Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
96A918
Nº Convencional: JSTJ00032000
Relator: CARDONA FERREIRA
Descritores: LIBERDADE DE EXPRESSÃO
LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
DIREITO AO BOM NOME
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
OFENSAS À HONRA
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
INDEMNIZAÇÃO
CULPA
Nº do Documento: SJ199705270009181
Data do Acordão: 05/27/1997
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 1008/92
Data: 03/05/1996
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: LOPES ROCHA IN BFDC LXV PAG305. VALENTIM PEIXE E S FERNANDES IN A LEI DA IMPRENSA PAG215. G CANOTILHO IN CONFLITOS E PROTECÇÃO DIR FUN RLJ ANO125 PAG35.
Área Temática: DIR CONST - DIR FUND. DIR CIV - TEORIA GERAL / DIR RESP CIV.
DIR PROC CIV - RECURSOS.
Legislação Nacional: CONST89 ARTIGO 26 ARTIGO 37 N1 N2 N3 N4 ARTIGO 38.
CCIV66 ARTIGO 70 ARTIGO 79 ARTIGO 80 ARTIGO 335 ARTIGO 484 ARTIGO 487 N1 N2 ARTIGO 494.
CPC67 ARTIGO 684 ARTIGO 690 ARTIGO 729.
DL 85-C/75 DE 1075/02/26 ARTIGO 24 N1.
L 62/79 DE 1979/09/20 ARTIGO 11 ARTIGO 12.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1987/10/07 IN BMJ N370 PAG292.
ACÓRDÃO STJ DE 1988/02718 IN BMJ N374 PAG218.
ACÓRDÃO STJ DE 1993/03&17 IN BMJ N425 PAG491.
ACÓRDÃO STJ DE 1994/04/26 IN CJSTJ ANOII TII PAG54.
ACÓRDÃO STJ DE 1995/06/27 IN BMJ N448 PAG378 IN CJSTJ ANOIII TII PAG138.
ACÓRDÃO STJ DE 1996/03/05 IN CJSTJ ANOIII TI PAG122.
ACÓRDÃO STJ DE 1996/10/29 IN CJSTJ ANOIII PAG80.
Sumário : I - Há que procurar, através do princípio da proporcionalidade, o justo equilíbrio, entre os direitos fundamentais, mas não absolutos, de liberdade de expressão (e informação) e ao bom nome (e reputação).
A chave pode estar no civismo que sempre deve estar presente na convivência social.
II - Até um facto verdadeiro pode ser punível, se a sua revelação respeitar à vida privada do visado (não tanto à sua conduta profissional) e for ofensiva da personalidade deste ou usar de expressões inaceitáveis.
III - Para a ofensa implicar o dever de indemnizar, basta a mera culpa; a existência de dolo só influi no montante da indemnização.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. A, propôs esta acção declarativa, distribuída ao 8º Juízo Cível do Porto, contra B, C e D.
Essencialmente, o autor considerou-se afectado por textos publicados, cuja responsabilidade atribuiu aos réus e pediu a condenação destes a pagarem-lhe, solidariamente : 5000000 escudos por danos não patrimoniais; quantia a liquidar, em execução de sentença, por danos patrimoniais (fls.2 e segs.).
Os réus contestaram (fls. 64 e segs.).
A fls. 356 e segs., foi proferida sentença, julgando a acção improcedente.
O autor apelou (fls. 365).
E a Relação do Porto emitiu o Acórdão de fls.. 429 e segs., dando parcial provimento a tal recurso, revogando a sentença e condenando os réus, solidariamente, a pagarem indemnização de 1500000 escudos ao autor.
