Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | NUNO GONÇALVES | ||
Descritores: | DECISÃO SINGULAR | ||
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Data da Decisão Sumária: | 03/25/2025 | ||
Votação: | - - | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECLAMAÇÃO – ARTIGO 405.º DO CPP | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO | ||
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Sumário : | I. A arguição de nulidades do acórdão da Relação, proferido em recurso, não constitui pressuposto de admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. II. O procedimento de reação contra nulidades imputadas a acórdão da Relação irrecorrível é a arguição perante o próprio tribunal que o proferiu. III. Não é admissível recurso de acórdão da Relação, proferido em recurso, com fundamento em erros-vício e nulidades processais não sanadas. IV. O trânsito em jugado do acórdão recorrido é pressuposto insuperável dos recursos extraordinários para fixação de jurisprudência e de revisão. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Reclamação – artigo 405.º do CPP
I - Relatório: O arguido AA foi condenado em 1.ª instância pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, de: - um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291.º, n.º 1, alínea b), do CP (processo comum singular 134/18.5...), na pena de 150 dias de multa à taxa diária de € 25,00, o que perfaz o montante de € 3.750,00, ou, nos termos do artigo 49.º, nº 1, do Código Penal, 100 dias de prisão subsidiária, caso não efetue o pagamento da multa; e, nos termos do artigo 69º, nº 1, alínea a), do mesmo Código, na pena acessória de 1 ano e 6 meses de proibição de conduzir veículos motorizados; - um crime de denúncia caluniosa agravado, p. e p. pelo artigo 365.º, nºs 1, e 3, alínea a), do CP (processo comum singular 193/20.0T9MMV), na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mediante regime de prova. O arguido foi condenado no pagamento de 7 UCs de taxa de justiça e demais custas. Na procedência do pedido de indemnização civil deduzido por BB foi o arguido/demandado AA condenado a pagar-lhe, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, a quantia de € 2.000,00, sem juros, por não peticionados; Foi igualmente julgado procedente o pedido de indemnização civil deduzido por CC e, consequentemente, condenado o demandado AA no pagamento, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, da quantia de € 2.250,00, acrescida de juros de mora. Não se conformando recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 20 de novembro de 2024, julgando parcialmente procedente o recurso interposto decidiu: ---- “- Declaram a nulidade do acórdão recorrido ao abrigo do disposto no artigo 379º, nº 1, al. c) do C.P.P. e, suprindo tal nulidade, declaram que não ocorreu violação do princípio ne bis in idem; - Absolvem o arguido da prática do crime de denúncia caluniosa agravado, previsto e punido pelo artigo 365º, nºs 1, e 3, alínea a), do C.P., mas condenam-no pela prática de um crime de denúncia caluniosa na forma simples, previsto e punido pelo artigo 365º, nº 1 do C.P., na pena de 170 (cento e setenta) dias de multa à taxa diária de 25 (vinte e cinco) euros, e procedem ao cúmulo jurídico desta pena com a pena de 150 dias de multa à mesma taxa diária aplicada em primeira instância pela prática do crime de condução perigosa de veículo motorizado, aplicando a pena única de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de 25 (vinte e cinco) euros, o que perfaz o montante de 5.000 (cinco mil) euros, ou, nos termos do artigo 49º, nº 1, do C.P., 133 (cento e trinta e três) dias de prisão subsidiária. - Alteram a condenação em custas criminais, condenando o arguido em 4 UCs de taxa de justiça. - No mais, confirmam o acórdão recorrido.” O arguido AA notificado do acórdão da Relação de 20 de novembro de 2024, arguiu-o de nulidades. E interpôs, em 7 de janeiro de 2025, recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça. No mesmo requerimento interpõe igualmente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência quanto à conta de custas do acórdão E ainda recurso de revisão quanto à matéria cível. Por acórdão de 8 de janeiro de 2025 foram indeferidas as arguidas nulidades, mas corrigido na condenação em custas, de modo que onde se lê “Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs” deve ler-se “Sem custas”. O recurso não foi admitido por despacho de 20 de fevereiro de 2025, que se transcreve: “A 7/1/2025 veio o arguido/recorrente AA interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido por este Tribunal da Relação em 20/11/2024, que julgou parcialmente procedente o recurso por ele interposto e, em consequência: - Declarou a nulidade do acórdão proferido pela primeira instância ao abrigo do disposto no artigo 379º, nº 1, al. c) do C.P.P. e, suprindo tal nulidade, declarou que não ocorreu violação do princípio ne bis in idem; - Absolveu o arguido da prática do crime de denúncia caluniosa agravado, previsto e punido pelo artigo 365º, nºs 1, e 3, alínea a), do C.P., mas condenou-o pela prática de um crime de denúncia caluniosa na