Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00017409 | ||
Relator: | FERREIRA DIAS | ||
Descritores: | HOMICÍDIO VOLUNTÁRIO HOMICÍDIO QUALIFICADO ELEMENTOS DA INFRACÇÃO | ||
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Nº do Documento: | SJ199301130433103 | ||
Data do Acordão: | 01/13/1993 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N423 ANO1993 PAG222 | ||
Tribunal Recurso: | T CIRC LEIRIA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 53/91 | ||
Data: | 06/03/1992 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Área Temática: | DIR CRIM. | ||
Legislação Nacional: | CP82 ARTIGO 131 ARTIGO 132 N2 C F G. | ||
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Sumário : | Quando os factos são de molde a deduzir-se que se encontra, por força deles, afastada a especial censurabilidade por parte do arguido, esculpida nos sinais dos exemplos-padrões das alineas a) f) e g) do n. 2 do artigo 132 do Codigo Penal, o agente deve ser considerado autor do crime de homicidio simples previsto e punido pelo artigo 131 do Codigo Penal. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. Mediante acusação do Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público, respondeu, em processo comum e com a intervenção do Tribunal Colectivo de Leiria, o arguido A, solteiro, de 26 anos, sub-comissário da P.S.P., tendo sido condenado como autor de um crime de homicídio previsto e punido pelo artigo 131 do Código Penal na pena de nove anos de prisão, na taxa de justiça de 4 UCS e nas custas do processo, com 10000 escudos de procuradoria. Nos termos do artigo 14 n. 1 alínea b) da Lei n. 23/91, de 4 de Julho foram-lhe declarados perdoados dezoito meses de prisão. Foi ainda condenado na pena acessória de demissão da função pública. De harmonia com o disposto no artigo 107, n. 1 do Código Penal declararam-se perdidos a favor do Estado a arma do crime, examinada a folhas 83 e as três munições não detonadas, ficando o arguido condenado a pagar ao seu dono - Eloy Flecha D'Asse Castel-Branco - a indemnização de 116500 escudos. 2. Inconformados com tal decisão, dela recorreram o arguido e o Ministério Público. O primeiro alega em substância e com interesse: - A factualidade apurada que agora se dá como implícita, revelando-se apenas o essencial - evidencia um quadro excepcional da prática do crime; - É inquestionável que o arguido matou o pai para libertar a mãe do sofrimento e ansiedade em que a vítima a fizera mergulhar; - De facto, o pai era um déspota, um homem cruel e desumano que, ao longo dos anos, criou naquela família um clima de hostilidade e de tensão permanente; - Pois, além de não contribuir para as despesas domésticas e para os estudos dos filhos, tratava a mulher e o arguido como um autêntico carrasco; - Chegou, por duas vezes, a ameaçar de morte, com uma pistola, a mãe do arguido; - Nunca prodigalizou ao recorrente a mais ínfima manifestação de carinho, afecto ou, sequer, de interesse pela sua vida; - Pelo contrário, batia-lhe e injuriava-o frequentemente, chegando a tentar expulsá-lo de casa; - O arguido tem pela sua mãe um estranho amor, considerando-a a mãe mais bonita, terna e carinhosa - a mãe deslumbrante; - Em clima de tensão irrespirável fez surgir no arguido a ideia de matar o pai como única forma de salvar a dignidade familiar; - A vítima reagiu violentamente à hipótese de divórcio apresentada pela mulher, ameaçando-os de que, se tal eventualidade se concretizasse, "desapareciam todos"; - Assim, a ideia parricida começou a avolumar-se na consciência do arguido como uma "missão a cumprir", como solução radical de "fazer justiça" e "de libertar a mãe do medo e do sofrimento que nela detectava"; - O circunstancialismo descrito na motivação do recurso e aqui sumariamente apontado fez despertar no arguido, homem sensível, de esmerada educação e ligado à mãe por intensos laços de afecto, uma emoção violenta e um estado de justificado desespero; - Esses sentimentos transbordavam na noite do crime e, dada a sua persistência e intensidade, diminuíram sensivelmente a capacidade valorativa do recorrente; - Deste modo, deverá entender-se que as circunstâncias excepcionais que precederam, acompanharam e motivaram a prática do crime, integram os requisitos de homicídio privilegiado previsto no artigo 133 do Código Penal; - O ilícito foi cometido, segundo a consciência do arguido, por um motivo de relevante valor moral; - pois ficou provado que o arguido interiorizou a ideia parricida como a única solução de defender a sua dignidade e a da mãe; - Tal ideia não constitui uma ideia patológica, mas é, pelo menos, uma ideia obsessiva que diminui acentuadamente a sua culpa; - Como ficou provado, foi tal ideia que "imprimiu na personalidade do arguido traços paranóides"; - O crime foi, pois, desencadeado compulsivamente por essa ideia mórbida, como um "destino a que não era possível escapar"; - E, sem dúvida, que os referidos traços paranóides resultam de uma alteração psíquica inibidora da capacidade de avaliar a realidade; - Releve-se ainda o