Posto isto, os réus recorreram, de revista, para este Supremo (fls.. 440). E, alegando, concluíram (fls..454 e segs.):
1) Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão da Relação do Porto o qual, "data venia", deverá ser revogado;
2) Da matéria dada como provada não resulta que os factos imputados aos recorrentes tivessem sido praticados com dolo ou mera culpa, como impõe o art 483 do C Civil, elemento essencial para a obrigação de indemnizar;
3) Efectivamente, os recorrentes, ao redigirem os escritos em apreço e permitirem a sua publicação, pretenderam, exclusivamente, no exercício do seu direito e obrigação de informar, relatar com rigor, objectividade e isenção a verdade dos factos, como lhes competia; a corroborá-lo, estão os escritos da autoria da restante imprensa presente no torneio de Toulon que relatam, afinal, os mesmos factos;
4) "Mutatis mutandis", os recorrentes não podiam prever o resultado lesivo porquanto desconheciam, nem podiam prever, à semelhança da restante imprensa, as razões que levaram a selecção portuguesa a jogar a 1ª parte do jogo Portugal-Brasil com 7 jogadores e, a 2ª parte, com 6 jogadores;
5) "In summa", não tendo o ilícito em causa sido praticado, pelos recorrentes, com dolo ou mera culpa, cai por terra o nexo de imputação ético-jurídica que faz a ligação do facto jurídico à vontade do agente, falhando assim um elemento essencial da obrigação de indemnizar, como decorre do disposto nos arts 483 e 484 do C Civil;
6) De resto, dir-se-à em abono da verdade que a responsabilidade "ex vi" do art 484 do C Civil é responsabilidade subjectiva por factos ilícitos, "ut" decorre, desde logo, da inserção sistemática do artigo;
7) Finalmente, ao recorrido competia provar - o que não logrou fazer - que o recorrente B tinha tido a "intenção", com os escritos publicados de, "conscientemente", atentar contra a verdade dos factos e de lesar o recorrido, imputando-lhe tudo quanto de mau ocorreu com Toulon;
8) Impõe-se, assim, a revogação do Acórdão recorrido, por manifesta violação dos arts 483 e 484 do C Civil, confirmando-se a sentença.
O recorrido contra-alegou, manifestando-se no sentido de ser negado provimento a este recurso (fls. 459 e segs.).
Foram colhidos os vistos legais (fls. 481/481v.).
II. O Acórdão recorrido assentou no seguinte circunstancialismo (fls. 430):
1) O autor foi jogador de futebol durante 18 épocas, tendo representado o F.C.Porto, Bétis de Sevilha, F.C.de Penafiel e Sporting Clube de Portugal;
2) Representou 28 vezes as selecções nacionais, 4 nos juniores e 24 na selecção A;
3) Como treinador, esteve ao serviço do Sporting Clube de Portugal, C.S.Marítimo, F.C.Penafiel, Vitória S.C e C.A.Coimbra;
4) Foi treinador das selecções nacionais no período de 1 de Agosto de 1986 a Outubro de 1987; e, desde Dezembro de 1989, "exerce" funções de treinador das selecções nacionais;
5) Foi louvado pela F.P.Futebol "pela sua dedicação, humildade, pelo seu exuberante entusiasmo e dignidade,como soube honrar o nome do futebol português e contribuiu para o prestígio desportivo do nosso País", relativo ao campeonato da Europa e fase preliminar para o campeonato do Mundo, conforme nota informativa nº22, de 04.11.77, da F.P.F.;
6) O réu B é jornalista e director-adjunto do jornal D, e o réu C é director desse jornal, do qual a ré é proprietária;
7) A "D" é um jornal desportivo de âmbito nacional, sendo vendido em todo o território nacional;
8) Tem uma tiragem média, em Abril de 1990, de 87.781 exemplares;
9) Por convite da respectiva organização, a selecção portuguesa de futebol de Esperanças, de que o autor "é" treinador, participou, na 2ª quinzena de Maio de 1990, no torneio internacional de Esperanças de Toulon, em França;
10) O réu B, em artigo na "D", de 18.05.1990, escrevia, referindo-se ao autor, "inteligente e sagaz com o bichinho do futebol bem infiltrado na sua vida, A está agora com 28 anos e uma boa pedalada para sucessos com os sub-21 que são, simultaneamente, esperanças e olímpicos; quando jogador, tido por um tanto irreverente e difícil, A atingiu os píncaros da qualidade, mas haveria quem duvidasse se daria ou não um bom treinador. E deu. e vai evoluir, porque é convicto, interessado, audacioso";
