Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DE DEUS CORREIA | ||
Descritores: | ADMISSIBILIDADE DE RECURSO RECURSO DE REVISTA PROCEDIMENTOS CAUTELARES CONTRADIÇÃO DE JULGADOS PRESSUPOSTOS REVISTA EXCECIONAL DUPLA CONFORME QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO REJEIÇÃO DE RECURSO OFENSA DO CASO JULGADO | ||
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Data do Acordão: | 02/27/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO | ||
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Sumário : | I - Apenas nos casos em que “o recurso é sempre admissível”, será possível recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, de decisão proferida no âmbito de procedimento cautelar, face ao disposto no art.º 370.º n.º 2 do CPC. II - Constitui exigência da norma constante da alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC, a existência de uma contradição concreta entre o acórdão recorrido e um outro acórdão que tenha decidido, em sentido contrário, a mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação. III - Não se verificando tal exigência, estando excluída a admissibilidade da revista em termos gerais, resulta a inadmissibilidade da revista excepcional. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência, na 7.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça I - RELATÓRIO AA e BB, vieram requerer Providência Cautelar Comum não Especificada contra: CC, todos residentes em ... e melhor identificados nos autos. Pedem que o Requerido seja impedido de iniciar qualquer obra/construção suscetível de impedir a utilização, por parte dos requerentes, de um caminho que, alegam, é o único acesso para o seu prédio. O Requerido contestou o procedimento cautelar e invocou a excepção dilatória do caso julgado. Decorridos os trâmites legais, veio a ser proferida decisão, na 1.ª instância, nos seguintes termos: “…Devidamente compulsados os presentes autos, conclui-se (…) que o presente procedimento cautelar constituiu um expediente dilatório dos ora Requerentes, o qual (…), não atinge gravidade manifesta e suficiente para integrar o instituto da litigância de má-fé. Da Exceção de Caso Julgado Cumpre apreciar e decidir. Por Sentença já transitada em julgado no âmbito do Processo nº 712/19.5T8BCL que correu termos no Juízo Local Cível de ... - Juiz ..., os aí Réus (Requerentes do presente procedimento cautelar) foram condenados nos seguintes termos: “V. DECISÃO Face a todo o exposto, nos termos das disposições legais supra indicadas, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, em consequência: a) condenam-se os réus a procederem ao fecho das entradas que abriram no seu muro, removendo, também, o contador de eletricidade e a caixa de correio que lá colocaram e que ocupam o prédio do autor, bem como a absterem-se da prática de qualquer ato que perturbe ou diminua o gozo da utilização do prédio do autor, por si ou através de terceiros; b) absolvem-se os réus do pedido de condenação na sanção pecuniária. Mais se absolve o autor do pedido de condenação por abuso de direito e em litigância de má-fé.” A supracitada decisão foi objeto de recurso por parte dos ora Requerentes, sendo que por Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em 15/09/2022, foi mantida integralmente aquela decisão. Por conseguinte, os ora Requerentes sabem que não lhes assiste qualquer direito de servidão sobre o “trato de terreno” (...) “além dos muros edificados”, e que o terreno do ora Requerido nunca esteve onerado com qualquer servidão de passagem para o prédio dos Requerentes. Tal questão foi já objeto de decisão judicial transitada em julgado (…). Conclui-se, assim, que os ora Requerentes pretenderam com o presente procedimento cautelar protelar o cumprimento da Sentença proferida no Processo nº 712/19.5T8BCL e já transitada em julgado desde outubro de 2022. Os Requerentes usaram ainda de outros expedientes dilatórios, i.e., procuraram ainda evitar o cumprimento do que lhes foi requerido em sede do Processo Executivo nº 1473/23.9... que corre termos no Juízo de Execução de ... - Juiz ... para cumprimento da Sentença acima aludida. Efetivamente, os Requerentes, após terem tido conhecimento da decisão que julgou improcedentes os embargos de executado por estes deduzidos no processo executivo (decisão proferida em 24/03/2023), usaram expedientes judiciais para continuarem a atrasar e/ou evitar o cumprimento coercivo da mesma Sentença. Os Requerentes, no seu Requerimento Inicial sob a Refª ......70, omitiram a referência às decisões proferidas em vários processos