facto importante, para a compreensão deste drama, de que a vítima nunca se ter assumido com verdadeiro pai e marido; - Consequentemente, e também por este fundamento, deve a conduta do recorrente ser subsumida ao referido artigo 133; - Até porque há uma adequada proporcionalidade entre o facto injusto e a reacção do agente, porquanto, não havia outra solução, do ponto de vista do arguido, de "fazer justiça" e de "libertar a mãe do seu sofrimento"; - Aliás, o requisito da proporcionalidade deve ser entendido de forma parcimoniosa, conforme as circunstâncias de cada caso, sob pena de conduzir a uma interpretação demasiado restritiva daquele preceito, ou até de excluir a sua aplicação; - Quando, porém, se entenda que o arguido cometeu não o crime de homicídio privilegiado, mas o crime de homicídio simples previsto no artigo 131 - pelo qual foi condenado - deverá, então, ser-lhe substancialmente reduzida a pena aplicada, de nove anos de prisão; - Na verdade, as circunstâncias relatadas e o especial condicionalismo do crime, impõem, a nosso ver, a atenuação especial da pena, nos termos dos artigos 73 e 74 do Código Penal; - Pelo que a pena a aplicar deve descer até ao limite mínimo de defesa do ordenamento jurídico; - Pois o arguido tem exemplar comportamento, anterior e posterior aos factos e entregou-se voluntariamente às autoridades; e - julgando em contrário ao aqui sufragado, o Tribunal "a quo" violou, por erro de interpretação, os citados artigos 133 e 73/74 do Código Penal. Por sua banda, refere o Ministério Público em síntese: - Para além das circunstâncias qualificativas das alíneas a) e f), verifica-se também a circunstância qualificante da alínea g) do n. 2 do artigo 132 do Código Penal; - O circunstancialismo apurado não tem a relevância bastante para alterar a imagem global do facto e não permite afastar o efeito indício de especial censurabilidade e perversidade enunciados nas alíneas a), f) e g) do referido artigo 132; - Ao decidir em contrário e fazendo uso dos poderes de convolação para o homicídio simples o Tribunal "a quo" violou, por erro de interpretação, o mencionado preceito legal; - Ao arguido deverá ser aplicada, em concreto, uma pena de prisão ligeiramente superior ao mínimo legal de 12 anos em abstracto cominada para o crime de homicídio qualificado; e - Improcedendo o alegado nas conclusões anteriores, deve a pena aplicada pela prática do crime de homicídio simples ser elevada de nove para 10 anos de prisão. A folhas 599 e seguintes e 601 e seguintes vieram responder, respectivamente, o arguido e o Ministério Público, cujos conteúdos se dão aqui como inteiramente reproduzidos e nos quais mantêm os pontos de vista que deixavam sublinhados nas suas iniciais motivações. 3. Subiram os autos a este Alto Tribunal e, lavrado o despacho preliminar e colhidos os vistos legais, designou-se dia para a audiência pública, que decorreu com observância do ritual da lei, como da acta se alcança. Cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada obsta ao conhecimento "de meritis": Deu o douto Tribunal Colectivo de Leiria como provadas as seguintes realidades factuais: - Na noite de 7 para 8 de Fevereiro de 1991 encontrava-se o arguido no interior da garagem da residência de seus pais, com quem vivia, na Rua Poeta Acácio Leitão, lote 35 - 1, Bairro dos Capuchos, desta cidade de Leiria; - Aí se havia colocado à espera que o seu pai, B (confira certidão de folhas 395), regressasse a casa, vindo de um jantar; - Tinha consigo o revólver de calibre 32, marca "Dan Wenor", com o n. de série SF-001244, examinado a folhas 213 e 214, sem que o mesmo lhe fosse oficialmente distribuído pelo Estado, e sem que tivesse licença de uso e porte de arma ou qualquer autorização do Comando-Geral da Polícia de Segurança Pública; - Tal arma havia-a o arguido retirado ao seu proprietário, Eloy Fledra D'Asse Castel-Branco, também sub-comissário da P.S.P., em Maio de 1990, sem conhecimento e autorização deste; - achava-se manifestada - livrete 193457 (folhas 143); - cerca da meia-noite apercebeu-se o arguido que era o seu pai quem, sózinho, ao volante do seu veículo, entrava na dita garagem; - No momento em que o seu pai saía do automóvel, logo o arguido dele se acercou e contra ele fez três disparos com a referida pistola, a cerca de três metros de distância, tendo-o atingido na zona do pescoço e na região esquerda do tórax; - Veio, assim, B a falecer em consequência directa e necessária das lesões sofridas, descritas e examinadas no certificado de óbito de folhas 4 e no auto de exame tanatológico de folhas 42 a 44 e no relatório de autópsia de folhas 315 e seguintes, que aqui se têm por reproduzidas para todos os legais efeitos; - Após haver efectuado os disparos o arguido saíu da garagem a correr, vagueando depois pela cidade durante algum tempo e passando por casa de um amigo, procurando, desse modo, acalmar-se antes de voltar para casa; - No dia seguinte o arguido escondeu a arma referida, com as restantes três balas, no meio de um silvado situado perto da casa de