forma simples, previsto e punido pelo artigo 365º, nº 1 do C.P., na pena de 170 (cento e setenta) dias de multa à taxa diária de 25 (vinte e cinco) euros, e procedeu ao cúmulo jurídico desta pena com a pena de 150 dias de multa à mesma taxa diária aplicada em primeira instância pela prática do crime de condução perigosa de veículo motorizado, aplicando a pena única de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de 25 (vinte e cinco) euros, o que perfaz o montante de 5.000 (cinco mil) euros, ou, nos termos do artigo 49º, nº 1, do C.P., 133 (cento e trinta e três) dias de prisão subsidiária. - Alterou a condenação em custas criminais, condenando o arguido em 4 UCs de taxa de justiça. - No mais, confirmou o acórdão recorrido. Por acórdão de 8/1/2025 procedeu-se à correcção daquele acórdão quanto à condenação em custas. O recorrente baseia o seu recurso no disposto no artigo 432º, nº 1, al. a) do C.P.P., que admite o recurso para o S.T.J. «das decisões das relações proferidas em 1ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 410º». Ora, nitidamente, a intervenção deste Tribunal da Relação aquando da prolação do acórdão de 20/11/2024 não foi uma intervenção em primeira instância! Não estando em causa, manifestamente, qualquer das situações previstas nas alíneas c) ou d) do nº 1 do artigo 432º, temos que nos termos previstos no artigo 432º, nº 1, alínea b) do C.P.P., «recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: (…) b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º». Por seu turno, dispõe o artigo 400º, nº 1, alínea e) do mesmo código que «Não é admissível recurso: (…) c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1ª instância». O acórdão visado pelo requerimento de interposição de recurso aqui sob apreciação aplicou pena não privativa da liberdade – pena de multa – e a primeira instância havia condenado o recorrente. Deste modo, não é admissível recurso ordinário de tal decisão, razão pela qual não se admite o recurso interposto.” O recorrente apresentou reclamação do despacho que não admitiu o recurso, nos termos do artigo 405.º do CPP, argumentando, em síntese, que o acórdão da Relação enferma do vício de nulidade, pelos vícios que arguiu, sem prejuízo de outras causas que indica. Acrescenta, que interpôs no mesmo requerimento dois recursos extraordinários um de fixação de jurisprudência e outro de revisão, que quanto à sua admissibilidade o Tribunal da Relação não se pronunciou. Mais refere, que as nulidades que arguiu, ainda se mantém devendo ser arguidas ou conhecidas em recurso (artigos 425.º, n.º 4, 379.º, n.ºs 1, alínea c) e 2, do CPP), para depois apelar aos artigos 433.º, 410.º, n.º 3 e 434.º do CPP. Menciona ainda, que a decisão da 1.ª instância continha aparentes vícios tendo requerido a sua supressão, sobre os quais o Tribunal da Relação não se pronunciou, invocando jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. Quanto ao recurso de fixação de jurisprudência refere que apesar de ter sido dado provimento parcial ao pedido de reforma, o que poderá conduzir em sede de apreciação já no STJ à inutilidade parcial desse recurso - conta de custas do acórdão em causa -, entende que essa decisão não compete ao tribunal recorrido mas ao tribunal de recurso, não podendo ser retido com esse fundamento. * Cumpre decidir * II - Fundamentação: a. Do recurso ordinário: 1. Face ao teor da reclamação apresentada impõe-se esclarecer que na apreciação da reclamação contra despacho que não admite o recurso, nos termos do artigo 405.º do CPP, a competência do Presidente do Supremo Tribunal, limita-se à questão da não admissão ou retenção do recurso. Assim, por estranhos aos poderes de cognição do Presidente do Tribunal superior neste âmbito, não se toma aqui conhecimento das demais questões invocadas na reclamação. Por outro lado, a reclamação consagrada no artigo 405.º do CPP não é uma via processual que permita submeter ao reexame do Presidente do Tribunal Superior, decisões do tribunal da instância reclamada, como vem pretendido. Aqui apenas está em causa o despacho proferido em 20 de fevereiro de 2025 que não admitiu o recurso ordinário interposto para o Supremo Tribunal de Justiça. 2. Por outro lado, cumpre salientar que o conhecimento de eventuais nulidades do acórdão da Relação não constitui, pressuposto de admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Não se podendo entender que a simples invocação de nulidade de um acórdão que a lei considera irrecorrível, transforme esse mesmo acórdão em decisão recorrível para este Supremo Tribunal. Com efeito, as nulidades do artigo 379.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do CPP, ou qualquer outra violação de norma procedimental da qual decorra nulidade da decisão, só podem ser conhecidas oficiosamente pelo STJ, se tiver de julgar recurso de acórdão da Relação que seja recorrível nos termos do disposto nos artigos 432º n.º 1 alínea b) e 400.º n.º 1 do CPP. A via de reação contra nulidades imputadas ao acórdão da Relação que não seja recorrível é a arguição perante o próprio tribunal que o proferiu. Aliás, o reclamante arguiu nulidades do acórdão perante o Tribunal da Relação sobre as quais recaiu o acórdão de 8 de janeiro de 2025, que as desatendeu. 