Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
902/18.8JABRG.G1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: EDUARDO LOUREIRO
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
VIOLAÇÃO
Data do Acordão: 02/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - A prática de factos ilícitos criminalmente típicos pode dar lugar tanto à imposição de penas e medidas de segurança como à obrigação de ressarcir os prejuízos causados aos lesados. Sendo que nesses casos de responsabilidade civil emergente da prática de crime, sempre de raiz extracontratual, a acção cível é exercida conjuntamente com a acção penal por força da regra da adesão prevista no art. 71.º do CPP, só o podendo ser em separado, perante os tribunais civis, nos casos especificados no art. 72.º do CPP.
II - No CC, a norma matricial do instituto da responsabilidade civil é a do art. 483.º, que estabelece que «[a]quele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação» – n.º 1 – e que «[s]ó existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.» – n.º 2.
Da articulação do n.º 1 do preceito com o art. 563.º do CC, deduzem-se os cinco pressupostos da obrigação de indemnizar, a saber, o facto, a ilicitude, a culpa, o dano, e o nexo causal entre o facto e o dano.
E, nos termos do art. 564.º do CC, o dever de indemnizar abrange não só o prejuízo causado – danos emergentes –, como os benefícios que o lesado deixou de obter – lucros cessantes –, sendo que, nos termos do art. 562.º do CC, o escopo respectivo é a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Reparação que, passará, em primeira linha, pela reconstituição natural ou, verificada a sua impossibilidade, insuficiência, inidoneidade ou impropriedade ou inadequação, por indemnização em dinheiro.
III - A indemnização por dano não patrimonial – art. 496.º n.º 1 do CC – é, mais rigorosamente, uma compensação. Assume uma natureza mista, reparatória e sancionatória, sendo indemnizáveis, com base em critérios de equidade, os danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
IV - No cálculo do montante reparatório por este tipo de dano atende-se, entre o mais, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às dos lesado e do titular da indemnização e às flutuações do valor da moeda. E deve tal montante ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
V - In casu – três actos de agressão sexual, de cópula completa, sobre uma adolescente e com uso de violência física e psicológica já acima da média, tudo perpetrado pelo próprio progenitor; de causando-lhe profundos e persistentes danos psicológicos, como sentimento de terror, aflição, desespero, profunda tristeza, apreensão e vergonha ; forte censurabilidade da conduta do agente; nível de rendimentos do agente de nível médio, no contexto português – afigura-se adequado o montante reparatório de € 60 000,00 em favor da ofendida/demandante fixado no Acórdão recorrido, aliás, em linha com os valores comummente arbitrados pelos nossos tribunais superiores.
Decisão Texto Integral:



Autos de Recurso Penal
Proc. n.º 902/18.8JABRG.G1.S1
5ª Secção

acórdão
Acordam em conferência os juízes na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: 

I. relatório.
1. Julgado no PCC n.º 902/18....  do Juiz ... do Juízo Central Criminal ..., foi o arguido/demandado AA – doravante, Recorrente – condenado por acórdão do Tribunal Colectivo de 18.6.2020, entre os mais, nos seguintes termos:
Pela prática de um crime de violação agravada, p. e p. pelos art.os 164º n.º 1 al.ª a), 177º n.os 1 al.as a) e 6) do Código Penal (CP),  na pena de 5 anos e 2  meses de prisão;
Pela prática de um crime de violação agravada, p. e p. pelos art.os 164º n.º 1 al.ª a), 177º n.os 1 al.ª a) e 5) do Código Penal (CP),  na pena de 4 anos e 6  meses de prisão;
Pela prática de um crime de violação agravada, p. e p. pelos art.os 164º n.º 1 al.ª a), 177º n.os 1 al.ª a) e 5) do Código Penal (CP),  na pena de 4 anos e 9 meses de prisão;
Em cúmulo jurídico das penas precedentes, na pena única de 7 anos e 4 meses de prisão;
No pagamento da quantia de € 20 000,00 a título de indemnização de danos não patrimoniais em favor da assistente/demandante BB – doravante, Demandante –, com juros de mora desde a data da decisão e até integral pagamento.

2. Inconformado, interpôs recurso, criminal e civil, para o Tribunal da Relação ... (TR.…), impugnando a decisão de facto, arguindo nulidade por falta de fundamentação e questionando a qualificação jurídica dos factos, a medida concreta da pena única e o montante da indemnização arbitrada.

Também irresignada, interpôs a Demandante recurso subordinado restrito à decisão cível, pedindo o arbitramento de indemnização no montante dos € 85 000,00 que peticionara ou, no mínimo, no de € 60 000,00.

3. O recurso do arguido soçobrou totalmente na parte criminal, confirmando o TR.… nos seus precisos termos o acórdão do Tribunal Colectivo no tocante aos factos, à qualificação jurídico-criminal e à pena.
E, quanto à decisão cível, não só julgou improcedente tal recurso, como julgou parcialmente procedente o recurso subordinado da Demandante, fixando em € 60 000,00 a indemnização a pagar-lhe.

4. De novo inconformado com o decidido na parte civil, move o Recorrente o presente recurso para este Supremo Tribunal de Justiça (STJ).

Remata a motivação com as seguintes conclusões e pedido:
«1. O douto acórdão recorrido confirmou a condenação penal do arguido aplicada pelo Tribunal de primeira instância e julgou parcialmente procedente o recurso subordinado da Assistente, tendo fixado a indemnização que esta tem a receber do Recorrente no montante de 60.000,00€ (sessenta mil euros).
2.       Para sustentar esse aumento no valor da indemnização atribuído, o Tribunal, a fls. 116 do douto acórdão, referiu que o Arguido atualmente tem 50 (cinquenta) anos de idade e que pode ainda aumentar as suas receitas ou recorrer a empréstimos bancários; que 20.000,00€ (vinte mil euros) - valor da indemnização atribuído pelo Tribunal de primeira instância - é o valor de Um automóvel de gama baixa; e que o valor das indemnizações não pode "cair no ridículo", a ponto de a comunidade social descrer completamente dos Tribunais.
3.       Desta forma, o Tribunal da Relação ... considerou razoável, adequado e equitativo atribuir à Assistente  a  quantia  de 60.000,00€   (sessenta   mil   euros)   a   título de indemnização por danos não patrimoniais.
4.       O recurso interposto versa a matéria civil de atribuição da quantia indemnizatória de 60.000,00€ (sessenta mil euros) à Assistente pelos três crimes de violação por que foi condenado: o Recorrente.
5.       A fixação de uma indemnização deve obedecer a critérios de equidade que são determinados considerando a culpa do agente, a sua situação económica, a situação económica da vítima, as especiais circunstâncias do caso e a gravidade do dano.
6.       A atribuição de uma indemnização deve respeitar as regras do bom senso, da justa medida das coisas e da ponderação das realidades da vida.
7.       O Recorrente não dispõe nem disporá dos meios económicos suficientes para satisfazer o pagamento da indemnização fixada.
8.       Mesmo após o cumprimento da pena de prisão, o Recorrente, face à idade que terá nessa altura, não terá capacidade para suportar as despesas do seu dia à dia e, ainda, juntar a quantia de 60.000,00€ (sessenta mil euros).
9.       Juntar 60.000,00€ (sessenta mil euros) durante 10 (dez) ou 12 (doze) anos de trabalho é uma visão irrealista do nível médio de vida da sociedade portuguesa.
10. Por outro lado, a Assistente atualmente vive em ..., tem uma filha menor e não aparenta qualquer sinal de viver com dificuldades económicas.

