do ordenamento jurídico e a protecção dos bens jurídicos exigem o afastamento do regime de favor do Decreto-Lei n.º 401/82, tanto mais que o arguido se comportou com dolo directo ou de primeiro grau.

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Não sendo de censurar a decisão recorrida ao afastar a aplicação ao arguido AA do regime penal especial para jovens, vejamos, no entanto, se as penas cominadas se mostram correctamente fixadas.

Culpa e prevenção, constituem o binómio que o julgador tem de utilizar na determinação da medida da pena – artigo 71º, n.º 1, do Código Penal. A culpa como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto e como realidade da consciência social e moral, fundada na existência de liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos (dever de observância da norma jurídica), é o fundamento ético da pena e, como tal, seu limite inultrapassável – artigo 40º, n.º 2, do Código Penal[6].                                                                                                                                                                                                         Dentro deste limite a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

É este o critério da lei fundamental – artigo 18º, n.º 2 – e foi assumido pelo legislador penal de 1995[7].

O crime de violação tutela a liberdade pessoal na esfera sexual, ou seja, a liberdade de determinação sexual, sendo um crime de acentuada gravidade. Trata-se do crime mais grave do nosso ordenamento jurídico-penal contra a liberdade e autodeterminação sexual, punível, como já se consignou, com prisão de 3 a 10 anos. O crime de roubo tutela bens jurídicos patrimoniais e pessoais, visto que a sua perpetração colide com o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis e com a liberdade individual de decisão e de acção; trata-se pois de um crime complexo, englobando o furto e a coacção, assumindo gravidade relativa, reflectida na pena de 1 a 8 anos de prisão que lhe é aplicável.

No caso vertente, atentas as concretas circunstâncias ocorrentes, os crimes de violação perpetrados assumem particular gravidade, como aliás se sublinhou na decisão impugnada. Com efeito, a ofendida EE foi submetida a múltiplas relações de cópula e coito, com penetrações na vagina, no ânus e na boca, tendo qualquer um dos arguidos repetido os actos de cópula e de coito, primeiro mantendo a ofendida de pé e depois obrigando-a a deitar-se, arrastando-a por escadas para junto de uma protecção ou corrimão de madeira. Durante todo este período de tempo, ambos os arguidos mantiveram-se junto da ofendida, sendo que enquanto um deles a penetrava, o outro impedia-a de resistir mediante a colocação de uma navalha sobre o seu pescoço.

Também o menor DD penetrou repetidamente a ofendida na boca, na vagina e no ânus até ejacular, enquanto o arguido BB mantinha encostada ao pescoço da ofendida a navalha referida.

Em consequência, a ofendida EE sofreu escoriações na face, no pescoço e em ambas as pernas, bem como equimoses no braço esquerdo, tendo ainda sofrido, ao nível da vagina, uma fissura em y invertido na mucosa da região vestibular do hímen, sangrante ao toque, e na região anal e perianal fissura numa das pregas radiárias, sendo que imediatamente após os factos apresentava dor intensa e hemorragia vaginal. Ficou em estado de choque, traumatizada.

Desde a data dos factos não mais se relacionou com outro jovem do sexo oposto. Tornou-se uma pessoa medrosa, sofre de ansiedade, crises de choro, irritabilidade, sentimento de perseguição e insegurança.

A ofendida, então com 16 anos de idade, não tinha qualquer experiência sexual.

O dano ou efeito externo provocado pelos três crimes de violação assume, pois, acentuada gravidade.

Quanto à culpa do arguido ela é intensa e situa-se em patamar elevado, visto que se comportou com dolo directo para satisfação dos seus desejos libidinosos, bem como dos desejos libidinosos do co-arguido BB e do menor DD.

As necessidades de prevenção geral são por demais evidentes e prementes quando é certo que quotidianamente chegam ao conhecimento da comunidade novos casos e situações de violação, coacção e abuso sexual.

Relativamente aos dois crimes de roubo cuja execução com a ameaça com perigo eminente criada pela posse por parte dos arguidos de uma navalha não deu lugar à qualificação por efeito do valor diminuto das coisas subtraídas, reflectem uma personalidade deficientemente formada.

Em favor do arguido AA há que considerar, destacadamente, a circunstância de possuir 18 anos à data dos factos. Acresce a sua primariedade ( circunstância de pouco valor atenta a idade do mesmo) e a confissão parcial, bem como as suas condições pessoais, designadamente o facto de haver nascido e crescido no seio de família humilde, residente numa aldeia do interior da Guiné-Bissau, família que se mostra disposta a apoiá-lo; há que considerar, ainda, possuir reduzidas habilitações (4º ano).

Sopesando todas as circunstâncias ocorrentes, sendo o crime de violação punível com pena de 3 a 10 anos de prisão e o de roubo com pena de 1 a 8 anos de prisão, nada há a censurar às penas impostas.