3. O artigo 410.º do CPP também invocado tem como epígrafe “Fundamentos do recurso”. Entre os quais se incluem os erros-vício (n.º 2) e as nulidades insanáveis (n.º 3). Quanto às nulidades já foi motivado o suficiente. No respeitante aos erros-vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, era jurisprudência uniforme e sedimentada do Supremo Tribunal de Justiça que, na redação do artigo 434.º do CPP que que vigorou até 20 de março de 2022, os vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, não podiam fundamentar recurso para o mais Alto Tribunal da ordem judiciária comum. Com a alteração operada pela Lei n.º 94/2021 de 21/12, que entrou em vigor em 21 de março de 2022, os erros-vicio e a nulidades previstos e referidas no artigo 410.º n.ºs 2 e 3, do CPP podem legitimar recurso para o Supremo Tribunal de Justiça mas apenas quando o recurso é de decisão da Relação proferida em 1ª instância (portanto, em recurso em 1º grau para o Supremo, em que poderá/deverá conhecer de facto e de direito) e no recurso per saltum, de acórdãos de tribunal coletivo de 1.ª instância, contanto tenha aplicado pena, parcelar ou única, superior a 5 anos de prisão. Com fundamento nos referidos erros-vicio e nulidades não sanadas, não se admite recurso de acórdãos da Relação, tirados em recurso. Assim: 4. O critério de admissibilidade do recurso para o STJ, reporta-se à pena concretamente aplicada, ou seja, a pena em que o arguido foi condenado na decisão recorrida. Nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça dos “acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância.”. No caso, não se verifica a exceção prevista na parte final do preceito transcrito. O arguido foi condenado em 1ª instância. E, ademais, não foi aplicada pena privativa da liberdade. Estamos, isso sim, perante um acórdão que aplicou pena de multa, cabendo assim na previsão do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, com a consequente, inadmissibilidade do recurso interposto, tal como foi decidido. b) dos recursos extraordinários 5. O recorrente, no requerimento de interposição do recurso ordinário, interpôs igualmente dois recursos extraordinários: - recurso extraordinário para fixação de jurisprudência referente ao segmento da decisão que o condenou em custas, nos termos do disposto no artigo 437.º, n.º 1, do CPP; - recurso extraordinário de revisão quanto à matéria civil, amparando-o na invocação do disposto no artigo 449.º n.º 1 alínea c) do CPP. 6. O despacho de 20 de fevereiro de 2025, acima transcrito apenas se pronunciou sobre o recurso ordinário, não o admitindo. Sobre ambos os recursos extraordinários interpostos não admite nem deixa de os admitir. O recorrente, notificado, nada disse. Pelo que não podemos conhecer de reclamação de despacho que não existe nos autos. Todavia, sempre se dirá que o tribunal recorrido, ressalvando o dever de pronúncia que, deveria traduzir-se em não tomar conhecimento desses segmentos do requerimento, não andou mal uma vez que os recursos não podiam admitir-se por patente falta de pressupostos formais que, ao invés do que alega o reclamante, podem e devem ser verificados no tribunal recorrido. Desde logo o acórdão recorrido ainda não transitou em julgado. Trânsito em julgado que é um pressuposto formal insuperável dos recursos extraordinários de revisão, tanto da sentença penal -art.º 449.º n.º 1 do CPP, como da sentença cível – art.º 696.º do CPC. Também assim oo recurso de fixação de jurisprudência que pressupõe, insuperavelmente, o trânsito julgado do acórdão recorrido, nos termos do n.º 1 do artigo 438.º do CPP, o que, no caso, ainda não ocorreu. Não podem, como é manifesto, apresentar-se recursos extraordinários enquanto corre termos a fase de recurso ordinário do processo. Os recursos nunca podiam ser admitido por intempestividade manifesta. Acresce, quanto ao recurso extraordinário para fixação de jurisprudência que o recorrente nem sequer tem interesse em agir porque com a correção operada quanto às custas, o acórdão lhe foi favorável. E o arguido só tem legitimidade para interpor recursos de decisões que lhe sejam desfavoráveis – artigo 401.º n.º 1 al.ª b) do CPP Assim, se tivesse sido proferido despacho de não admissão, com este fundamento seria aqui confirmado e, consequentemente, indeferida a reclamação. Como não há despacho que não admitiu os recursos de extraordinários de revisão e de fixação de jurisprudência, não podemos, por manifesta falta de objeto conhecer deste segmento do vertente procedimento incidental. * III - Decisão: 7. Pelo exposto, decide-se: ------- a) indeferir a reclamação deduzida pelo arguido AA, no respeitante ao recurso ordinário; b) Não tomar conhecimento do demais por inexistência de despacho a não admitir os recursos extraordinários de revisão e de fixação de jurisprudência do acórdão 20 de novembro de 2024. * Custas pelo reclamante fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs. Notifique-se. * Lisboa, 25 de março de 2025 O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça Nuno Gonçalves |