11) A participação da selecção portuguesa naquele torneio de Toulon foi, nos 2 primeiros jogos - contra a Inglaterra e a U.R.S.S - brilhante, saldando-se com outras tantas vitórias, ainda que pela tangencial vantagem de um golo;
12) As exibições feitas pela selecção mereceram os mais rasgados elogios dos críticos, dos participantes e da imprensa, o que era estendido ao treinador, realçando-se o esplêndido trabalho por ele realizado;
13) O jogo seguinte, com a selecção francesa, foi noticiado nos jornais portugueses, "pela forma constante dos docs. de fls.. 20 a 27", designadamente titulando-o "foi uma incrível e estúpida tourada, com três expulsões e Sousa no Hospital" e "encenação à la française mancha dignidade do torneio";
14) E deu origem ao relatório à F.P.F. elaborado pelo chefe da delegação a Toulon, "constante de fls. 28 a 37";
15) Os incidentes ocorridos após o jogo com a França e durante o jogo com o Brasil foram relatados pelos jornais portugueses "Record", "Correio da Manhã" e "Jornal de Notícias" "nos termos constantes dos docs. de fls.. 48 a 50";
16) O réu B presenciou, na presença de várias testemunhas oculares, o desenlace da história de Toulon;
17) Assistiu e confirmou os erros grosseiros da arbitragem, no jogo Portugal-França, que prejudicaram, indiscutivelmente, a equipa portuguesa;
18) Assistiu e ouviu a resposta dos organizadores quanto ao pedido de protesto feito pelo dirigente federativo no final do jogo com a França;
19) Censurou, previamente, o dirigente desportivo, chefe da delegação, Dr. Pais do Amaral, por não ter sabido, querido ou podido ler o regulamento do torneio antes do início do mesmo, a fim de evitar aquilo que veio a suceder;
20) O jornal "D" publicou, em 08.06.1990, uma crónica de França com o título "o óptimo e o péssimo das esperanças portuguesas", assinado por Maurice Revello, "nos termos de fls. 53 dos autos";
21) Todos os artigos identificados, da autoria do réu B e publicados na "D", foram totalmente conhecidos, antes da publicação, pelo réu Joaquim Queirós, que a autorizou;
22) O autor acumulou funções de jogador de futebol e de treinador no Sporting Clube de Portugal e no Futebol Clube de Penafiel, após o que passou a exercer, apenas, a profissão de treinador de futebol;
23) Como treinador, o autor tem um "bom curriculum", sendo muito conceituado e respeitado pela generalidade de dirigentes e jogadores;
24) É reconhecido, ao autor, o seu valor técnico, capacidade natural para orientar os jogadores, inteligência e sagacidade;
25) O autor é uma pessoa muito prestigiada, respeitada e considerada, e havido como honesto, coerente, dedicado ao trabalho, educado e respeitador de toda a gente;
26) Em resultado do jogo com a França, que foi "noticiado nos termos de fls.26 a 27 e no relatório de fls. 28 a 37", aconteceu que, para o jogo com a selecção do Brasil, apenas 10 jogadores estiveram em condições de o disputar;
27) Nesse encontro, a 2ª parte iniciou-se com a selecção portuguesa constituída por 7 elementos, por lesão dos jogadores Morgado, Filipe e Rosário;
28) A lesão do Paulo Madeira ocorreu ¾ minutos após o início da 2ª parte ;
29) O réu B, na "D" de 28.05.1990, escreveu um artigo na folha 6 que intitulou, em grandes parangonas, a 5 colunas, "Fantochada vergonhosa" que encimava uma fotografia do autor, a 4 colunas, com a legenda "o técnico A não esteve bem" onde, entre outras coisas, se dizia: " aos hinos nacionais dez portugueses deram as mãos e alinharam para a bandeira do seu país, mas sem querer, pessoalmente, passaram a servir de verdadeiros fantoches para interesses mesquinhos, "comandados" por um técnico realmente de cabeça perdida que resolveu fazer de um jogo sério uma brincadeira de vingança inaceitável"; "Portugal numa situação de inferioridade numérica propositada e teatralizada ..."; "sucessivamente os jogadores portugueses foram-se atirando para o chão"; "o jogo permitiu as estreias teatrais do guarda-redes José Carlos e do alcantarense Camberra, registando-se da parte deste bastante aplicação e uma elogiável vontade de não colaborar tão fortemente na verdadeira fantochada a que fomos forçados a assistir aqui em Toulon"; "... do dirigente Pais do Amaral, com muitas dificuldades pessoais em se impor ao poderio directivo de A"; "...para aquilo que de muito estranho, de verdadeiramente inaceitável aconteceu com a selecção portuguesa de Esperanças"; "Resta-nos esperar que a própria F.P.F. se anticipe a tudo quanto possa vir da UEFA ou da FIFA e, antes que seja tarde, ponha o mínimo de dignidade neste triste caso da selecção de Esperanças de Toulon";
