Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02S2905
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MÁRIO TORRES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CÁLCULO DA PENSÃO
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL
INCAPACIDADE FUNCIONAL
INCAPACIDADE PARA O EXERCÍCIO DE OUTRA PROFISSÃO
Nº do Documento: SJ200210300029054
Data do Acordão: 10/30/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 520/01
Data: 11/19/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - ACID TRAB.
Legislação Nacional: L 2127 DE 1965/08/03 BXVI N1 D.
D 310/71 DE 1971/08/21 ARTIGO 47 N3 ARTIGO 50 N1 N2.
CPT63 ARTIGO 106.
CPT81 ARTIGO 111.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1984/12/14 IN BMJ N342 PAG275.
ACÓRDÃO T RE DE 1979/04/03 PROC13/78.
ACÓRDÃO T RL DE 19923/02/18 IN C2 ANOXVIII TI PAG189.
ACÓRDÃO STJ DE 1999/04/26 PROC379/98.
Sumário : Na fixação da pensão devida ao sinistrado no caso de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, a graduar entre metade e dois terços da retribuição base, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível (Base XVI, n.º 1, alínea b), da Lei n. 2127, de 3 de Agosto de 1965), o tribunal não deve seguir critérios estritamente aritméticos, atendendo exclusivamente à incapacidade física medicamente determinada, devendo também atender, na base de considerações de razoabilidade e justiça, ao caso concreto do sinistrado, designadamente à sua idade e habilitações escolares e profissionais e à realidade do mercado de emprego local.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

1. Relatório:

No presente processo emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrada A e seguradora a B, uma vez que na tentativa de conciliação apenas houve discordância quanto ao grau da incapacidade, foi requerido e efectuado exame por junta médica, tendo os peritos, por unanimidade, atribuído 25,5% de incapacidade permanente à sinistrada, esclarecendo ainda que as lesões por ela sofridas a incapacitam para o exercício da sua profissão habitual (cfr. fls. 55 e 58), na sequência do que, por sentença de 7 de Dezembro de 2000 do Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira (fls. 59), foi considerado que "a sinistrada está numa situação de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, desde 8 de Julho de 1999, e que a desvalorização por ela sofrida, para outros tipos de trabalho, é de 25,5%" e a seguradora condenada a pagar à sinistrada "a pensão anual e vitalícia, actualizável, de 530904$00, devida desde 8 de Julho de 1999 e a pagar em duodécimos, no domicílio da sinistrada, acrescida da prestação complementar de lei (de valor igual ao montante do duodécimo), mais 800$00 a título de despesas com transportes obrigatórios, valores estes acrescidos de juros de mora à taxa legal (por ora 7% ao ano) desde as datas referidas". Para tanto, a aludida sentença desenvolveu a seguinte fundamentação:

"A factualidade provada é a acordada pelas partes no auto de tentativa de conciliação perante o Ministério Público, cujo teor se dá por reproduzido, dela resultando, entre o mais, que:

A sinistrada (nascida a 4 de Julho de 1959), é operária fabril, para o exercício da qual era indispensável o uso da mão direita, e trabalhava à data do acidente (ocorrido a 2 de Dezembro de 1998) sob a autoridade, direcção e fiscalização da segurada da ré - artigo 1.º da LCT (Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969), com a retribuição de 902040$00 anuais.

O acidente é de trabalho e a entidade patronal da sinistrada tinha a eventual responsabilidade civil transferida para a companhia de seguros identificada acima, por contrato celebrado com ela.

A autora tem, pois, direito a ser indemnizada dos danos emergentes do acidente que sofreu - Bases I, II e V da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965 - isto é, tem direito às prestações referidas nas Bases IX e XIV dessa Lei.

A pensão deve ser calculada nos termos das Bases XVI, XXIII, XXIV e dos artigos 49.º, 50.º e 51.º do Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto.

Para além disso, tem-se ainda em consideração que «deve ser fixada nos termos da alínea b) e não nos da alínea c) do n.° 1 da Base XVI, a pensão devida a um trabalhador que, em consequência de acidente de trabalho, sofreu uma desvalorização de 0,525, mas para a sua profissão ficou permanente e absolutamente incapacitado (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2 de Dezembro de 1975, Acórdãos Doutrinais, n.º 169, pág. 121, citado por Cruz de Carvalho, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Petrony, 2.ª edição, 1983, pág. 97; no mesmo sentido, veja-se ainda Vítor Ribeiro, Acidentes de Trabalho, Rei dos Livros, Janeiro de 1984, págs. 317/318).

Pelo que a pensão deve ser fixada entre: 1/2 e 2/3 da retribuição base, isto é: 868752$00 (902040$00 - 735600$00 = X x 80% + 735600$).

Ou seja, entre 434376$00 e 579168$00.

Tendo em conta a desvalorização para os outros tipos de trabalho e a idade da sinistrada, entendo que a pensão deve ser fixada em 2/3 daquele intervalo, ou seja: 530904$00."

Contra esta sentença - após indeferimento (despacho de fls. 65) de pedido de rectificação de pretenso erro de cálculo (fls. 61 e 62) - apelou a seguradora para o Tribunal da Relação do Porto, sustentando, em suma, que para a determinação da capacidade funcional residual devia ser tida em conta o grau de incapacidade permanente parcial (no caso, 25,5%), pelo que a pensão devia ser fixada em 471298$00, resultado obtido pela adição a 1/2 da retribuição base (434376$00) de 25,5% da diferença entre 1/2 e 2/3 (579168$00) da retribuição base: 579168$00 - 434376$00 = 144792$00; 144792$00 x 25,5% = 36922$00; 434376$00 + 36922$00 = 471298$00 (cfr. alegações de fls. 66 a 68).

Por acórdão de 19 de Novembro de 2001 (fls. 85 a 88; entretanto publicado em Colectânea de Jurisprudência, ano XXVI, 2001, tomo V, pág. 246), com um voto de vencido, o Tribunal da Relação do Porto concedeu provimento ao recurso e alterou o montante da pensão de 530904$00 para 471298$00, com base na seguinte argumentação:

"Nos termos da alínea b) do n.° 1 da Base XVI da Lei n.° 2127, se do acidente resultar incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, o sinistrado tem direito a uma «pensão vitalícia compreendida entre metade e dois terços da retribuição-base, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível».

