Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
610/16.4JAAVR-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Relator: NUNO GONÇALVES
Descritores: HABEAS CORPUS
PRESSUPOSTOS
PENA DE PRISÃO
RECURSO DE REVISÃO
PROVA TESTEMUNHAL
Data do Acordão: 07/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: INDEFERIDO O PEDIDO DE HABEAS CORPUS
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : I - O habeas corpus funda-se na ilegalidade da prisão proveniente das situações taxativamente descritas no art. 222.º, n.º 2, do CPP, que configuram casos de detenção, ou prisão, com abuso de poder, ou erro grosseiro, patente, grave, isto é, erro qualificado na aplicação do direito.
II - Constitui uma medida expedita perante uma ofensa grave à liberdade com abuso de poder, sem lei ou contra lei, e não constitui um recurso sobre atos de um processo através dos quais é ordenada ou mantida a privação da liberdade do arguido, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais.

III - Não é uma via procedimental para submeter ao STJ o reexame da decisão da instância judicial que determinou a prisão ou que a manteve, nem a sindicar eventuais nulidades ou irregularidades de que possa enfermar. Não se destina a apreciar erros de direito e a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes de privação da liberdade.

IV - As decisões condenatórias proferidas no processo penal pelos tribunais portugueses material e funcionalmente competentes são exequíveis logo que, transitando em julgado, se tornem definitivas – art. 467.º do CPP.

V - Fora da situação expressamente prevista no art. 473.º, do CPP, não é legalmente admissível suspender a execução da pena de prisão que o condenado cumpre com a simples apresentação ou interposição de um recurso de revisão.

VI - Os fundamentos aduzidos não se afiguram passíveis de habilitar à revisão da sentença condenatória. Acresce que o recurso extraordinário de revisão não foi ainda licitamente apresentado nem admitido, não estando pendente. E, decisivamente, ainda que tivesse sido recebido e estivesse a correr termos, não tornava arbitrária nem ilegal a privação da liberdade em que o Requerente atualmente se encontra em execução de condenação decretada pelos tribunais material e funcionalmente competentes.

VII - Estando o condenado em cumprimento de pena de prisão no EP, por via de decisão condenatória transitada em julgado, assente em criminalidade que admite a privação da liberdade, e não estando excedidos os prazos delimitados pela liquidação da pena, não existem fundamentos para proceder o habeas corpus requerido.

Decisão Texto Integral:

O Supremo Tribunal de Justiça, em serviço de turno, acorda:


A.    RELATÓRIO:


1.    a petição:

AA, de 49 anos e os demais sinais dos autos, preso no estabelecimento prisional de …, em cumprimento de uma pena de 12 anos de prisão, à ordem do processo em epígrafe, a correr termos no Juízo Central Criminal de … – Juiz .., em manuscrito que endereçou ao Supremo Tribunal de Justiça e aqui deu entrada em 29 de abril de 2020, apresentou a vertente providência de habeas corpus sem que, todavia, indique o quadro constitucional e normativo a que possa abrigar-se a pretendida restituição imediata à liberdade.

Redigiu a petição em apreço nos seguintes termos:

“ (...) venho (…) pedir o Habeas Corpus em virtude de já ter enviado novas provas ao Tribunal Judicial da Comarca de ... ao abrigo do artigo 449º do Código Processo Penal e do artigo 450 nº 1 alínea c).

Junto (…) envio cópias da (…) sentença de condenação e (…) uma carta escrita pelo ofendido, (…) tendo eu enviado o original para o Tribunal de … .

Isto por em Tribunal terem-me condenado por um crime o qual eu não o cometi, conforme as declarações feitas na carta pelo ofendido, visto ter agora a carta conforme já enviei para o Tribunal de … para um recurso extraordinário de revisão visto que há novas provas tenho legitimidade para pedir o referido Recurso Extraordinário de Revisão ao abrigo do artigo 449º do código Processo penal e ao artigo 450º alínea c) do Código Processo Penal.

2.    informação judicial:

O Juiz titular do processo no tribunal da condenação, após solicitação, cumprindo com o disposto no artigo 223.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, exarou informação sobre as condições em que se mantem a prisão do Requerente, esclarecendo:

O arguido AA foi condenado nos presentes autos, por acórdão dado de 25.06.2018, pela prática de dezasseis crimes de abuso sexual de criança, previstos e punidos pelo artigo 171.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, agravados pelo preceituado no artigo 177.º, n.º 1, a) do mesmo diploma legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão por cada um dos referidos crimes e em cúmulo jurídico das referidas penas de prisão, foi o arguido condenando, na pena única de 12 (doze) anos de prisão.

E foi ainda o arguido condenado na pena de inibição das responsabilidades parentais relativamente ao seu filho menor BB até que este perfaça a maioridade, ao abrigo do disposto no artigo 69.º-C, n.º 3 do Código Penal.

Tal decisão foi confirmada por acórdão datado de 13.03.2019 do Venerando STJ que, julgou totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, mantendo a decisão recorrida.

Transitada em julgado a decisão, em 28.03.2019 foram emitidos mandados de detenção do arguido para cumprimento da pena de prisão em que foi condenado nestes autos (pena única de 12 anos).

