Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1857/11.5TBMAI.P2.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
SIMULAÇÃO DE CONTRATO
REQUISITOS
EFEITOS
NULIDADE DO CONTRATO
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
VONTADE DOS CONTRAENTES
DIREITOS DE TERCEIRO
BOA FÉ
Data do Acordão: 03/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I – Para que se verifique a simulação (artigo 240.º do Código Civil) é necessário:

- o pacto simulatório entre o declarante e o declaratário;

- a divergência intencional entre o sentido da declaração e os efeitos do negócio jurídico – simuladamente celebrado;

- o intuito de enganar terceiros;

II – O negócio simulado é nulo.

III – Os simuladores não podem invocar a nulidade contra terceiros de boa fé.

Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


           

I. Relatório

1. AA instaurou ação de processo comum contra BB e CC, Caixa Geral de Depósitos, S.A. e Daimler Chrysler Services Portugal, Instituição Financeira de Crédito, S.A., pedindo que seja declarado que o contrato de compra e venda do imóvel que identifica na petição inicial celebrado entre si e os primeiros RR. é nulo por simulação o que, sendo do conhecimento da segunda R., importa igualmente a nulidade da hipoteca então constituída sobre o mesmo imóvel como garantia do empréstimo concedido por esta àqueles e bem assim a nulidade da penhora e cancelamento da mesma do respetivo registo predial, posteriormente efetuado no âmbito da execução em que a terceira R. é exequente, que se declare nula a aquisição, por adjudicação, do imóvel pela CGD e que se ordene o cancelamento do respetivo registo predial, que fique sem efeito o cancelamento do registo da reconvenção deduzida por si contra os primeiros RR. no âmbito de uma anterior ação que lhe foi movida por este e que todos os RR. reconheçam e respeitem o direito de propriedade da A. sobre o imóvel e se abstenham de praticar atos que possam por em causa aquele direito.

A Autora alega, em síntese, que:

- celebrou, enquanto vendedora, com os primeiros RR., enquanto compradores, um contrato de compra e venda de um imóvel que efetivamente não corresponde à vontade das partes na medida em que, nunca deixando de o habitar, nem tendo recebido qualquer preço, se destinou unicamente a permitir que os supostos compradores, dispondo de um bem dessa natureza, o oferecessem como garantia de um empréstimo que, embora para projetos próprios, veio a ser concedido pela terceira R., perfeitamente conhecedora de toda esta realidade, para financiamento da respetiva aquisição;

- os primeiros RR., depois de conquistarem a sua confiança e criarem em si sentimentos de gratidão, a convenceram de que o dito contrato de compra venda os ajudava, sem a prejudicar, porquanto se comprometeram a, decorridos doze meses, restituir- lhe o imóvel livre de ónus e encargos, designadamente  da hipoteca, o que, porém, nunca veio a suceder, acabando, por falta de pagamento pelos primeiros RR. do empréstimo contraído junto da CGD, por dar lugar à adjudicação do imóvel a esta última na fase da venda levada a cabo na execução movida pela quarta R. por incumprimento do contrato de locação financeira que entretanto os mesmos primeiros RR. celebraram com esta relativamente a uma viatura automóvel.

Finalmente, invocou o registo, prévio à dita adjudicação do imóvel à CGD, da reconvenção em que na ação n.º 6237/06.... já pediu contra os aí AA., aqui primeiros RR., a nulidade do referido contrato de compra e venda por simulação, e bem assim a condenação destes por burla qualificada praticado contra si.

Por último, assinalou a Autora a procedência da prévia providência cautelar no sentido da suspensão dos efeitos da aquisição pela aí requerida CGD, através de adjudicação em execução, da fração autónoma descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...38..., da freguesia ..., nomeadamente a entrega, até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida na ação principal a instaurar.

2. Citada, a Ré CGD, em contestação, reconhecendo o contrato de mútuo com hipoteca, invocou o seu desconhecimento do alegado acordo simulatório entre a Autora e os primeiros RR. e, por isso, defendendo a sua boa fé, reclamou a validade da constituição da hipoteca, assim como da subsequente adjudicação a si do imóvel na execução movida contra estes pela quarta Ré, também de boa-fé, cujos atos, designadamente a penhora aí realizada do imóvel, assim, não podem ser afetados pela nulidade proveniente da simulação.

De todo o modo, caso se entenda pela procedência da nulidade do contrato de constituição de hipoteca e da sua subsequente aquisição do imóvel em execução, a Autora deve ressarci-la pelos danos que a respetiva conduta lhe causou ou seja o valor de €103 301,10, referente ao capital em dívida antes dessa aquisição, acrescido dos últimos três anos de juros e demais despesas pagas por si a título de IMI, €730,00 e honorários ao AE no processo executivo 713/07.... movido pela quarta Ré, e dos juros moratórios desde a citação até efetivo pagamento.

Termina pedindo a condenação da Autora como litigante de má-fé.

3. Entretanto por decisão de 24/10/2013 foi julgado habilitado, como único herdeiro legítimo da entretanto falecida AA, o seu filho DD, na qualidade de Autor.

4. Mediante prévio exercício do contraditório, a instância foi julgada extinta por inutilidade superveniente da lide por decisão que, objeto de recurso, foi revogada pelo Tribunal da Relação ... que ordenou o prosseguimento da ação e a tomada de decisão relativamente à Reconvenção da Ré CGD.