11. Não ficou demonstrado que os crimes de que foi vítima contribuíram ou interferiram, de algum modo, com o sucesso ou insucesso da sua carreira profissional e com a situação económica de que hoje dispõe.
12. Os crimes por que foi condenado o Recorrente ocorreram há cerca de 12 (doze) anos e desde o ano de 2018 que este não estabelece qualquer contacto com a filha.
13. Assim, atendendo às circunstâncias do caso concreto, a situação económica do Recorrente e a situação económica da Assistente, o valor de indenização atribuído – 60.000,00€ (sessenta mil euros) – é manifestamente exagerado e desproporcional aos valores de indemnização que têm vindo a ser fixados pelos nossos Tribunais por crimes da mesma natureza e até pelo dano morte.
14. O acórdão proferido pelo Tribunal da primeira instância, no processo n° 320/19…, condenou o ali arguido pela prática de 22 (vinte e dois) crimes de abuso sexual de crianças e atribuiu a quantia indemnizatória de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros) a cada uma das vítimas.
15. Também, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ..., no processo n° 73/12…, manteve a condenação do Arguido pela prática de dois crimes de abuso sexual de menores e a atribuição de uma quantia indemnizatória à vítima de 6.000,00€ (seis mil euros).
16. O arbitramento da quantia indemnizatória a favor da Assistente é exagerado e desproporcional.
17. Tendo em conta os danos que visa ressarcir por meio da indemnização arbitrada – face ao lapso temporal existente entre a data dos factos! e a condenação efetiva – e o disposto nos artigos 483° e 496° do Código Civil, o valor da indemnização atribuída é excessivo, pelo que, deverá a mesma ser fixada em montante inferior.
18. Quando estão em causa danos não patrimoniais, a indemnização não visa ressarcir, tornar indemne o lesado, mas apenas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal que sofreu.
19. O Tribunal, no douto acórdão de que se recorre, quando fixa o valor da indemnização em 60.000,00€ (sessenta mil euros) não analisa a situação sócio-económica da Assistente e apresenta uma visão desajustada da realidade da vida do Recorrente.
20. Não pode aceitar-se a atribuição de uma quantia indemnizatória de 60.000,00€ (sessenta mil euros) porque se afigura manifestamente desproporcional às condições económicas do Recorrente e às realidades da vida de um cidadão médio de 50 (cinquenta) anos em Portugal.
21. Deve, assim, ser revogada a decisão do Tribunal da Relação ... quanto ao valor indemnizatório atribuído à Assistente, fixando-se o mesmo em montante não superior a 15.000,00€ (quinze mil euros).
22. Caso assim se não entenda, deve revogar-se a decisão do Tribunal da Relação ... quanto ao valor de indemnização ficado de 60.000,00€ (sessenta mil euros) e manter-se o valor   atribuído   pela   primeira   instância   de 20.000,00€ (vinte mil euros).

TERMOS EM QUE
concedendo provimento ao recurso, revogando o douto acórdão recorrido farão Vossas Excelências a habitual
JUSTIÇA!».

  