No entanto, devido ao facto de ser desconhecido o paradeiro do arguido AA, apenas na data de 27 de fevereiro de 2020, pelas 19h15, se logrou proceder à detenção do arguido, tendo este sido conduzido para o estabelecimento prisional de …, onde deu entrada pelas 20h00 desse mesmo dia.

Posteriormente foi interposto recurso extraordinário de revisão, subscrito pelo próprio arguido, o que levou a que fosse proferido nos autos despacho judicial datado de 22.04.2020, tendo ordenado que atento o requerimento do arguido de 3 de abril de 2020 fosse dado conhecimento do mesmo ao respetivo defensor, para os fins tidos por conveniente, dado que o arguido, por si próprio, não pode apresentar o recurso pretendido, sendo que até ao momento nada mais foi requerido.

Pelo que, inexiste qualquer facto ou circunstância para alterar a situação do arguido.


*


O Requerente, atualmente preso (em estabelecimento prisional oficial), tem legitimidade para formular petição de habeas corpus (art. 222.º, n.º 2 do CPP).

O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) é o competente para decidir a providência liberatória em referência. É, pois, este o Tribunal competente para apreciar e decidir o vertente pedido de habeas corpus.


*


Convocada a Secção Criminal, notificado o Ministério Público e a Defensora oficiosa nomeada ao Requerente, procedeu-se à audiência, de harmonia com as formalidades legais, após o que o Tribunal reuniu e deliberou como segue (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP):

B. FUNDAMENTAÇÃO:

Dos elementos com que vem instruído o processo, com relevância para a decisão do vertente pedido de habeas corpus, extraem-se os seguintes:

a) factos:

1. o Requerente, acusado pelo Ministério Público, foi julgado no processo comum coletivo com o n.º 610/16.2JAAVR, no Juízo Central Criminal de … – Juiz .. e, por acórdão de 25 de junho 2018, condenado, pela prática, em autoria material, de dezasseis (16) crimes de abuso sexual de criança agravado p. e p. pelo art. 172º n.ºs 1 e 2 e 177º n.º 1 al.ª a) do Código Penal, além do mais, também na pena de 6 anos de prisão por cada um; e

2. Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, foi condenado na pena única de 12 anos de prisão.

3. Impugnou a decisão perante o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 13 de março de 2019, confirmou a condenação, julgando improcedente o recurso.

4. Decisão condenatória do Requerente que transitou em julgado em 28 de março de 2019.

5. Tendo sido preso em 27 de fevereiro de 2020, ingressou no estabelecimento prisional de … .

6. Onde presentemente se encontra privado da liberdade, em execução daquela pena única de prisão.

7. Da liquidação judicial da execução da pena aplicada ao Requerente e que ora cumpre, resulta que:

a. Atingirá o cumprimento de metade em 22/01/2026;

b. Atingirá o cumprimento de dois terços (2/3) em 22/01/2028;

c. Atingirá os cinco sextos (5/6) em 22/01/2030;

d. O termo final do cumprimento da pena ocorrerá em 22/01/2032.

8. O Requerente, em manuscrito que datou de 30/03/2020 e enviou ao tribunal da condenação, onde deu entrada em 3 de abril de 2020, veio “pedir o recurso extraordinário (revisão) ao artigo 450º n.º 1 alinea e)” – fls 45 a 49.

9. Não tendo aquele manuscrito sido firmado por advogado, o tribunal da condenação notificou o defensor do arguido para os fins tidos por convenientes.

10. Até ao momento não foi admitido o recurso de revisão.

11. A petição do habeas corpus, recebida no Supremo Tribunal de Justiça em 29 de abril de 2020, foi nesse mesmo dia remetida à comarca para ser informada e instruída – fls. 58 e 59.

12. Foi devolvida eletronicamente no passado dia 10 e o suporte físico deu aqui entrada em 15 de julho corrente.

b) o direito:

1. direito fundamental à liberdade pessoal:

O direito à liberdade individual ambulatória é um direito fundamental da pessoa, proclamado em instrumentos legislativos internacionais sobre direitos fundamentais e na generalidade dos regimes constitucionais dos países civilizados.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça …”, no artigo III (3º) proclama a validade universal do direito à liberdade individual.

Proclama no artigo IX (9º) que ninguém pode ser arbitrariamente detido ou preso.

No artigo XXIX (29º) admite-se que o direito à liberdade individual sofra as limitações determinadas pela lei visando assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da ordem pública.

O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, no artigo 9.º consagra; todo o indivíduo tem direito à liberdadepessoal. Proibindo a detenção ou prisão arbitrárias, estabelece que “ninguém poderá ser privado da sua liberdade, excepto pelos motivos fixados por lei e de acordo com os procedimentos nela estabelecidos”.

Estabelece também: toda a pessoa que seja privada de liberdade em virtude de detenção ou prisão tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, com a brevidade possível, sobre a legalidade da sua prisão e ordene a sua liberdade, se a prisão for ilegal.

A Convenção Europeia dos Direitos Humanos/CEDH (Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais), no art. 5º reconhece que toda a pessoa tem direito à liberdade”. Ninguém podendo ser privado da liberdade, salvo se for preso em cumprimento de condenação, decretada por tribunal competente, de acordo com o procedimento legal.

