Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00038370 | ||
Relator: | MANUEL PEREIRA | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO HORÁRIO DE TRABALHO DESCANSO INTERCALAR TRABALHO SUPLEMENTAR | ||
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Nº do Documento: | SJ20001220029584 | ||
Data do Acordão: | 12/20/2000 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 369/2000 | ||
Data: | 03/29/2000 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB. | ||
Legislação Nacional: | DL 409/71 DE 1971/09/27 ARTIGO 10 N1 N3 ARTIGO 16 N1 ARTIGO 22 ARTIGO 24. DL 421/83 DE 1983/12/02 ARTIGO 2 N1 ARTIGO 7 N1 N2. | ||
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Sumário : | I- Se o trabalho executado reclamar diminuto esforço físico e intelectual pode, mesmo sem os formalismos exigidos, não ser observado o intervalo de descanso. II- Assim, não há lugar a trabalho suplementar ao correspondente ao prestado em período a que corresponderia o descanso suplementar, se este não for exigível. | ||
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Decisão Texto Integral: | PROCESSO Nº 2958/00 Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: Patrocinado pelo Ministério Público, A, demandou no Tribunal do Trabalho de Lisboa, em acção com processo ordinário emergente de contrato individual de trabalho, a Ré "B", pedindo que seja condenada a pagar-lhe a quantia de 2538248 escudos e 30 centavos, a título de trabalho prestado fora do horário normal, com juros de mora à taxa legal, perfazendo os vencidos o montante de 1104496 escudos. Alegou, no essencial, que foi admitido ao serviço da Ré em Julho de 1974, desempenhando funções inerentes à categoria de vigilante, cessando a relação laboral em 10 de Janeiro de 1997, data em que se reformou. O A. trabalhava das 8 às 16 horas, de segunda a sexta, e auferia ultimamente 91150 escudos mensais, competindo-lhe proceder ao controle das entradas e saídas de veículos da Garagem da Companhia Europeia de Seguros, em Lisboa. Durante todo o tempo em que trabalhou para a Ré prestou 8 horas de trabalho diário seguidas, sem qualquer intervalo para almoço, desrespeitando-se assim o disposto no nº 1 do artigo 10º do Decreto-Lei 409/71, de 27 de Setembro. Prestou, assim, por determinação da Ré, uma hora de trabalho diário fora do horário normal, com excepção do período compreendido entre 1 de Janeiro de 1986 e 13 de Junho de 1987, quando esteve em situação de baixa, a qual nunca lhe foi paga, com o acréscimo de 50%, nos termos do artigo 7º nº 1 alínea a) do Decreto-Lei nº 421/83, de 2 de Dezembro. Tem, assim, direito a receber da Ré o peticionado montante, produto do número de horas de trabalho em cada ano pelo valor hora (318 escudos e 25 centavos) acrescido dos 50% (190 escudos e 60 centavos). Contestou a Ré excepcionando a prescrição dos juros anteriores a 8 de Janeiro de 1993 - foi citada em 8 de Janeiro de 1998 e os juros prescrevem ao fim de 5 anos (artigo 310º alínea d) do Código Civil) - e por impugnação aduz que o A. sempre cumpriu o horário de trabalho, que não tinha que ter uma hora de intervalo para descanso, não constituindo trabalho suplementar qualquer das horas de trabalho consecutivo, pelo que a acção deverá improceder. Respondeu o Autor, pronunciando-se pela improcedência da excepcionada prescrição. No despacho saneador julgou-se improcedente a excepção, decisão de que a Ré apelou. Condensada, instruída e julgada a causa, proferiu-se sentença a absolver a Ré do pedido, por improcedência da acção. Sob apelação do Autor, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento aos recursos. De novo inconformado, o Autor recorreu de revista, tendo assim concluído a alegação: a) O acórdão recorrido ofendeu preceitos de direito substantivo, como sejam as disposições dos artigos 10º nº 1 do Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro, 2º e 7º do Decreto-Lei nº 421/83, de 2 de Dezembro e o princípio constitucional consagrado no artigo 59º nº 1 alínea d), pois b) O recorrente tem direito a haver da recorrida o correspondente a horas extraordinárias pelo trabalho que o Autor fez para a Ré num período que era seu. c) O primeiro dos normativos referidos consagra a obrigatoriedade da interrupção do trabalho diário de modo que os trabalhadores não prestem mais de cinco horas de trabalho consecutivo, mas o certo é que não foi correctamente interpretado pelo acórdão recorrido ao banalizar tal disposição, quando refere que apenas dá lugar ao pagamento de uma multa. d) O acórdão recorrido não interpretou correctamente o estatuído no artigo 2º nº 1 do Decreto-Lei nº 421/83, pois aquele refere que o trabalho suplementar é todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho, quer seja para "além" quer seja "para aquém". e) O Autor trabalhou numa hora que era sua, ou seja, no período de descanso intervalar, pelo que deve ser considerado trabalho extraordinário e como tal deve ser pago, assim se interpretando e aplicando concretamente o artigo 7º do Decreto-Lei nº 421/83, de 2 de Dezembro. f) Deve a revista ser concedida, revogando-se o acórdão recorrido, condenando-se a Ré. A recorrida, na contra-alegação, defende a confirmação do julgado. Também o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto se pronunciou no sentido da negação da revista - diga-se que o Autor constituiu Advogado após a prolação da sentença. Colhidos os vistos, cumpre decidir. O acórdão em recurso deixou fixada a seguinte matéria de facto, apurada na 1ª instância: 1) O Autor foi admitido ao serviço da Ré, em Julho de 1974, por acordo verbal, para trabalhar sob as suas ordens, direcção e fiscalização. 2) Para desempenhar as funções inerentes à categoria de vigilante. 3) Competia-lhe proceder ao controle das entradas e saídas de veículos da garagem da Companhia Europeia de Seguros, em Lisboa. 4) O Autor foi contratado para trabalhar oito horas por dia. 5) Auferia ultimamente 91150 escudos e 90 centavos. 6) Deixou de trabalhar para a Ré em 10 de Janeiro de 1997, data em que se reformou. 7) O Autor sempre prestou o seu trabalho para a Ré, de seguida, sem qualquer intervalo para refeição. 8) A Ré nunca pagou ao Autor acréscimo de remuneração que respeitasse a trabalho fora do horário normal. 9) O horário do Autor foi o de segunda a sexta-feira, das 8 às 16 horas. 10) Durante todo o período que trabalhou para a Ré, o Autor sempre prestou 8 horas de trabalho diário. 11) Em 25 de Outubro de 1991, a Ré solicitou ao IDICT autorização de dispensa de intervalo de descanso para o seu pessoal de vigilância, o que foi deferido por despacho de 26 de Dezembro de 1991. Reproduzida a factualidade a que o Supremo deve acatamento, certo que enquanto tribunal de revista apenas lhe compete conhecer da matéria de direito (artigo 85º nº 1 do Código de Processo de Trabalho), com base nela há que responder à questão colocada na revista, que é a de saber se a prática de um horário de trabalho de 8 horas diárias, de segunda a sexta-feira, sem intervalo para descanso, configura uma situação de trabalho suplementar relativamente ao período de uma hora, o mínimo que é referido no nº 1 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro, como interrupção a observar no período de trabalho diário. É seguro que o Autor sempre cumpriu um horário de 40 horas semanais, pois trabalhava de segunda a sexta-feira, 5 dias por semana, durante 8 horas diárias. Como seguro é que, a ser concedida ao Autor uma hora diária de descanso a intervalar a sua prestação de vigilante, ele teria de ver alargado o seu horário por igual período, de forma a que a sua prestação perfizesse o ajustado tempo de trabalho. Ora, não se mostra que o Autor alguma vez haja reclamado contra a inexistência do referido intervalo de descanso e manifestada disponibilidade para aceitar o alargamento do seu horário de trabalho por efeito de um reclamado período de descanso diário. Portanto, o Autor nunca desenvolveu o seu labor para além de período diário que estabeleceu com a Ré, não ultrapassando as 8 horas por dia, em cinco dias por semana. Apegando-nos à letra da lei, tal não caracterizaria uma situação de trabalho extraordinário ou suplementar por não ser prestado fora do horário de trabalho - antes de 1 de Janeiro de 1984, artigo 16º nº 1 do Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro; posteriormente artigo 2º nº 1 do Decreto-Lei nº 421/83, de 2 de Dezembro, diploma que revogou os artigos 16º a 22º e 41º e 42º daquele Decreto-Lei, além de que os acréscimos remuneratórios determinados em tais diplomas para o trabalho suplementar pressupõem sempre um desempenho fora do horário em dia normal de trabalho ou o trabalho prestado em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e em dia de feriado - artigo 22º e 42º do Decreto-Lei nº 409/71 e artigo 7º nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 421/83. Mas será que é de entender que o Autor prestou trabalho suplementar por ter praticado um horário que estabelecia uma jornada de 8 horas sem intervalo de descanso? Julgamos que um tal entendimento, no caso, não merece acolhimento. Ficou apurado que competia ao Autor proceder ao controlo das entradas e saídas de veículos da garagem da Companhia Europeia de Seguros, em Lisboa. Trata-se de tarefa de execução fácil e cómoda, a reclamar diminuto esforço físico e intelectual. Conhecedor da extrema variabilidade do esforço e penosidade das diversas actividades laborais, o legislador deu-se conta de que em determinadas situações podia ser reduzido ou dispensado mesmo o intervalo de descanso na jornada diária, de trabalho. Por isso, no nº 3 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 409/71, veio permitir que o Instituto Nacional do Trabalho e Previdência (INTP) autorizasse a redução ou a dispensa dos intervalos de descanso, no período de trabalho diário, quando tal se mostrasse favorável aos interesses dos trabalhadores ou se justificasse pelas condições particulares de trabalho de certas actividades. Alterada a redacção do referido nº 3 pela Lei nº 61/99, de 30 de Junho, aquela autorização é agora concedida pelo Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho, ainda a requerimento das entidades patronais, mas instruído com declaração escrita de concordância dos trabalhadores abrangidos e informação à comissão de trabalhadores da empresa e aos sindicatos representativos. Decorre do exposto, a nosso ver, que o intervalo de descanso diário não tem de ser necessariamente observado, não é algo de acatamento imperativo, de obrigatoriedade geral. Sendo assim, e olhada a actividade do Autor ao longo de todo o tempo em que trabalhou para a Ré, temos para nós que o controle das entradas e saídas de veículos de garagem em edifício ocupado por uma seguradora, que lhe competia, era tarefa que, e repetimos, lhe exigia reduzido esforço físico e intelectual, sendo daquelas em que a dispensa do intervalo de descanso não acarretava para o trabalhador prejuízo visível, mostrando-se justificada. Diga-se que a dispensa daquele intervalo, como julgamos, não atenta contra o preceito do artigo 59º nº 1 alínea d) da Lei Fundamental, por não atingir o direito do trabalhador ao repouso e aos lazeres, como a um limite máximo da jornada de trabalho, ali garantidas, a par de outros que ao caso não importam. Se em Dezembro de 1991 a Ré obteve do IDICT autorização de dispensa de intervalo de descanso para o seu pessoal de vigilância, seguramente que a partir de então o trabalho prestado em tempo que seria de descanso nunca poderia considerar-se como suplementar, importando o acréscimo remuneratório correspondente, por legalmente autorizada a dispensa. Mas julgamos também que a falta de autorização da entidade própria relativamente ao período decorrido até Dezembro de 1991 não basta para conferir direito ao Autor à remuneração peticionada, com referência àquele período. Com efeito, para além de serem idênticas as condições em que o Autor prestou a sua actividade à Ré até então - mesmas funções, no mesmo local, observando sempre o mesmo horário -; não se mostra que o horário praticado pelo Autor de 1974 a 1991 encontrou no trabalhador qualquer resistência ou desagrado, que o Autor por certo teria manifestado se acaso considerasse que a ausência ia contra os seus interesses, realidade que não deixaria de trazer ao processo se ocorrida. Ora, se a lei entendesse que o trabalho prestado em intervalo de descanso diário merecia ser remunerado como trabalho suplementar, não deixaria de o afirmar ainda que autorizando a sua dispensa. Não o afirma, e o facto de ser concedida dispensa à entidade patronal não se reflecte em nada na prestação laboral, que é a mesma haja ou não autorização, pelo que a falta desta não se apresenta como razão que justifique, no caso, a remuneração como suplementar do trabalho prestado em período de descanso pelo Autor. Se a letra da lei, como se disse, não favorece o Autor, também o não favorece a ponderação do circunstancionalismo que preside à remuneração do que é trabalho suplementar. Consequentemente, e acompanhando a decisão das instâncias, há que concluir no sentido de que falece razão ao recorrente. Termos em que se acorda em negar a revista. Custas pelo recorrente. Lisboa, 20 de Dezembro de 2000. Manuel Pereira, José Mesquita, Almeida Deveza. |