5. Admitida a Reconvenção, foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do processo e enunciados os temas de prova.

6. Ordenada a citação dos primeiros RR. que ainda não havia sido efetuada, o Réu citado impugnou os factos alegados pela Autora e defendeu a impossibilidade de esta recorrer à prova testemunhal para demonstração da alegada simulação.

7. Em resposta à reconvenção da Ré CGD, a Autora impugnou os respetivos factos.

8. Mantendo-se o despacho saneador, o objeto do litígio bem como os temas de prova os autos prosseguiram para julgamento.

9. Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Julgo a acção parcialmente procedente e improcedente a reconvenção, e, em consequência:

anulo o contrato de compra e venda melhor id. em 1) dos Factos Provados celebrado entre a A. e os primeiros RR.

declaro nula a penhora que incidiu sobre o imóvel objecto deste contrato de compra e venda requerida pela terceira R. na execução n.º 713/07.... do extinto ... Juízo Cível ... e ordeno o cancelamento do respectivo registo.

declaro nula a adjudicação do mencionado imóvel à segunda R. CGD no âmbito da mesma execução e ordeno o cancelamento do registo da respectiva aquisição.

dou sem efeito o cancelamento do registo da reconvenção da aqui A. no Processo 6237/06.... do extinto ... Juízo Cível do Tribunal Judicial ....

condeno os RR. a reconhecerem e respeitarem o direito de propriedade da A. sobre o mesmo imóvel e a absterem-se de quaisquer actos que o possam por em causa.

absolvo os RR. do demais peticionado.

absolvo a A. do pedido reconvencional da R. CGD.

Custas da acção por A. e primeiros RR. na proporção do respectivo decaimento, fixando-se a proporção em 1/8 para aquela e em 7/8 para estes e da reconvenção pela reconvinte CGD”.

10. Inconformado com esta decisão, a Ré CGD e o Réu BB interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação ....

11. O Tribunal da Relação ... veio a julgar “procedentes os recursos dos apelantes”, revogando “a sentença recorrida.”

12. Inconformada com tal decisão, veio a Autora habilitada Massa Insolvente DD interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

 I. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão do Tribunal da Relação ... proferido nos autos do processo acima identificado, que julgou procedente a apelação interposta pelos réus Caixa Geral de Depósitos, S.A. e BB, revogando a sentença recorrida.

II. Entende a autora, ora recorrente, que, face à factualidade dada como provada em juízo e ao Direito aplicável, a decisão recorrida consubstancia uma violação da lei substantiva, motivo que justifica o presente recurso (artigo 674.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do CPC).

III. Conforme resulta do supra exposto, o tribunal recorrido entendeu ser de conceder provimento à questão levantada pelos réus, mantendo-se a titularidade do imóvel em causa nos presentes autos na esfera patrimonial da ré Caixa Geral de Depósitos, S.A.

IV. Tal como resulta dos autos, em sede de articulados, nomeadamente no articulado de contestação, a recorrida Caixa Geral de Depósitos reconheceu a existência do contrato de mútuo com hipoteca, invocou o seu desconhecimento do alegado acordo simulatório entre a recorrente e os primeiros réus e, por isso, defendeu a sua boa fé, reclamou a validade da constituição da hipoteca assim como da subsequente adjudicação a si do imóvel na execução movida contra estes pela quarta ré, também de boa-fé, cujos actos, designadamente a penhora aí realizada do imóvel.

V. Alegou, assim, que os negócios em causa não podem ser afectados pela nulidade proveniente da simulação.

VI. Ora, conforme supra se referiu, foi em consequência desta decisão que foi interposto o recurso de apelação.

VII. O tribunal da 1ª instância proferiu a sua decisão com base na prova dos autos, quer a documental quer a produzida em sede de audiência de julgamento.

VIII. No entender da recorrente, o douto acórdão recorrido não clarifica e não motiva, adequadamente, a sua decisão.

IX. Destarte, a prova produzida e mantida neste aresto, não deixa margem para dúvidas.

X. De facto, a então A. estava convencida que os primeiros RR. iriam pagar o empréstimo ao mesmo tempo contraído e de que iriam restituir-lhe o imóvel tal como haviam combinado, isto é, sem quaisquer ónus ou encargos.

XI. Após aquisição (embora com base em erro) do imóvel em causa, os primeiros RR. constituíram de imediato sobre ele uma hipoteca, a favor da recorrida CGD.

XII. Hipoteca essa que permitiu à recorrida o recurso à acção executiva e posterior aquisição do imóvel na fase da venda para pagamento do crédito assim beneficiário de uma garantia real.

XIII. Salvo devido respeito, entende a recorrente que o tribunal da Relação não ponderou correctamente a prova dos autos e não efetuou a subsunção jurídica de forma adequada.

XIV.   Dos factos considerados provados só se poderia tirar a conclusão a que se chegou o tribunal da 1ª instância, ou seja a nulidade do negócio.

E conclui: “deverá proferir-se douto Acórdão que julgue procedente o recurso em causa, revogando-se, in totum, o douto Acórdão recorrido”.

13. A Ré CC veio contra-alegar, pugnando pelo infundado da revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1. A A. recorrente não se conformou com o douto acórdão de fls. … alegando, para tanto, que, face à factualidade dada como provada em juízo e ao Direito aplicável, a decisão recorrida consubstancia uma violação da lei substantiva porquanto dos factos considerados provados só se poderia tirar a conclusão a que se chegou o tribunal da 1ª instância, ou seja, a nulidade do negócio.