e já transitadas em julgado (ou pelo menos “a caminho” do respetivo trânsito em julgado). Apesar de já peticionado pelos ora Requerentes, noutros processos judiciais, nunca lhes foi dado ou sequer reconhecido um qualquer direito de servidão de passagem a favor de prédio(s) seus(s). Os Requerentes foram, sim, condenados no âmbito do Processo nº 712/19.5T8BCL que correu termos neste Juízo Local Cível de ... - Juiz ..., a: “… procederem ao fecho das entradas que abriram no seu muro, removendo, também, o contador de eletricidade e a caixa de correio que lá colocaram e que ocupam o prédio do autor, bem como a absterem-se da prática de qualquer ato que perturbe ou diminua o gozo da utilização do prédio do autor, por si ou através de terceiros.” No presente procedimento cautelar, os Requerentes alegam que o ora Requerido tem ameaçado, em voz pública e diante de várias pessoas, a construção de obras que implicarão a obstrução do caminho por onde entram e saem os Requerentes (vide ponto 15 da PI). Mais alegam no ponto 18. da p.i. que: “Não pode o requerido impedir a passagem dos seus vizinhos e o acesso para a respetiva casa de habitação…” Tal significa que os Requerentes manifestam total indiferença às decisões judiciais já transitadas em julgado, as quais, em nenhum momento, lhes reconheceram um qualquer direito de servidão de passagem a favor de prédio(s) seus(s). Porém, apesar de já interpelados para o efeito e de correr termos processo executivo para esse fim, verifica-se que até à presente data os ora Requerentes não procederem ao fecho das entradas que abriram no seu muro, nem removeram o contador de eletricidade e a caixa de correio que lá colocaram e que ocupam o prédio do Requerido, além de que continuam, desse modo, a praticar atos/omissões que perturbam ou diminuem o gozo da utilização do prédio do Requerido, por si e através de terceiros. Os Requerentes continuam a aceder à sua propriedade pela propriedade do Requerido, bem como permitem que os clientes da fábrica que possuem na sua propriedade e exploram, continuem a aceder à mesma pela propriedade do Requerido e através da entrada que abriram no muro, ignorando manifestamente a Sentença judicial em que foram condenados. A exceção de caso julgado tem por objetivo impedir, em nome da segurança e da paz jurídica, bem como de imperativos de economia processual, que uma causa se repita quando já existe uma Sentença tornada firme sobre uma primeira causa, por já não ser admissível a interposição de recurso ordinário. Conclui-se, assim, que, nos presentes autos, estamos perante uma situação de caso julgado, uma vez que os Requerentes continuam a alegar um direito de servidão de passagem a favor de prédio(s) seus(s) que não existe e já foi objeto de decisão transitada em julgado. Por conseguinte, julga-se Procedente a Exceção de Caso Julgado e, por via disso, absolve-se do pedido o ora Requerido. Quanto aos também alegados abuso do direito e litigância de má-fé, entendemos que, pese embora os Requerentes tenham litigado de modo indiferente às sucessivas decisões judiciais, e quiçá na “fronteira” do legítimo exercício dos seus direitos processuais, não se verificou grave e manifesta violação do dever de litigar de acordo com os ditames da boa-fé, pelo que se absolve os Requerentes do pedido do Requerido, de condenação daqueles como litigantes de má-fé e no pagamento de uma indemnização não inferior a € 2.000,00, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 542º e 543º, ambos a contrario sensu, do CPC. Custas a cargo dos Requerentes, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (artigos 539º/1, 528º/1, 529º/2, 530º/4 e 607º/6 todos do Código de Processo Civil – CPC), sem prejuízo do apoio judiciário de que ambos beneficiam”. Inconformados com a decisão, os Requerentes interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação que julgou improcedente a apelação, e confirmou, na integra, a decisão recorrida. Ainda inconformados, vieram os Requerentes interpor RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL, para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: “ I. A decisão recorrida, ao aplicar a autoridade de caso julgado em situação onde não ocorre a tríplice identidade entre sujeitos, pedido e causa de pedir, contraria jurisprudência predominante e doutrina estabelecida, violando o disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil, razão pela qual o presente recurso de revista excepcional deve ser admitido. II. A interpretação extensiva do caso julgado adotada pela decisão impugnada prejudica a tutela