A questão colocada no recurso prende-se com a aplicação do disposto no normativo legal transcrito.

A recorrente não suscita qualquer questão acerca da incapacidade que foi atribuída à sinistrada e reconhece que a pensão deve ser calculada nos termos daquela disposição legal.

Também não levanta dúvidas acerca da retribuição-base que foi utilizada nos cálculos do M.mo Juiz (868752$00).

A divergência diz respeito, apenas, ao montante da pensão, por considerar que o M.mo Juiz não fez uma correcta aplicação da norma. Vejamos de que lado está a razão.

O M.mo Juiz fixou a pensão em 530904$00 e fê-lo com a seguinte fundamentação: a pensão deve ser fixada entre 1/2 e 2/3 da retribuição-base (868752$00), ou seja, entre 434376$00 e 579168$00; «tendo em conta a desvalorização para os outros tipos de trabalho e a idade da sinistrada, entendo que a pensão deve ser fixada em 2/3 daquele intervalo, ou seja: 530904$00».

Por outras palavras. O M.mo Juiz fixou a pensão em metade da retribuição-base (434376$00), acrescida de 2/3 da diferença existente entre 2/3 e metade daquela retribuição, que é de 96528$00 ((868752$00 x 2/3) - (868 752$00 : 2) x 2/3).

A recorrente discorda do cálculo efectuado, por considerar que não foi levada em conta a capacidade funcional residual da sinistrada para o exercício de outra profissão compatível.

Segundo a recorrente, a pensão deve ser fixada em 471298$00, que calculou nos seguintes termos:

«- 1/2 da retribuição-base é 434376$00,

- 2/3 da retribuição-base é 579168$00;

- 579168$00 - 434376$00 = 144792$00 x 25,5% (IPP) = 36922$00;

- 36922$00 + 434376$00 = 471298$00».

Salvo o devido respeito, a recorrente tem razão. Como resulta da letra da alínea b) do n.° 1 da Base XVI, o montante da pensão deve ser fixado entre 1/3 e 2/3 da retribuição-base, mas a lei não deixa ao prudente arbítrio do juiz a fixação desse montante. A própria norma fornece o critério a aplicar: «... conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão».

Ao contrário do que se afirmava no projecto de acórdão que não fez vencimento, a lei não permite o recurso a critérios de bom senso, nem o recurso à ponderação de outros factores, para além da capacidade funcional residual para o exercício de outra actividade compatível. A idade, as habilitações profissionais e escolares e a profissão do sinistrado, por exemplo, não podem ser considerados na determinação do montante da pensão.

A lei não permite uma tal interpretação, por não ter um mínimo de correspondência verbal na letra da norma em causa (artigo 9.°, n.° 2, do Código Civil). Se o legislador tivesse querido deixar a fixação da pensão ao prudente arbítrio do julgador, tê-lo-ia dito expressamente, como costuma fazê-lo quando essa é a sua vontade. Se não o disse, é porque não quis que assim fosse, pois temos de presumir que ele soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.°, n.° 3, do Código Civil).

Isso não significa que aqueles e outros factores sejam absolutamente irrelevantes. Podem e devem ser levados em conta, mas em momento anterior ao da fixação do montante da pensão. A sua relevância opera em momento anterior, aquando da determinação da capacidade funcional residual do sinistrado para o exercício de outra profissão compatível. É nesse momento que importa atender àqueles factores, dado que, ao contrário do que tem sido seguido nos tribunais, a capacidade funcional residual não tem de ser avaliada apenas com base na incapacidade resultante das lesões sofridas no acidente.

A letra da lei sugere isso mesmo. Basta confrontar a redacção da alínea b) com a redacção da alínea c) do n.° 1 da Base XVI. Na alínea b) diz-se que a pensão é calculada conforme a maior ou menor capacidade funcional residual. Não se diz que essa capacidade residual, ou dizendo melhor, não se diz que a incapacidade funcional para o exercício de outra profissão compatível seja resultante apenas do acidente. Ao contrário, na alínea c) (relativa às incapacidades permanentes parciais), diz-se que a pensão corresponde a dois terços da redução sofrida na capacidade geral de ganho, o que equivale a dizer que a pensão corresponde a dois terços da redução causada pelo acidente. Não parece ser outro o sentido do vocábulo sofrida.

Estamos, por isso, de acordo com a necessidade da ponderação de outros factores, para além do grau de incapacidade que, segundo a TNI, corresponderia às sequelas resultantes do acidente. Esses factores podem existir, de facto, e importa levá-los em conta. A incapacidade geral de ganho do sinistrado pode ser superior à incapacidade resultante das lesões sofridas no acidente.

Ele pode sofrer, por exemplo, de incapacidades congénitas ou causadas por doença e há que levar esses factores em consideração.

E compreende-se que assim seja, uma vez que a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual implica a reeducação profissional do sinistrado e as dificuldades dessa reeducação dependem da sua efectiva capacidade residual e não apenas da incapacidade permanente geral que lhe adveio do acidente.

Todavia, como já dissemos, é no momento da fixação dessa capacidade residual que esses factores têm de ser ponderados e não no cálculo da pensão. Este, como resulta da letra da lei, depende, apenas, da maior ou menor capacidade residual, previamente fixada. Como muito bem diz Carlos Alegre, «trata-se de um elemento sem o qual não é possível avançar no cálculo da pensão» (Acidentes de Trabalho, Almedina, 1995, pág. 81). É nessa altura que o juiz tem de estar atento, esclarecendo os peritos médicos de que aquilo que interessa é determinar a capacidade funcional residual do próprio sinistrado para o exercício de outra profissão compatível e não a incapacidade permanente resultante das lesões sofridas no acidente para o exercício de outra profissão compatível. É nessa altura que o juiz, se não estiver suficientemente esclarecido, terá de ponderar da necessidade de requisitar o parecer previsto no n.° 3 do artigo 47.° do Decreto n.° 360/71, caso o não tenha feito antes.

