Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
98A652
Nº Convencional: JSTJ00034768
Relator: MARTINS DA COSTA
Descritores: OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE
Nº do Documento: SJ199807090006521
Data do Acordão: 07/09/1998
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 1155/96
Data: 02/26/1998
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR NACION.
Legislação Nacional: LNAC81 ARTIGO 3 N1 ARTIGO 9 A.
DL 322/82 DE 1982/08/12 ARTIGO 11 ARTIGO 22.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1993/02/25 IN CJSTJ ANOI TI PAG156.
Sumário : I- A ligação efectiva à comunidade nacional, para aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade, deve ser apreciada em função dos valores dominantes na comunidade específica em que o estrangeiro se pretende integrar.
II- No caso do território de Macau, podem ser decisivas e suficientes simples relações de carácter familiar.
Decisão Texto Integral:
Acordão do Supremo Tribunal de Justiça:
I- O Ministério Público intentou, no tribunal da Relação de Lisboa, acção especial contra B, para efeito de oposição à aquisição, pela requerida, da nacionalidade portuguesa.
A requerida foi citada editalmente e houve contestação, subscrita por defensor oficioso.
Pelo acórdão de fls. 59 e segtes, julgou-se improcedente aquela oposição.
Neste recurso, o Ministério Público pretende a revogação daquele acórdão e formula, em resumo, as seguintes conclusões:
- a requerida não conhece a língua portuguesa, quer no plano da escrita quer no da oralidade;
- e conhece a língua chinesa, o que é demonstrativo de se encontrar mais próxima dessa comunidade;
- o Supremo pode determinar a ampliação da matéria de facto quanto a não ter a requerida demonstrado conhecer Portugal nem um mínimo da sua história, da cultura das suas gentes e dos seus costumes;
- a aquisição derivada da nacionalidade portuguesa pressupõe que o candidato saiba dirigir-se às instituições do Estado Português em língua portuguesa;
- sem isso inexiste a ligação à comunidade portuguesa, o que é factor impeditivo da concessão da nacionalidade - artº 9º a) da Lei nº 37/81.
Em contra-alegações, sustenta-se a improcedência do recurso.
II- Factos dados como provados:

Em 15/6/92 contraíram casamento civil na Conservatória do Registo de Casamentos e Óbitos de Macau, B, nascida 19/3/72 em Chong San, República Popular da China e de nacionalidade chinesa, filha de C e de D, e residente em Macau , e E, nascido em 31/7/68 na Sé em Macau, de nacionalidade portuguesa, filho de F e de G, residente em Macau.
Em 24/6/92 e em 15/6/94 nasceram na freguesia de Santo António, Macau, respectivamente H e I, de nacionalidade portuguesa, que foram registados como filhos dos referidos E e B.
Em 13/7/95, na Conservatória do Registo de Casamentos e Óbitos de Macau, B declarou pretender adquirir a nacionalidade portuguesa, baseada no referido casamento.
A requerida, durante o período em que residia na China, até 1/10/89, data da sua saída do país, nunca foi punida criminalmente e do seu certificado do registo criminal nada consta.
Foi atribuído à requerida título de permanência temporária passado pelo Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau em 9/11/94.
A requerida assina em caracteres chineses e não fala português.
Com base na referida declaração, foi instruído na Conservatória de Registo de Casamentos e Óbitos de Macau o Pº nº 15.405/95 que foi remetido para a Conservatória dos Registos Centrais, onde se verificou existir um facto impeditivo da pretendida aquisição de nacionalidade portuguesa, razão por que o registo não chegou a ser lavrado.
Tal facto consistiu, segundo aquela entidade, em a ora requerida não haver comprovado ter uma ligação efectiva à comunidade nacional, que o casamento por si só não confere, pese embora os nascimentos dos filhos.
Para prova dessa ligação efectiva, a ora requerida juntou certidão de casamento, certidões dos nascimentos dos filhos e fotocópia autenticada do título de permanência temporária e declarou que é doméstica, nunca tendo exercido qualquer ramo de actividade no território de Macau, pelo que lhe não é possível apresentar prova documental.
A ampliação da matéria de facto, pretendida pelo recorrente, não se mostra necessária nem fundamentada nos elementos de prova constantes do processo.
O que importa, para apreciação do objecto do recurso, é o conjunto dos factos dados como provados e invocados no "auto de declaração" de fls. 15.
III- Quanto ao mérito do recurso:
Pela Lei nº 37/81, de 3-10, "o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio" (artº 3º nº1) e constitui fundamento de oposição a essa aquisição "a não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional" (artº 9º al. a).