30) No dia 30.05.1990, escreveu, em novo artigo, a 3 colunas, subordinado ao título "As nossas três verdades de Toulon", que encimava uma fotografia do autor, legendada da seguinte forma: "A montou uma vingança mesquinha" e onde, entre outras coisas, "Ficámos preocupados e descrentes deste trabalho, com culpas maiores do técnico escalado para vir a Toulon de fraco índice pedagógico, intenção vingativa, tão imaginativo no mau sentido, como quando era jogador"; "mas daí até entrarmos em campo só com dez jogadores e cumprir depois um maquiavélico plano para acabar com o jogo, vai uma enorme distância"; "Sabemos que A fez questão de falar com os jogadores à porta fechada, expressou-nos mais alto que o dirigente federativo Pais do Amaral, montou um esquema de vingança mesquinha que revoltou e enojou todos os portugueses que estavam no estádio"; "que tristeza e que crueldade imaginativa. Alguns jogadores serviram de uma fantochada, gozaram com o ideal respeitável de representar Portugal, obedeceram cegamente a quem talvez possa estar arrependido do que provocou...";
31) Com estes escritos e, também, com o publicado em 30.06.1990, assinado por Maurice Revello, o autor sentiu-se ofendido na sua honra e consideração e sofreu um grande desgosto;
32) As afirmações contidas nos escritos põem em causa a verticalidade, o empenho e a seriedade do autor no desempenho da profissão de treinador de futebol;
33) O réu B visualizou pela primeira vez, nos últimos 50 anos, uma selecção portuguesa alinhar, inicialmente, com dez jogadores para, a ¾ minutos do início da 2ª parte, ficar reduzido a seis;
34) O jogo com o Brasil não acabou;
35) Os jornais franceses diários "Livre Matin", de 29.05.1990, e "L’Équie", do mesmo dia, noticiavam os acontecimentos do jogo com o Brasil "nos termos constantes do documento de fls. 342 (traduzido a fls. 340 e 341) e 345 (traduzido a fls. 344)".
III. Este processo faz subir ao Supremo, mais uma vez, o problema difícil dos limites de exercício de direitos constitucionais fundamentais.
É lamentável que este tipo de questões venha proliferando. Com efeito, tem custado a interiorizar e a reflectir-se numa sã convivência que constitui factor "sine qua non" de qualquer regime democrático que o direito de exprimir e divulgar, livremente, o pensamento não está, nem pode estar, sujeito a qualquer tipo ou forma de censura; mas, simultaneamente, há que entender que, tratando-se de um corolário da liberdade imanente a uma vivência cívica, ela não pode deixar de, na prática, ter limites que, muito simplesmente, radicam nisto: a liberdade de um cidadão termina onde começa a liberdade de outro.
Concretizando, em princípio a liberdade de expressão e de informação não pode ser exercida de forma a lesar direitos, identicamente fundamentais, de outrem.
É o que se reflecte, desde logo, no específico art 37 da Constituição, onde está imanente o princípio da proporcionalidade (Jorge Miranda, "Manual de Direito Constitucional", IV - 2ª edição, 216). Esta questão é, aliás, comum em regimes de natureza democrática (v.g. Jorge Rodríguez - Zapata, "Teoría Y Prática del Derecho Constitucional", 349).
O factor mais adequado à regência do exercício de direitos (fundamentais ou não) que possam colidir com direitos de outrém, está no civismo que deve ser a base da convivência social.
Mas desde que surjam diferendos, naturalmente a ordem jurídica deve inserir caminhos que permitam adequada solução jurisdicional.
IV. O que está em causa traz à colação - e em colisão - por um lado o direito fundamental que se traduz na liberdade de expressão e de informação e, por outro lado, o direito, também fundamental, ao bom nome da reputação (arts 37 e 26 da Constituição).