seus pais; - O arguido agiu livre e conscientemente, após haver decidido, durante o jantar desse dia, tirar a vida ao pai; - Actuou com o firme propósito de matar o seu pai, como de resto o fez; - Sabia ser obrigatório, para os oficiais de polícia, o manifesto de qualquer arma de defesa de que sejam proprietários; - Ao disparar contra o seu pai, sabia que incorria em responsabilidade criminal; - O arguido confessou os factos referidos nos ns. 1 a 9 e 11 e 12 do acórdão recorrido; - Tal confissão dos factos foi assumida pelo arguido quando, em 19 de Fevereiro, se entregou voluntariamente no Comando Distrital da P.S.P.; - O arguido é pessoa sensível, de esmerada educação e bom comportamento; - É pessoa habitualmente pacífica e cordata; - As relações inter-familiares (pai/arguido e restantes membros da família) eram marcadas pela existência de uma certa conflitualidade; - Seu pai tinha um comportamento distante, hostil e agressivo; - E não mantinha, praticamente, relações de amizade com ninguém, nem mesmo com colegas; - Ao longo dos anos - desde que o arguido se lembra - o ambiente familiar era pesado e tenso; - O pai não lhe prodigalizava carinho e amor; - Ao contrário, maltratava-o por vezes, física e moralmente, chegando a agredi-lo com o cinto; - Em consequência de uma dessas agressões, quando o arguido era ainda criança, este teve de receber tratamento hospitalar; - O pai também lhe recusava assistência material; - E foi por o pai não lhe querer pagar os estudos numa Universidade privada que o arguido se matriculou na Escola Superior de Polícia, onde o ensino é gratuito; - O desejo do arguido era obter um curso superior, e matricular-se numa Universidade privada, já que não tinha nota para ingressar nas Universidades Públicas; - Algumas vezes o pai lhe chamou "maluco" e "paranóico", discutindo com ele por questões às vezes pouco significativas; - Após a entrada do arguido para a Polícia, o pai chegou a fazer comentários jocosos sobre essa condição, chamando-lhe, depreciativamente, "esse polícia"; - As relações pai-filho eram, por isso, conflituais; - A vítima tratava também de forma prepotente e agressiva a irmã e a mãe do arguido (a outra filha e a própria mulher); - O falecido, por vezes, falava desabridamente à mulher e ameaçava-a de lhe bater e restringia as suas relações sociais; - Há cerca de 12 e 9 anos chegou mesmo a ameaçá-la de morte com uma pistola; - A mãe do arguido tinha medo do marido, tendo escondido, da segunda vez em que foi ameaçada de morte, a pistola deste; - Mais recentemente, escondeu um espeto da cozinha; - A vítima não contribuía para as despesas domésticas relacionadas com a alimentação e vestuário do casal e dos filhos e dos estudos destes - despesas estas que eram suportadas pela mãe do arguido; - O medo que tinha do arguido causava à mãe do arguido ansiedade e sofrimento; - A mãe do arguido chegou a manifestar ao marido a intenção de se divorciar, tendo havido uma reacção violenta de rejeição por parte deste, que disse se ela pedisse o divórcio "desapareciam todos"; - A vítima manifestava ciúme pela estreita ligação afectiva existente entre mãe e filho (entre o arguido e sua mãe e exteriorizava asperamente aquele sentimento, chegando a dizer ao arguido que saísse de casa; - Os factos supra referidos criavam um sentimento de aversão e repulsa do arguido em referência ao pai; - A partir de certa altura - desde há dois anos atrás - a ideia da morte do pai começou a surgir no pensamento do arguido e este começou a tomar consciência de que não havia outra solução, tomando tal como uma missão a cumprir, no sentido de "fazer justiça" e de libertar a mãe do medo e do sofrimento que nela detectava; - O arguido foi desenvolvendo essa ideia, contrapondo a imagem do pai resultante do comportamento deste acima descrito, à visão que tinha da mãe, de pessoa excepcional, a mais bonita, a mais terna e carinhosa de todas as mães - a mãe deslumbrante; - A agressividade da vítima agravou-se quando foi exonerada do cargo de director do Centro de Saúde de Leiria, há cerca de ano e meio; - O arguido concorreu, em Agosto de 1984, para ingresso no curso de piloto aviador, à Academia da Força Aérea; - No cumprimento dos exames de rotina para qualquer candidato àquela especialidade de piloto foi observado, em psiquiatria, pelo médico psiquiatra do Centro de Medicina Aeronáutica da Força Aérea, que formulou o parecer que se acha transcrito a folhas 452 e aqui se tem por reproduzido; - O arguido era, à data dos factos, o comandante da esquadra da P.S.P. das Caldas da Rainha; - Revelou sempre, desde os tempos que frequentou a Escola de Polícia, falta de adaptação à função e um certo desinteresse profissional; - Um ou dois dias antes dos factos fizera uma investigação sobre um crime, no âmbito das suas funções policiais; - No Natal de 1990 rompeu a relação com a namorada, que durava há cerca de sete anos; - A família do arguido tem um estatuto económico, cultural e social típico da classe média: o pai era médico e a mãe é professora do Ensino Especial; - O arguido teve um bom aproveitamento escolar, nunca tendo reprovado e tendo concluído o 12 ano com 17 anos de idade; - Foi sempre amante das práticas desportivas, nas quais sempre procurou ser um ganhador, uma figura em data que, particularmente no futebol; - No dia 7 de Fevereiro de 1991 dirigiu-se pela primeira vez para a garagem do prédio, para esperar o pai cerca das 23 horas; - Após alguns momentos de espera, recuou na sua decisão de o matar, e saiu da garagem; - Voltou cerca de meia hora depois, novamente determinado a matar o pai; - Algum tempo depois, recuou de novo na sua decisão e voltou a abandonar a garagem; e - Regressou, de novo, passados alguns momentos, e aguardou a chegada do pai, a qual aconteceu pouco tempo depois. 