jurisdicional efetiva dos direitos em litígio, limitando desproporcionalmente o direito de ação e acesso à justiça dos recorrentes, em contrariedade ao artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. III. A decisão recorrida desconsidera a jurisprudência dos tribunais superiores, que sustenta que a aplicação do caso julgado exige a verificação da tríplice identidade, sem a qual a exceção de caso julgado não deve impedir novos pedidos com fundamentos ou causas distintas. IV - A decisão recorrida viola os princípios da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva, como reconhecidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que exige um exame equitativo e completo dos interesses legítimos, evitando limitações desproporcionadas, conforme o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. V. Em face da relevância e da necessidade de uniformização jurisprudencial, o presente recurso de revista excepcional deve ser admitido para assegurar uma interpretação consistente do instituto do caso julgado, especialmente em situações envolvendo direitos reais e ações cautelares. VI - O presente recurso de apelação deve ser apreciado à luz do disposto no artigo 581.º do Código de Processo Civil (CPC), que estabelece os requisitos para aplicação da exceção de caso julgado, os quais incluem a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir. VII - A não observância destes requisitos compromete a segurança jurídica e a estabilidade das relações jurídicas, princípios fundamentais que devem ser sempre respeitados. VIII. Conforme ensina Manuel de Andrade em "Noções Elementares de Processo Civil" (Almedina, 2007, p. 356), a avaliação da identidade de pedido deve considerar o resultado jurídico que o autor busca na ação, sendo insuficiente para caracterizar a identidade de pedido uma mera semelhança entre as pretensões. IX. De igual modo, Miguel Teixeira de Sousa, em "Estudos sobre o Novo Processo Civil" (Lex, 1997, p. 174), esclarece que a identidade da causa de pedir ocorre quando os fundamentos factuais e jurídicos que sustentam o pedido são os mesmos, o que não se verifica no presente caso. X. O Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em acórdão de 19/10/2006 (Processo n.º 06S2277), afirmou que "não existe caso julgado quando a nova pretensão, embora semelhante, se baseia numa relação jurídica distinta da anteriormente julgada", corroborando a necessidade de distinção clara entre as ações. XI. Ademais, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 154/2005, ressaltou que a exceção de caso julgado deve ser aplicada com cautela para não cercear o direito de ação, especialmente na ausência de identidade absoluta entre pedidos e causas de pedir. XII - No caso sub judice, há diferenças significativas entre os pedidos formulados, uma vez que os processos anteriores discutem direitos reais, como propriedade e servidão, ao passo que os atuais envolvem questões de natureza distinta. XIII. A doutrina, em particular Antunes Varela, no seu livro "Das Obrigações em Geral" (Almedina, 2004, p. 15), reforça que a identidade de causa de pedir é requisito essencial para a configuração do caso julgado, dependente da coincidência exata dos factos subjacentes ao direito invocado. XIV. Assim, a existência de uma decisão anterior que aborde obrigações pessoais não limita os direitos reais dos autores, que devem ser protegidos de forma independente, como se verificam nas providências cautelares, que não geram caso julgado material (artigo 620.º, n.º 2 do CPC). XV. Salvador da Costa, em "Procedimentos Cautelares Específicos" (Almedina, 2010, p. 59), afirma que as providências cautelares são medidas temporárias e não possuem caráter definitivo. XVI. O Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 28/01/2014, reiterou a ideia de que as providências cautelares não formam caso julgado material, pois visam apenas assegurar a eficácia de uma decisão futura. XVII. À luz do exposto, os pedidos dos autores no presente processo, que buscam o reconhecimento de uma servidão de passagem por usucapião e o direito de propriedade sobre uma área específica, não foram decididos de forma definitiva em processos anteriores. XVIII. Portanto, a decisão impugnada incorre em erro ao invocar a exceção de caso julgado, violando o princípio da inafastabilidade da jurisdição, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. XIX. O princípio da ação, garantido pelo mesmo artigo, assegura a todos o direito de acesso aos tribunais para a proteção de direitos e interesses legítimos. XX. A interpretação