A este respeito, sabe-se que o direito de expressão do pensamento não é o mesmo que direito de informação (Gomes Canotilho e Vital Moreira, "Constituição Anotada", 3ª edição, 225).
O direito de expressão "tout court" emerge da incontrolável liberdade de pensar que, mais do que decorrente da lei, é inerente à condição humana, particularmente incita nos estudos de Kant ("cogito ergum sum"). O direito de informação reflecte-se em algo com que, às vezes, se confunde, a liberdade da comunicação social (art 38 da Constituição).
Mas tudo isto não pode fazer esquecer que os direitos, mesmo os fundamentais, existindo para bem dos cidadãos, não podem privilegiar uns em detrimento injusto de outros.
É o que, com suficiente clareza, significa o genérico art 37 da Constituição:
"1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal, sendo a sua apreciação da competência dos Tribunais judiciais.
4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia. o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos".
Este normativo, mormente a parte final do nº4, deve ser compaginado com o art 26 da Constituição, de igual valor (também sobre direitos e deveres fundamentais), prescrevendo, designadamente, que:
"1. A todos são reconhecidos os direitos ... ao bom nome e reputação, à imagem, ... e à reserva da intimidade da vida privada e familiar.
2...
3...".
E, conjugadamente, há que ponderar normas do C Civil, de uma década anterior à Constituição, mas com ela identificáveis e por ela profundamente revitalizadas, mormente arts. 70 (tutela geral da personalidade), 79 (direito à imagem), 80 (direito à reserva sobre a intimidade da vida privada), 484 (ofensa do crédito ou do bom nome).

V. Perspectivada a questão não tanto em termos genéricos do direito de expressão mas, sim, de informação através da comunicação social, também são, especialmente consideráveis, para além do art 38 da Constituição, normatividade específica como a chamada lei de imprensa (DL 85-C/75, de 26.02, com as alterações que foi tendo) e o Estatuto de Jornalista, aprovado pela lei 62/79, de 20.09; o art 11 deste Estatuto prescreve os deveres fundamentais do jornalista, mormente o respeito escrupuloso pelo rigor e pela objectividade da informação: e, além do mais, a "lei de imprensa", através do seu art 24 nº1, prescreve que "na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa observar-se-ão os princípios gerais".
Perante este mosaico legislativo - de que se deixam reflectidos alguns contornos significativos - têm sido a Jurisprudência e a Doutrina a procurar caminhos que permitam o justo equilíbrio, a realização do falado princípio da proporcionalidade, entre direitos que, sendo fundamentais, não são absolutos.
De todo o modo, deve frisar-se que estamos em face de um recurso de revista.
Como tal, há duas notas cruciais que não podem ser esquecidas.
Em primeiro lugar, e como é próprio de qualquer recurso, só há que apreciar o que, aqui e agora, é questionado pelos recorrentes e que, praticamente, se reconduz ao factor culpa (salvo se houvesse algo de conhecimento oficioso a considerar, o que não é o caso) - arts 684 e 690 do CPC.
Em segundo lugar, impõe-se não esquecer que o circunstancialismo factual vem fixado pela 2ª instância, o que é insindicável pelo STJ, salvo situação excepcional que, ao caso, não vem (art 729 do CPC).
VI. O nó górdio de toda esta problemática radica em algo que já aflorámos: na prática, a difícil convivência entre o direito da liberdade de comunicação social e o direito ao bom nome e reputação.
Na falta de clareza legislativa acerca desse confronto e tal como já aludido, a Jurisprudência e a Doutrina têm procurado encontrar soluções mas, porventura, com naturais hesitações e, às vezes, muito casuisticamente. Aliás e não obstante a existência de doutos trabalhos, reconhece-se que é próprio da Jurisprudência a procura de soluções para casos concretos e não, propriamente, o encontro de uma teorética geral; e que a Doutrina, dificilmente poderá sair de linhas gerais, perante direitos que a Lei Fundamental assume, em princípio, com dignidade idêntica ( v.g. Lopes Rocha, BFDC, LXV, 305 e segs; Valentim Peixe e Silva Fernandes, "A lei de imprensa comentada e anotada, 215 e segs; Figueiredo Dias, RLJ 115, 100, 133, 170; Gomes Canotilho, Conflitos e Protecção dos Direitos Fundamentais, RLJ 125, 35, 231, 264 e 293; Acórdãos do STJ de 05.03.96 (CJ-STJ)IX-1,122), de 29.10.96 (CJ-STJ-3, 80; de 27.06.95 (CJ-STJ-III-2, 138 e BMJ 448,378; de 26.04.94(CJ-STJ-II-2, 54; de 17.03.93 (BMJ 425, 491); de 18.02.88 (BMJ 374, 218); 07.10.87 (BMJ 370, 292).