No Regulamento dessa lei da nacionalidade, aprovado pelo Dec-Lei nº 322/82, de 12-8, estabelece-se que, naquela hipótese, o estrangeiro, se quiser adquirir a nacionalidade, "deve declará-lo" (artº 11º) e deve ainda, além do mais, "comprovar ... a ligação efectiva à comunidade nacional" e "ser ouvido, em auto, acerca da existência de quaisquer outros factos susceptíveis de fundamentarem a oposição legal a essa aquisição" (artº 22º nº1 als. a e c).
Daqui resulta, desde logo, que os requisitos essenciais deste meio de aquisição da nacionalidade portuguesa são o casamento de estrangeiro com português desde há mais de 3 anos e a declaração de vontade nesse sentido, mas não se trata de uma aquisição automática, na medida em que pode haver oposição, através de acção intentada pelo Ministério Público.
Nessa acção, o ónus da prova imposto ao autor é apenas o da "não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional", o que significa que o requerente terá de fazer também a prova dessa ligação, sob pena de ficar sujeito à instauração da referida acção e à sua procedência.
A solução era diversa no domínio da redacção inicial daqueles preceitos (anterior à Lei nº 25/94, de 19-8, e ao Dec-Lei nº 253/94, de 20-10), em que cabia ao autor da acção a prova de "manifesta inexistência de qualquer ligação...", e, perante esta evolução legislativa, pode afirmar-se que o legislador veio dificultar, acentuadamente, a aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, e que já não é defensável a jurisprudência que classificava os fundamentos de oposição à aquisição da nacionalidade como "meros índices de factores impeditivos" da mesma (Ac. deste Tribunal de 25-2-93, na Col. S.T.J., I, 1º, p. 156).
A questão fundamental reside pois aqui em saber se a requerida fez prova de "ligação efectiva à comunidade nacional".
A lei da nacionalidade não define esses conceitos mas deve entender-se por "comunidade nacional" o conjunto dos cidadãos portugueses, independentemente da sua residência em Portugal ou no estrangeiro, em que predominam determinados valores relacionados com a língua, cultura, história, costumes, economia, etc., e aquela "ligação afectiva ..." pressupõe, em princípio, a prova de "laços afectivos ... que abonem a ideia de um sentimento de pertença à comunidade portuguesa".
Porém, aquela "comunidade nacional" abrange diversas "comunidades" (a do território nacional, as dos emigrantes em diversos países e a existente em Macau) e a referida ligação deve ser apreciada em função dos valores dominantes naquela em que o estrangeiro se pretende integrar.
Assim, com relação a Macau, em que, como se nota no acórdão recorrido, "é ínfima a percentagem de nacionais que falam e escrevem português, fazendo parte da comunidade portuguesa", e "a larga maioria, embora portuguesa por ter nascido no território, fala e escreve apenas cantonês, desconhece os mais ínfimos aspectos da História de Portugal, mesmo os que directamente respeitam ao território", não se deve atribuir relevância ao facto de a requerida não falar português e assinar o seu nome em caracteres chineses, tanto mais que o mesmo se verifica de certo quanto ao marido, que só terá adquirido a nacionalidade portuguesa por ter nascido naquele território.
Deste modo, o aspecto que se deve ter aqui como decisivo e suficiente para a prova da "ligação efectiva à comunidade nacional" é o respeitante às relações familiares.
Na verdade, tendo a requerida casado com um português (só porque nasceu no território de Macau), há 6 anos, de quem tem dois filhos, de 6 e 4 anos, também portugueses, e vivendo nesse território (apesar de apenas lhe ter sido concedido o título de permanência temporária), ela goza de ligação efectiva à comunidade nacional através da sua plena integração numa família que faz parte dessa comunidade.
Em conclusão:
A ligação efectiva à comunidade nacional, para aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade, deve ser apreciada em função dos valores dominantes na comunidade específica em que o estrangeiro se pretende integrar (artºs 3º nº1 e 9º a) da Lei nº 37/81, de 3-10, e 11º e 22º do Dec-Lei nº 322/82, de 12-8).
No caso do território de Macau, podem ser decisivas e suficientes simples relações de carácter familiar.
Pelo exposto:
Nega-se provimento ao recurso.
Sem custas (artº 2º nº1 b) do Cod. Custas).
Fixa-se em 15000 escudos a remuneração ao defensor oficioso.
Lisboa, 9 de Junho de 1998
Martins da Costa,
Machado Soares,
Pais de Sousa.
Voto de Vencido.
Revendo anterior posição concedia provimento ao recurso.
A ligação efectiva à comunidade nacional, para aquisição da nacionalidade portuguesa, não pode ser apreciada em função dos valores dominantes na comunidade específica em que o estrangeiro se pretende integrar. Nem a letra nem o espírito da lei consente essa interpretação. Vejam-se os problemas de natureza social e talvez económicos se os estrangeiros aparecerem na comunidade nacional. O que parece passar-se com Macau, em que os habitantes de nacionalidade chinesa procuram um passaporte para a Europa, caso não se entendam com o regime da República Popular da China.