Sabemos que a prática dos tribunais não tem sido essa, pois habitualmente limitam-se a atribuir ao sinistrado a IPP correspondente às sequelas resultantes do acidente. Essa prática é que está errada e não a prática de graduar a pensão em função da capacidade restante, nos termos propostos pela recorrente e que também são os utilizados na generalidade dos tribunais.

Com efeito, dizer que a pensão é fixada entre metade e dois terços da retribuição-base, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão tem implícita a ideia de proporcionalidade, o que significa que a pensão, na parte excedente a metade da retribuição-base, deve ser calculada na proporção da capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível. Não faria sentido deixar ao bom senso do julgador a fixação dessa parte da pensão, uma vez que é possível determinar com um mínimo de objectividade o grau daquela capacidade residual. O bom senso seria fonte de desigualdades, inaceitáveis numa matéria tão sensível como é a dos acidentes de trabalho.

Não concordamos, por isso, com a posição sustentada por Vítor Ribeiro (in Acidentes de Trabalho, Reflexões e Notas Práticas, pág. 318): «Parece-nos portanto que, à falta de outros meios adequados, nessa graduação entre metade e dois terços, se terá de recorrer a critérios de bom senso, apoiados na ponderação de variadíssimos factores em que preponderam a idade, as habilitações profissionais e escolares e a própria conjuntura do mercado de emprego local».

Como já dissemos a utilização do bom senso e o recurso a outros factores deve ser feita na fixação da capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível e não na graduação da pensão. Como muito bem diz Carlos Alegre (obra citada, pág. 82), referindo-se à posição defendida por Vítor Ribeiro e que era perfilhada no projecto de acórdão que não obteve vencimento: «Também esta não nos parece a posição correcta, se ela se reporta a um momento distinto do exame médico, ou seja, se ela não serve para basear um parecer ou peritagem médica. De facto, por muito largos que sejam os poderes de decisão do Magistrado, não lhe é lícito lançar mão de um tal critério para quantificar uma capacidade funcional residual, cuja natureza tem de ser, necessariamente, objectiva, na medida em que se trata de apurar o que, sob o ponto de vista funcional (da chamada "força do trabalho" ou "capacidade de ganho"), o sinistrado ainda é capaz de fazer.»

Não deixa de ser sintomático que a pensão reclamada na tentativa de conciliação tenha sido calculada nos termos que a recorrente defende.

Ora, sendo assim, como entendemos que é, e tendo o M.mo Juiz fixado em 25,5% a incapacidade geral da sinistrada, há que dar razão à recorrente e julgar procedente o recurso."

Contra este acórdão interpôs a sinistrada, para este Supremo Tribunal de Justiça, o presente recurso de revista, terminando as respectivas alegações (fls. 96 a 107) com a formulação das seguintes conclusões:

"1. O douto acórdão recorrido revogou a sentença proferida em 1.ª instância, pelo Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira, no que diz respeito ao montante da pensão atribuída à recorrente, que alterou de 530904$00 para 471298$00;

2. A decisão proferida em 1.ª Instância entendeu - e bem - que, porque se tratava de uma situação de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, com uma desvalorização para outros tipos de trabalho de 25,5%, haveria lugar à aplicação do disposto na alínea b) do n.º 1 da Base XVI da Lei n.º 2127, e assim a pensão deveria ser fixada entre metade e dois terços da retribuição base (868752$00), ou seja, entre 434376$00 e 579168$00, pelo que «tendo em conta a desvalorização para outros tipos de trabalho e a idade da sinistrada (...) a pensão deve ser fixada em 2/3 daquele intervalo, ou seja: 530904$00»;

3. Assim não o entendeu o tribunal a quo, que revogou tal sentença, reduzindo o montante daquela pensão de 530904$00 para 471298$00;

4. Para tanto, entendeu o tribunal a quo que a lei (alínea b) do n.° 1 da Base XVI da Lei n.° 2127), não deixa ao prudente arbítrio do juiz a fixação desse montante, porque a própria norma fornece o critério a aplicar: a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão;

5. Mais alegou o tribunal a quo que tal alínea b) não permite o recurso a critérios de bom senso, nem o recurso à ponderação de outros factores, para além da capacidade funcional residual para o exercício de outra actividade compatível. A idade, as habilitações profissionais e escolares e a profissão do sinistrado, por exemplo, não podem ser considerados na determinação do montante da pensão, esses e outros factores podem e devem ser levados em conta, mas em momento anterior ao da fixação do montante da pensão. A sua relevância opera em momento anterior, aquando da determinação da capacidade funcional residual do sinistrado, para o exercício de outra profissão compatível;

6. Referiu ainda o tribunal a quo que o cálculo da pensão depende, apenas, da maior ou menor capacidade residual, previamente fixada, pelo que, tendo o juiz fixado em 25,5% a incapacidade geral da sinistrada, será este o critério a utilizar para a graduação da pensão;

7. Salvo o devido respeito, que é muito, não concorda a recorrente com o entendimento do tribunal a quo;

8. Nos termos da referida alínea b) do n.° 1 da Base XVI da Lei n.° 2127, o sinistrado tem direito, no caso de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, a «uma pensão vitalícia compreendida entre metade e dois terços da retribuição-base, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível»;

9. A capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível deve aferir-se não só pela natureza e gravidade das lesões, mas também pela idade do sinistrado, pelas suas habilitações e pelo seu estado geral;

10. Na determinação da capacidade funcional residual devem ponderar-se outros factores, para além do grau de incapacidade que, segundo a TNI, correspondia às sequelas resultantes do acidente. A incapacidade geral de ganho do sinistrado pode ser superior à incapacidade resultante das lesões sofridas no acidente. E compreende-se que assim seja, uma vez que a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual implica a reeducação profissional do sinistrado e as dificuldades dessa reeducação dependem da sua efectiva capacidade residual e não apenas da incapacidade permanente geral que lhe adveio do acidente;

11. Errou o tribunal a quo ao entender que, tendo o M.mo Juiz fixado em 25,5% a incapacidade geral da sinistrada, terá de ser este valor (25,5%) o critério para determinar a pensão referida na alínea b) do n.° 1 da Base XVI;