De todo o modo, existem suficientes elementos ponderáveis. Na base dos pressupostos que ficam reflectidos, tendo em conta os sentidos legalmente orientadores (designadamente, art 335 do C Civil), atendendo aos essenciais valores personalistas de uma sociedade como a nossa (que bem se poderiam traduzir pela indispensabilidade do respeito do Homem pelo Homem e, "the last but non the least", considerando a própria lógica do art 37 da Constituição (de que o art 38 é um corolário), podemos concluir que a liberdade de expressão e informação é fundamental no Estado de Direito democrático, sendo vedado qualquer tipo de censura mas, em princípio, deve respeitar e, portanto, tem por limite o direito à honra e ao bom nome dos cidadãos.

Naturalmente, trata-se de um princípio. Se estiver em causa algo determinante para o correcto funcionamento do Estado, ou seja, se se tratar de algo que se prove ser verdadeiro e se reflicta, negativamente, na actuação concreta funcional de entidades públicas, já pode ser justificada a expressão de circunstâncias pessoalmente contundentes.
Não quer isto dizer que, sendo necessária a veracidade do facto, ela seja suficiente. Mesmo o facto verdadeiro, se ofensivo e de revelação injustificada, pode ser punível; outrossim, não é indispensável, para a punibilidade, uma intencionalidade ofensiva, bastando o carácter genérico do dolo ou da culpa (basicamente no mesmo sentido, Figueiredo Dias, RLJ 115, 133 e 135).
Naturalmente, esta problemática tem sido mais estudada no campo penal, mas esses estudos são ponderáveis na vertente cível, ainda que "mutatis mutandis.
E, isto, volta a fazer-nos pensar num normativo importante, como outros revitalizado pela Constituição de 1976, o art 484 do C Civil:
"Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.
Posto isto, é altura de concretizar, tendo em vista o caso vertente, na medida das conclusões dos recorrentes.
VII. O recurso praticamente se reconduz a uma questão: existência, ou não, de culpa dos recorrentes.
Decerto têm razão ao considerarem que, na falta de norma excepcional, a sua responsabilidade sempre dependeria de imputação do evento a título de culpa, factor normal no instituto da responsabilidade civil (v.g. Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", I- 2ª edição, 403 e segs.).
Mas é um ponto significativo em que os recorrentes têm razão nessa medida, mas de que tiram consequência inadequada. Com efeito, não se provou que algum dos recorrentes tivesse tido intenção de falsear factos ou de atingir o recorrido.
Só que isso é inócuo relativamente ao dever de indemnizar. Releva, apenas, para efeitos de graduação sancionatória, na falta de prova de dolo (orientação reflectida, v.g., no art 494 do C Civil).
O que temos de saber é se, na medida do circunstancialismo provado, se pode dizer que existe culpa (mera culpa ou culpa "stricto sensu"). Tal constituía, efectivamente, objecto de ónus de prova do autor (art 487 nº1 do C Civil).

VIII. A imputação do facto ao agente pressupõe, naturalmente, um juízo jurídico-normativo a realizar, "na falta de outro critério geral, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso" (nº2 do art 487 do C Civil), ou seja, em abstracto, de acordo com a conduta normal do cidadão comum, e com a ética, a deontologia, o civismo exigíveis à generalidade das pessoas.
A favor dos recorrentes milita a circunstância de estar em causa não algo atinente à vida pessoal, à privacidade do autor mas, sim, a sua conduta profissional, naturalmente sujeita à informação e à crítica, designadamente, dos pertinentes meios de comunicação social.
E é patente que os recorrentes se basearam em estranhas ocorrências no âmbito de uma representação nacional desportiva orientada, tecnicamente, pelo autor.