5. O recurso foi admitido por douto despacho de 8.10.2021, com efeito suspensivo.

6. A Demandante respondeu ao recurso, concluindo pela seguinte forma:
«1. Com o devido respeito, deverá ser mantido o quantum indemnizatório de € 60.000,00 (sessenta mil euros) fixado a título de danos não patrimoniais pela Relação ..., equitativo e justo tendo em conta a gravidade da ilicitude dos factos, a intensidade do dolo, a particular fragilidade da vítima, o modus operandi, a premeditação, o calculismo e frieza da execução dos crimes, a boa situação económica e social do arguido/recorrido e efetiva possibilidade compensatória para a vítima.
2. Na fixação da indemnização, a Relação tomou em consideração determinados factos (dados como provados) cuja gravidade não poderia de deixar de determinar o aumento da indemnização (e não miserabilistas), designadamente: - a falta de arrependimento do arguido/recorrente; o dolo, direto e intenso; o facto de estarem em causa três atos de violação de Pai a filha menor (propensão pessoal deliberada e premeditada); a frieza de ânimo do arguido/recorrente ter dado à sua filha, pré-adolescente, a “pílula do dia seguinte”, no sentido de esconder eventual filiação; o facto de ter ejaculado, isto é, de com tal comportamento “contra-natura” e muito censurável eticamente, ter conseguido ejacular por duas vezes, isto é, atingir o clímax do ato sexual, o que denota também uma completa ausência de espírito crítico ante o que fazia e frieza, com o mais elevado desprezo pelo valores éticos aceites por toda a comunidade.
3. O Acórdão recorrido ainda evidenciou, na fixação da indemnização, os seguintes danos de natureza não patrimonial sofridos pela Assistente: - ter passado a viver momentos de terror, aflição e desespero sempre que o seu pai regressava a Portugal; ficar a mesma apavorada sempre que se encontrava sozinha com o seu pai em casa, refugiando-se em qualquer compartimento da casa onde o mesmo não estivesse; ter passado horas, dias, meses de enorme tristeza e desgosto, chorando compulsivamente na solidão do seu quarto; ser hoje, uma pessoa triste e traumatizada, que jamais esquecerá os abusos de que foi vítima; necessitar de acompanhamento psicológico e psiquiátrico para lidar, dentro do expectável, com os episódios vividos que permanecem presentes na sua memória, que a perturbam e que a irão acompanhar durante toda a sua vida; ter a mesma ficado afectada no seu crescimento, estabilidade emocional e personalidade pelo comportamento do arguido; terem os actos do arguido causado à Assistente traumas, medos e inquietações, ficando receosa de que tudo pudesse voltar a acontecer; ser a mesma anteriormente uma pessoa alegre, tranquila, sociável, bem-disposta, carinhosa e afável, passando a ser uma pessoa traumatizada, triste, abalada, pesarosa, revoltada, complexada e emocionalmente instável, passando a demonstrar comportamentos inquietos, nervosos e de inconformismo, tendo ficado apreensiva e envergonhada dado o conhecimento dos factos pela família materna.
4. O Tribunal recorrido fundamentou a sua decisão apreciando objectivamente os danos sofridos pela Demandante/Recorrida, inultrapassáveis do ponto de vista emocional e psicológico, e com uma carga de tal forma hedionda e dramática que a acompanhará para toda a vida, tudo isto associado à falta de arrependimento do arguido/recorrente, à frieza e premeditação do ilícito e à vontade reiterada da violação da sua filha, realçando-se a indesculpável perversidade ao ponto de ejacular atingindo o “ climax do acto sexual” obrigando a sua filha a tomar a pilula do dia seguinte.
5. Perante a gravidade dos factos, considerou-se no Acórdão Recorrido que a indemnização a atribuir à demandante/recorrida, tal como tem vindo a ser entendido pela Jurisprudência, não poderia ser miserabilista, designadamente quando está em causa o elevado grau de culpa do arguido/recorrente.
6. Idêntico entendimento tem tido este Supremo Tribunal de Justiça que considera que em matéria de danos não patrimoniais a indemnização, ou compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista. A compensação por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do artigo 496º e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar.
7. Importa realçar que na motivação e conclusões, o arguido/recorrente não justifica, nem fundamenta, ainda que sumariamente, que não dispõe, nem disporá de meios económicos suficientes para satisfazer o pagamento da indemnização fixada,
8. nem tão pouco explica porque motivo após o cumprimento da pena de prisão não terá capacidade para amealhar a quantia de € 60.000,00, partindo, assim, por um lado, do pressuposto, não sustentado em matéria de prova, que durante a sua vida não amealhou poupanças e, por outro, da certeza de que não está no seu horizonte pagar a indemnização que vier a ser fixada antes de cumprir a pena de prisão.
9. Com é obvio, a Assistente/recorrida não irá aguardar sete anos e quatro meses para ser ressarcida dos danos sofridos, até por porque o arguido/recorrente tem património suficiente para pagar a indemnização.
10. Com efeito, com 50 anos de idade, trabalha o arguido à muitos anos no estrangeiro, auferindo uma salario declarado de € 2.000,00/mensais (auferindo perto ou igual montante nos trabalhos realizados fora do período normal do trabalho e ao fim de semana - esta é a vida do emigrante, sacrificar-se para garantir a estabilidade económica.
11. Para além do seu vencimento, muito acima da média, adquiriu após o matrimonio com a sua ex mulher uma moradia em Portugal, mais precisamente em ..., ..., recorrendo a crédito bancário, ainda não partilhada, com valor comercial de cerca de € 250.000,00.
12. Para além disso, tem um motociclo de alta cilindrada, de marca ..., matricula ..-HQ-.., para lazer quando se desloca a Portugal.
13. O arguido/recorrente não paga a quantia de € 500,00 da prestação da casa, cujo valor mensal do crédito á habitação é, na realidade, de € 331,99.
14. O arguido/recorrente no presente ano de 2021 apenas transferiu para a conta titulada pelo empréstimo da casa duas prestações de € 250,00, cada, mais concretamente em 04/06/2021 e 07/07/2021, pelo que tem sido a ex mulher CC a suportar todas as mensalidades.
15. O empréstimo da casa adquirida pelo arguido/recorrente e pela sua ex mulher ascende neste momento ( Outubro de 2021 ) a € 42.013,72, pelo que, em ultimo recurso, na eventualidade de não ter poupanças ( o que não se aceita nem se concebe ) ou a possibilidade de recorrer a empréstimos bancários ou de terceiros, o valor da sua meação é seguramente suficiente para pagar a indemnização à sua filha.
16. O arguido/recorrente nunca pagou alimentos aos seus dois filhos menores, sendo que o respectivo valor, no total de € 230,00, é suportado pela Segurança Social Francesa.
17. Por sua vez, Assistente/recorrida, que trabalha actualmente como empregada de limpeza e tem a seu cargo uma filha menor, ao contrário do que pretende fazer crer o arguido/recorrente, vive com dificuldades financeiras, recorrendo frequentemente ao auxilio da sua mãe e outros familiares.
18. O montante da indemnização deve ser proporcional à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida (Cfr. Ac. do STJ de 18 de Março de1997, CJ STJ, Ano V, Tomo I, 1997, p. 163 e ss., e ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, Vol. I, 9ª edição, p. 629).
19. E ainda, na esteira de Antunes Varela: “Danos não patrimoniais – são os prejuízos (…) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização. (...) O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.” – cita-se, pela clareza do exposto, Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, l. °, Pág. 571.
20. O quantum indemnizatório fixado considera-se justo para proporcionar à Assistente “momentos de prazer e descanso que, de algum modo, contribuam para atenuar a dor sofrida” - cf. Ac. do STJ de 07-11-2006, Proc. N.º 3349/06 - bem como para atenuar o sofrimento, dôr, pânico e terror vivido durante anos, o tempo de tristeza e revolta que sente por ter sido violado várias vezes pelo próprio pai, as despesas de deslocação, as despesas médicas e as recordações que terá que enfrentar sempre que se deslocar ás consultas de psicologia e psiquiatria que necessariamente ( veja-se relatório de avaliação psicológica ) terá de frequentar
21. A jurisprudência dos Tribunais Superiores relativamente a crimes de idêntica natureza ( e até menos graves do ponto de vista da ilicitude, dolo e culpa ) tem fixado indemnizações de valores manifestamente superiores, tal como foi alegado no recurso subordinado, identificando-se os respectivos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Acórdãos de 15/02/2012 – processo n.º 476/09.0PBBGC.P1.S1, in ww.dgsi.pt e de 04-07-2019 – processo n.º 461/17.9GABRR.L1.S1-
22. Nestes dois Acórdãos, em que estava em causa a prática de um crime e não de três crimes de violação agravada, o Supremo Tribunal de Justiça fixou uma indemnização por danos de morais de € 100.000,00 e € 60.000,00, respectivamente, pelo que analisada a factualidade dada como provada quanto os danos comprovadamente sofridos pela Assistente, ora recorrida, conjugada com a gravidade dos crimes, o contexto em que foi praticado e elevada censurabilidade e o elevado grau da ilicitude e culpa do arguido/recorrente parece justa e razoável a indemnização fixada pela Relação.
23. A solução que tem vindo a ser seguida pela jurisprudência do STJ é, assim, a de fixar um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto na capacidade económica do lesado.
24. Nessas circunstâncias, recorrendo à equidade e tendo em consideração as concretas circunstâncias do caso em apreço conjugado com os padrões da jurisprudência mais recente (que não Acórdãos proferidos por Tribunais de primeira instancia – pontos 14 e 15 das conclusões do recurso do arguido/recorrente), entre outros os já referidos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2012 – processo n.º 476/09.0PBBGC.P1.S1 e de 04-07-2019 – processo n.º 461/17.9GABRR.L1.S1, ambos in www.dgsi.pt, deverá manter-se o valor da indemnização fixada pela Relação de € 60.000,00.