4. Extractada a matéria de facto dada como certificada - que este Supremo Tribunal tem de acatar em toda a sua plenitude e como insindicável, dada a sua dignidade de Tribunal de revista e atento o que preceituam os artigos 433 e 29, respectivamente, do Código de Processo Penal e da Lei n. 38/87, de 23 de Dezembro - cumpre-nos, para já, acometer a tarefa da sua subsunção ao perímetro do Direito Criminal. Foi o arguido trazido à ribalta do plenário acusado da prática dos seguintes delitos: - um crime de homicídio qualificado previsto e punível pela disposições conjuntas dos artigos 131 e 132 ns. 1 e 2 alíneas a), c), f) e g) do Código Penal; e - um crime previsto e punível pelo artigo 260 do Código Penal. Como no intróito deste trabalho já deixamos sublinhado, o acórdão da 1 Instância absolveu o arguido do crime do artigo 260 do Código Penal e condenou-o pelo crime do artigo 131 do mesmo diploma. Tal decisão não agradou nem a gregos nem a troianos e daí os recursos interpostos pelo arguido e pelo Digno Representante do Ministério Público. Pugna o primeiro no sentido de que o crime por si cometido é o previsto e punido pelo artigo 133 do Código Penal. Terça armas o segundo na direcção de que o crime praticado pelo arguido cai sob a alçada do artigo 132 do Código Penal. "Quid juris?" Dispõem os mandamentos dos artigos 131 e 132 o seguinte: - Artigo 131: "Quem matar outrem será punido com prisão de 8 a 16 anos." - Artigo 132: "1. Se a morte for causada em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente a pena será a de prisão de 12 a 20 anos. 2. É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: a) Ser descendente ou ascendente, natural ou adoptivo, da vítima; ... c) Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil; ... f) Utilizar veneno, qualquer outro meio insidioso ou quando o meio empregado se traduzir na prática de um crime de perigo comum; g) Agir com premeditação, entendendo-se por esta a frieza de ânimo, a reflexão sobre os meios empregados ou o protelamento da intenção de matar por mais de 24 horas; ...". A leitura e consequente exegese dos preceitos penais acabados de transcrever leva-nos a deles extrair as seguintes e importantes conclusões: 1 - Na essência de tais normativos reside a prática de um crime de homicídio; 2 - Tratando-se de um crime de homicídio qualificado deverá o seu agente, como é lógico, ser punido mais severamente, porquanto a sua perpetração revela e manifesta, por banda do seu autor, uma especial censurabilidade ou perversidade; 3 - O legislador de 1982 para definir, a título meramente exemplificativo, essa censurabilidade ou perversidade, indicou determinados índices, que são os assinalados nas diversas alíneas do transcrito artigo 132; 4 - Tais índices ou sintomas dessa censurabilidade ou perversidade não constituem componentes do tipo legal de crime - esses encontram-se emoldurados no aludido artigo 131 - mas tão simplesmente pressupostos do requisito culpa; e 5 - Sendo assim, tais circunstâncias ou exemplos-padrão, como certa doutrina os cognomina, não são de funcionamento automático, querendo-se com isto significar que, uma vez certificados, de imediato se possa rematar pela censurabilidade ou perversidade do agente (confira com interesse Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal - Parte Especial - Edição de 1979 - a páginas 21 e seguintes e entre tantos outros os Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Fevereiro de 1984, de 20 de Março de 1985 e de 5 de Fevereiro de 1986, in, respectivamente, Boletins ns. 334, 267, 345-248 e 354-285). Expostas, em apertada síntese - pois o tempo não nos sobeja para mais - estas liminares reflexões, compete-nos, sem mais dilação, proceder a duas essenciais operações: A primeira, consubstanciada em averiguar se os índices referenciados no libelo acusatório se mostram patentes na situação derramada no processo. A segunda, concretizada em descortinar se, não obstante a conferência de tais sintomas - caso se manifestem, como é óbvio - não existem quaisquer circunstâncias dotadas de força e viabilidade bastantes para fazer aluir aquela censurabilidade ou perversidade que aqueles sinais evidenciam. Isto assente, comecemos pela primeira missão. Relembremos o painel dos factos dados como confirmados no aspecto em questão: - Na noite