Outrossim, poderia o jornalista relator até estar convencido do acerto da sua perspectiva.
Mas, nada disso legitimava que, utilizando a força incontroversa da comunicação social, os recorrentes tivessem proclamado "urbe et orbi", uma leitura dos acontecimentos como se fosse, seguramente, a correcta quando, afinal, os próprios recorrentes, na sua conclusão 4, reconhecem que desconheciam elementos determinantes desses acontecimentos.
O juízo proclamado só, tanto quanto resulta dos autos, perante o que poderia parecer, para mais no âmbito - repete-se, ainda que, agora, em outra vertente - de uma representação do País, nos termos em que tal foi feito, não corresponde ao que era exigível, deontológica e civicamente.

Repare-se que os recorrentes até poderiam, a nosso ver, na perspectiva do direito e do dever de informar, explicitar a sua opinião negativa. Mas era exigível que tal se assumisse como uma simples perspectiva pessoal e de forma ou com termos não lesivos da personalidade alheia.
Com efeito, referenciar que se assistira a algo estranho, porventura passível deste ou daquele entendimento que se alicerçasse em factos, seria uma coisa; dar uma perspectiva negativa como segura e rotulá-la de termos como "fantochada" atribuível ao autor, não pode deixar de considerar-se desrespeito do dever geral da probidade quando é certo é certo que, das duas, uma: ou se comprovava uma má orientação do técnico de uma representação nacional que, assim, mereceria análise pelos órgãos competentes e, mesmo assim, os termos como "fantochada" e semelhantes sempre seriam inadequados; ou o circunstancialismo atribuído ao autor não se comprovava - e não dispomos da sua comprovação - e, exactamente por tudo radicar numa actividade profissional, não só o nome mas, também, a aceitabilidade funcional do autor sairiam, previsivelmente, atingidos.
Os artigos em causa, efectivamente, atribuíam ao autor uma conduta que, se fosse exacta, faria considerá-lo sem condições cívicas para orientar uma representação nacional. E tal não vem provado.
A comunicação social pode e deve informar e opinar. Mas, para tanto,deverá usar expressões aceitáveis e poder comprovar o que afirma (além do muito já citado, também o aludido art 12 do Estatuto do Jornalista, aprovado pela lei 62/79, de 20.09); além de que, como também já se disse, até um facto verdadeiro pode constituir ofensa se for injustificada a sua expressão.
Exactamente para que esteja afastado, definitivamente, o fantasma da censura, a comunicação social tem de pautar-se por regras éticas e deontológicas que, conforme já referenciado, são tão simples e tão incontroversas que vêm a ser a tradução do civismo adequado a uma sã sociedade.
Posto isto, não dispomos de qualquer margem para conceder a revista.
IX. Resumindo, para concluir:
1. O direito-dever de expressar o pensamento não está, nem pode estar, sujeito a qualquer tipo de censura; mas identicamente, tem de ser exercido com claro índice cívico, de respeito do Homem pelo Homem.
2. Entre outros normativos. o art 37 da Constituição reflecte o princípio da proporcionalidade.
3. A liberdade de pensar é inerente à condição humana; mas expressão do pensamento não pode deixar de reflectir o respeito que todos devem a todos.
4. A Constituição de 1976 revitalizou normas do C Civil como, designadamente, arts 70, 79, 80, 484.
5. O direito de livre expressão, sendo fundamental, não é absoluto.
6. Numa sociedade democrática e personalista como a nossa, em princípio, a liberdade de expressão deve respeitar o direito à honra e ao bom nome, salvo casos excepcionais.
7. Mesmo a expressão de facto verdadeiro, se injustificada, pode ser passível de sanção legal.
8. A punibilidade do excesso de expressão não depende de intencionalidade ofensiva; havendo mera culpa (e os demais elementos próprios da responsabilidade civil) existe dever indemnizatório; tratar-se de dolo ou de mera culpa concorre, sim, para a graduação indemnizatória.
9. A irradicação definitiva do fantasma da censura implica que a informação se paute por regras éticas e deontológicas rigorosas, adequadas a uma natural convivência cívica.
X. Donde, concluindo
Acorda-se em negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 27 de Maio de 1997.
Cardona Ferreira,
Herculano Lima,
Aragão Seia.