Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | NUNO PINTO OLIVEIRA | ||
| Descritores: | CASO JULGADO SENTENÇA FUNDAMENTOS INTERPRETAÇÃO DA SENTENÇA PEDIDO CAUSA DE PEDIR | ||
| Data do Acordão: | 02/17/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE | ||
| Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
| Sumário : | I. — A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga. II. — Para definir os precisos termos em que a sentença julga, é necessário interpretá-la, atendendo aos seus fundamentos. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. — RELATÓRIO 1. AA propôs acção declarativa contra Generali Seguros, SA., pedindo que a Ré fosse condenada: a) - A Fornecer ao Autor uma prótese igual, ou em tudo igual, à identificada no artº 48 desta petição inicial, ou, em alternativa, a pagar ao Autor a quantia de € 52.766,80, destinada a comprar uma prótese igual, ou em tudo igual, à identificada no artº 48 desta Petição Inicial, ou ainda a pagar ao Autor a quantia ele tiver que gastar se, entretanto, o preço da mesma vier a alterar-se, TUDO SEM PREJUÍZO DE O AUTOR, ATENTA A SITUAÇÃO DE SOFRIMENTO POR QUE PASSA, NESTE MOMENTO, TER NECESSIDADE DE A COMPRAR, EM BREVE, a título de danos patrimoniais supervenientes. b) - A pagar ao Autor a quantia de € 100,00, relativa à despesa por si paga ao médico da especialidade, a que teve de recorrer, para estudo da sua situação clínica. c) - A pagar ao Autor as quantias de € 790,00 e de € 8.099,46, a que se alude no artº 55, desta Petição Inicial. d) - O pagar ao Autor todas e quaisquer despesas que o ele haja que ter de fazer/pagar, com nova ou novas próteses de que, no futuro, venha eventualmente, a necessitar, assim como as eventuais despesas com a sua manutenção ou conservação, e ainda a pagar todo o tipo de despesas que haja de fazer, em consequência direta, necessária e adequada, das lesões e sequelas, decorrentes do acidente de viação de que foi vítima, mormente despesas médicas, medicamentosas, consultas médicas, transportes para eventuais tratamentos, ajudas de terceiras pessoas, calçado, ajudas técnicas, internamentos hospitalares e todo o tipo de despesas que Autor haja de fazer, relacionadas com as consequências do acidente em causa, com vista ao tratamento de todo o tipo de lesões e sequelas dele decorrente, a título de danos patrimoniais supervenientes, a liquidar em execução de sentença. e) - A pagar os juros de mora, sobre tais quantias, a contar da sua citação. f) - A pagar ao Autor uma indemnização nunca inferior a € 10.000,00 – dez mil – euros, a título de danos não patrimoniais supervenientes. g) - A pagar ao Autor os juros de mora sobre tal quantia de € 10.000,00, a contar da citação. h) - A pagar a Autor os danos patrimoniais que o Autor vier a sofrer, em consequência dos danos não patrimoniais supervenientes, que venha a sofrer, a partir da data da instauração da presente ação, a liquidar em execução de sentença”. 2. O Tribunal Judicial da Comarca ... julgou procedente a excepção de caso julgado invocada pela Ré Generali Seguros, SA., e absolveu-a da instância, “ao abrigo do disposto nos arts. 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea i), 580.º e 581.º, todos do Código de Processo Civil. 3. Fundamentou a sua decisão nos seguintes termos: No dia 12.03.2010, o Autor intentou contra a Ré ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, a qual correu os seus termos sob o número 1746/10.... na extinta Vara Mista do Tribunal Judicial da Comarca ... – fls. 103v/111. Nessa ação, o Autor invocou como causa de pedir o acidente de viação ocorrido no dia 29.04.2009, na EN ..., ao seu km 61,500, no qual estiveram envolvidos os veículos com as matrículas ...-...-UX, conduzido por BB e cuja responsabilidade civil estava transferida, por via de contrato de seguro, para a ora Ré, e ...-...