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A pena conjunta através da qual se pune o concurso de crimes, segundo o texto do n.º 2 do artigo 77º do Código Penal, tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos, o que equivale por dizer que no caso vertente a respectiva moldura varia entre o mínimo de 6 anos e 6 meses de prisão e o máximo de 22 anos e 6 meses de prisão.

Segundo preceitua o n.º 1 daquele artigo, na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas[8]. Com efeito, a lei elegeu como elementos determinadores da pena conjunta os factos e a personalidade do agente, elementos que devem ser considerados em conjunto.

Como esclareceu o autor do Projecto do Código Penal, no seio da respectiva Comissão Revisora[9], a razão pela qual se manda atender na determinação concreta da pena unitária, em conjunto, aos factos e à personalidade do delinquente, é de todos conhecida e reside em que o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, de onde resulta, como ensina Jescheck[10], que a pena única ou conjunta deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente.

Posição também defendida por Figueiredo Dias[11], ao referir que a pena conjunta deve ser encontrada, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique, relevando, na avaliação da personalidade do agente sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro daquele, sendo que só no caso de tendência criminosa se deverá atribuir à pluriocasionalidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura da pena conjunta.

Adverte no entanto que, em princípio, os factores de determinação da medida das penas singulares não podem voltar a ser considerados na medida da pena conjunta (dupla valoração), muito embora, «aquilo que à primeira vista possa parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração»[12].

Daqui que se deva concluir, como concluímos, que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.

Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos[13], tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele[14].

Analisando os factos verifica-se que os crimes em concurso evidenciam uma directa e estreita relação, já que perpetrados na mesma ocasião, uns imediatamente a seguir aos outros, conexão muito negativa no que tange aos crimes de violação, consabido que a prática de actos sexuais nas circunstâncias concretamente ocorrentes constitui factor de devassidão, para além de que revela possuir o arguido uma personalidade pervertida.

Deste modo e tendo em conta o quantum das penas singulares, confirma-se a pena conjunta de 12 anos e 6 meses de prisão cominada.

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Termos em que se nega provimento ao recurso interposto pelo arguido AA

Custas pelo recorrente, fixando em 5 UC a taxa de justiça.    

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Oliveira Mendes (relator)
Maia Costa

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[1] - Na co-autoria dos factos criminosos participou DD, nascido a 1 de Novembro de 1994, à data com 14 anos de idade.
São as seguintes as penas singulares impostas:
- por cada um dos três crimes de violação, 6 anos e 6 meses de prisão;
- por cada um dos dois crimes de roubo, 1 ano e 6 meses de prisão.
[2] - O texto que a seguir se transcreve corresponde integralmente ao constante do acórdão recorrido.
[3] - Cf. entre muitos outros, os acórdãos de 07.03.28, 08.01.16, 08.11.05 e 09.02.18, proferidos nos Processos n.ºs 653/07, 4837/07, 2861/08 e 100/09.

[4] - Cf. por todos o citado acórdão de 07.03.28, proferido no Processo n.º 653/07.
[5] - Cf. por todos o referido acórdão de 08.11.05, proferido no Processo n.º 2861/08.
[6] - A pena da culpa, ou seja, a pena adequada à culpabilidade do agente, deve corresponder à sanção que o agente do crime merece, isto é, deve corresponder à gravidade do crime. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade – Cf. Claus Roxin, Ibidem, 96/98.

[7] - Vide Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111. Na esteira desta doutrina, entre muitos outros, o acórdão deste Supremo Tribunal de 04.10.21, na CJ (STJ), XII, III, 192.

[8] - O nosso legislador penal não adoptou o sistema da absorção (punição com a pena concreta do crime mais grave), o sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo), nem o sistema da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e os singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), tendo mantido todas as opções possíveis em aberto.

[9] - Acta da 28ª Sessão realizada em 14 de Abril de 1964.

[10] - Tratado de Derecho Penal Parte General (4ª edição), 668.
[11] - Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 290/292.
[12] - Proibição de dupla valoração defendida por Eduardo Correia no seio da Comissão Revisora do Código Penal e ali maioritariamente aceite, ao ser rejeitada proposta apresentada pelo Conselheiro Osório no sentido de os critérios gerais de determinação da medida da pena serem também aplicáveis à determinação da pena única – acta já atrás referida.
[13] - Personalidade referenciada aos factos, ou seja, reflectida nos factos, visto que estes, como resultado da vontade e actuação do delinquente, espelham a sua forma de pensar e o seu modo de ser, o seu temperamento, carácter e singularidade, isto é, a sua personalidade.

[14] - Tem sido este o entendimento por nós assumido, como se pode ver, entre muitos outros, nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 08.03.05 e 09.11.18, proferidos nos Processos n.ºs 114/08 e 702/08. 3GDGDM. P1.S1.