de 7 para 8 de Fevereiro de 1991 encontrava-se o arguido no interior da garagem da residência de seus pais, com quem vivia, sita em Leiria; - Aí se havia colocado à espera que seu pai, B (confira certidão de folhas 395), regressava a casa, vindo de um jantar; - Nesse dia 7 de Fevereiro dirigiu-se pela primeira vez para a garagem do prédio, para esperar o pai, cerca das 23 horas, e para o matar; - Após alguns momentos de espera, recuou na sua decisão de o matar, e saiu da garagem; - Voltou cerca de meia hora depois, novamente determinado a matar o pai; - Algum tempo depois, recuou de novo na sua decisão e voltou a abandonar a garagem; - Regressou, de novo, passados alguns momentos, e aguardou a chegada do pai, a qual aconteceu pouco tempo depois; - Tinha consigo o revólver de calibre 32, marca "Dan Wenor", com o n. de série SF-001244, examinado a folhas 213; - Cerca da meia noite apercebeu-se o arguido que era o seu pai quem sózinho, ao volante do seu veículo, entrava na dita garagem; - No momento em que o seu pai saía do automóvel, logo do arguido dele se acercou e contra ele fez três disparos com a referida arma, a cerca de três metros de distância, tendo-o atingido na zona do pescoço e na região esquerda do tórax; - Veio, assim, o B a falecer em consequência directa e necessária das lesões sofridas, descritas e examinadas no certificado de óbito, no auto de exame tanatológico e no relatório de autópsia, respectivamente, de folhas 4, 42 e 315 e seguintes; - Após haver efectuado os disparos, o arguido saiu da garagem a correr, vagueando depois pela cidade durante algum tempo e passando por casa de um amigo, procurando, desse modo, acalmar-se antes de voltar para casa; - No dia seguinte o arguido escondeu a arma referida, com as restantes três balas, no meio de um silvado situado perto da casa de seus pais; - O arguido agiu livre e conscientemente, após haver decidido, durante o jantar desse dia, tirar a vida ao pai, decisão, aliás, que já vinha alimentando há cerca de dois anos; - Actuou com o firme propósito de matar o seu pai, como de resto o fez; - Ao disparar contra seu pai, sabia o arguido que incorria em responsabilidade criminal; e - O arguido era, à data dos factos oficial comandante da Esquadra da P.S.P. das Caldas da Rainha. Ora, fazendo incidir a nossa atenta objectiva sobre o manancial fáctico acabado de trasladar, somos levados à segura conclusão de que, em princípio, observados se patenteiam determinados sintomas ou sinais perfeitamente demonstrativos de que o arguido, com o seu procedimento, revelou especial censurabilidade. Com efeito, tal especial censurabilidade enquadra-se no território das seguintes circunstâncias qualificantes do n. 2 do artigo 132 do Código Penal: - alínea a): na medida em que, com o seu actuar, matou o seu próprio pai e, dessa forma, comportou-se, com tal atitude, sem o mínimo respeito pela vida e pelo forte laço que o ligava ao autor dos seus dias, bem como pelos deveres de subordinação e disciplina que sobre ele impendiam em relação a seu pai, franqueando à comunidade onde se acha inserido a sua perversidade e malvadez altamente censuráveis. Mas tal censurabilidade ainda se exterioriza através de outros atributos, designadamente dos indicados nas alíneas f) e g) do aludido n. 2 do artigo 132. Na verdade, mostra-se justificado que o arguido, no condicionalismo de tempo, lugar e modo comprovados: - utilizou uma actuação insidiosa, ou seja um meio traiçoeiro, na medida em que esperou o pai, de noite, dentro de uma garagem, disparando sobre ele três tiros de revólver, a cerca de três metros, sem, contudo, dar, assim, qualquer oportunidade de defesa à vítima, e lançando mão, para concretizar o seu criminoso objectivo, de um meio que se traduz na prática de um crime comum (confira Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Março de 1983 in Recurso n. 36935); e - por outro lado, agiu com premeditação, materializada no modo frio como operou - "frigido pacato que animo"- na firmeza, tenacidade e irrevogabilidade da decisão de tirar a vida ao pai, na permanente reflexão dos meios empregados, bem como no protelamento da intenção de matar por cerca de dois anos antes da eclosão dos acontecimentos. Concluindo, dir-se-à que certificados se encontram, pois, no caso do pleito, - e em princípio, repita-se - os índices dos exemplos - padrões estatuídos nas alíneas a), f) e g) do n. 2 do artigo 132 do Código Penal. Mas não basta, como acima deixamos assinalado, a prova de tais sintomas, pois estes não actuam automaticamente, para de imediato se deduzir pela censurabilidade. Torna-se ainda necessário proceder a uma nova operação, consistente em indagar se, mau grado na prova dos índices estabelecidos pelo legislador como exemplos-padrão, não ocorrem circunstâncias com a capacidade bastante para contraprovarem o efeito dos indícios apurados. E desde já se tenha de avançar no sentido de que tais circunstâncias tem de desfrutar de um significado com viabilidade bastante para corromper a imagem global do facto perpretado pelo