NESTES TERMOS, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Ex.ªs, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão proferida pela Relação ..., no sentido do pagamento da indemnização do recorrente/arguido á Assistente/recorrida, no valor de € 60.000,00 ( sessenta mil euros ).
[…].».

7. O Senhor Procurador-Geral Adjunto neste STJ, no momento previsto no art.º 416º n.º 1 do CPP, consignou que, respeitando as questões suscitadas exclusivamente à matéria civil e não lhe incumbindo a «representação de qualquer das partes», não tinha o Ministério Público «legitimidade nem interesse em agir, não lhe cabendo intervir nos autos, nem, consequentemente, emitir parecer».

8. Colhidos os vistos, de acordo com o exame preliminar, foram os autos presentes a conferência.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

II. Fundamentação.

A. Âmbito-objecto do recurso.
9. O objecto e o âmbito dos recursos são os fixados pelas conclusões da respectiva motivação – art.º 412º n.º 1, in fine, do CPP –, sem prejuízo do conhecimento das questões oficiosas [1].

Tribunal de revista, de sua natureza, o STJ conhece apenas da matéria de direito  – art.º 434º do CPP.
Não obstante, deparando-se com vícios da decisão de facto enquadráveis no art.º 410º n.º 2 do CPP que inviabilizem a cabal e esgotante aplicação do direito, pode, por sua iniciativa, sindicá-los.
E pode/deve conhecer de nulidades não sanadas – art.º 410º n.º 3 do CPP.

10. Reexaminadas as conclusões da motivação, verifica-se que o Recorrente circunscreveu o recurso à matéria cível, como lho permitia o art.º 403º n.os 1 e 2 al.ª b) do CPP – aliás, na parte criminal, o Acórdão Recorrido era irrecorrível em face do disposto no art.º 400º n.º 1 al.ª f) do CPP –  e que suscita uma única questão, a do montante da indemnização civil arbitrada à Demandante.
E a ela se circunscreverá o objecto do recurso, que nada se vê de que cumpra oficiosamente conhecer, designadamente, em sede da decisão de facto que se considera definitivamente fixada.

Assim:

B. Apreciação.

a. Acórdão Recorrido – matéria de facto.
11. Confirmados no Acórdão Recorrido, são os seguintes o factos provados com interesse para decisão do recurso:
«A. Da acusação pública.
1.BB, nascida em .../.../1995, é filha do arguido AA e de CC.
4. Em dia não concretamente apurado, posterior ao seu regresso e anterior ao dia 24.12.2008, pela manhã, DD saiu para o trabalho, enquanto a BB, à data, com 13 anos, ficou em casa com o arguido AA, a cuidar dos seus irmãos EE, com 2 anos de idade, e FF, com 3 meses.
5. Enquanto o arguido AA se encontrava deitado no seu quarto, a BB entrou naquela divisão, a pedido da sua mãe, para dar um biberão de leite ao FF, que ali dormia num berço.
6. Assim que terminou e quando se preparava para sair do quarto, o arguido AA chamou pela BB, pedindo-lhe que se deitasse consigo na cama, o que aquela recusou, tendo ido dormir para o quarto dela.
7. Quando a BB já se encontrava a dormir (no seu quarto), o arguido AA decidiu entrar no quarto da mesma, com o propósito de, mesmo contra a vontade dela, manterem relações sexuais.
8. Na concretização deste seu desígnio, o arguido AA dirigiu-se ao quarto da sua filha, removeu a roupa da cama e deitou-se em cima da BB, que, de imediato, acordou assustada, tentando logo afastar-se dele, empurrando-o para o chão e levantando-se para sair dali.
9. Para a impedir de fugir, o arguido AA agarrou-a pelos braços e começou a puxar-lhe as calças de pijama e as cuecas que ela tinha vestidas, deixando-a semi-nua, ao mesmo tempo que a empurrava para o chão, onde aquela acabou por cair, obrigando-a a permanecer deitada de costas no solo.
10. Perante a resistência oferecida pela sua filha BB, que chorava e pedia para que a deixasse, o arguido AA, para a manietar, deitou-se em cima dela, colocou-lhe uma das mãos sobre a boca e, de seguida, afastou-lhe as pernas, apesar dos pedidos desta para que não lhe fizesse mal.
11. O arguido, ignorando os apelos da sua filha BB e contra a vontade desta, socorrendo-se da sua força muscular para a manter deitada no chão com as pernas abertas, introduziu o seu pénis erecto na vagina da ofendida, friccionando-o até ejacular.
12. Durante esse período de tempo, por várias vezes, a BB tentou libertar-se do arguido a gritar, mas foi sempre impedida por este.
13. No final, o chão, que ficou sujo com sangue, foi limpo.
14. Após, o arguido AA dirigiu-se a uma farmácia onde comprou a pílula do dia seguinte, a qual entregou à sua filha, obrigando-a a tomar na sua presença e dizendo-lhe “não podes contar a ninguém o que se passou, porque senão ficas sem família, ninguém vai gostar de ti pelo que fizeste, tu é que tens a culpa, és uma puta”, o que a menor fez por ter ficado com medo.
15. Em Janeiro de 2009, o arguido AA voltou para ....
16. O arguido regressou a Portugal, no início do mês de Agosto de 2009, para passar férias com a sua família, na habitação referida supra.
17. Em dia não concretamente apurado, mas situado no início do mês de Agosto de 2009, de manhã, quando a sua esposa não estava em casa, o arguido AA decidiu entrar no quarto da BB, à data, com 14 anos, com o propósito de, mesmo contra a vontade dela, manterem relações sexuais.
18. Na concretização deste seu desígnio, o arguido AA entrou no quarto da BB, aproximou-se daquela, que estava a dormir, deitou-se em cima dela, afastando-lhe as pernas e tentando introduzir o seu pénis na vagina.
19. Nessa altura, a BB acordou e, apercebendo-se do que o arguido se preparava para fazer, tentou afastá-lo e pediu-lhe que a deixasse, mas o arguido AA ignorou-a e, contra a vontade desta, socorrendo-se da sua força muscular para a manter deitada na cama com as pernas abertas, introduziu o seu pénis erecto na vagina daquela, friccionando-o.
20. Volvidos alguns dias, em dia não concretamente apurado, mas ainda situado no mês de Agosto de 2009, da parte da manhã, quando a sua esposa não estava em casa, o arguido AA decidiu abordar a BB, enquanto esta se encontrava na sala, com o propósito de, mesmo contra a vontade dela, mais uma vez, manterem relações sexuais.
21. Nas referidas circunstâncias, o arguido AA, que tinha apenas uns boxers colocados, sentou-se no sofá ao lado da BB, acariciou-lhe o cabelo e, de seguida, agarrou-a, puxando o corpo dela de encontro ao seu, enquanto a mesma se debatia para se libertar.
22. Perante a resistência oferecida pela BB, o arguido AA voltou-a de costas, empurrou-a para o chão e colocou-lhe um dos braços em volta do pescoço para a manietar, conseguindo, deste modo, retirar-lhe a roupa que a mesma tinha, deixando-a nua da cintura para baixo.
23. De seguida, mantendo a BB de costas voltadas e com um braço a segurar-lhe o pescoço, para a impedir de se libertar, colocou-a de joelhos, abriu-lhe as pernas e introduziu o seu pénis erecto na vagina daquela, friccionando-o até ejacular.
24. No final, o arguido AA deu-lhe a pílula do dia seguinte, que a obrigou a tomar na sua presença, enquanto lhe dizia: “vês o que me fazes, não podes contar a ninguém, ficas sem família”.
25. O arguido AA, ao proceder nos termos supra descritos, agiu sempre de vontade livre e consciente, com o propósito alcançado de, usando da sua força física e violência, e colocando-a na impossibilidade de resistir, manter relações e actos sexuais com a BB, contra a vontade desta, para satisfazer os seus instintos libidinosos, indiferente à oposição que a mesma manifestava à prática de tais actos.
26. Não ignorava o arguido que a pessoa com quem manteve e que consigo obrigou a manter contacto de natureza sexual era sua filha, era menor de idade e que os comportamentos que prosseguiu eram atentatórios da sua liberdade e autodeterminação sexual.
27. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo ser proibida e punida a sua conduta por lei como crime.