12. Tal decisão está em contradição com o que é referido no próprio aresto recorrido, sendo incompreensível que, primeiro, o tribunal a quo defenda que «a capacidade funcional residual não tem que ser avaliada apenas com base na incapacidade resultante das lesões sofridas no acidente», para depois decidir que, «tendo o M.mo Juiz fixado em 25,5% a incapacidade geral da sinistrada», terá de ser este o critério para determinante da graduação da pensão a atribuir à recorrente, entre metade e dois terços da retribuição-base;

13. Do próprio cálculo apresentado pela recorrida, com o qual concordou - mal - o tribunal a quo, resulta que o critério determinante da graduação e fixação da pensão a atribuir à recorrente é a Incapacidade Parcial Permanente de 25,5% (veja-se a referência a «25,5% (IPP))»;

14. O que contraria o disposto na alínea b) do n.º 1 da Base XVI da Lei n.° 2127, que determina que a pensão será graduada em função da «capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível», e não em função da incapacidade parcial permanente que é atribuída pelos senhores peritos no exame por junta médica;

15. Conforme resulta dos autos e é expressamente referido na douta sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira, feito o exame por junta médica «os Srs. Peritos pronunciaram-se, por unanimidade, no sentido de atribuir 25,5% de incapacidade à sinistrada, esclarecendo ainda que as lesões da sinistrada a incapacitam para o exercício da sua profissão», incapacidade essa que foi aceite e fixada pelo M.mo Juiz do Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira;

16. O M.mo Juiz do Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira, fazendo uma interpretação e aplicação correctas da citada alínea b) do n.° 1 da Base XVI da Lei n.º 2127, fixou a pensão a atribuir à recorrente em 530904$00, para tanto tomando em consideração quer a desvalorização para os outros tipos de trabalho quer a idade da sinistrada;

17. Ao contrário do entendimento perfilhado no aresto recorrido, a «desvalorização» de 25,5% atribuída no exame por junta médica é, por si só, totalmente irrelevante, no caso vertente, para o cálculo da pensão devida à recorrente, porquanto esta se encontra afectada de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, o que, aliás, a própria junta médica reconhece;

18. Nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual - como é o caso dos presentes autos - o grau de incapacidade permanente resultante das lesões sofridas no acidente, para o exercício de outra profissão compatível, apurado pelos senhores peritos, na junta médica (neste caso, de 25,5%), não pode funcionar como critério definidor da capacidade funcional residual da recorrente;

19. É esse, aliás, o entendimento da nossa jurisprudência, a qual tem defendido que: «II - Os coeficientes de incapacidade previstos na Tabela Nacional de Incapacidades para redução da capacidade geral de ganho do sinistrado não podem servir de critério para a definição da capacidade funcional residual deste para o exercício de outra profissão compatível. III - A IPA para o trabalho habitual refere-se à redução da capacidade de trabalho do sinistrado e aqueles coeficientes à redução da sua capacidade geral de ganho. IV - A capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível deve aferir-se pela natureza e gravidade das lesões sofridas, pela idade do sinistrado, pelas suas habilitações e pelo seu estado geral, não tendo o juiz que se cingir a critérios puramente matemáticos para determinar a maior ou menor capacidade funcional residual.» (Acórdão da Relação de Lisboa, de 18 de Fevereiro de 1993, in Colectânea de Jurisprudência, 1993, tomo I, pág. 189, sublinhado nosso);

20. Significa isto que, «atribuída ao sinistrado, por junta médica, uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e incapacidade permanente parcial para o trabalho em geral, compete ao julgador fixar o grau desta incapacidade, variável consoante os casos concretos, considerando todos os elementos constantes do processo e ainda os factos notórios e extraindo deles as ilações adequadas» (Acórdão da Relação de Coimbra, de 4 de Fevereiro de 1986, in Boletim do Trabalho e Emprego, 2.ª Série, ns. 7-8-9/88, pág. 1110, sublinhado nosso);

21. Na verdade, «a pensão por incapacidade permanente e absoluta para o trabalho habitual, nos termos da Base XVI, n.° 1, alínea b), da Lei n.° 2127, deve ser graduada entre os limites mínimo e máximo, de harmonia com as circunstâncias em concreto de cada sinistrado» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Dezembro de 1984, in Boletim do Trabalho e Emprego, 2.ª Série, n.°s 3-4/87, pág. 451);

22. O que significa que, nos termos da alínea b) do n.° 1 da Base XVI da Lei n.° 2127, «Compete ao juiz regular aquele pensão entre os limites mínimos e máximos fixados na citada disposição legal, tendo em conta as circunstâncias de cada caso concreto» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Dezembro de 1984, recurso n.º 829, in Acórdãos Doutrinais, n.º 279, pág. 372, sublinhado nosso);

23. Tal posição é igualmente sustentada por Vítor Ribeiro ao defender que «à falta de outros meios adequados, nessa graduação entre metade e dois terços, se terá de recorrer a critérios de bom senso, apoiados na ponderação de variadíssimos factores em que preponderam a idade, as habilitações profissionais e escolares e a própria conjuntura do mercado de emprego local» (in Acidentes de Trabalho, Reflexões e Notas Práticas, pág. 318);

24. E foi na esteira deste entendimento que o M.mo Juiz do Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira fixou - e bem - a pensão a atribuir à ora recorrente, para tanto tomando em consideração, como é expressamente referido na douta sentença por ele proferida, não só a desvalorização sofrida pela recorrente para outros tipos de trabalho, mas também a idade desta;

25. O M.mo Juiz de 1.ª instância graduou a pensão a atribuir à recorrente, em função da capacidade funcional residual desta para o exercício de outra profissão compatível, para a determinação da qual considerou não só a desvalorização sofrida pela ora recorrente, mas também a idade desta, o que se impunha no caso ora em apreço;

26. O que não se pode - como o pretende a recorrida e é defendido pelo tribunal a quo -, sob pena de se estar a fazer uma incorrecta aplicação e interpretação da citada alínea b) do n.° 1 da Base XVI da Lei n.° 2127, é graduar a pensão da ora recorrente em função da IPP de 25,5%, uma vez que tal IPP não é nem corresponde à capacidade funcional residual referida na citada alínea b);

27. Pelo que, e salvo o devido respeito, que é muito, decidiu mal o tribunal a quo, ao revogar a sentença proferida em 1.ª instância no que diz respeito ao montante da pensão, que alterou de 530904$00 para 471298$00, impondo-se outra decisão que revogue e substitua o aresto recorrido, no sentido de fixar à recorrente a pensão anual e vitalícia de 530 904$00, conforme foi doutamente decidido em 1.ª instância, pelo M.mo Juiz do Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira;

28. O acórdão recorrido viola o disposto na Base XVI, n.° 1, alínea b), da Lei n.° 2127."

A seguradora, ora recorrida, não apresentou contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, o representante do Ministério Público emitiu parecer (fls. 116 e 117) no sentido da negação da revista, parecer que, notificado às partes, suscitou a resposta da recorrente de fls. 119 a 121.

Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. Matéria de facto

O acórdão recorrido deu como assentes os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:

1) No dia 2 de Dezembro de 1998, a sinistrada A sofreu um acidente quando trabalhava por conta e sob a direcção de "....... - Produtos Industriais de Borracha, L.da", que tinha a sua responsabilidade transferida para a recorrente;

2) A sinistrada trabalhava como operária fabril e auferia a retribuição anual de 902040$00 (58900$00 x 14 + 7040$00 x 11);

3) O acidente ocorreu quando a sinistrada trabalhava numa máquina de injecção e consistiu em esfacelo da mão direita;

4) A seguradora deu alta à sinistrada em 7 de Julho de 1999 e atribuiu-lhe a IPP de 14,49%;

5) O perito médico do tribunal considerou a sinistrada com incapacidade permanente absoluta para a sua profissão habitual e com a incapacidade permanente de 60% para as outras profissões;

6) Na fase conciliatória não houve acordo pelo facto de a seguradora não concordar com a incapacidade atribuída pelo perito médico;

7) A junta médica considerou a sinistrada com incapacidade permanente absoluta para a profissão habitual e com incapacidade permanente de 25,5% para as restantes profissões;

8) Na sentença recorrida, o M.mo Juiz, seguindo o laudo da junta médica, decidiu que a sinistrada estava afectada de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e que «a desvalorização por ela sofrida para outros tipos de trabalho é de 25,5%»;

9) A sinistrada nasceu em 4 de Julho de 1959.

3. Fundamentação

Como se refere no acórdão recorrido, não é questionada, nos presentes autos, a caracterização do acidente como de trabalho, nem a responsabilidade da seguradora, nem os graus de incapacidade atribuídos à sinistrada, nem o valor da sua retribuição base (868752$00), nem a aplicabilidade da norma da alínea b) do n.º 1 da Base XVI da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965 ("1. Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou ganho da vítima, esta terá direito às seguintes prestações: (...) b) Na incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual: pensão vitalícia compreendida entre metade e dois terços da retribuição-base, conforme a maior ou menos capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível; (...)"), mas tão-só o modo como se procede ao cálculo da pensão nos termos deste preceito. Segundo a seguradora e o acórdão recorrido, esse cálculo é feito de modo inteiramente objectivo: obtém-se a diferença entre 2/3 (579168$00) e 1/2 (434376$00) da retribuição base (579168$00 - 434376$00 = 144792$00), multiplica-se o valor obtido (144792$00) pelo factor de incapacidade (25,5%) e adiciona-se esse resultado (144792$00 x 25,5% = 36922$00) ao valor correspondente a 1/2 da retribuição base (36922$00 + 434376$00 = 471298$00). Segundo a recorrente e a sentença da 1.ª instância, a pensão é fixada pelo juiz, entre os limites de 1/2 (434376$00) e 2/3 (579168$00) da retribuição base, não por fórmulas matemáticas preestabelecidas, mas tendo em conta, segundo o seu prudente critério, para além da desvalorização para os outros tipos de trabalho, outros factores relevantes, como a idade do sinistrado, as habilitações profissionais e escolares, etc..

Trata-se de questão que, como resulta do precedente relatório, tem suscitado divergências na doutrina e na jurisprudência.

Começando pela jurisprudência, há que registar que este Supremo Tribunal de Justiça seguiu a orientação defendida pela ora recorrente no acórdão de 14 de Dezembro de 1984, processo n.º 829 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 342, pág. 275). No caso então em apreço, em que ao sinistrado, com a retribuição base de 218090$00, fora atribuída incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (de trabalhador rural) e uma IPP de 0,431, as instâncias, atentas as circunstâncias concretas da situação, consideraram criteriosa a fixação da pensão em 15/24 daquela retribuição base, ou seja, em 136306$00. Ao invés, a seguradora recorrente propugnava o uso de um critério estritamente objectivo para a aplicação da regra da alínea b) do n.º 1 da Base XVI da Lei n.º 2127, segundo o qual ao valor de metade da retribuição se acrescenta 1/6 da percentagem da IPP fixada pela junta médica (1/6 que é precisamente a diferença entre 1/2 e 2/3, mínimo e máximo previstos nessa alínea b)), de que resultaria a pensão de 124712$00. Então, o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou "o critério meramente objectivo propugnado pela recorrente" (que foi o também seguido no acórdão ora recorrido), sustentando que face ao citado preceito legal, "claro é que ao juiz compete graduar a pensão entre os fixados limites mínimo e máximo de harmonia com as circunstâncias em concreto de cada sinistrado", e que, na situação então em apreço, em que o sinistrado ficou inapto para exercer profissão que implicasse plena validez dos membros inferiores, seriam de ponderar também as circunstâncias relativas à sua avançada idade (nascido em 5 de Julho de 1925), à sua baixa qualificação profissional (trabalhador rural) e ao escasso mercado para trabalho possível (na freguesia e concelho de Oleiros), se mostrava criteriosa a decisão das instâncias ao fixar a pensão em 15/24 da retribuição base.

O mesmo critério já havia sido seguido no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 3 de Abril de 1979, processo n.º 13/78 (sumariado em Boletim do Ministério da Justiça, n.º 289, pág. 394), segundo o qual: "I - O n.º 1 da Base XVI da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, não impõe, para o cálculo do montante da pensão vitalícia, um critério de natureza aritmética, a partir e em função do coeficiente de desvalorização do sinistrado. II - Não se situa, assim, a capacidade funcional residual deste no excedente de tal coeficiente (a partir dela se formulando aritmeticamente o cálculo da pensão), sendo, antes, a mesma determinada pelo prudente arbítrio do julgador, na base de critérios de razoabilidade e normalidade".