2. A R. entende que o Mmº juiz valorou correctamente a prova produzida, considerando de forma adequada os factos tidos por provados e não provados, pretendendo, com a presente resposta, contrapor as alegações da A./recorrente.

3. Conforme resulta do douto acórdão, o tribunal ora recorrido entendeu ser de conceder provimento à questão levantada pelos réus, revogando-se a douta sentença e mantendo-se a titularidade do imóvel em causa nos presentes autos na esfera patrimonial da ré Caixa Geral de Depósitos, S.A.

4. Alega a recorrente que, “Tal como resulta dos autos, em sede de articulados, nomeadamente no articulado de contestação, a recorrida Caixa Geral de Depósitos reconheceu a existência do contrato de mútuo com hipoteca, invocou o seu desconhecimento do alegado acordo simulatório entre a recorrente e os primeiros réus e, por isso, defendeu a sua boa fé, reclamou a validade da constituição da hipoteca assim como da subsequente adjudicação a si do imóvel na execução movida contra estes pela quarta ré, também de boa-fé, cujos actos, designadamente a penhora aí realizada do imóvel. Alegou, assim, que os negócios em causa não podem ser afectados pela nulidade proveniente da simulação.” e “após produção de prova, em sede de audiência de julgamento, o tribunal da 1ª instância entendeu julgar a acção parcialmente procedente e improcedente a reconvenção…” e que “foi em consequência desta decisão que foi interposto o recurso de apelação. O tribunal da 1ª instância proferiu a sua decisão com base na prova dos autos, quer a documental quer a produzida em sede de audiência de julgamento, então, no entender da recorrente, o douto acórdão recorrido não clarifica e não motiva, adequadamente, a sua decisão.” e “Salvo devido respeito, entende a recorrente que o tribunal da Relação não ponderou correctamente a prova dos autos e não efetuou a subsunção jurídica de forma adequada.” pois “ao Supremo, como Tribunal de revista, só cumpre, em princípio, decidir questões de direito e não julgar matéria de facto. No recurso é admissível apreciar a violação da lei adjectiva, mas só no caso de erro na apreciação de provas ou na fixação dos factos materiais da causa (artigos 729º e 722º do C. Processo Civil). Não tendo as instâncias atribuído aos meios de prova valor que eles não comportam, como já está dito, nem tendo deixado de conceder a esses meios o seu valor legal, a factualidade apurada está a coberto da censura deste Supremo.”

5. É óbvio a própria contradição em que cai a recorrente, a qual, pretendendo a intervenção do STJ por falta de fundamentação e violação de lei substantiva, não fundamenta nem diz em momento algum qual a lei substantiva que foi efectivamente violada.

6. A A. retira de contexto alguns factos dos autos principais e, apesar de alegar que os factos estão (todos) a coberto da censura deste Tribunal, pretende que com base naqueles poucos especificos chamados à colação por si factos provados, o Tribunal da Relação não ponderou concretamente a prova e não efectuou a subsunção jurídica adequada. Todavia,

7. Não só o douto acórdão ponderou a prova concretamente produzida como, se debruçou sobre todas as questões objecto do recurso assim como “as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras”.

8. Com base no que, fez a sua apreciação da decisão da matéria de facto, a qual fundamentou, como lhe compete, ainda que em desfavor da A., única razão da interposição do presente recurso pela mesma.

9. Cumprindo com a obrigação legal plasmada no art. 662º do CPC, e fruto de constatar que “Na decisão sobre a matéria de facto proferida em primeira instância detectam-se flagrantes contradições entre factos considerados provados e alguns factos julgados não provados.”, o douto Tribunal recorrido fez uma reapreciação oficiosa e alterou a decisão sobre a matéria de facto, como resultou melhor fundamentado do douto Acórdão que aqui se dá por integralmente reproduzido.

10. Balizado que estava pelas conclusões das alegações dos recorrentes, era obrigação do tribunal da Relação, como amplamente fundamentou, quer com base nas contradições detectadas e apontadas oficiosamente quer com base nas suas obrigações claramente plasmadas na lei, “que, não tendo a decisão relativa à matéria de facto sido impugnada21, a factualidade relevante ao conhecimento do mérito da causa é a fixada na sentença sob recurso, embora com a alteração oficiosamente introduzida por esta instância.”

11. E é daí que, apontando claramente os pontos da matéria de facto que sobressaem como relevantes que faz a interpretação e subsunção à lei, mormente ao art. 240ºdo CC, sim, mas também, e necessariamente, atenta toda a matéria de facto provada, ao art. 243º do CC, com base nos quais conclui, e bem, que se trata de “uma nulidade atípica porquanto os simuladores não a podem invocar contra terceiros de boa fé”.

12. Como se pode ler, de entre os vários argumentos plasmados, no douto Acórdão recorrido, “a lei haja consagrado desvios a este regime, não só em geral (art. 291º) como em casos particulares carecidos de especial adequação (892º, 2ª parte, 939º, 956º, n.º 1 e 243º, n.º 1). Nos termos do art. 243º, n.º 1, a nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa fé, seja prejudicado com a declaração de nulidade ou beneficiado com a manutenção do negócio, adquirente a título oneroso ou gratuito, e sem nenhuma restrição temporal (...)”. Estabelece, com efeito, o n.º 1 do artigo 243.º do Código Civil, que tem como epígrafe inoponibilidade da simulação a terceiros de boa fé que “a nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa fé”, esclarecendo o n.º 2 do mesmo normativo que “a boa fé consiste na ignorância da simulação ao tempo em que foram constituídos os respectivos direitos”, precisando o n.º 3 que “considera-se sempre de má fé o terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao registo da acção de simulação, quando a este haja lugar”.”