B. Do pedido de indemnização civil
28. BB, desde os primeiros dos actos descritos, passou a viver momentos de terror, aflição e desespero sempre que o seu pai regressava a Portugal.
29. Ficava apavorada sempre que se encontrava sozinha com o seu pai em casa, refugiando-se em qualquer compartimento da casa onde não estivesse o seu progenitor.
30. Passou horas, dias, meses de enorme tristeza e desgosto, chorando compulsivamente na solidão do seu quarto.
31. Com receio de contar à sua mãe o ocorrido.
32. A demandante é, hoje, uma pessoa triste e traumatizada, que jamais esquecerá os abusos de que foi vítima.
33. Necessita de acompanhamento psicológico e psiquiátrico para lidar, dentro do expectável, com tais episódios que permanecem presentes na sua memória, que a perturba e que a irão acompanhar durante toda a sua vida.
34. O arguido sabia que, com o seu comportamento, perturbaria a alegria e a felicidade da filha BB, e prejudicava gravemente o seu desenvolvimento físico e psíquico.
35. BB ficou afectada, com o comportamento do arguido, no seu crescimento, na estabilidade emocional e na sua personalidade.
36. Ficou ofendida na sua honra, no seu bom nome, na sua paz, na sua tranquilidade, e na sua liberdade e autodeterminação sexual.
37. Tais actos causaram-lhe traumas, medos e inquietações, ficando receosa de que voltasse a ocorrer.
38. A demandante sentiu-se profundamente perturbada, magoada, desconsiderada, desgostosa e humilhada com os actos praticados pelo arguido.
39. O arguido agiu indiferente às repercussões dos danos físicos e psíquicos que iria provocar sobre a mesma.
40. Antes, BB era uma pessoa alegre, tranquila, sociável, bem-disposta, carinhosa e afável.
41. Depois, passou a demonstrar frequentemente comportamentos inquietos, nervosos e de inconformismo.
42. Passou a ser uma pessoa traumatizada, triste, abalada, pesarosa, revoltada, complexada.
43. Passou a demonstrar comportamentos emocionalmente instáveis.
44. Chegou mesmo, por vezes, a urinar na cama.
45. Os factos foram recentemente conhecidos pela família materna, deixando-a apreensiva e envergonhada.

C. Da situação pessoal e de vida do arguido
46. O arguido AA nasceu em .../.../1971.
[…].
48. Frequentou o estabelecimento de ensino da área de residência (...) até ao 4º ano de escolaridade e, simultaneamente, ajudava a progenitora na … e no ...
49. Iniciou informalmente o seu percurso laboral aos 14 anos como ..., atividade que sempre exerceu de forma regular. Em 2006, decidiu emigrar para ..., com o objetivo de liquidar um empréstimo bancário contraído para a construção de uma casa, na altura, morada de família, sita na Rua ..., ..., ....
50. Ao nível familiar, o arguido constituiu agregado próprio em 1994, sendo pai de três filhos. Refere-se ao casamento como tendo sido uma relação estável e solidária.
51. O casal residiu desde o matrimónio, quando em Portugal, na morada de família situada em local tranquilo, de características rurais, predominando entre os vizinhos relações de proximidade.
[…].
54. À data dos factos, o arguido exercia atividade como … em ..., dispunha de enquadramento familiar, composto pelo cônjuge e os três filhos, a quem visitava quando vinha a Portugal.
55. Em 2012, o cônjuge e os três filhos acompanharam o arguido para ..., onde passaram a residir em ... em apartamento arrendado.
56. A rutura matrimonial ocorreu em 2016, mas o casal optou por manter a coabitação até 2018, altura em que o ambiente familiar se tornou tenso e violento entre o casal, com repercussões nos filhos que com eles residiam.
57. A sentença relativa ao divórcio do casal é esperada para Julho de 2020.
58. Atualmente, AA reside sozinho em ..., em apartamento arrendado, do seu patrão, situado numa localidade a cerca de 30 Km de ....
59. AA não estabelece contacto com os filhos desde a data da separação definitiva, em 2018.
60. O poder paternal dos dois filhos mais novos, atualmente com 17 e 11 anos de idade, está atribuído à progenitora, cabendo ao arguido o pagamento da prestação de alimentos no valor mensal de 115,00 € para cada um dos menores.
61. AA regressa a Portugal durante as suas férias, preferencialmente nas férias de Verão e Natal, visita o seu agregado familiar de origem, progenitora e irmãos, com quem estabelece uma relação de proximidade afetiva.
62. O arguido encontra-se profissionalmente ativo como .... Aufere um salário de 2.000,00 € mensais, valor em que alicerça as suas despesas fixas mensais, nomeadamente o pagamento da renda de casa em ... (400,00 € onde se inclui as despesas com água, luz e gás) e a amortização da prestação bancária para aquisição da habitação em Portugal (500,00 €).
[…].
66. Actualmente existe distanciamento e rutura do arguido com o ainda cônjuge, filhos e os familiares da família materna.
[…]

b. A reparação civil – montante.
12. Diz então o Recorrente que a indemnização de € 60 000,00 para reparação dos danos não patrimoniais causados pela prática dos crimes é manifestamente exagerada e desproporcionada, quer por não ter atendido nem à sua situação económica – que não lhe permite, hoje, nem permitirá, após o cumprimento da pena, granjear o correspondente montante – nem à da Demandante – aparentemente desafogada –, quer por exceder o que, normalmente, é arbitrado pelos tribunais, mesmo em casos de maior gravame.
E pede a redução daquele montante a não mais do que € 15 000,00 ou, quando muito, a não mais do que os € 20 000,00 fixados em 1ª instância.