acusado. Demos a palavra, pelo seu interesse neste aspecto, a Teresa Serra que, no seu livro Homicídio Qualificado - Tipo de culpa e medida da pena escreve: "... Daí que, na Alemanha, o BGH exigia, para considerar revogado o efeito de indício do exemplo-padrão" a existência na pessoa do autor ou na sua acção de circunstâncias extraordinárias que destaquem a sua ilicitude ou a sua culpa claramente do caso padrão. Assim, considera-se que as circunstâncias atenuantes gerais (como o bom comportamento anterior, mérito pessoal ou cívico, a confissão espontânea, o arrependimento ou a disposição de ressarcir os danos reparáveis) não são susceptíveis, por si só, de contraprovarem o efeito de indício dos exemplos-padrão...". E mais adiante: "... Daí que se possa dizer que só circunstâncias extraordinárias ou, então, um conjunto raro de circunstâncias especiais possa anular o efeito de indício. Exemplo disso é o caso do filho que mata o pai, dominado pelo desespero de o ver sofrer de forma atroz no estádio terminal de uma doença incurável e dolorosa. Ou o agente ter sido levado a matar por compreensível emoção violenta, empregando acto de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima. A existência de um destes motivos ou de um outro motivo de relevante valor social ou moral que diminua sensivelmente a culpa do agente parece constituir contra-prova bastante do efeito de indício ligado à afirmação de uma das circunstâncias do n. 2 do artigo 132. Atente-se no facto de que, a ser assim, as circunstâncias atenuantes gerais e especiais, porque insusceptíveis de contraprovarem o efeito de indício dos exemplos-padrão, não seriam, pelo menos em regra, objecto de ponderação no momento de determinação da moldura penal aplicável, só devendo ser tomados em consideração no momento da fixação da medida concreta da pena. Esta conclusão é importante, na medida em que alivia consideravelmente o juiz que, assim, fundamentará a sua apreciação, na esmagadora maioria dos casos, no efeito de indício que está na base da valoração feita inicialmente pelo legislador, só muito raramente, e perante circunstâncias muito específicas, devendo considerar revogado o efeito de indício e aplicar o artigo 131..." Esta a lição da Doutrina e que este Supremo Tribunal vem abraçando em variados acórdãos, como é consabido. Vejamos, pois, a recapitulação dos factos dados como assentes com interesse para o ponto em questão. São eles os seguintes: - O arguido confessou a prática dos factos referidos nos ns. 1 a 9 e 11 e 12 do acórdão recorrido; - Tal confissão dos factos foi assumida pelo arguido quando, em 19 de Fevereiro, se entregou voluntariamente no comando distrital da P.S.P.; - O arguido é pessoa sensível, de esmerada educação e bom comportamento; - É pessoa habitualmente pacífica e cordata; - As relações inter-familiares (pai/arguido e restantes membros da família) eram marcadas pela existência de uma certa conflitualidade; - Seu pai tinha um comportamento distante, hostil e agressivo; - E não mantinha, praticamente, relações de amizade com ninguém, nem mesmo com colegas; - Ao longo dos anos - desde que o arguido se lembra - o ambiente familiar era pesado e tenso; - O pai não lhe prodigalizava carinho e amor; - Ao contrário, maltratava-o por vezes, física e moralmente, chegando a agredi-lo com o cinto; - Em consequência de uma dessas agressões, quando o arguido era ainda criança, este teve de receber tratamento hospitalar; - O pai também lhe recusava assistência material; - E foi por o pai não lhe querer pagar os estudos numa Universidade privada que o arguido se matriculou na Escola Superior da Polícia, onde o ensino é gratuito; - O desejo do arguido era obter um curso superior, e matricular-se numa Universidade privada, já que não tinha nota para ingressar nas Universidades Públicas; - Algumas vezes o pai lhe chamou "maluco" e "paranóico", discutindo com ele por questões às vezes pouco significativas; - Após a entrada do arguido para a Polícia, o pai chegou a fazer comentários jocosos sobre essa condição, chamando-lhe, depreciativamente, "esse polícia"; - As relações pai-filho eram, por isso, conflituais; - A vítima tratava também de forma prepotente e agressiva a irmã e a mãe do arguido; - O falecido, por vezes, falava desabridamente à mulher e ameaçava-a de lhe bater e restringia as suas relações sociais; - Há cerca de 12 e 9 anos chegou mesmo a ameaçá-la de morte com uma pistola; - A mãe do arguido tinha medo do marido, tendo escondido, da segunda vez em que foi ameaçada de morte, a pistola deste; - Mais recentemente, escondeu um espeto da cozinha; - A vítima não contribuia para as despesas domésticas relacionadas com a alimentação e vestuário do casal e dos filhos e dos estudos destes - despesas estas que eram suportadas pela mãe do arguido; - O medo que tinha do arguido causava à mãe do arguido ansiedade e sofrimento; - A mãe do arguido chegou a manifestar ao marido a intenção de se divorciar, tendo havido uma reacção violenta de rejeição por parte deste, que disse se ela pedisse o divórcio "desapareciam todos"; - A vítima manifestava ciúme pela estreita ligação afectiva existente entre mãe e filho e exteriorizava asperamente aquele sentimento, chegando a dizer ao arguido que saísse de casa; - Os factos supra referidos criavam um sentimento de aversão e repulsa do arguido em referência ao pai; - A partir de certa altura - desde há dois anos atrás - a ideia da morte do pai começou a surgir no pensamento do arguido e este tomou a tomar consciência de que não havia outra solução, tomando tal como uma missão a cumprir, no sentido de "fazer justiça" e libertar a mãe do medo e do sofrimento que nela detectava; - O arguido foi desenvolvendo essa ideia, contrapondo a imagem do pai resultante do comportamento deste acima descrito, à visão que tinha da mãe, de pessoa excepcional, a mais bonita, a mais terna e carinhosa de todas as mães - a mãe deslumbrante; - A agressividade da vítima agravou-se quando foi exonerado do cargo de director do Centro de Saúde de Leiria, há cerca de ano e meio; - O arguido concorreu, em Agosto de 1984, para ingresso no curso de piloto aviador, à Academia da Força Aérea; - No cumprimento dos exames de rotina para qualquer candidato àquela especialidade de piloto foi observado, em psiquiatria, pelo médico psiquiátrico do Centro de Medicina Aeronáutica da Força Aérea, que formulou o parecer que se acha a folhas 452 e que aqui se tem por reproduzido; - O arguido era, à data dos factos, o comandante da Esquadra da P.S.P. das Caldas da Rainha; - Revelou sempre, desde os tempos que frequentou a Escola da Polícia, falta de adaptação à função e um certo desinteresse profissional; - Um ou dois dias antes dos factos fizera uma investigação sobre um crime, no âmbito das suas funções policiais; - No Natal de 1990 rompeu a relação com a namorada, que durava há cerca de sete anos; - A família do arguido tem um estatuto económico, cultural e social típico da classe média: o pai era médico e a mãe professora do Ensino Especial; e - O arguido teve um bom comportamento escolar, nunca tendo reprovado e tendo concluído o 12 ano com 17 anos de idade. "Quid juris"? A decisão agravada, alicerçada no exame efectuado pelos peritos legais, afastou a inimputabilidade do acusado, considerando-o imputável pelos factos perpetrados, embora admitindo determinadas circunstâncias atenuantes, dados os traços paranóides da sua personalidade, que no seu exame mental ficavam sublinhados. Plenamente de acordo com o que foi entendido a esse respeito. E igualmente considerou que o arguido deu a morte a seu pai num quadro de circunstâncias marcado por evidente conflitualidade das relações familiares - clima de tensão este gerado pela própria vítima entre esta, a mãe e os filhos, nomeadamente o arguido - que o levou, para lhe por termo, e como "missão a cumprir", a aniquilar o pai, imprimindo, assim, na sua personalidade os aludidos traços paranóides. Face a tais ingredientes de facto, sentenciou que tal condicionalismo e atenta a sua personalidade, se apresentava, como o responsável pela conflagração da ocorrência. Ora, o conjunto das mencionadas condições em que actuou apresentavam-se com a viabilidade bastante para impugnar os índices dos exemplos-padrão, que considerou observados, ou sejam tão simplesmente os das alíneas a) e f) do n. 2 do artigo 132 do Código Penal, afastando, deste modo, a aplicação do artigo 132 do referido Código. Este Supremo Tribunal de Justiça, após uma profunda meditação sobre os factos que se deixaram exarados, deliberou adoptar a tese mantida pela 1 Instância, por entender que eles se apresentavam e tinham a dignidade bastante para contraprovarem a censurabilidade da actuação do acusado - inscrita quanto a nós nos índices dos exemplos-padrões das alíneas a), f) e g) do aludido n. 2 do artigo 132. Com efeito, a vítima não soube ser marido nem pai, pois tratava a mulher e os filhos, no número dos quais se encontrava o acusado, de forma prepotente e agressiva, chegando a ameaçar aquele de morte com uma pistola. Não contribuia para as despesas domésticas relacionadas com a alimentação e vestuário. Não prodigalizava carinho e amor aos filhos, maltratando-os, física e moralmente e chamando-os nomes injuriosos, principalmente ao filho varão, chegando a agredir este com um cinto e obrigando-o, por esse motivo, a receber tratamento hospitalar. Não lhe pagava os estudos. Proporcionava aos seus mais directos familiares um clima de intensa conflitualidade e um tenso e pesado ambiente familiar, que ocasionava medo, principalmente à esposa. E tudo isto perdurou por largos anos, tendo-se agravado há cerca de um ano e meio antes dos factos. Tornou-se, assim, a vítima um homem imprudente e, como diz o adágio popular, o "pai imprudente torna o filho desobediente". Não podemos, todavia, olvidar que o arguido é uma pessoa - que, embora não padecendo de doença mental, a estrutura da sua personalidade sugere alguns traços paranóides (confira exame mental de folhas 486). Essa circunstância, como é de crer, aliada ao comportamento do pai, atrás descrito, e ao