13. Sendo que a R. CGD “ tem, neste contexto, qualidade de terceira”, e “ a sua boa fé é incontroversa face ao que nos autos resulta provado, sendo que não se configura a circunstância excludente a que alude o n.º 3 do artigo 243.º, já que, conforme é referido no anterior acórdão desta Relação de 19.03.2015, proferido nestes mesmos autos, “...na mesma data – 17.03.2009 - em que foi registada a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A. a aquisição, por adjudicação em execução, da fracção objecto do alegado acordo simulatório foi oficiosamente cancelado o registo – efectuado com data de 27.02.2008 - da reconvenção deduzida pela Ré na acção nº 6237/06.... na qual, entre o mais, peticionava a declaração de nulidade do contrato de compra e venda relativo à fracção em causa, celebrado entre ela e os Autores na referida acção, por simulação absoluta do referido negócio, por se ter verificado a caducidade deste último registo, de acordo, de resto, com o artigo 11º do Código de Registo Predial”.

14. Daqui resulta, pois, que não podia a primitiva Autora arguir a nulidade do negócio simulado, no qual ela interveio concertada com os primeiros Réus, contra a Ré Caixa Geral de Depósitos, S.A., alheia ao acordo simulatório arquitectado entre aqueles, e dele desconhecedora” e “Como tal terá, naturalmente, de proceder o recurso interposto pela apelante Caixa Geral de Depósitos, S.A., com a consequente revogação da sentença impugnada.

Procedendo igualmente o recurso interposto pelo recorrente BB, que reclama, a final, a revogação da sentença…”

15. Pelo que, quando a A. recorrente alega “que o tribunal da Relação não ponderou correctamente a prova dos autos e não efetuou a subsunção jurídica de forma adequada “, não podemos deixar de dizer que não se percebe o seu sentido argumentativo, tanto mais que, verdade seja dita, a própria nada argumenta que o fundamente, não se descortinando qual a dificuldade de entendimento ou insuficiência alegadas pela A. recorrente ou erro notório alegadas pela A., tanto mais quando os factos provados são em si próprios, grande parte deles, conclusivos.

16. O douto Tribunal concretiza sobejamente quer o seu entendimento sobre a posição das várias partes recorrentes, o objecto do recurso, a matéria de facto a ponto de a alterar oficiosa e fundamentadamente com base no art. 662, e finalmente concretizando e fundamentando a subsunção jurídica passível de ser aplicada, aplicando-a, ao caso concreto.

17. Não está em causa se houve ou não simulação, se é anulável ou não, ou pelo menos não só. Destarte é essencial a verificação se essa simulação e se essa anulação é passível de ser oposta a terceiros de boa fé.

18. Resultando bem explanado no douto acórdão, óbvios e bem explicitados, a união, correlação, desenvolvimento e nexo de causalidade entre a prova produzida e o direito subsumido, não se descortinando qualquer insuficiência da motivação, erro na apreciação da prova ou violação da lei substantiva.

19. Entendemos pois, que foi dado cumprimento ao exame critico da prova, ressaltando de forma clarividente a linha de raciocínio e apreciação observada na formação da convicção do Tribunal a quo, não resultando do texto da sentença em apreço qualquer dúvida ou erro, na convicção e na apreciação da prova.

20. Pelo que tem de concluir-se pela improcedência do recurso interposto, por infundado, ao qual as presentes alegações são resposta, por não merecer qualquer reparo o acórdão recorrido, devendo ser negado provimento ao recurso interposto por falta de fundamento, o que se requer.

E conclui “deverá ser negado provimento ao recurso interposto pela A., e, consequentemente, ser integralmente mantido o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ....”

14. Cumpre apreciar e decidir.


II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela A. / ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber  se está demonstrada nos autos a simulação, como concluiu o Tribunal da Relação ... no Acórdão recorrido.


III. Fundamentação

1. O Tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:

1.1. Por contrato de compra e venda celebrado em 2004/04/02 e titulado pela escritura pública lavrada de fls. ...11 a ...13 do Livro ... do ... Cartório Notarial ..., a A. declarou vender a CC e BB o imóvel que constituía a sua habitação, sito na Rua ..., em ..., na ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...38... e inscrito na matriz predial sob o artigo ...07.

1.2. Entretanto, os declarados compradores fizeram registar tal aquisição a seu favor, na ... Conservatória do Registo Predial ..., através da Ap. ... de 2004/03/19.

1.3. Na mesma data referida em 1.º, e na mesma escritura, a R. CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS emprestou aos compradores BB e CC a quantia de 107.700 euros, e os referidos BB e CC constituíram hipoteca voluntária sobre a identificada fracção a favor da requerida Caixa Geral de Depósitos, para garantia de um empréstimo que esta lhes concedeu no referido montante, sendo nessa escritura a R. CGD representada pelo gerente da sua agência de ...-..., EE.