-XS, conduzido pelo autor. Na petição inicial desse processo, o Autor alegou que, em consequência do referido acidente, sofreu várias lesões corporais, entre elas a amputação do seu membro inferior esquerdo. E, nessa ação, o Autor peticionou a condenação da Ré a pagar-lhe indemnizações, decorrentes de danos patrimoniais e não patrimoniais. Na petição inicial da ação que, sob o número 1746/10…, correu termos na extinta Vara Mista do Tribunal Judicial da Comarca ..., o Autor alegou, além do mais, que: “27. - Após o acidente o Autor entrou em estado de coma, 28. - Tendo sido conduzido de ambulância para o Hospital ..., 29. - Onde manteve o estado de coma durante 15 dias, 30. - Em permanente observação e tratamentos. 31. - Passado este tempo o Autor foi deslocado para o serviço de Ortopedia, onde lhe eram feitas permanentes análises, tac´s, raios x e tomografias, 32. - E ministradas injeções e medicação variada, 33. - Assim se mantendo durante 85 dias, padecendo de dores indescritíveis, enjoos, cansaço e mal-estar permanentes. 34. - A partir de então, diariamente, de 2ª a 6ª feira, o Autor desloca-se para o Hospital ..., 35. - Onde durante mais de uma hora, recebe tratamentos vários de fisioterapia, e toma medicação para as dores e para o mal-estar, que permanentemente o afligem. 36. - Até ao momento, o Autor foi já submetido a três – 3 - intervenções cirúrgicas, 37. - Uma para amputação da perna esquerda, 38. - Outra para introdução de ferros no braço esquerdo, 39. - E ainda uma outra para introdução de ferros na perna direita. 40. - No acidente o Autor partiu 7 – sete – costelas e sofreu ainda as lesões/ ferimentos e os tratamentos descritos no documento nº 3, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais, já junto aos autos de procedimento cautelar, o qual, com o nº 8018/09…, correu termos pelo ... Juízo Cível deste Tribunal. 41. - O Autor ficou, consequência direta, necessária e adequada do acidente em mérito, totalmente incapaz para o trabalho, 42. - Locomovendo-se em cadeira de rodas e com a ajuda de terceira pessoa, 43. - De quem depende para todos os atos da sua vida diária, 44. - Mantendo tratamento e assistência médica e medicamentosa diários e permanentes. 45. - O Autor não consegue descansar, como devia e tanto precisava, já que não consegue arranjar posição para dormir, mexendo-se e remexendo-se na cama, milhares de vezes, dia e noite, 46 - Desconhecendo-se, desde logo porque ainda se não encontra curado, qual a verdadeira dimensão das sequelas com que vai ficar definitivamente afetado. . .. 47. - O Autor, à data do acidente, contava 36 anos de idade – Doc. 4 - já junto aos autos referido procedimento cautelar. 48. - O Autor era dono de uma oficina de mecânica de automóveis multi-marcas, 49. - Trabalhando, diariamente, de 2ª feira a sábado, das 8 até às 21 horas, 50. - Donde retirava obtinha um rendimento médio mensal líquido superior a 1.500,00 €uros. 51. - O Autor tinha uma clientela certa e tendencialmente a crescer, já que era um profissional muito conceituado, por ser muito trabalhador, muito disponível, sério e honesto para com os seus clientes. 52. - Por via desta clientela que crescia a olhos vistos, o Autor havia já solicitado à Câmara Municipal ... uma autorização para ampliar a sua oficina de mecânica, ampliando-a para o dobro do tamanho que tinha. Para além disso, 53. - E porque seu pai, também mecânico de automóveis e dono de uma oficina de mecânica, preparava a sua reforma, o Autor havia já contratado com ele o trespasse do seu negócio, 54. - Situações donde lhe resultaria, não fora o acidente e as consequências nefastas que para ele teve, um rendimento líquido mensal superior a 3.000,00 €. 55. - Sendo que trabalharia, pelo menos até aos 75 anos de idade. Ora, 56. - Por via do acidente todas essa legítimas expectativas “caíram por terra “ … desgraçadamente … 57. - O Autor havia adquirido um apartamento, com recurso ao crédito bancário, juntamente com a sua companheira CC, com quem vive maritalmente. 