Reconhece que a pessoa privada da liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH/) enfatiza desde logo que o artigo 5 consagra um direito humano fundamental, a saber, a proteção do indivíduo contra a interferência arbitrária do Estado no seu direito à liberdade. O texto do artigo 5º deixa claro que as garantias nele contidas se aplicam a “todos”. As alíneas (a) a (f) do Artigo 5 §1 contêm uma lista exaustiva de razões permissíveis sobre as quais as pessoas podem ser privadas de sua liberdade. Nenhuma privação de liberdade será compatível com o artigo 5.º, n.º 1, a menos que seja abrangida por um desses motivos ou que esteja prevista por uma derrogação legal nos termos do artigo 15.º da Convenção, (ver, inter alia, Irlanda v. Reino Unido, 18 de janeiro de 1978, § 194, série A n.º. 25, e A. e Others v. Reino Unido, citado acima, §§ 162 e 163)[1].

Interpreta: no que diz respeito à «“legalidade” da detenção, a Convenção refere-se essencialmente à legislação nacional e estabelece a obrigação de observar as suas normas substantivas e processuais. Este termo exige, em primeiro lugar, que qualquer prisão ou detenção tenha uma base legal no direito interno”.

E que a "regularidade" exigida pela Convenção pressupõe o respeito não só do direito interno, mas também - o artigo 18.º confirma - da finalidade da privação de liberdade autorizada pelo artigo 5.º, n.º 1, alínea a). (Bozano v. França , em 18 de dezembro de 1986, § 54, Série A n º 111, e Semanas v. Reino Unido, 2 de Março de 1987 § 42, Série A n º 114). No entanto, a preposição "depois" não implica, neste contexto, uma simples sequência cronológica de sucessão entre "condenação" e "detenção": a segunda também deve resultar da primeira, ocorrer "a seguir e como resultado "- ou" em virtude "-" desta ". Em suma, deve haver uma ligação causal suficiente entre elas (Van Droogenbroeck, citado acima, §§ 35 e 39, e Weeks , citado acima, § 42) [2].

Por sua vez a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia reconhece, no art. 6º, o direito à liberdade individual.

Não consagrando expressamente o habeas corpus, contudo, no art. 47º reconhece o direito de ação judicial contra a violação de direitos ou liberdades garantidas pelo direito da União.

Todavia, assinala E. Maia Costa, os textos internacionais relativos aos direitos humanos preveem genericamente um recurso para os tribunais com carácter urgente contra a privação da liberdade ilegal, mas tal garantia não se confunde com o habeas corpus[3].

A Constituição da República, no artigo 27º n.º 1, reconhece e garante o direito à liberdade individual, à liberdade física, à liberdade de movimentos. 

O direito a não ser detido, preso ou total ou parcialmente privado da liberdade não é um direito absoluto.

À semelhança da CEDH, a Constituição da República, no artigo 27º n.º 2, admite expressamente que o direito à liberdade pessoal possa sofrer restrições. Podendo, qualquer pessoa, ser total ou parcialmente privada da liberdade em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança”.

2. a providência da habeas corpus:

A Constituição da República, em linha com CEDH, também de certo modo, na sequência das duas Constituições que a precedem (a de 1911 e a de 1933), aderindo à tradição anglo-saxónica[4], consagra no art. 31º, o habeas corpus como garantia extraordinária, expedita e privilegiada contra a prisão (e a detenção) arbitrária ou ilegal[5].

A privação do direito à liberdade por meio da prisão só não configura abuso de poder e, consequentemente, será legal, contendo-se nos estritos parâmetros do art. 27º n.ºs 2 e 3 da Constituição.

“Não é qualquer abuso de poder que justifica habeas corpus”. Esta providência exige a verificação “cumulativa de dois requisitos: o abuso de poder; a existência de prisão ou detenção ilegal”. O “abuso de poder exterioriza-se nomeadamente na existência de medidas ilegais de prisão e detenção decididas em condições especialmente arbitrárias ou gravosas[6].

A prisão é ilegal quando não tenha sido decretada pelo tribunal competente em decisão judicial (fundamentada) que aplica medida de coação verificados os respetivos pressupostos ou em sentença judicial condenatória firme, pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou com a aplicação de medida de segurança; tiver sido ordenada por autoridade incompetente; tiver sido efetuada por forma irregular; ultrapassar a duração da medida de coação aplicada ou da pena concretamente fixada pelo tribunal; ocorra em locais ou estabelecimentos que não sejam os oficialmente destinados à sua execução; não respeite o regime jurídico da execução das medidas de coação ou as penas ou medidas de segurança privativas da liberdade.

Entre nós, é na Constituição Republica de 1911[7] que pela primeira vez surge consagrado o habeas corpus –no título II (Dos Direitos e Garantias Individuais), art. 3º n.º 31[8] –, por influência da Constituição brasileira de 1891[9], (transcrevendo o § 22º do artigo 72º[10]) que, por sua vez, se inspirou na constituição norte-americana[11] (se bem que o Código de Processo Penal do Brasil de 1832, já previa esta providência (artigo 340º)[12].

A Constituição de 1933 reafirmou o habeas corpus como providência excecional contra o abuso de poder, remetendo a sua regulamentação para lei especial[13] (remissão eliminada na revisão de 1971[14]).

Observando a imposição constitucional, o Decreto-Lei nº 35.043, de 20 de Outubro de 1945[15], estabeleceu o regime jurídico do habeas corpus.

Da exposição de motivos, pela consistência das justificações da finalidade da providência transcreve-se que o habeas corpus:

“(…) consiste na intervenção do poder judicial para fazer cessar as ofensas do direito de liberdade pelos abusos da autoridade.

Providência de carácter extraordinário, só encontra oportunidade de aplicação, (…) quando o jogo normal dos meios legais ordinários deixa de poder garantir eficazmente a liberdade dos cidadãos.

O habeas corpus não é um meio de reparação dos direitos individuais ofendidos (…). É antes um remédio excepcional para proteger a liberdade individual nos casos em que não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa liberdade. (…) De outro modo tratar-se-ia de simples duplicação dos meios legais de recurso”.

Instituiu-se o habeas corpus liberatório em duas modalidades, um contra a detenção abusiva, o outro, diferenciado, para a prisão ilegal.

Segundo Adriano Moreira o habeas corpus não tem nenhuma característica substancial, mas é apenas como que, entre os vários processos normais de tutela da liberdade, um processo de reserva para os casos em que não existe esse processo normal, ou de facto o indivíduo está impossibilitado de a ele recorrer”.

“O habeas corpus, na sua função normal, não é pois mais do que – um processo destinado a restituir a pessoa, ilegalmente privada da sua liberdade física pela autoridade, à tutela do processo comum[16].

No entendimento de M. Cavaleiro de Ferreira, diz-se providência extraordinária, porque os trâmites processuais e o mecanismo normal do funcionamento da administração devem, por si, ser salvaguarda suficiente para evitar a contingência de prisões ilegais[17].

Regime que, mantendo a conceção e a arquitetura[18], transitou para o Código de Processo Penal de 1929 – artigos 312º a 324º.

E transitou também para a atual Constituição da República, estabelecendo-se o prazo de 8 dias para a decisão da providência.

Na alteração do CPP de 1929 que se seguiu à proclamação da Constituição de 1976, operada pelo Decreto-Lei n.º 320/76 de 4 de maio, estatuiu-se que o esgotamento do prazo sem decisão, determinava a imediatamente restituição do detido ou preso à liberdade[19].

E, ainda que simplificado (concentrado em dois artigos substantivos, e outros dois procedimentais), o regime passou para o vigente Código de Processo Penal (de 1987) que, na parte substantiva referente à prisão ilegal (art. 222º) não sofreu qualquer alteração.

O habeas corpus é, pois, uma garantia (“direito-garantia”), não um direito fundamental autónomo (“direito-direito”). O bem jurídico-constitucional que o habeas corpus visa proteger é o direito fundamental à liberdade[20] individual, permitindo reagir, imediata e expeditamente, contra o abuso de poder, por virtude de detenção ou prisão ilegal”.

No habeas corpus discute-se exclusivamente a legalidade da prisão à luz das normas que estabelecem o regime da sua admissibilidade”. “Procede-se necessariamente a uma avaliação essencialmente formal da situação, confrontando os factos apurados no âmbito da providência com a lei, em ordem a determinar se esta foi infringida. Não se avalia, pois, se a privação da liberdade é ou não justificada, mas sim e apenas se ela é inadmissível. Só essa é ilegal”.

“De fora do âmbito da providência ficam todas as situações enquadráveis nas nulidades e noutros vícios processuais das decisões que decretaram a prisão”

“Para essas situações estão reservados os recursos penais, (…). O habeas corpus não pode ser reconvertido num “recurso abreviado”, (…) O processamento acelerado do habeas corpus não se coaduna, aliás, com a análise de questões com alguma complexidade jurídica ou factual, antes se adequa apenas à apreciação de situações de evidente ilegalidade, diretamente constatáveis pelo confronto entre os factos sumariamente recolhidos e a lei[21].

3. regime legal e procedimento:

Dando expressão legislativa ao texto constitucional [22], o art. 222º n.º 2 do CPP estabelece que a petição de habeas corpus “deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

Tem como denominador comum configurar situações extremas de detenção ou prisão determinadas com abuso de poder ou por erro grosseiro, patente, grave, isto é, erro qualificado na aplicação do direito.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal vai no sentido de os fundamentos do «habeas corpus» são aqueles que se encontram taxativamente fixados na lei, não podendo esse expediente ser utilizado para a sindicância de outros motivos susceptíveis de pôr em causa a regularidade ou a legalidade da prisão”[23].

Tem sublinhado que a providência de habeas corpus constitui uma medida expedita perante ofensa grave à liberdade com abuso de poder, sem lei ou contra a lei. Não constitui um recurso sobre atos de um processo através dos quais é ordenada ou mantida a privação da liberdade do arguido, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais

Atento o carácter extraordinário da providência, para que se desencadeie exame da situação de detenção ou prisão em sede de habeas corpus, há que deparar com abuso de poder, consubstanciador de atentado ilegítimo à liberdade individual – grave, grosseiro e rapidamente verificável – integrando uma das hipóteses previstas no art. 222.º, n.º 2, do CPP”[24].

O habeas corpus contra a prisão ilegal por abuso de poder é um procedimento especial, no qual se requer ao Supremo Tribunal de Justiça o restabelecimento do direito constitucional à liberdade individual, vulnerado por uma prisão ordenada, autorizada ou executada fora das condições legais ou que sendo originariamente legal se mantém para além do tempo ou da medida judicialmente decretada ou em condições ilegais.

É também um procedimento de cognição limitada e instância única no qual somente é possível valorar a legitimidade de uma situação de privação de liberdade, a que [o tribunal] pode por fim ou modificar em razão das circunstâncias em que a prisão se produziu ou se está realizando, mas sem extrair destas -do que as mesmas têm de possíveis infracções ao ordenamento- mais consequências que a da necessária finalização ou modificação daquela situação da privação da liberdade[25].

Visa colocar perante o Supremo Tribunal de Justiça a questão da ilegalidade da prisão em que o requerente se encontra nesse momento ou do grave abuso com que foi imposta. Apreciar se foi determinada pela entidade competente, por facto pelo qual a lei a admite, se se mantem no prazo ou pelo tempo decretado e nas condições legalmente previstas. Para o que pode ser necessário equacionar da legalidade formal ou extrínseca do ato decisório que determinou a privação de liberdade, mas não mais que isto.

Não é uma via procedimental para submeter ao STJ o reexame da decisão da instância judicial que determinou a prisão ou que a manteve, nem a sindicar eventuais nulidades ou irregularidades de que possa enfermar. Não se destina a apreciar erros de direito e a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes de privação da liberdade[26].

Na conformação constitucional e no seu desenho normativo, o habeas corpos é uma providência judicial urgente. Visa reagir, de modo imediato e urgente, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal” decretada ou mantida com violação “patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação[27].

O Juiz decide-a em 8 dias, em audiência contraditória –art. 31º n.º 3 da Constituição.

Conhecendo da petição de habeas corpus, o STJ, nos termos do art. 223º (procedimento) n.º 4 do CPP, delibera no sentido de:

a) Indeferir o pedido por falta de fundamento bastante;

b) Mandar colocar imediatamente o preso à ordem do Supremo Tribunal de Justiça e no local por este indicado, nomeando um juiz para proceder a averiguações, dentro do prazo que lhe for fixado, sobre as condições de legalidade da prisão;

c) Mandar apresentar o preso no tribunal competente e no prazo de vinte e quatro horas, sob pena de desobediência qualificada; ou

d) Declarar ilegal a prisão e, se for caso disso, ordenar a libertação imediata.

4.      pressuposto da atualidade:

Na arquitetura traçada pela Constituição da República e na conformação normativa do CPP, a providência em apreço pressupõe a efetividade e atualidade da prisão arbitrária e ilegal. A doutrina vai maioritariamente neste sentido[28], havendo, contudo quem sustente que a nossa Magna Carta não exclui o denominado habeas corpus preventivo[29].

A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem sido unânime[30] na exigência da verificação do pressuposto da atualidade da prisão ilegal. No Ac. de 18/07/2014[31] sustenta-se: A procedência do pedido de habeas corpus pressupõe, além do mais, uma actualidade da ilegalidade da prisão aferida em relação ao tempo em que é apreciado aquele pedido”.

E no Ac. de 11/02/2016[32] entendeu-se que: “A viabilidade do habeas corpus, como meio direccionado exclusivamente para a tutela da liberdade, exige uma privação de liberdade actual, não servindo, por isso, como mecanismo declarativo de uma ultrapassada situação de prisão ilegal. Do mesmo modo, também o habeas corpus não pode ser utilizado como meio preventivo de uma eventual futura prisão ilegal. Só a efectiva privação de liberdade pode fundamentar aquela providência”.

Entende-se que é esta a interpretação que melhor se conjuga com a evolução desta providência na nossa ordem constitucional. Como se referenciou, a Constituição de 1911 previa expressamente o habeas corpus preventivo, estabelecendo: “Dar-se-á o habeas corpus sempre que o individuo sofrer ou se encontrar em iminente perigo do sofrer violência, ou coacção, por ilegalidade, ou abuso de poder”. Modalidade que a Constituição de 1933 não manteve: E que a Constituição de 1976 também não adotou. Seguramente que o legislador constituinte não desconhecia o texto e, consequentemente, as modalidades daquela primeira inscrição constitucional do habeas corpus e também não ignorava a modificação conformada pela Constituição de 1933. Neste quadro histórico-constitucional certamente que, se tivesse querido admitir o habeas corpus preventivo, ter-se-ia servido de uma fórmula igual ou equivalente aquela que era dada à providência na Constituição da primeira República. Mas não adotou, nem na versão de 1976, nem nas quatro subsequentes alterações. pelo que não existe base constitucional, para sustentar o referido entendimento.

É também essa a interpretação que o legislador ordinário fez daquele comando constitucional. Como alguns autores reconhecem, no regime do Código de Processo Penal, a providência dirige-se contra a prisão ilegal, isto é, a efetiva privação da liberdade, pois que somente a atualidade da prisão ilegal pode justificar qualquer dos atos que podem decorrer do seu deferimento: mandar colocar imediatamente o preso à ordem do STJ; mandar apresentar o preso ao juiz em 24 horas; ordenar a libertação imediata.

Evidentemente que só pode libertar-se quem já está encarcerado, privado da liberdade ambulatória, seja porque a ilegalidade da prisão resulta de ter sido ordenada ou executada por entidade incompetente, seja porque o foi por facto que não admite essa medida de coação ou essa sanção, seja porque foi mantida para além do prazo legal ou judicialmente fixado ou fora das condições legalmente estabelecidas.

A colocação do preso à ordem do Supremo Tribunal de Justiça, tal como a apresentação do preso ao juiz, somente tem sentido (jurídico e prático) se a pessoa está efetivamente privada da liberdade ambulatória. Não sendo assim, o habeas corpus requerido em favor da conservação da sua liberdade era-lhe penosamente prejudicial. Nessa situação (se está em liberdade), deferida que fosse a providência – e estando fora de causa a libertação imediata pela simples razão de não estar encarcerado -, tinha de ser preso para, nessa situação, ser colocado à ordem do STJ ou para ser apresentado em 24 horas ao juiz que for determinado. A lei não prevê, nem teria qualquer sentido, que o requerente ou beneficiário da providência seja colocado em liberdade à ordem do STJ, ou que em liberdade se apresente perante o juiz em 24 horas.

Consequentemente, se a pessoa não está presa, não se verifica um dos pressupostos nucleares da providência de habeas corpus.

5. execução da pena de prisão efetiva

As decisões condenatórias proferidas no processo penal pelos tribunais portugueses material e funcionalmente competentes são exequíveis logo que, transitando em julgado, se tornem definitivas – art.º 467º do CPP.

As penas de prisão efetivas cumprem-se nos estabelecimentos prisionais do Estado. O prazo da pena de prisão é fixado na decisão judicial condenatória.

A execução da condenação corre no processo onde foi decretada a pena ou medida de segurança privativa da liberdade. Competindo ao tribunal de execução de penas acompanhar e fiscalizar a respetiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção.

A interposição de recurso extraordinário de revisão da sentença ou acórdão condenatório, seja qual for o fundamento invocada, não determina a interrupção ou suspensão da execução da pena de prisão que o condenado esteja a cumprir. A lei prevê expressamente apenas um caso em que o Supremo Tribunal de Justiça, funcionando em pleno das secções criminais, pode, mediante requerimento do Procurador-Geral da República, decidir da suspensão da execução da pena de prisão que está em execução e se ao arguido deve aplicar-se medida de coação ou de garantia patrimonial legalmente admissível no caso. Assim pode suceder quando seja pronunciado ou recebida a acusação e seja designado dia para julgamento de magistrado, jurado, testemunha, perito ou funcionário de justiça por factos que possam ter determinado a condenação do arguido. Suspensão da execução que sendo decretada, se manterá, até ao trânsito em julgado da decisão final que venha a ser proferida nesse processo – art. 473º do CPP.

 Fora da situação expressamente prevista no art. 473º citado, não é legalmente admissível suspender a execução da pena de prisão que o condenado cumpre com a simples apresentação ou interposição de um recurso de revisão.

Finda a fase rescindente do recurso extraordinário em referência, autorizando-se a revisão, com aquele ou outro dos fundamentos legalmente previstos, o Supremo Tribunal de Justiça decide se ao condenado deve ser aplicada medida de coação legalmente comportável pelo caso concreto – art. 457º n.º 3 do CPP.

6. no caso:

i. objeto:

O Requerente alicerça esta sua pretensão liberatória na afirmação concorrente de duas circunstâncias que, assevera, demonstram a grave injustiça da sua condenação pelos crimes e na pena aplicada no processo n.º 610/16.4JAAVR:

- a alegada falsidade do depoimento de uma testemunha, concretamente, o menor seu filho, vítima dos abusos sexuais pelos quais está condenado;

- ter apresentado, com esse fundamento, pedido de recurso extraordinário de revisão daquele acórdão condenatório.

A eventual falsidade do depoimento de uma testemunha só pode fundamentar a autorização da revisão da condenação do arguido depois de uma sentença ou acórdão transitado em julgado ter considerado falso tal meio de prova – art. 449º n.º 1 al.ª a) do CPP.

A falsidade do depoimento alegada pelo Requerente não está certificada por decisão judicial que a tivesse confirmado. Consequentemente, sendo aquele o fundamento único do pretendido recurso extraordinário, é bem provável que, observando o estabelecido na lei, a revisão não seja autorizada enquanto não houver sentença definitiva que certifique a falsidade do depoimento do menor ofendido.

Concomitantemente, constata-se que o tribunal da condenação, no julgamento efetuado, confrontou-se com a variação do depoimento da vítima, submetendo-o a exame crítico. Pelo que a pretensa confissão escrita pelo menor ofendido de que teria mentido na audiência de julgamento não trás nenhuma novidade ao processo para poder influir na decisão da matéria de facto que se julgou provada. Pelo que não se antevê que a revisão venha a ser admitida com esse único fundamento. Sendo admitida nestas condições, traduzia-se na autorização de segundo julgamento – como qualquer revisão -, mas com a particularidade – não permitida – de incidir exata e exclusivamente sobre as mesmas provas produzidas no anterior, incluindo as versões confirmatórias e negatórias dos factos que o menor, vítima - e alegado mentiroso -, foi prestando no processo e as razões que foi apresentando para ter confirmado e para ter negado a veracidade dos factos provados.

Por outro lado, o pretendido recurso extraordinário de revisão não foi ainda licitamente apresentado nem admitido, não estando pendente. E, decisivamente, ainda que tivesse sido recebido e estivesse a correr termos, não tornava arbitrária nem ilegal a privação da liberdade em que o Requerente atualmente se encontra em execução de condenação decretada pelos tribunais material e funcionalmente competentes.

Para a economia da pretensão liberatória em apreciação, importa reafirmar que a providência de habeas corpus não é uma via de recurso ordinário, não se destinando a reexaminar o mérito da decisão judicial que decretou ou manteve a prisão de uma pessoa.

No habeas corpus o Supremo Tribunal de Justiça, mais não pode que apreciar, expeditamente e urgentemente, da legalidade da privação da liberdade do requerente à luz dos parâmetros consagrado nos arts. 27º e 31º da Constituição da República e das situações configuradas, taxativamente, no art. 222º n.º 2 do CPP.

Vejamos, à luz da interpretação delineada, se a privação da liberdade em que o Requerente presentemente se encontra, em cumprimento da pena única de 12 de prisão em que foi condenado no processo n.º 610/16.4JAAVR, no Juízo Central de ……. – Juiz .., por acórdão de 25 de junho de 2018, por ter cometido, em autoria material, dezasseis crimes de abuso sexual de menores agravados, confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça por acórdão de 13/03/2019, transitado em julgado em 28 de março de 2019, foi decretada e se mantem  arbitrariamente e com abuso de poder.

ii. prisão ordenada pelo tribunal competente:

Resulta da factualidade acima exposta que a pena que o Requerente está a cumprir – 12 anos prisão -, assim como a respetiva medida concreta foi decretada e fixada pela decisão judicial identificada, transitada em julgado, proferida e confirmada pelos tribunais criminais materialmente competentes.

Está, assim, fora de cogitação que a pretensão liberatória do Requerente possa amparar-se na previsão da al.ª a) do n.º 2 do art. 222º do CPP.  

iii. por facto que a lei a permite:

O Requerente foi judicialmente condenado na referida pena única por ter cometido, em concurso real, dezasseis (16) crimes de abuso sexual de criança, agravados, previstos e punidos pelos arts. 171º n.ºs 1 e 2 e 177º n.º 1 al.ª a) do Cód. Penal, processualmente definidos como criminalidade especialmente violenta – art. 1º al.ª l) do CPP -,  singularmente puníveis com pena com a moldura máxima bem superior a 8 anos.

Consequentemente, está arredada a possibilidade de a vertente pretensão liberatória do Requerente poder abrigar-se ao preceituado na al.ª c) do n.º 2 do art. 222º do CPP.

iv. mantida no prazo judicialmente fixado:

Da liquidação judicial dessa pena de prisão efetiva resulta que o Requerente está ainda distante de atingir o respetivo termo e mesmo os cinco sextos da respetiva execução.

É, assim, insofismável que a privação da liberdade e atual reclusão do Requerente em cumprimento dessa pena de prisão se mantêm dentro do prazo que judicialmente lhe foi fixado. Está ainda aquém do tempo de cumprimento em que operará – automaticamente -. a liberdade condicional obrigatória (se o condenado nela vier a consentir).

O Requerente cumpre a pena de prisão aplicada nos autos em estabelecimento prisional oficial do Estado, nas condições legalmente estabelecidas.

Não pode, pois, arrimar-se a vertente providência ao disposto no art. 222º, n.º 2 al.ª b) do CPP.

Assim, e em conformidade com o exposto, não pode concluiu-se que a privação da liberdade em que o Requerente atualmente se encontra não foi determinada arbitraria decretada nem se mantem abusiva e ilegalmente.  

v. manifesta falta de fundamento:

Em consonância com exposto, não se verificando no caso situação fáctica ou jurídica que possa subsumir-se às previsões normativas do art. 31º n.º 1 da Constituição da República e do art. 222º n.º 2 al.ªs a) a c) do CPP, conclui-se pela manifesta falta de fundamento da vertente providência de habeas corpus.

Sendo a petição manifestamente infundada, impõe-se condenar do Requerente na sanção processual cominada no art. 223º n.º 6 do CPP, isto é, “ao pagamento de uma soma entre 6UC e 30 UC”. Sanção que se entende graduar em medida igual ao mínimo, levando em conta que a petição se apresenta elaborada pelo próprio, que tem um baixo grau de instrução e, certamente, escassos conhecimentos jurídicos.  


C. DECISÃO:

Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça -3ª secção criminal-, deliberando nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 223.º do CPP, decide indeferir, por manifestamente infundada, a petição de habeas corpus que o requerente AA apresentou nestes autos.

Em conformidade com o disposto no art.º 223º n.º 6 do CPP, condena-se o Requerente em 6UCs.