excessiva da exceção de caso julgado, que impede os autores de discutir os seus direitos de propriedade e servidão, configura uma violação a este princípio fundamental. XXI. Miguel Teixeira de Sousa, em "Estudos sobre o Novo Processo Civil" (Lex, 1997, p. 176), argumenta que a interpretação do caso julgado deve ser restritiva, especialmente em litígios onde o direito de ação é essencial para a proteção do direito de propriedade. XXII. No mesmo sentido, José Lebre de Freitas, em "Código de Processo Civil Anotado" (Coimbra Editora, 2001, p. 42), defende que o caso julgado deve prevenir decisões contraditórias, mas deve ser aplicado com restrições para não privar o autor do direito à tutela judicial efetiva. XXIII. O Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 154/2005, reafirma que a exceção de caso julgado não deve impedir o exercício do direito de ação quando a nova ação busca uma decisão sobre uma matéria ainda não julgada de forma definitiva. XXIV. O STJ, no Acórdão de 27/09/2012 (Processo n.º 3724/08.1TBPST.S1), reiterou a necessidade de "identidade absoluta entre a causa de pedir e o pedido" para a aplicação da exceção de caso julgado, evitando assim a violação do direito de acesso aos tribunais. XXV. Com base no exposto, conclui-se que não há preclusão em Relação à servidão de passagem e aos direitos de propriedade, pois não existe uma decisão definitiva sobre estas questões em ações anteriores. XXVI. Portanto, ao negar aos autores a possibilidade de verem julgados os seus direitos, a decisão recorrida contraria o princípio da tutela jurisdicional efetiva, fundamental para o acesso à justiça e à proteção dos direitos de propriedade. Nos termos em que se requer a Vossas Excelências. que se dignem admitir o presente recurso, julgá-lo procedente por provado e, consequentemente, declarar nulo o douto acórdão recorrido, substituindo-o por outro que absolva os recorrentes dos pedidos.” Não foram apresentadas contra-alegações. * Foi preliminarmente apreciada a questão da admissibilidade do recurso interposto e, afigurando-se não ser o mesmo admissível, disso mesmo foi dado conhecimento às partes, através da notificação nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 655.º. Na sequência dessa notificação, os Recorrentes vieram reafirmar a sua posição no sentido da admissibilidade do recurso, concluindo: “1 - Em face do exposto, conclui-se que a decisão recorrida padece de erro de direito ao aplicar a exceção de caso julgado. 2 - Não existe identidade entre os pedidos e as causas de pedir dos processos anteriores e o presente procedimento cautelar. 3 - Assim, deve o recurso ser admitido, e a decisão da Relação revista, com a consequente procedência do pedido de providência cautelar formulado pelos requerentes.” Por sua vez, o Recorrido reafirmou o seu entendimento conforme com a inadmissibilidade do recurso. Foi proferida decisão singular, em 17-01-2025, na qual se rejeitou liminarmente o recurso de revista excepcional interposto. Inconformados com tal decisão, vêm agora os Requerentes reclamar da mesma para a conferência, invocando os seguintes fundamentos, em síntese, que reproduzem o seu entendimento já anteriormente expresso: “Da existência de contradição entre decisões (Art.º 629.º, n.º 2 alínea d); Do interesse jurídico e da necessidade de reavaliação da exceção de caso julgado A interpretação extensiva dos artigos 580º e 581º, ao aplicar a exceção de caso julgado de forma indiscriminada, limita desproporcionalmente o direito de ação dos recorrentes, impedindo que estes possam buscar uma solução definitiva para questões que ainda não foram decididas de maneira final. O artigo 20º da Constituição garante a todos o direito de acesso aos tribunais e a tutela judicial efetiva, sendo que a aplicação errônea da exceção de caso julgado compromete esses direitos, especialmente quando não existe identidade absoluta entre a causa de pedir e o pedido nas ações anteriores e na nova demanda. A decisão recorrida ao aplicar a exceção de caso julgado nas ações que envolvem providências cautelares desconsidera a sua natureza e função, configurando uma aplicação indevida da exceção, que deveria ser reservada para decisões definitivas. A interpretação dos artigos 580º e 581º deve ser ajustada de forma a garantir uma uniformidade jurisprudencial que assegure a proteção dos direitos das partes, especialmente quando envolvem questões de direito real, como no caso de servidão e propriedade. A uniformização da interpretação é necessária para evitar que as decisões judiciais variem desnecessariamente e para garantir a estabilidade das relações jurídicas, respeitando os princípios da segurança jurídica e da boa administração da justiça. De acordo com doutrinadores como Miguel Teixeira de Sousa e José Lebre de Freitas, a exceção de caso julgado deve ser aplicada com restrições, especialmente em litígios que envolvem direitos fundamentais como a propriedade e a servidão. A aplicação extensiva do caso julgado, sem que haja identidade plena entre as causas de pedir e os pedidos, prejudica a efetividade da justiça e a proteção dos direitos dos cidadãos. Terminam pedindo que se determine: “a inaplicabilidade dos artigos 580.