1.4. Tal hipoteca foi registada na referida Conservatória pela Ap. ... de 2004/03/19.

1.5. Nunca foi vontade ou intenção da A. vender aos primeiros RR. o mencionado prédio.

1.6. Nunca foi intenção dos primeiros RR pagar à A. qualquer preço pela compra do imóvel.

1.7. Nunca os citados compradores pagaram qualquer preço pela aquisição feita, nem a vendedora recebeu qualquer contrapartida por tal venda.

1.8. Tendo conhecido a A. por volta do ano 2002, os primeiros RR. procuraram ganhar a sua confiança, com o objectivo já planeado de a convencerem a transferir a propriedade da sua identificada habitação para eles, de forma a, assim, poderem contrair um empréstimo bancário, junto da mencionada instituição de crédito, pois sem isso não conseguiriam obter o mesmo que era essencial para o desenvolvimento de um projecto de construção imobiliária que, através de uma empresa sua, estavam a levar a cabo em ...-....

1.9. Fazendo crer à A. que essa venda era temporária, que nem sequer esta teria de deixar de habitar o imóvel e que se comprometiam ainda, a passados doze meses, reporem a situação jurídica inicial, isto é, a transmitirem-lhe de novo a habitação, livre de ónus e encargos, designadamente a hipoteca.

1.10. Aquando da celebração da escritura pública referida em 1.º e do empréstimo bancário referido em 3.º, a A. e os primeiros RR. sabiam que este empréstimo não era para pagar a aquisição do imóvel, mas para outros fins do interesse destes últimos, alegadamente para investimento no projecto imobiliário que uma sociedade dos 1.ºs RR., C..., Lda., estava a levar a cabo em ...-....

1.11. Tendo a R. CGD posto à sua disposição a quantia de 107.700,00 euros que creditou na conta dos primeiros RR., na convicção de qua a A. e estes quiseram transmitir a propriedade do imóvel através da celebração da escritura pública.

1.12. A segunda R. não teria concedido o empréstimo aos primeiros RR. nas condições em que o fez se tivesse conhecimento das verdadeiras intenções destes últimos.

1.13. Os 1.ºs RR. utilizaram este dinheiro exclusivamente em proveito próprio, sem que a A. jamais tenha recebido qualquer valor em troca da pretensa venda.

1.14. Decorridos os acordados doze meses, os primeiros RR. não procederam à transferência da propriedade do imóvel para a A. e passaram a furtar-se ao contacto com esta, constituindo-se, também, em mora relativamente ao pagamento das prestações para amortização do mencionado mútuo, contraído junto da R. CGD.

1.15. Entretanto, os primeiros RR. em 21/05/2004 celebraram com a quarta R. Daimlerchrysler um contrato de locação financeira relativamente a uma viatura automóvel de marca ... no valor de 48.645,38 €.

1.16. Dado que, também, não pagaram as prestações desse contrato de locação financeira, foi-lhes por essa Instituição movida uma execução que correu os seus termos no ... Juízo Cível ... sob o n.º 713/07.... e efectivada penhora nesse processo a favor da referida Instituição, sobre o identificado imóvel, a qual foi registada em 22 de Agosto de 2007.

1.17. No âmbito dessa acção executiva foi o imóvel vendido em hasta pública, tendo sido adjudicado à credora reclamante Caixa Geral de Depósitos, a favor de quem os primeiros RR., enquanto compradores do imóvel, tinham constituído a hipoteca, para garantia do reembolso do empréstimo por eles contraído junto dessa instituição.

1.18. Com a venda efectuada aos segundos RR., a A. teve como única finalidade que aqueles conseguissem obter um empréstimo junto da CGD e de passado um ano voltarem de novo a transmitir o imóvel para si, cancelando a hipoteca sobre ele constituída na sequência e dependência do empréstimo que foi concedido aos mesmos.

1.19. A A. deduziu contra os referidos BB e CC contestação/reconvenção na acção de processo ordinário que com o n.º 6237/06...., correu os seus termos no ... Juízo Cível do Tribunal Judicial ..., na qual, além de alegar o que acima vai dito, formulou o seguinte pedido: a) ser o contrato de compra e venda titulado pela escritura pública lavrada de fls. ...11 a ...13 do Livro ... do Cartório Notarial de FF, de ..., declarado nulo por absolutamente simulado; b) ser ordenado o cancelamento do registo de propriedade a favor dos AA. da fracção autónoma a que tal contrato respeita, bem como todos os registos posteriores que dele dependam; c) serem os AA. (reconvindos) condenados como litigantes de má fé em multa exemplar e pelos danos que essa actuação causar à R, esta a liquidar em execução de sentença.

1.20. Em 27 de Fevereiro de 2008, foi registada, na ... Conservatória do Registo Predial ..., por referência à supra identificada fracção, a reconvenção antes referida, com menção expressa dos pedidos referidos em 19.º sob as alíneas a) e b) através da apresentação n.º ....

1.21. O imóvel em causa foi colocado em venda e adjudicado à R. Caixa Geral de Depósitos no âmbito da execução referida em 16.º, em 13 de Março de 2009, pelo valor de 90.000 euros, tendo esta registado a seu favor a mencionada aquisição, em 17 de Março de 2009, na ... Conservatória do Registo Predial ..., tendo ainda a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS obtido o cancelamento de todas as inscrições em vigor sobre o imóvel, entre as quais, o cancelamento da reconvenção referida em 19.º e 20.º supra.