Veja-se.

13. Como se sabe, a prática de factos ilícitos criminalmente típicos pode dar lugar tanto à imposição de penas e medidas de segurança como à obrigação de ressarcir os prejuízos causados aos lesados. Sendo que nesses casos de responsabilidade civil emergente da prática de crime, sempre de raiz extracontratual [2], a acção cível é exercida conjuntamente com a acção penal, por força da regra da adesão prevista no art.º 71º, só o podendo ser em separado, perante os tribunais civis, nos casos especificados no art.º 72º.  
Apesar da tramitação conjunta – e, consequentemente, da sua sujeição, v. g., ao mesmo rito processual, às mesmas regras instrutórias (formais e materiais) e aos mesmos requisitos de validade dos actos prescritos no Código de Processo Penal, só se apelando ao Código de Processo Civil nos casos omissos (art.º 4º) –, as acções penal e cível mantêm a sua autonomia substancial. Como, aliás, proclamado no art.º 129º do CP quanto estatui que «[a] indemnização de perdas e danos emergentes do crime é regulada pela lei civil».
No Código Civil, a norma matricial do instituto da responsabilidade civil é a do art.º 483º, que estabelece que «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação» – n.º 1 – e que «só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.» – n.º 2.  
Da articulação do n.º 1 do preceito [3] com o art.º 563º do CC, deduzem-se os cinco pressupostos da obrigação de indemnizar, a saber, o facto, a ilicitude, a culpa, o dano, e o nexo causal entre o facto e o dano.
E, nos termos do art.º 564º do CC, o dever de indemnizar abrange não só o prejuízo causado – danos emergentes –, como os benefícios que o lesado deixou de obter – lucros cessantes –, sendo que, nos termos do art.º 562º do CC, o escopo respectivo é a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Reparação que, passará, em primeira linha, pela reconstituição natural ou, verificada a sua impossibilidade [4], insuficiência [5], inidoneidade [6] ou impropriedade ou inadequação [7], por indemnização em  dinheiro [8].

À fixação da indemnização por danos não patrimoniais [9] interessam, mais proximamente, as normas dos art.os 483º, 496º n.os 1, 2 e 4, 562 ° e 566° n.os 1 e 2 CC:
Quem viola ilicitamente os direitos de outrem fica obrigado a indemnizar pelos danos resultantes dessa violação.
Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
A indemnização pelos danos não patrimoniais deve ser fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
A indemnização é fixada em dinheiro e tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.

Como tem vindo a ser afirmado pela doutrina e pela jurisprudência, a indemnização prevista no art.º 496.º n.º 1 do CC, é mais propriamente uma compensação.
A finalidade que persegue é a de atenuar, minorar e de algum modo compensar os desgostos e sofrimentos já suportados e a suportar pelo lesado, através de uma quantia em dinheiro que, permitindo o acesso a bens, vantagens e utilidades, seja capaz de lhe permitir a satisfação de variadas necessidades e de, assim, lhe proporcionar um acréscimo de bem-estar que contrabalance os males sofridos, as dores e angústias suportadas e a suportar.

Danos não patrimoniais são «os prejuí­zos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compen­sados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização[10].
Como referido, são indemnizáveis, com base na equidade, os danos não patrimoniais que – art.º 496º n.º 1 do CC – «pela sua gravidade mereçam a tutela do direito».

A respeito do juízo de equidade que informa a compensação deste tipo de dano, ensinam GG e Antunes Varela como segue [11]:
«O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc.
E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.».
Sendo que, nestes casos, a indemnização reclama-se, a um mesmo tempo, de uma função reparatória e sancionatória: «No caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois "visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada", não lhe sendo, porém, estranha a "ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente"[12].

Isto dito:

14. A propósito da específica questão do montante indemnizatório a arbitrar à Demandante, consta do Acórdão Recorrido o seguinte:
«No Acórdão recorrido, o Tribunal atribuiu à assistente/demandante BB a quantia de 20 000€ (vinte mil euros), a título de danos não patrimoniais sofridos, com juros de mora desde a data da decisão, até integral pagamento, a pagar obviamente pelo arguido/demandado e recorrente, AA.
Este considera com efeito, que tal montante é “manifestamente elevado” e que não tem em conta, as suas condições económico-financeiras.
Estão em causa as relações Pai-Filha e danos causados a esta pelo arguido, pela prática de três crimes de violação agravada.
Notificada que foi do recurso do recurso do arguido/demandado, a demandante apresentou recurso subordinado (art.º 404º C.P.P.), que foi admitido – obviamente, apenas quanto à parte cível.
Este é um recurso dependente do recurso principal, que foi o do arguido e que deve com este ser apreciado.
No mesmo, defende a assistente/demandante, filha do arguido, que o valor fixado é “manifestamente insuficiente”, ante as sequelas psicológicas que o seu Pai lhe provocou. Considera que o montante peticionado, no valor de 85 000€ (oitenta e cinco mil euros), é o ajustado e que, caso assim não se entenda, lhe deve ser atribuída quantia não inferior a 60 000€ (sessenta mil euros).
Está em causa assim, em ambos os recursos, o valor da indemnização atribuída. Esta tem por base a figura da responsabilidade civil, prevista nos arts.º 483º e segs. do C.C.
Trata-se de responsabilidade por factos ilícitos, que tem por base a violação ilícita de direitos de terceiros, por meio de atuação dolosa ou com mera culpa, que causa danos, que tenham um nexo de causalidade com a conduta assumida – arts.º 483º e segs. C.P.
No caso, a indemnização foi atribuída a título de compensação por danos não patrimoniais, ou seja, aqueles que não são diretamente avaliáveis em dinheiro. Anteriormente denominados de “danos morais” são aqueles que decorrem da dor, sofrimento, sequelas psicológicas ou privações causadas pelo agente, na pessoa do ofendido.
O montante da indemnização deve ser fixado em termos atualistas – à data da sentença – (art.º 566º/2 C.C.) e tendo em conta um juízo de equidade, baseado na análise do grau de culpa do lesante, a sua situação económica e a do lesado e demais circunstâncias do caso concreto, que o justifiquem (arts.º 496º/4 e 494º C.C.).
A lei confere ao intérprete uma cláusula aberta para utilização dos argumentos que julgue relevantes, para basear o seu juízo equitativo, isto é, de justiça sobre o caso concreto.
São assim estes, os pressupostos de análise da questão única, colocada no recurso principal do arguido e no recurso subordinado da demandante.
Ora, a Jurisprudência tem assinalado que a atribuição de indemnizações “miserabilistas” em nada beneficiam a Justiça e a imagem dos Tribunais. A justiça, porque os ofendidos com danos não patrimoniais graves em pouco se podem ver confortados, com este tipo de indemnizações. A imagem dos Tribunais, porque surgem à comunidade social como dando respostas socialmente desadequadas e que são, muitas vezes, alvo de sátira.
Isto tanto quanto, para mais, na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, os arts.º 496º/4 e 494º C.C. mandam atender ao “grau de culpa do agente”, o que só pode querer dizer que este tipo de indemnizações têm também um “caráter sancionatório” – cfr. o Acórdão do S.T.J. de 15/2/2 012, Santos Carvalho, Proc.º 476/09.0 PBBGC.P1.S1. (citado pela assistente).
Não há dúvida também, que em termos equitativos, cada “caso é um caso”. Felizmente que no nosso País, casos de violações de Pais a filhas, ainda por cima múltiplas, são raras.
Assim, a recorrente demandante citou dois Acórdãos:
– o Acórdão do S.T.J. de 15/2/2 012, Santos Carvalho, Proc.º 476/09.0PBBGC.P1.S1 em que, a título de danos não patrimoniais e num caso de assédio sexual de um Psiquiatra a uma doente, grávida, foram atribuídos 100 000€ (cem mil euros), a título de danos não patrimoniais;
– o Acórdão proferido no Proc.º 461/17.9GABRR.L1.S1, de 4/7/2019, Mário Belo Morgado, em que um Pai violou uma filha com 18 (dezoito) anos, tendo a esta sido atribuída indemnização por danos não patrimoniais, no valor de 60 000€ (sessenta mil euros).
Ambos os arguidos tinham, porém, vidas económicas desafogadas.
O arguido/demandado baseou-se também em dois Acórdãos para basear o seu Juízo, mas que, talvez por lapso, nada têm a ver com o caso concreto dos nossos autos.
Assim:
– no Acórdão do S.T.J. de 8/1/2 019, Catarina Serra, Proc.º 4 378/16.6T8VCT.G1.S1, estão em causa danos decorrentes de acidente de viação;
– no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 5/12/2 020, Fátima Bernardes, Proc.º 1 562/18.1T9BJA.E1, está em causa uma decisão de reenvio do processo para novo julgamento, sem qualquer indemnização, não estando pois sequer transitada, a atribuída em 1ª instância.
Passemos, pois, à análise do caso concreto. Ter-se-á em conta, na parte agravativa:
– o dolo, direto e intenso do arguido;
– o facto de estarem em causa três atos de violação de Pai, a filha menor, o que denota que não se tratou de caso único e por impulso, refletindo antes uma propensão pessoal deliberada e premeditada;
– a frieza, que decorre do facto de o arguido, mesmo assim, ter a frieza de ânimo de dar à sua filha, pré-adolescente, a “pílula do dia seguinte”, no sentido de esconder eventual filiação;
– o facto de ter ejaculado, isto é de com tal comportamento “contra-natura” e muito censurável eticamente, ter conseguido ejacular por duas vezes, isto é, atingir o clímax do ato sexual, o que denota também uma completa ausência de espírito crítico ante o que fazia e frieza, com o mais elevado desprezo pelo valores éticos aceites por toda a comunidade;
– ter a sua filha, ora demandante, passado a viver momentos de terror, aflição e despero, sempre que o seu Pai regressava a Portugal (ponto 28 da matéria de facto);
– ficar a mesma apavorada, sempre que se encontrava sozinha com o seu Pai em casa, refugiando-se em qualquer compartimento da casa onde o mesmo não estivesse (ponto 29 da matéria de facto);
– ter passado horas, dias, meses de enorme tristeza e desgosto, chorando compulsivamente na solidão do seu quarto (ponto 30 da matéria de facto provada);
– ser hoje a demandante, uma pessoa triste e traumatizada, que jamais esquecerá os abusos de que foi vítima (ponto 32 da matéria de facto);
– necessitar a mesma de acompanhamento psicológico e psiquiátrico para lidar com os episódios vividos, que permanecem presentes na sua memória, o que a perturba e irá acompanhá-la durante toda a sua vida (ponto 33 da matéria de facto);
– ter a mesma ficado afetada no seu crescimento, estabilidade emocional e personalidade, pelo comportamento arguido (ponto 35 da matéria de facto);
– saber o arguido que tudo isto podia acontecer (ponto 34 da matéria de facto);
– terem os atos do arguido causado à demandante traumas, medos e inquietações, ficando receosa de que tudo pudesse voltar a acontecer (ponto 37 da matéria de facto);
– ser a mesma anteriormente, uma pessoa alegre, tranquila, sociável, bem-disposta, carinhosa e afável (ponto 40 da matéria de facto provada);
– e passando a ser uma pessoa traumatizada, triste, abalada, pesarosa, revoltada, complexada e emocionalmente instável (pontos 42 e 43 da matéria de facto);
– passando a demonstrar comportamentos inquietos, nervosos e de inconformismo (ponto 41 da matéria de facto);
– tendo ficado apreensiva e envergonhada, dado o recente conhecimento dos factos pela família materna (ponto 45 da matéria de facto).
Têm valor atenuativo:
– os cerca de 12 (doze) anos decorridos desde a data da prática dos factos – sendo que e na ausência de arrependimento ou autocensura por parte do arguido, se desconhece se isso correspondeu a uma mudança interior ou a uma mera ausência de oportunidades ou receio;
– ganhar cerca de 2 000€ (dois mil euros)/mês e gastar 500€ (quinhentos euros) no pagamento da prestação bancária, para a sua aquisição, além das normais despesas fixas mensais (ponto 62 da matéria de facto).
Como já se disse os factos são muito graves e múltiplos, o que revela uma culpa muita intensa sob a forma de dolo e causaram sequelas graves, intensas e permanentes na pessoa da sua filha, sendo que a sua função era a de a proteger e salvaguardar. Os factos não se compadecem de todo, como amor que um Pai deve ter por uma filha sua.
O arguido tem um rendimento mensal médio, para o nível de vida Português.
Não sendo milionário, deve, porém, ter-se em conta que é normal que tenha feito algumas poupanças, tendo atualmente 50 (cinquenta) anos de idade. Salvaguardo o tempo em que estará preso, pode ainda lutar por aumentar as suas receitas próprias ou obter empréstimos através de terceiros, nomeadamente bancários.
O que não pode, é voluntariamente lesar-se tanto uma filha, aos níveis físico e psicológico, sendo estas últimas sequelas de difícil tratamento (recorde-se que a ofendida está em tratamentos psicológico e psiquiátrico, por via dos atos praticados por seu Pai) e depois dizer-se que se não tem dinheiro para pagar uma indemnização que não seja miserabilista.
É certo que tem dois outros filhos menores devendo pagar a cada um, a título de alimentos, 115€ (cento e quinze euros)/mês, não resultando porém provado se a vem pagando (ponto 60 da matéria de facto).
Vinte mil euros é o valor de um automóvel de gama baixa, que não pode confundir-se com os três crimes de violação agravada cometidos, sempre na pessoa de uma filha e de uma menor e com as sequelas psicológicas que estes atos causam.
O valor das indemnizações não pode cair no ridículo, a ponto de a comunidade social descrer completamente dos Tribunais.
Tudo considerado, considera-se razoável, adequado e equitativo atribuir-se à vítima a quantia de 60 000€ (sessenta mil euros).
Quantia superior continuaria a ser adequada, mas já seria desadequada à situação económica do arguido.
Termos em que improcede na íntegra o recurso da parte cível do arguido AA e procede parcialmente o recurso subordinado da demandante BB, nos termos referidos.»