desejo de pôr termo, de uma vez para sempre, ao medo que em casa reinava e principalmente quanto a sua mãe - pessoa que muito amava - foram as gotas que fizeram transbordar a sua psíque, passando a partir de certa altura a cogitar em tirar a vida a seu pai. Contudo, por diversas vezes - nomeadamente na própria noite da deflagração dos acontecimentos - procurou recuar com a ideia que vinha congeminando, já há cerca de dois anos, mas à terceira perfectibilizou o seu propósito, matando o pai. Ora, todos estes componentes de facto são de molde a extrairmos a dedução de que se mostra, por força deles, desterrada a especial censurabilidade por parte do arguido, esculpida nos sinais dos exemplos-padrão das alíneas a), f) e g) do n. 2 do artigo 132. Apagada, assim, essa especial censurabilidade, positivamente que bem andou o acórdão apelado ao reputar o acusado como autor do crime de homicídio simples previsto e punível pelo artigo 131 do Código Penal, entendimento que se abraça. E desta forma, se responde ao Ilustre - recorrente - representante do Ministério Público quando, na sua bem elaborada motivação, peleja no sentido de que o arguido cometeu o crime de homicídio qualificado previsto e punido pelo artigo 132 do Código Penal. E também ao arguido-agravante quando, na sua não menos destra peça-processual, discute com calor que a conduta do acusado se enquadra no normativo legal do artigo 133 do Código Penal. É que, para que tal delito se verificasse, necessário se tornaria que se desse como assente que o arguido, ao matar o pai, o fizesse dominado, ou por compreensível emoção violenta, desespero ou outro motivo de relevante valor social ou moral, e que diminuísse sensivelmente a sua culpa. Este Alto Tribunal definiu, com toda a segurança, que nenhum dos referidos pressupostos - e "conditio sine qua non" para a observância do crime em estudo - se deu como atestado. 5. Emoldurados os factos na sua dignidade jurídico-criminal, outra empreitada se nos avizinha, ou seja a do doseamento da pena a aplicar. Neste aspecto, surge-nos, em primeira linha, o farol do artigo 72 do Código Penal, que prescreve as directrizes que hão-de iluminar o julgador em tão "ardua quaestio": a culpa do agente, as exigências de prevenção de futuros crimes e todas as circunstâncias que deponham a favor do agente ou contra ele e que não façam parte do tipo de crime, sem prejuízo, é claro, dos limites mínimo e máximo da pena aplicável em abstracto, que, no caso do processo, se situam em 8 e 16 anos de prisão. Muito elevado se apresenta o grau da ilicitude do facto, na medida em que o agente violou o mais importante e sagrado dos direitos da pessoa humana, e extremas foram as suas consequências. O modo de execução do facto - crime cometido com superioridade em razão da arma e da idade, de noite, com espera, surpresa e traição, através de meio insidioso e traiçoeiro, com premeditação, consubstanciada esta na frieza de ânimo, na reflexão sobre os meios utilizados e no protelamento da intenção de matar por mais de 24 horas, e finalmente o abandono da vítima, caída no chão e ensanguentada, após os disparos, com grave violação dos deveres inerentes à sua condição de filho e da profissão que então exercia e que lhe impunham o maior respeito pela defesa e segurança das pessoas - largamente desabona a conduta do acusado. Muito intenso se manifesta o dolo com que o arguido agiu. A minorar a sua responsabilidade observam-se as seguintes circunstâncias: - de haver confessado os factos, embora tardiamente; - o seu anterior e posterior bom comportamento, apresentando-se como pessoa sensível, de esmerada educação, pacífica e conduta; - os motivos determinantes da actuação do arguido, atrás mencionados; e - de ser pessoa, que embora não padeça de doença mental, a estrutura da sua personalidade sugere alguns traços paranóides. O arguido, bem como a sua família, têm um estatuto económico, cultural e social típico da classe média: o pai era médico e a mãe é professora do Ensino Especial. Ora, ponderando todos os elementos de facto, acabados de apontar, e não desprezando as exigências de prevenção de futuros crimes - infelizmente hoje tão frequentes - somos de parecer de que a reacção criminal com que a decisão da 1 Instância estigmatizou o criminoso procedimento do acusado - nove anos de prisão - revela-se equilibrada e justamente doseada, merecendo o nosso inteiro aplauso e confirmação. E de igual ratificação beneficia o demais decidido. 6. Desta arte e pelos expostos fundamentos, decidem os juizes deste Supremo Tribunal de Justiça negar provimento aos recursos interpostos pelo Ministério Público e pelo arguido, e, consequentemente, confirmar na íntegra o bem elaborado acórdão recorrido. O arguido-recorrente pagará de taxa de justiça e de procuradoria, respectivamente, 20 UCS e 1/3 da referida taxa. Lisboa, 13 de Janeiro de 1993. Ferreira Dias, Pinto Bastos, Ferreira Vidigal, Abranches Martins, Sá Nogueira. Decisão impugnada: I- Acórdão de 3 de Junho de 1992 do 1 Juízo, 1 Secção do Tribunal de Círculo de Leiria. |