1.22. Em acórdão proferido no Processo Comum Colectivo n.º 859/05...., em 2010/07/13, pelo Tribunal Colectivo do ... Juízo Criminal ..., os primeiros RR. foram condenados pela prática de um crime de burla qualificada, praticado contra a ora A., na pena de três anos e seis meses de prisão.

1.23. A requerente continuou sempre a habitar o imóvel, como coisa sua pertença, visto ter sido isso o acordado com os primeiros RR.

1.24. A adjudicatária do imóvel, Caixa Geral de Depósitos, pretende que a requerente lhe faça a entrega do mesmo e o desocupe.

1.25. O imóvel constituía a casa de morada da A.

1.26. A. e primeiros RR. sabiam que a Reconvinte CGD só emprestaria a quantia se o imóvel estivesse na titularidade dos segundos.

1.27. A R. CGD somente aceitou emprestar a quantia emprestada na convicção de que A. e RR. quiseram transmitir a propriedade do imóvel para estes com a escritura que entre si celebraram.

1.28. Na execução n.º713/07.... a CGD pagou de imposto de selo 730,00€, tendo sido dispensada do pagamento do IMT e do depósito do pagamento do preço dada a sua qualidade de credor com garantia real.

1.29. A A. faleceu a .../05/2012, com 64 anos de idade.


O Tribunal da Relação ... alterou a matéria de facto, dando como provados os seguintes factos que o Tribunal de 1.ª instância havia dado como não provados:

1.30. Com o contrato de compra e venda efectuada pela A. aos primeiros RR. estes tivessem como única finalidade conseguir um empréstimo junto da R. Caixa Geral de Depósitos.

1.31. Os primeiros RR. não tivessem intenção de adquirir o imóvel à A..

1.32. A A. tenha tido intenção de enganar a CGD.

2. E foram julgados como não provados os seguintes factos:

2.1. A R. Caixa Geral de Depósitos soubesse que o empréstimo bancário concedido aos primeiros RR. não fosse para financiar a aquisição do imóvel.

2.2. Soubesse que era para investimento no projecto imobiliário da firma C.…, Lda. dos primeiros RR..

2.3. Os primeiros RR. pretendessem passado um ano voltar a transmitir o imóvel para a A. e cancelar a hipoteca sobre ele constituída.

2.4. A CGD ou seu gerente soubessem que a compra e venda tinha como única finalidade que os primeiros RR. conseguissem um empréstimo junto de si.

2.5. Soubessem que os primeiros RR. pretendiam voltar a transmitir o imóvel para a A..

2.6. A A. tenha tido intenção de prejudicar a CGD.

3. Apreciação do recurso

O Tribunal de 1.ª instância decidiu:

“Julgo a acção parcialmente procedente e improcedente a reconvenção, e, em consequência:

anulo o contrato de compra e venda melhor id. em 1) dos Factos Provados celebrado entre a A. e os primeiros RR..

declaro nula a penhora que incidiu sobre o imóvel objecto deste contrato de compra e venda requerida pela terceira R. na execução n.º 713/07.... do extinto ... Juízo Cível ... e ordeno o cancelamento do respectivo registo.

declaro nula a adjudicação do mencionado imóvel à segunda R. CGD no âmbito da mesma execução e ordeno o cancelamento do registo da respectiva aquisição.

dou sem efeito o cancelamento do registo da reconvenção da aqui A. no Processo 6237/06.... do extinto ... Juízo Cível do Tribunal Judicial ....

condeno os RR. a reconhecerem e respeitarem o direito de propriedade da A. sobre o mesmo imóvel e a absterem-se de quaisquer actos que o possam por em causa.

absolvo os RR. do demais peticionado.

absolvo a A. do pedido reconvencional da R. CGD”.

O Tribunal de 1.ª instância fundamentou a sua decisão no disposto no artigo 251.º, do Código Civil.


A Ré Caixa Geral de Depósitos interpôs recurso de apelação e o Tribunal da Relação ..., após ter efetuado alteração à matéria de facto provada, decidiu revogar a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, fundamentando a sua decisão no disposto nos artigos 240.º e 243.º do Código Civil.


A Autora (ora Massa Insolvente DD), inconformada com esta decisão do Tribunal da Relação ..., referindo que “entende a recorrente que o tribunal da Relação não ponderou correctamente a prova dos autos e não efetuou a subsunção jurídica de forma adequada” e que “dos factos considerados provados só se poderia tirar a conclusão a que chegou o tribunal da 1.ª instância, ou seja a nulidade do negócio.”


Vejamos.

Importa, em primeiro lugar, referir que o Tribunal da Relação ... procedeu à alteração da matéria de facto, considerando provados factos que Tribunal de 1.ª instância tinha considerado como não provados.

E essa alteração da matéria de facto, que este STJ não pode censurar, só nos pode conduzir à conclusão a que chegou o Tribunal da Relação ... e afastando a solução jurídica daquela que o Tribunal de 1.ª instância acolheu.


Em suma, refere o Tribunal da Relação ... que se verifica a existência de um negócio simulado, sendo o negócio simulado nulo, que a essa nulidade pode ser invocada pelos próprios simuladores, mas que a nulidade não pode ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa fé.

E o Tribunal da Relação ... tem razão, atenta a alteração da matéria de facto efetuada.

Prescreve o artigo 240.º do Código Civil que:

1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.