º e 581.º do Código de Processo Civil, quando interpretados no sentido de que a exceção de caso julgado se aplica independentemente da identidadeentrepedidos ecausas de pedir, por força da sua inconstitucionalidade material, na medida em que contraria o direito de acesso à justiça, a tutela jurisdicional efetiva, e viola princípios constitucionais fundamentais, como o da proporcionalidadee a proteção dos direitos fundamentais. A admissão do recurso interposto, com as devidas e legais consequências.” Cumpre apreciar e decidir: II - DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO Tendo sido interposto recurso de revista excepcional, nos termos do disposto no art.º 672.º do CPC1, por se verificar a situação de dupla conforme, prevista no art.º 671.º n.º3, cabe, previamente, aferir da admissibilidade “ordinária” da revista2, proferindo despacho, nos termos do art.º 652.º do CPC. Não há dúvida de que estamos perante um caso de “dupla conforme”. A dupla conforme não é impeditiva da possibilidade de recurso, nos casos em que “o recurso é sempre admissível”, como é ressalvado no art.º 671 n.º 3, 1.ª parte. Com efeito, apenas nos casos em que “o recurso é sempre admissível”, é que seria possível recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, no presente caso, já que nos termos do disposto no art.º 370.º n.º 2, ressalvados esses casos, “das decisões proferidas nos procedimentos cautelares (…) não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.”3 Ora, estabelece o art.º 629.º n.º 2, nas alíneas a) a d) os casos em que é sempre admissível recurso. Os Recorrentes concluíram no seu recurso que “A decisão recorrida, ao aplicar a autoridade de caso julgado em situação onde não ocorre a tríplice identidade entre sujeitos, pedido e causa de pedir, contraria jurisprudência predominante e doutrina estabelecida, violando o disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil(…)”. E reafirmam que “o fundamento da exceção de caso julgado, tal como foi aplicada no presente caso, é improcedente, uma vez que os pedidos dos requerentes no procedimento cautelar são distintos dos pedidos que foram apreciados e decididos nas ações anteriores.” Os recorrentes pretendem prevalecer-se do fundamento constante do disposto na alínea d) do art.º 629.º n.º 2 para basear o seu recurso. Ora, estabelece o referido preceito legal, que o recurso será admissível “do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito (…) Constitui, pois, exigência desta norma, a existência de uma contradição concreta entre o acórdão recorrido e um outro acórdão que tenha decidido, em sentido contrário, a mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação. Ora, tal não sucedeu. Os recorrentes limitaram-se a mencionar, de forma genérica, diversa jurisprudência nacional e estrangeira para fundamentar o erro de direito que, no seu entender, afecta a sentença recorrida, mas não invocam uma contradição entre o acórdão recorrido e um acórdão fundamento que também não apresentam, condições indispensáveis para que pudesse ser admitido o recurso, com base no disposto no artigo 629.º n.º1 d). Conforme refere o Acórdão do STJ de 27-04-20174, relativamente à admissibilidade do recurso de revista, no âmbito do procedimento cautelar: “...na esteira da jurisprudência corrente deste Supremo Tribunal, a admissibilidade de revista, implica a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: i) – a existência de, pelo menos, dois acórdãos da mesma ou diferente Relação em oposição, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito fundamental, tendo por objeto idêntico núcleo factual, ali versados; ii) – a anterioridade do acórdão-fundamento, já transitado em julgado; iii) – o não cabimento de recurso ordinário impugnativo do acórdão recorrido por motivo alheio à alçada; iv) – a não abrangência da questão fundamental de direito por jurisprudência anteriormente uniformizada pelo STJ. De destacar que, relativamente