E na mesma orientação se insere o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18 de Fevereiro de 1993, processo n.º 8243 (Colectânea de Jurisprudência, ano XVIII, 1993, tomo I, pág. 189), assim sumariado: "I A pensão por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual deve ser calculada entre 1/2 e 2/3 da retribuição base conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível. II - Os coeficientes de incapacidade previstos na Tabela Nacional de Incapacidades para redução da capacidade geral de ganho do sinistrado não podem servir de critério para a definição da capacidade funcional residual deste para o exercício de outra profissão compatível. III - A IPA para o trabalho habitual refere-se à redução da capacidade de trabalho do sinistrado e aqueles coeficientes à redução da sua capacidade geral de ganho. IV - A capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível deve aferir-se pela natureza e gravidade das lesões sofridas, pela idade do sinistrado, pelas suas habilitações e pelo seu estado geral, não tendo o juiz que se cingir a critérios puramente matemáticos para determinar a maior ou menor capacidade funcional residual.". No caso então em apreço, em que o sinistrado, que sofrera amputação pelo 1/3 médio do antebraço esquerdo, ficara total e permanentemente incapacitado para o trabalho habitual (operador de máquinas de corte de madeira), e a quem fora arbitrada incapacidade permanente parcial de 0,3855, a Relação entendeu que o sinistrado ficara com uma "diminuta (...) capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível, uma vez que tem já 57 anos de idade e não se vislumbra que, com uma lesão de tal natureza e gravidade, possa conseguir exercer outra profissão, sendo certo que indivíduos mais novos e com plena capacidade de ganho não obtêm emprego", pelo que considerou ajustado calcular a pensão a que o mesmo tinha direito com base em 2/3 da retribuição base auferida.

Porém, no acórdão de 26 de Abril de 1999, processo n.º 379/98, embora sem grande desenvolvimento argumentativo, este Supremo Tribunal de Justiça considerou que resulta da alínea b) do n.º 1 da Base XVI da Lei n.º 2127 que, nos casos em que à incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual se associa diminuição da capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível, a pensão deve ser graduada entre os limites aí apontados, procedendo-se ao respectivo cálculo de forma objectiva, de modo que "quanto menor for a capacidade residual maior será a pensão. com tendência a mais se aproximar dos 2/3".

Quanto à doutrina, como já por diversas vezes foi referido, a posição da recorrente apoia-se na opinião emitida por Vítor Ribeiro (Acidentes de Trabalho - Reflexões e Notas Práticas, Lisboa, 1984, págs. 317 a 319), que, hipotizando um caso em que o sinistrado, com a retribuição base diária de 834$889, fora considerado incapaz para o exercício da sua profissão habitual e com 40% de desvalorização à luz da Tabela Nacional de Incapacidades (TNI), ponderou o seguinte:

"Do nosso ponto de vista, os 40% fixados pelo perito médico exclusivamente à luz da TNI serão, neste caso, de todo irrelevantes. O que interessa é que, no caso concreto, o sinistrado foi considerado afectado de incapacidade absoluta para o trabalho habitual. O que, desde logo, o coloca sob a alçada da alínea b) da Base XVI (que fixa a pensão entre metade e dois terços da «retribuição base») e também do n.º 2 do artigo 50.° do Decreto n.º 360/71 e não do n.° 1 do mesmo artigo, como à primeira vista poderia parecer.

A pensão anual do sinistrado há-de ser fixada entre:

1/2 x 360 x 834$889 = 150280$00

2/3 x 360 x 834$889 = 200374$00.

Como graduar entre esses limites? Por outras palavras, como determinar a «maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível», a que se refere a parte final da alínea b) do n.º 1 da Base XVI?

Este um dos mais melindrosos problemas do processo de fixação de incapacidades, já que não se dispõe, como acontece em bom número de países, de uma comissão de avaliação, de constituição polivalente, ou de qualquer outro meio que, com um mínimo de idoneidade, possa dirimir essa questão.

É certo que o n.° 3 do artigo 47.º do Decreto n.º 360/71, permite ao Juiz (e ao Ministério Público) requisitar pareceres ao Fundo de Desenvolvimento da Mão de Obra, precisamente para este efeito.

A verdade, porém, é que este Fundo, quando solicitado, tem sistematicamente respondido não dispor de meios para o cumprimento daquela obrigação que lhe advém da lei. Apenas em alguns casos, o Centro de Avaliação Profissional, sediado em Alcoitão, tem emitido breves pareceres pronunciando-se em relação à 1.ª questão da alínea b) da Base XVI: a de saber se o sinistrado está ou não incapacitado para o exercício da profissão habitual. Mas nunca, que nós saibamos, quanto à questão da capacidade residual.

De há uns tempos a esta parte, tem-se vindo a propor uma solução para esta graduação que seria a seguinte: ao mínimo (metade da RB) somar-se-ia o produto do coeficiente de incapacidade à luz da TNI (40% no caso da hipótese) multiplicado pela diferença entre o máximo e o mínimo.

E então, no nosso exemplo, se se perfilhasse tal tese, a pensão seria a seguinte:

máximo: 200374$00

mínimo: 150280$00

diferença: 50094$00

incapacidade pela TNI: 40%

40% x 50094$00 = 20037$60

150280$00 + 20037$60 = 170317$60.

Este entendimento, que teve já acolhimento em tribunais superiores, assenta na ideia de que a capacidade funcional residual é a capacidade restante, ou seja, no caso da hipótese, 60% = (100% - 40%).

Salvo porém, o devido respeito, não nos parece que tal solução tenha qualquer apoio na letra ou no espírito da lei. Parece-nos, portanto, que, à falta de outros meios adequados, nessa graduação entre metade e dois terços, se terá de recorrer a critérios de bom senso, apoiados na ponderação de variadíssimos factores em que preponderam a idade, as habilitações profissionais e escolares e a própria conjuntura do mercado de emprego local.

Em abono desta perspectiva das coisas, parecem-nos decisivos os textos dos artigos 106.° do Código de Processo do Trabalho de 1963 [«Na tentativa de conciliação o Ministério Público tentará realizar acordo acerca das indemnizações devidas de harmonia com os direitos consignados na legislação em vigor e tomando por base os elementos fornecidos pelo processo, designadamente o resultado do exame médico e as circunstâncias que possam influir na capacidade geral de ganho do sinistrado ou doente»] (a que corresponde o artigo 111.º do Código de Processo do Trabalho de 1981 [«Na tentativa de conciliação o agente do Ministério Público promoverá o acordo de harmonia com os direitos consignados na legislação em vigor, tomando por base os elementos fornecidos pelo processo, designadamente o resultado do exame médico e as circunstâncias que possam influir na capacidade geral de ganho do sinistrado ou doente»]), bem como o artigo 47.º do Decreto n.º 360/71 [«1. O grau de incapacidade resultante do acidente será expresso em coeficientes determinados em função da natureza e gravidade da lesão, do estado geral da vítima, da sua idade e profissão, da maior ou menor readaptação obtida para a mesma ou outra profissão, bem como das demais circunstâncias que possam influir na sua capacidade de ganho. 2. O coeficiente de incapacidade será fixado em conformidade com a Tabela Nacional de Incapacidades em vigor à data do acidente. 3. Sempre que haja lugar à aplicação do disposto na alínea b) do n.° 1 da Base XVI e no n.º 1 da Base XVIII, o juiz, antes de decidir em definitivo, pode requisitar o parecer de peritos especializados designadamente dos do Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra.»]. Veja-se, em defesa de uma solução próxima da que deixamos exposta, o acórdão da Relação de Évora, de 3 de Abril de 1979, sumariado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 289, pág. 394 [Repare-se, aliás, que a seguir-se a prática acima descrita e criticada, jamais a graduação se faria pelo mínimo previsto na alínea b) do n.º 1 da Base XVI, o que não é argumento desprezível contra tal entendimento]."

O acórdão recorrido não seguiu a orientação aqui preconizada, perfilhando a crítica que à posição defendida por Vítor Ribeiro fora feita (basicamente por a mesma pretensamente não ter suporte na letra da lei) por Carlos Alegre (Acidentes de Trabalho, Coimbra, 1995, págs. 81 e 82). Porém, este último autor, em anotação à correspondente norma do artigo 17.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro («1. Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este terá direito às seguintes prestações: (...) b) Na incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual: pensão anual e vitalícia compreendida entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível e subsídio por situações de elevada incapacidade; (...)») veio a aproximar-se da posição defendida por Vítor Ribeiro, rejeitando o simples cálculo aritmético, com a seguinte argumentação (Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, Coimbra, 2000, págs. 96 a 98):

"3.2. Incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPA-th) - trata-se de uma incapacidade de 100% para a execução do trabalho habitual do sinistrado, no desempenho da sua específica função, actividade ou profissão, mas que deixa uma capacidade residual para o exercício de outra actividade laboral compatível, permitindo-lhe alguma capacidade de ganho, todavia, uma capacidade de ganho, em princípio, diminuta.

Fundamental para o cálculo desta pensão é a capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão ou actividade compatível, pois é em função dela que se há-de fixar a pensão anual e vitalícia. Esta capacidade funcional residual deve ser fixada no auto de exame médico judicial e com base nela se fixarão as respectivas prestações em dinheiro, se houver acordo ou não se suscitarem dúvidas. Se não houver acordo ou for impossível ao perito médico fixar a capacidade funcional residual - que nunca deve ser, de forma simplista, a diferença entre a incapacidade fixada e a capacidade integral, mas a que resultar de múltiplos factores, como a possibilidade de exercer outra profissão compatível com a sua incapacidade, o que dependerá das suas habilitações profissionais e escolares, da idade, do próprio mercado de emprego local - o n.° 2 do artigo 41.° do Decreto-Lei n.° 143/99 permite (ao Ministério Público ou ao Juiz, nas respectivas fases processuais de competência) requisitar parecer de peritos especializados, a entidades públicas ou privadas, especialistas na matéria, designadamente (mas não obrigatoriamente) os pertencentes aos serviços do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, que, aparentemente, dispõem desse tipo de serviços que, todavia, não são fáceis de localizar, dado mudarem frequentemente de designação e de competências.

Deve notar-se que o parecer que se pode requisitar a peritos especializados não é um «parecer médico», mas um «parecer ocupacional», que, tendo por base as conclusões do «parecer médico» já judicialmente efectuado se pronuncia sobre as capacidades concretas do sinistrado para um outro trabalho. Por isso, a lei anterior considerava peritos especializados os do Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra.

Deve ser, porém, no laudo do exame médico previsto nos artigos 108.° e 109.° do Código de Processo do Trabalho (CPT) que o perito médico, ao pronunciar-se pela incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, deve indicar, se puder, o grau de capacidade funcional residual para o exercício de outra eventual profissão compatível. Se o perito não se considerar habilitado a pronunciar-se sobre o assunto, fixará provisoriamente o grau de incapacidade (o CPT fala em grau de desvalorização, numa terminologia mais adequada a objectos do que a pessoas) que possa definir para a incapacidade do sinistrado e solicita (ao Magistrado que preside ao exame médico) a requisição de parecer de peritos especializados (onde os houver). Trata-se de um elemento sem o qual não é possível avançar no cálculo da pensão.

Dadas as dificuldades práticas que, desde sempre, se sentiram, em determinar a «maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível» de que fala a lei, uma boa parte da jurisprudência (no regime da lei anterior que neste aspecto em nada alterou a actual), passou a abrir mão da fixação deste elemento no exame médico, e a efectuar o cálculo da graduação da pensão, considerando que a capacidade residual é a parte sobrante da incapacidade arbitrada, o que constitui um artifício que não tem nenhuma base legal, pois não leva em linha de conta que a capacidade residual a considerar é, por um lado, funcional, isto é, deve permitir o exercício de uma actividade de índole profissional, e, por outro lado, se destina ao exercício concreto de outra profissão, diferente da que tinha. Para efectuar aquele cálculo, a referida jurisprudência ou prática judicial procedia (ou procede, ainda) da forma seguinte:

depois de efectuar o cálculo de 2/3 da retribuição anual (hoje, o valor de 2/3 está substituído pelo valor de 70%) e de 1/2 da mesma retribuição, encontrava a diferença que multiplicava pelo grau de incapacidade que, por seu turno, seria somado à retribuição mínima achada. Para facilidade de compreensão, veja-se o seguinte exemplo:

Retribuição anual (R): 1000000$00

70% de R: 700000$00

50% de R: 500000$00

Diferença: 200000$00

Incapacidade: 60%

Cálculo: 200000$00 x 60% = 120000$00

Pensão = 500 000$00 + 120000$00 = 620000$00.