2. O negócio simulado é nulo.


Esta disposição legal diz-nos que a simulação negocial constitui uma divergência intencional entre o sentido da declaração das partes e os efeitos que elas visam prosseguir com a celebração do negócio jurídico.

E essa mesma disposição legal estabelece três requisitos para a simulação:

- o pacto simulatório entre o declarante e o declaratário;

- a divergência intencional entre o sentido da declaração e os efeitos do negócio jurídico – simuladamente – celebrado;

- o intuito de enganar terceiros.


A simulação pode ser subjetiva ou objetiva, consoante diga respeito às partes do negócio jurídico ou ao objeto e conteúdo do mesmo.

A simulação pode ser absoluta ou relativa conforme as partes não quiseram celebrar negócio algum ou quiseram celebrar um outro negócio diferente daquele que declararam.


O desvalor jurídico do negócio simulado é a nulidade.

Trata-se de uma nulidade atípica (neste sentido, Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, p. 845). a atipicidade deriva do facto dos simuladores não poderem invocar a simulação contra terceiro de boa fé (art. 243.º, n.º 1).


O artigo 243.º do Código Civil preceitua que:

1. A nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa fé.

2. A boa fé consiste na ignorância da simulação ao tempo em que foram constituídos os respetivos direitos.

3. Considera-se sempre de má fé o terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao registo da ação de simulação, quando a este haja lugar.


A atipicidade da nulidade do negócio simulado reside justamente no facto de a lei portuguesa não admitir que a simulação possa ser invocada em qualquer situação, obstando a que os simuladores possam invocar a nulidade do negócio simulado contra terceiros de boa fé.

Para além da possibilidade de invocação da nulidade entre os próprios simuladores, que o art, 242.º, n.º 1, ressalva, a nulidade pode igualmente ser invocada contra terceiro de má fé. Estará de má fé aquele que conhecia ou devia conhecer a simulação, ou seja, aquele sobre o qual impendia um dever de conhecimento da situação que não foi culposamente cumprido.

Em contrapartida, estará de boa fé o terceiro que desconhecia, sem dever conhecer, a simulação entre as partes. Trata-se de uma conceção imposta pelas coordenadas valorativas do sistema jurídico português.

- cf. José Alberto Vieira, Negócio Jurídico, anotação ao regime do código Civil (artigos 217.º a 295.º), pp.49/53, que seguimos de muito perto –


No caso presente, e após a alteração à matéria de facto efetuada no Acórdão recorrido, encontra-se provado:

1.1. Por contrato de compra e venda celebrado em 2004/04/02 e titulado pela escritura pública lavrada de fls. ...11 a ...13 do Livro ... do ... Cartório Notarial ..., a A. declarou vender a CC e BB o imóvel que constituía a sua habitação, sito na Rua ..., em ..., na ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...38... e inscrito na matriz predial sob o artigo ...07.

1.3. Na mesma data referida em 1.º, e na mesma escritura, a R. CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS emprestou aos compradores BB e CC a quantia de 107.700 euros, e os referidos BB e CC constituíram hipoteca voluntária sobre a identificada fracção a favor da requerida Caixa Geral de Depósitos, para garantia de um empréstimo que esta lhes concedeu no referido montante, sendo nessa escritura a R. CGD representada pelo gerente da sua agência de ...-..., EE.

1.5. Nunca foi vontade ou intenção da A. vender aos primeiros RR. o mencionado prédio.

1.6. Nunca foi intenção dos primeiros RR pagar à A. qualquer preço pela compra do imóvel.

1.7. Nunca os citados compradores pagaram qualquer preço pela aquisição feita, nem a vendedora recebeu qualquer contrapartida por tal venda.

1.8. Tendo conhecido a A. por volta do ano 2002, os primeiros RR. procuraram ganhar a sua confiança, com o objectivo já planeado de a convencerem a transferir a propriedade da sua identificada habitação para eles, de forma a, assim, poderem contrair um empréstimo bancário, junto da mencionada instituição de crédito, pois sem isso não conseguiriam obter o mesmo que era essencial para o desenvolvimento de um projecto de construção imobiliária que, através de uma empresa sua, estavam a levar a cabo em ...-....

1.9. Fazendo crer à A. que essa venda era temporária, que nem sequer esta teria de deixar de habitar o imóvel e que se comprometiam ainda, a passados doze meses, reporem a situação jurídica inicial, isto é, a transmitirem-lhe de novo a habitação, livre de ónus e encargos, designadamente a hipoteca.

1.10. Aquando da celebração da escritura pública referida em 1.º e do empréstimo bancário referido em 3.º, a A. e os primeiros RR. sabiam que este empréstimo não era para pagar a aquisição do imóvel, mas para outros fins do interesse destes últimos, alegadamente para investimento no projecto imobiliário que uma sociedade dos 1.ºs RR., C..., Lda., estava a levar a cabo em ...-....

1.11. Tendo a R. CGD posto à sua disposição a quantia de 107.700,00 euros que creditou na conta dos primeiros RR., na convicção de qua a A. e estes quiseram transmitir a propriedade do imóvel através da celebração da escritura pública.

1.12. A segunda R. não teria concedido o empréstimo aos primeiros RR. nas condições em que o fez se tivesse conhecimento das verdadeiras intenções destes últimos.

1.27. A R. CGD somente aceitou emprestar a quantia emprestada na convicção de que A. e RR. quiseram transmitir a propriedade do imóvel para estes com a escritura que entre si celebraram.