ao requisito enunciado em i), importa que a alegada oposição de acórdãos se inscreva no âmbito da mesma legislação, no sentido de que as decisões em confronto tenham convocado um quadro normativo ou regras de conteúdo e alcance substancialmente idênticos, ainda que porventura incluídos em dispositivos legais distintos. Por sua vez, tal oposição tem de incidir sobre a mesma questão de direito fundamental, o que pressupõe que as decisões em confronto tenham subjacente um núcleo factual idêntico ou coincidente, na perspectiva das normas ali diversamente interpretadas e aplicadas. Para tanto, a oposição deve revelar-se frontal nas decisões em equação, que não implícita ou pressuposta, muito embora não se mostre necessária a verificação de uma contradição absoluta, não relevando a argumentação meramente acessória ou lateral (obiter dicta). Essa oposição só é relevante quando se inscreva no plano das próprias decisões em confronto e não apenas entre uma decisão e a fundamentação de outra, ainda que as respectivas fundamentações sejam pertinentes para ajuizar sobre o alcance do julgado (…)”. Ora, como já referido, os Recorrentes não cumprem sequer o requisito assinalado em i), pelo que desnecessário se torna sequer analisar a verificação dos restantes, visto que sendo cumulativos, basta a falta de um deles para inviabilizar a admissibilidade do recurso. Poderia eventualmente integrar-se o presente recurso no disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC nos termos da qual “é sempre admissível o recurso com fundamento (…) na ofensa de caso julgado”. Ora, “o caso julgado material recai sobre a relação material ou substantiva litigada (artigos 577.º, al. i) e 619.º); o caso julgado formal aproveita as decisões sobre questões de carácter processual (artigo 620.º). Em ambos os casos, a procedência da excepção pressupõe o conflito entre duas decisões proferidas pelo juiz civil, tendo a primeira transitado em julgado. Estas duas figuras são expressão do valor da certeza do direito (…). 5 Sendo o valor a defender, a certeza do Direito, a lei processual civil admite sempre o recurso quando exista o risco de ter sido proferida uma decisão que ponha em causa uma outra já transitada em julgado. Não é o que sucede no caso em apreço. O caso em análise é o oposto. O Tribunal recorrido absteve-se de proferir decisão de mérito no presente processo, por entender que a questão já tinha sido apreciada por sentença transitada em julgado e por isso julgou procedente a excepção do caso julgado. Não está, por isso, em risco, o valor da certeza do Direito, valor a proteger ao regular a admissibilidade do recurso de revista na citada alínea a) do art.º 629.º n.º 2. Logo, não estamos perante uma situação em que seja sempre admissível o recurso. Neste caso, a apreciação da verificação dos elementos constitutivos do caso julgado apenas seria realizada, no caso de ser admissível o recurso, o que já vimos não é. Pela ordem de razões supra exposta, importa concluir pela inadmissibilidade legal do presente recurso, em termos gerais. Decorre do exposto que, no presente caso, tratando-se de um procedimento cautelar, em conformidade com o disposto no artigo 370.º n.º 2, ressalvados os casos em que o recurso é sempre admissível, “não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”, nem em termos gerais, nem em termos excepcionais. Por conseguinte, não tem qualquer utilidade a verificação da existência das condições de admissibilidade da revista excepcional, elencadas no art.º 672.º n.º 1 alíneas a) b) e c). Nestas condições, impõe-se a rejeição liminar do recurso de revista excepcional, dada a sua inadmissibilidade legal III - DECISÃO Em face do exposto, acordamos em conferência neste Supremo Tribunal de Justiça em confirmar a decisão singular proferida, rejeitando liminarmente o recurso de revista excepcional interposto. Lisboa, 27 de fevereiro de 2025 Maria de Deus Correia (relatora) Rui Machado e Moura Nuno Pinto Oliveira _________
1. Serão deste diploma todos os artigos que doravante forem citados sem indicação de proveniência. 2. Sendo certo que “a decisão que admita o recurso, (…) não vincula o Tribunal superior (…)”, conforme dispõe o art.º 641.º n.º 5 do CPC. 3. Vide Acórdão do STJ de 28-09-2022, Processo 332/20.1T8GMR-D, disponível em www.dgsi.pt 4. Processo 273/14.1TBSCR.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt 5. Vide a título exemplificativo da abundante jurisprudência sobre o tema, Acórdão do STJ de 10-04-2024, Processo 2551/18.1T8VCT.3.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt |