Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02B2469
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MOITINHO DE ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO
COMISSÃO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
Nº do Documento: SJ200210100024692
Data do Acordão: 10/10/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 10392/01
Data: 02/26/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. O mediador só adquire direito à comissão quando a sua actividade tenha contribuído para a celebração do negócio, determinando a aproximação do comitente com terceiros.
2. E isso é assim, mesmo quando o contrato de mediação é celebrado em regime de exclusividade.
3. A existência de um contrato de mediação em regime de exclusividade autoriza a presunção (de facto) de que a actividade da empresa mediadora contribuiu para a aproximação entre o comitente e o terceiro, facilitando o negócio.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. "A" - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda. intentou a presente acção declarativa contra "B"-Promoção Imobiliária, Lda., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 12.647.425$00, acrescida de juros vincendos até integral pagamento.

Alegou para o efeito e em substância que, no exercício da sua actividade de mediação imobiliária, celebrou com a Ré dois contratos de mediação, em regime de exclusividade, relativamente a dois imóveis sitos na Estrada de Mato Verde - Quinta das Palmeiras - Bicesse, Lotes n° .... e ....

Como contrapartida dos serviços prestados, a Ré obrigou-se a pagar à Autora uma comissão de 5% sobre o valor da venda, acrescido de IVA, a liquidar na altura da celebração do contrato-promessa de compra e venda.

Em execução do contrato, a Autora realizou todos os actos usuais e necessários para a venda dos referidos imóveis, nomeadamente dando a conhecer o condomínio "Quinta das Palmeiras" a potenciais clientes.

Com surpresa, constatou que a Ré procedera à venda do imóvel a que corresponde o lote n° 5 sem lhe dar conhecimento e, relativamente ao lote n° 1, foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda sem que nada lhe tivesse sido comunicado.

A venda do lote n° 5 foi efectuada a pessoa a quem, por corretora da Autora, fora dado a conhecer o condomínio.

Estes factos traduzem-se no incumprimento do contrato de mediação, e a autora tem, por isso, direito às comissões relativas à sua intervenção (7.000.000$00, quanto ao lote n° 1 e 5.000.000$00, quanto ao lote n° 5), acrescidas de juros legais.

A acção foi julgada improcedente. Interposto recurso pela Autora, foi concedido parcial provimento à apelação e a Ré condenada a pagar à autora a comissão de 5% sobre 65.000.000$00, no valor de 3.250.000$00, acrescida de 17% de IVA, no valor de 552.500$00, e de juros de mora à taxa de 12% ao ano, a partir de 12 de Abril de 2000 até integral pagamento, mantendo-se quanto ao mais a decisão recorrida.

Inconformada, interpôs a Ré o presente recurso, concluindo as alegações da sua revista nos seguintes termos:

- O douto acórdão recorrido é nulo por existir contradição entre a fundamentação e as conclusões;

- Não é possível nem legítimo que para dois casos mais que semelhantes, para não dizer iguais, num mesmo acórdão, com os mesmos factos e os mesmos julgadores se produzam duas decisões totalmente opostas;

- O douto acórdão recorrido enferma de errada aplicação da lei;

- A mediadora só adquire o direito à remuneração quando coloca o interessado em contacto com o comitente, influindo com a actividade desenvolvida na conclusão do negócio;

- Não decorre dos factos provados que a autora colocou em contacto com a ré qualquer interessado na realização de qualquer dos dois negócios.

- Está provado nos autos que em nenhum dos casos a mediadora pôs os interessados e reais compradores em contacto com a "B".

- Assim sendo não tem direito ao recebimento de qualquer remuneração.

2. É a seguinte a matéria de facto dada como provada, com relevância para a apreciação do presente recurso:

- A Autora deu a conhecer o condomínio "Quinta das Palmeiras" a potenciais clientes e desenvolveu trabalho de promoção da venda dos imóveis, designadamente através da colocação de alguns painéis publicitários no próprio local.

- Retirou esses painéis alguns meses depois de os colocar.

- A Ré procedeu à venda do imóvel a que corresponde o lote n° 5, objecto do contrato de mediação, sem dar conhecimento à Autora.

- Em 24 de Abril de 1999, a Autora teve conhecimento de que teria sido efectuada a venda do referido lote, entrou em contacto com o gerente da Ré, Sr. Arquitecto C, para confirmar tal facto, enviando o fax de fls. 26 e 27.

- O valor da venda do lote n° 5 foi de cem milhões de escudos.

- A venda do lote n° 5 foi efectuada ao Sr. D, a quem, a 10 de Abril de 1999, foi dado a conhecer o condomínio "Quinta das Palmeiras", por corretora da Autora;

- O Sr. Arquitecto C não esteve presente durante a alegada visita, nem nunca tomou conhecimento da mesma antes de receber o referido fax.

- Antes da conclusão da venda da moradia 5, a autora nunca comunicou à Ré ter mostrado essa moradia ao comprador.

- Relativamente ao lote n°1, foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda sem que a Autora tivesse de tal facto conhecimento.

- O valor da venda do lote n°1 constante da escritura foi de 65.000.000$00.

- A Autora nunca comunicou a conclusão de qualquer negócio relativo aos dois imóveis referidos no processo.

Cumpre decidir.

4. Entendeu o acórdão recorrido que "em relação ao lote n° 1, está provado que foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda sem que a autora tivesse de tal facto conhecimento.

"Assim, embora não esteja provado que a autora apresentou o promitente comprador nesse contrato à ré, ou que tenha comunicado a esta o conteúdo dos negócios porventura concluídos, parece fora de dúvida que a concretização desse contrato culmina com todo o acervo de diligências e actos próprios da mediação que estava atribuída exclusivamente à ré.

"Ora, tendo sido atribuída a mediação exclusiva à autora, só ela tinha o direito de promover o negócio até celebração do contrato-promessa de compra e venda."

Considera a Recorrente que esta fundamentação contraria a utilizada para excluir o direito à comissão relativamente ao lote n° 5.

Com efeito, e no que se refere a este lote, o acórdão recorrido, depois de aludir à actividade publicitária da Autora no sentido de dar a conhecer a venda do condomínio "Quinta das Palmeiras" e ao facto de, através de uma sua corretora, o ter dado a conhecer ao futuro adquirente, constata não estar provado que a venda do lote n° 5 teve por base um contrato-promessa em resultado de diligências desenvolvidas pela autora, influindo esta na realização da compra e venda.

"Assim, não se pode concluir que a autora adquiriu o direito à remuneração em relação a essa venda só porque lhe tinha sido atribuída a mediação, em regime de exclusividade, direito que, como vimos, culminava com a celebração do contrato-promessa que não se confunde com a venda".

Ora, acrescenta a Recorrente, não se vê qual a diferença entre ambas situações. Pelo contrário, relativamente ao lote n° 5, a mediadora dera a conhecer o imóvel ao futuro comprador, o que não aconteceu no que respeita ao lote n° 1.

5.Constitui jurisprudência constante deste Tribunal a de que o mediador só adquire direito à comissão quando a sua actividade tenha contribuído para a celebração do negócio, determinando a aproximação do comitente com terceiros (ver, entre outros, os acórdãos de 31 de Maio de 2001, processo 1229/01 de 11 de Março de 1999, proc. n° 154/99, de 31 de Março de 1998, proc. n° 245/98, de 5 de Junho de 1996, proc. n° 88410 e de 3 de Novembro de 1993, proc. n° 83579).

Esta jurisprudência é aplicável mesmo quando o contrato de mediação é celebrado em regime de exclusividade. Com efeito, o Decreto-Lei 285/92, de 19 de Dezembro nenhuma referência tinha a este regime, e o Decreto-Lei 77/99, de 16 de Março, só a ele se refere para conferir à empresa mediadora direito à remuneração quando o contrato se não concretize por causa imputável ao cliente (artigo 19°, n° 2) e o direito exclusivo de promover o negócio objecto do contrato de mediação (artigo 20°, n° 3).

Mas, a existência de um contrato de mediação em regime de exclusividade autoriza a presunção (de facto) de que a actividade da empresa mediadora contribuiu para a aproximação entre o comitente e terceiros, facilitando o negócio. É em tal presunção que, na realidade, assenta o acórdão recorrido. O facto de a Relação não ter logicamente seguido o mesmo caminho no que respeita ao lote n° 5 não é de natureza a por em causa o que decidiu quanto ao outro lote.

Termos em que se nega a revista.

Custas pela Recorrente

Lisboa, 10 de Outubro de 2002

Moitinho de Almeida,

Ferreira de Almeida,

Joaquim de Matos.