O Tribunal da Relação ... alterou a matéria de facto, dando como provados os seguintes factos que o Tribunal de 1.ª instância havia dado como não provados:

1.30. Com o contrato de compra e venda efectuada pela A. aos primeiros RR. estes tivessem como única finalidade conseguir um empréstimo junto da R. Caixa Geral de Depósitos.

1.31. Os primeiros RR. não tivessem intenção de adquirir o imóvel à A..

1.32. A A. tenha tido intenção de enganar a CGD.

Ora, dos factos provados, resulta com clareza, como se afirma no Acórdão recorrido, que estamos em presença de um negócio simulado e que esta simulação é absoluta, porquanto:

A primitiva Autora, na escritura outorgada, declarou que vendia aos primeiros Réus, CC e BB, o imóvel identificado nessa escritura.

Estes primeiros Réus declararam que compravam esse mesmo imóvel.

Contudo, nem a referida Autora tinha a vontade de vender nem os primeiros Réus tinham intenção de adquirir o imóvel, ao contrário do que declararam na outorga da escritura, alegadamente de compra e venda.

Deste modo, a primitiva Autora e os primeiros Réus não tinham intenção de celebrar contrato de compra e venda do imóvel, nem de celebrar qualquer outro negócio que tivesse por objeto o imóvel.

A formalização do acordo que a primitiva Autora e os primeiros Réus visou permitir que, aquando da celebração da escritura, os primeiros Réus, que figuravam como compradores, contraíssem um empréstimo junto da Caixa Geral de Depósitos, que o concedeu na convicção de que a compra e venda formalizada através da escritura correspondia à vontade das partes outorgantes, sendo certo, como se encontra provado, que não concederia o empréstimo se tivesse conhecimento que a declaração das partes que outorgaram na escritura não correspondia à vontade destas.


Ao agirem deste modo, a Autora primitiva e os primeiros Réus pretenderam, ao declarar o que consta da escritura outorgada, enganar a Caixa Geral de Depósitos de forma que os primeiros Réus obtivessem o empréstimo da quantia de €107 700,00.


Em conclusão, como se afirma no Acórdão recorrido, com a declaração negocial vertida na escritura de compra e venda criou-se a aparência de um negócio com todos os elementos de um negócio válido, não tendo as partes, todavia, querido que a mesma produzisse os efeitos que legalmente lhe correspondem, destinando-se essa declaração negocial aparente a enganar terceiros, no caso concreto a Caixa Geral de Depósitos, que, apenas por ter sido convencida tratar-se de um negócio real, acedeu em conceder o empréstimo pretendido pelos primeiros Réus.


Por outro lado, a Caixa Geral de Depósitos é terceira de boa fé, porquanto desconhecia a simulação das partes, como resulta dos factos provados.

Também à situação presente não é aplicável o disposto no n.3 do artigo 240.º do Código Civil, pois, como resulta dos factos provados, em 17/03/2009, data em que foi registada a favor da Caixa Geral de Depósitos a aquisição, por adjudicação em execução, da fração objeto do acordo simulatório foi oficiosamente cancelado o registo, que tinha sido efetuado em 27/02/2008, da reconvenção deduzida pela Ré na ação n.º 6237/06.... na qual, entre o mais, peticionava a declaração de nulidade do contrato de compra e venda relativo à fração em causa, celebrado entre ela e os Autores na referida ação, por simulação absoluta do negócio, por se ter verificado a caducidade deste último registo, como bem salienta o Acórdão recorrido.


Deste modo, estamos em presença de um negócio simulado, sendo este nulo, mas esta nulidade não pode ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa fé, pelo que o Acórdão recorrido, decidindo neste sentido, não é merecedor de censura.


Importa referir que, em face da alteração da matéria de facto efetuada pelo Tribunal da Relação, não é possível acompanhar a posição do Tribunal de 1.ª instância, como pretende a Recorrente, que fundamentou a sua decisão no disposto no artigo 251.º do Código Civil, invocando o erro da Autora, erro que foi determinado pelo comportamento dos primeiros Réus.

Este preceito prescreve que o erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objeto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247.º

Como refere José Alberto Vieira, obra citada, p.63, o regime do art.251.º reporta-se ao chamado erro vício.

Trata-se de uma situação em que, contrariamente ao que sucede no erro-obstáculo, a declaração corresponde ao propósito de comunicação do declarante, só que ela é fruto de uma falsa representação da realidade.

O declarante comunicou corretamente o sentido da declaração, mas a realidade que o determinou à declaração não era verdadeira: há erro-vício.

Existem duas espécies de erro – vício.

- O erro sobre os motivos;

- O erro sobre a base do negócio.


Ora, perante os factos provados (após a alteração da matéria de facto efetuada pelo Tribunal da Relação), a Autora e os primeiros Réus simularam a compra e venda do imóvel, procurando enganar a Caixa Geral de Depósitos e com o intuito de que esta Ré concedesse aos primeiros Réus um empréstimo que de outra forma não lhes seria concedido.

Assim, não é aplicável o disposto no artigo 251.º do Código Civil.


Deste modo, o recurso tem de improceder, porquanto o Acórdão recorrido fez uma correta apreciação das questões que lhe foram colocadas.


IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.



Lisboa, 9 de março de 2022


Pedro de Lima Gonçalves (relator) 

Maria João Vaz Tomé           

António Magalhães