Reconhecendo a falta de apoio legal desta solução jurisprudencial, propunha-se, em contrapartida, uma outra solução, baseada em «critérios de bom senso, apoiados na ponderação de variadíssimos factores em que preponderam a idade, as habilitações profissionais e escolares e a própria conjuntura do mercado de emprego local» (Vítor Ribeiro, Acidentes de Trabalho, Reflexões e Notas Práticas, pág. 318). Em abono desta posição, que é, também, a que perfilhamos, dizia aquele malogrado Autor que lhe pareciam decisivos os textos dos artigos 111.° do Código de Processo do Trabalho e 47.° do Decreto n.° 360/71.

Como referimos, esta parece-nos ser a posição correcta, se ela não se reportar a um momento distinto do exame médico, ou seja, se ela se basear num parecer ou peritagem médica, apoiado ou não em parecer ocupacional ou funcional. De facto, por muito largos que sejam os poderes de decisão do Magistrado, não lhe é lícito lançar mão do critério jurisprudencial acima referido para quantificar uma capacidade funcional residual, cuja natureza tem de ser, necessariamente, objectiva, na medida em que se trata se apurar o que, sob o ponto de vista funcional (da chamada «força do trabalho» ou «capacidade de ganho»), o sinistrado ainda é capaz de fazer, apesar das sequelas do acidente. Elemento importante a apurar nesta situação é o valor da capacidade funcional residual que uma peritagem médica judicial terá dificuldade em apurar. Parece-nos, por isso, que se deve lançar mão de parecer técnico, obtido de acordo com o disposto no artigo 41.°, n.° 2, do diploma regulamentar, que expressamente se refere a esta situação. Obtido esse valor, também não nos parece lícito lançar mão do simples cálculo matemático acima referido e rejeitado."

Expostas as posições jurisprudenciais e doutrinais conhecidas, é tempo de tomar posição.

Antes de mais, importa salientar que apenas na situação regulada na alínea b) do n.º 1 da Base XVI da Lei n.º 2127 o legislador conferiu ao tribunal possibilidade de graduar o montante da pensão entre um máximo e um mínimo; em todas as restantes alíneas desse preceito, o valor da prestação pecuniária devida resulta directamente de um factor: 80% da retribuição base no caso de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho (alínea a)), 2/3 da redução sofrida na capacidade geral de ganho no caso de incapacidade permanente e parcial (alínea c)); 2/3 da retribuição base no caso de incapacidade temporária e absoluta, sendo apenas de 1/3 nos três dias seguintes ao acidente (alínea d)); e 2/3 da redução sofrida na capacidade geral de ganho no caso de incapacidade temporária parcial (alínea e)). A atribuição ao tribunal do poder de graduação do montante da pensão, entre um máximo e um mínimo, sem directa indexação a um factor matemático, logo aponta para o afastamento de regras de cálculo estritamente objectivas. Se as quisesse impor, o legislador teria indicado uma fórmula que, por mera operação aritmética, fizesse variar a pensão, entre o máximo de 2/3 e o mínimo de 1/2 da retribuição base, por forma inversamente proporcional ao grau de capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível. Se o não fez foi porque quis deixar ao tribunal alguma margem de ponderação.

Por outro lado, a capacidade funcional residual em causa não é reciprocamente equivalente à diminuição da capacidade física revelada pelo grau de incapacidade permanente parcial determinada pelos peritos médicos. Na verdade, como os citados artigos 111.º do Código de Processo do Trabalho de 1981 e 47.º do Decreto n.º 360/71 claramente apontam, há que atender, para este efeito, a par do resultado do exame médico, às demais "circunstâncias que possam influir na capacidade geral de ganho do sinistrado", designadamente a sua idade, as suas habilitações profissionais e escolares, a conjuntura do mercado de emprego local, etc.

Depois, a adopção do apelidado "critério objectivo" usado pelo acórdão recorrido, fazendo corresponder a pensão à soma do valor mínimo (1/2 da retribuição base) com o resultado da multiplicação da diferença entre esse valor mínimo e o valor máximo (2/3 da retribuição base) pelo coeficiente de "desvalorização" (que sempre existe) teria o resultado absurdo de a pensão nunca poder ser fixada no valor mínimo que a lei prevê.

Por fim, reconhecendo o acórdão recorrido que a capacidade funcional residual não depende apenas da "incapacidade permanente parcial" medicamente determinada, mas ainda de outros factores, que, em seu entender, deviam ser ponderados no próprio exame pericial, mas que normalmente não o são, e sendo patente que, no caso, na determinação daquela incapacidade, apenas se atendeu à perda de capacidade física, seria inviabilizar o respeito pelo objectivo legal de ajustada reparação da perda da capacidade geral de ganho do sinistrado impedir uma intervenção correctiva do juiz, que é o perito dos peritos, e reduzi-lo à função de mero operador de cálculos aritméticos.

Tudo visto, entende-se não ser de perfilhar o critério seguido pelo acórdão recorrido, mas antes o da sentença da 1.ª instância - na sequência, aliás, do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Dezembro de 1984, atrás citado -, sentença que fixou com adequada ponderação a pensão devida à recorrente.

4. Decisão

Em face do exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido, para ficar a subsistir a sentença da 1.ª instância.

Custas pela ré, ora recorrida.

Lisboa, 30 de Outubro de 2002.

Mário José de Araújo Torres,

Vítor Manuel Pinto Ferreira Mesquita,

Pedro Silvestre Nazário Emérico Soares.