15. Ora, em brevíssima apreciação do decidido, diz já este Supremo Tribunal que se revê em tudo o que os Senhores Desembargadores consignaram, entendendo, logo e tal como eles, que não só o dano não patrimonial foi de gravidade tal que, mais do que simplesmente justificar, reclama a tutela do direito:
Três actos de agressão sexual, de cópula completa, sobre uma adolescente e com uso de violência física e psicológica já acima da média, tudo perpetrado pelo próprio progenitor.
 Causação na vítima de:
 Sentimentos de terror, aflição e desespero sempre que o progenitor, regressava a Portugal;
Sentimento de pavor sempre que se encontrava sozinha com o progenitor em casa;
De estado prolongado de profunda tristeza e desgosto, com acessos de choro compulsivo;
De tristeza e trauma psicológico até aos dias de hoje, com indelével recordação dos abusos de que foi vítima, passando a ser pessoa «traumatizada, triste, abalada, pesarosa, revoltada, complexada e emocionalmente instável» e a demonstrar «comportamentos inquietos, nervosos e de inconformismo»;
Sentimento de apreensão e vergonha por ocasião do recente conhecimento dos factos pela família materna.
Depois, do ponto de vista da culpa do Recorrente, nada consentem os factos a não ser um juízo de forte censurabilidade:
Actuou, sempre, com dolo directo, intenso e reiterado no tempo, evidenciando firme e repetida intenção de violar o interesse da liberdade e autodeterminação sexual da sua filha na vertente do livre e adequado desenvolvimento da sua personalidade;
Bem sabia dos danos físicos e, acima de tudo, psicológicos que lhe causaria;
Bem sabia dos deveres parentais de protecção e assistência a que estava perante ela vinculado e da especial obrigação de não praticar actos da natureza dos que praticou.
Depois, ainda, o montante reparatório de € 60 000,00 afigura-se perfeitamente compatível com o nível de rendimentos e encargos do Recorrente, mesmo os que vêm atestados – como, aliás, cumpre – nos factos provados, que não os que a Demandante e o próprio Recorrente indicam na peça de recurso: aufere de proventos do trabalho cerca de € 2 000,00 mensais – rendimento médio para o nível de vida português, como assinalam os Senhores Desembargadores – e tem como encargos fixos € 500,00 mensais de amortização de mútuo bancário de uma moradia propriedade comum do casal e € 115,00 mensais de pensão de alimentos a cada dos seus dois filhos ainda menores.
Por fim, o montante reparatório não diverge, pelo menos, dos padrões seguidos em casos similares pela jurisprudência dos tribunais superiores, do que constitui precisamente exemplo o AcSTJ de 4.7.2019 - Proc. n.º 461/17.9GABRR.L1.S1 invocado pela Demandante em que, não obstante a superior condição económica do condenado – engenheiro naval, com cerca de € 4 000,00 mensais de rendimentos de trabalho – esteve em jogo um episódio de muito menor gravidade, em si – violação, do mesmo modo, de uma filha pelo progenitor, mas materializada num só acto e tendo a vítima 18 anos de idade – e nas suas consequências, foi, igualmente, arbitrada uma compensação de € 60 000,00.

16. E vale tudo o que precede por dizer que, revendo a factualidade arrolada e presentes as normas e critérios legais aplicáveis, tem este Tribunal por justa e criteriosa a indemnização de € 60 000,00 arbitrada no Acórdão Recorrido para compensação dos danos não patrimoniais causados pela conduta delituosa do Recorrente na pessoa da Demandante.   
Razões por que o recurso não pode deixar de improceder.

III. decisão.
17. Termos em que acordam os juízes desta 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso movido pelo arguido/demandado AA, confirmando-se integralmente o douto Acórdão Recorrido.

Custas (cíveis) pelo Recorrente.

*

Digitado e revisto pelo relator (art.º 94º n.º 2 do CPP).

 *

Supremo Tribunal de Justiça, em 24.2.2022.



Eduardo Almeida Loureiro (Relator)

António Gama

______________________________________________________


[1] Cfr. Ac. do Plenário das Secções do STJ, de 19.10.1995, in D.R. I-A , de 28.12.1995.
[2] Neste sentido, AFJ n.º 7/99, de 3.8.1999, in DR I-A.
[3] O n.º 2 está referenciado à responsabilidade de não imputáveis – art.º 489º –, pelo risco – art.º 499º e ss. – e pela prática de actos lícitos – v. g., art.os 339º n.º 2, 1310º , º, 1347º n.os 2 e 3, 1348º n.º 2, 1349º n.º 3 e 1367º do CC.
[4] Material ou jurídica.
[5] Por a reconstituição não cobrir todos os danos ou todos os aspectos em que o dano se desdobra.
[6] Por o dano, pela sua natureza – v. g., o dano não patrimonial (dores físicas, vexames, desgostos, desprestígio, descrédito social, etc.) –, não ser passível de reconstituição natural, sequer de indemnização, apenas de compensação.
[7] Por a reconstituição ser excessivamente onerosa para o devedor (art.º 566º n.º 1 do CC) por haver manifesta desproporção entre o interesse do lesado que interessa recompor e o custo que a reparação natural envolve para o responsável.
[8] Neste sentido e entre outros, Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", I, 10ª ed., p. 905 a 906.
[9] Segue-se, doravante, muito de perto o, recente, Ac.STJ de 9.9.2021 - Proc. n.º 77/19.5T9PRG.S1, in www.dgsi.pt, em que o, ora, relator interveio como adjunto.
[10] Antunes Varela, ibidem, p. 607.
[11] In "Código Civil Anotado", vol. I, p. 501
[12] Ac.STJ de 23.8.2018 - Proc. n.º 467/16.5PALSB.L1-S1, in www.dgsi.pt, aliás citando Ac.STJ de 30.10.1996.