Custas pelo Requerente, fixando-se a taxa de justiça em 4UCs (art. 8.º, n.º 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Judiciais).


Supremo Tribunal de Justiça, 23 de julho de 2020.


Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro relator)

Helena Moniz (Juíza Conselheira adjunta)

Maria Clara Sottomayor (Presidente, em turno)


________

[1] Grand Chamber, Case of AL-JEDDA v. THE UNITED KINGDOM, (Application no. 27021/08). JUDGMENT, in 7 July 2011
[2] Grand Chambre, Affaire KAFKARIS c. CHYPRE. (Requête n.º 21906/04), ARRÊT du 12 février 2008.
[3] Habeas corpus: passado, presente, futuro, revista JULGAR - N.º 29 – 2016, pag. 223.
[4] Iniciada, ou pelo menos desde o «Habeas corpus Act» de 1679.
[5] Autores e obra citada, pag. 508.
[6] Autores e obra citada, pag 508.
[7] Aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte, na sessão do 19 de Junho do 1911.
[8] 31.º Dar-se-á o habeas corpus sempre que o individuo sofrer ou se encontrar em iminente perigo do sofrer violência, ou coacção, por ilegalidade, ou abuso de poder.
A garantia do habeas corpus só se suspende nos casos do estado do sitio por sedição, conspiração, rebelião ou invasão estrangeira.
Uma lei especial regulará a extensão desta garantia e o seu processo.
[9] Jorge Miranda, O constitucionalismo liberal luso-brasileiro, Lisboa, 2001, págs. 51/52.
[10] § 22. Dar-se-ha o habeas-corpus sempre que o individuo soffrer ou se achar em imminente perigo de sofrer violencia, ou coacção, por illegalidade, ou abuso de poder.
[11]  Jorge Miranda, ob. cit. pág. 48/49;
[12] E. Maia Costa, HABEAS CORPUS: PASSADO, PRESENTE, FUTURO, Revista Julgar, N.º 29 – 2016.
[13] Artigo 8º, § 4º: “Poderá contra o abuso de poder usar-se da providência excepcional do habeas corpus, nas condições determinadas em lei especial
[14] Lei nº 3/71, de 16 de Agosto.
[15] Diário do Govêrno n.º 233/1945, Série I de 1945-10-20.
[16] Sobre o Habeas corpus, “Jornal do Fôro”, Ano 9º, nºs. 70/73, 1945, págs. 228/229.
[17] Curso de Processo Penal, vol. II, reimpressão, Lisboa, 1981, págs. 477/478.
[18] Na exposição de motivos do DL n.º 185/72 fez-se constar: “Em virtude de as garantias da legalidade da prisão deverem inserir-se no sistema do Código de Processo Penal, incluiu-se nele, substancialmente inalterada, a regulamentação do habeas corpus, a que procedera o Decreto-Lei n.º 35043, de 20 de Outubro de 1945, para dar cumprimento à parte final do § 4.º do artigo 8.º da Constituição. Quer dizer: realiza-se, neste ponto, uma pura e simples «codificação» de normas vigentes, e não qualquer mudança de conteúdo (…)”.
[19] Funcionando a secção do STJ com todos os Juízes em exercício.
[20] E. Maia Costa, publicação cit., pag. 236.
[21] E. Maia Costa, publicação cit., pag.
[22] Ao art. 31º da Constituição da República.
[23] Ac. STJ de 19-05-2010, CJ (STJ), 2010, T2, pág.196
[24] Ac. STJ de 10/08/2018, Proc. 398/17.1PASXL-B.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[25] Tribunal Constitucional de Espanha (Sala Primeira), Sentença 21/2018 de 5.03.2018 (recurso de amparo 3766-2016), in BOE (Boletim Oficial do Estado) n.º 90 de 12.04.2018
[26] Ac. STJ de 20/09/2017, Proc. 82/17.6YFLSB, e jurisprudência aí citada (máxime: por remissão para o Ac. de 4.02.2016, proc. 529/03.9TAAVR-E.S1), ECLI:PT:STJ:2017:82.17.6YFLSB.D4.
[27] Ac. STJ de 9/08(2017 cit.
[28] Assim Maia Costa In Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça 2016. Almedina -2ª edição revista, pág. 854; Paulo Pinto de Albuquerque, inComentário do Código de Processo Penal, 4º ed., pág. 638.
Também assim Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada I, 2010, pág. 346 para quem, “a providência de habeas corpus é, desde a sua efectiva introdução na nossa ordem jurídica, uma providência meramente conservatória, liberatória ou desconstitutiva e não também preventiva. Reage a uma detenção ou prisão efectiva e actual, e não ao simples perigo iminente de detenção ou de prisão” -
[29] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada (artigos 1º a 107º), Coimbra Editora, 4ª ed. Revista (2007), pag. 510.
[30] Cfr Ac. de 8/02/2017, proc. 404/11.3PULSB-A; Ac. de 7/11/2012, proc. 19996/97.1TDLSB-H.S1; Ac. de 11/11/2010, proc. 610/08.8PBSXL-B.S1, in www.dgsi.pt.
[31] 211/12.6GAMDB-A.S1. in www. Dgsi.pr
[32] Proc. 741/12.0TXPRT-F, in www. dgsi.pt