58. - O Autor não tem hoje qualquer fonte de rendimento e vai pagando as suas despesas com algum dinheiro que aforrou ao longo do tempo, estando agora dependente de ajudas de terceiras pessoas. Assim, 59. - Entre outras, o Autor, mensalmente, suporta as seguintes despesas fixas: a) - Prestação bancária/empréstimo 219,32 € - Doc. 5. b) - Água 25,00 € c) - Luz 90,00 € d) - Gás 40,00 € e) - 3ª pessoa 360,00 € - Docs. 6 e 7 f) - Alimentação 600,00 € Total 1.234,32 € 60. - O Requerente está, agora e por via da sua incapacidade total e absoluta para o trabalho, privado de qualquer rendimento, numa situação de grave carência económica e financeira, 61. - Agora aliviada com um adiantamento com a quantia de 15.000,00 €, que a Ré lhe fez, no âmbito do mencionado procedimento cautelar. 62. - O Autor tem necessidade de ter de usar e de comprar uma prótese para a perna esquerda, 63. - Cujo custo ascende a mais de 10.000,00 €uros, 64. - Assim como o custo das sessões diárias de fisioterapia, que ascendem ao valor mensal de 250,00 €uros. 65. - Até ao momento, o Autor teve as seguintes despesas, cuja responsabilidade é imputável à Réa e cujo pagamento o Autor dela peticiona, a título de danos patrimoniais: a) - Despesas com terceira pessoa - referidos docs. 6 e 7 - 1.330,00 € b) - Despesas médicas e medicamentosas – docs. 8 a 17 174,63 € Total 1.504,63 € 66. - As despesas mensais fixas que o Autor tem com despesas com terceira pessoa, médicas e medicamentosas, deslocações e viagens para realizar tratamentos de que permanentemente carece, ascendem ao valor global de 1.250,00 €uros, 67. - Pelo que, a título de danos patrimoniais decorrentes destas despesas mensais, sofridas até ao momento, o Autor reclama da Ré uma indemnização de 7.504,63 €, 68. - Relegando para liquidação em execução de sentença o cálculo de todas as despesas que vai continuar a ter daqui em diante. 69. - Até ao momento o Autor perdeu a quantia de 16.500,00 €, que aqui reclama da Ré, a título de danos patrimoniais, relativa aos rendimentos mensais, lucro cessante, decorrentes da sua total e absoluta incapacidade para o trabalho: Ano de 2009 Maio a Dezembro = 1.500,00 € x 8 meses = 12.000,00 € Ano de 2010 Janeiro a Março = 1.500,00 € x 3 meses = 4.500,00 €, 70. – Relegando para liquidar em execução de sentença o cálculo de todos os danos patrimoniais e todo o tipo de despesas que vai continuar a ter daqui em diante. 71. - Como acima se alega, à data do acidente, o Autor tinha um rendimento médio mensal do seu trabalho de cerca de 1.500,00 €, 72. - Rendimento que tendia a aumentar no futuro. 73. - Também como acima se alega, o Autor ficou total e definitivamente incapacitado para o trabalho. 74. - Atenta a sua idade à data do acidente – 36 anos - atento o seu tipo de trabalho, que era por conta própria, atento ainda o facto de gozar de boa saúde e de ter uma grande disponibilidade para o trabalho, o Autor trabalharia ainda mais cerca de 40 anos, 75. - Pelo que, a título de dano patrimonial, decorrente da sua perda de capacidade de trabalho e de ganho, o Autor reclama da Ré uma indemnização nunca inferior a € 750.000,00 – setecentos e cinquenta mil euros. Acresce que, 76. - No momento do acidente, nos intermináveis dias em que esteve e continua doente e totalmente incapaz para o trabalho, durante os períodos de internamento, de tratamento e de fisioterapia, nas intervenções cirúrgicas a que foi submetido, nas inúmeras vezes em que teve de se deslocar para os serviços clínicos da demandada na cidade do ..., assim como em viagens para os Hospitais onde foi assistido e operado, locais onde continua a receber tratamentos de assistência médica e medicamentosa, o ver-se agora agarrado a uma cadeira de rodas, o não poder locomover-se senão com a ajuda de terceira pessoa e de ajudas técnicas, ao ver-se impotente para poder trabalhar, gozar a vida, divertir-se como todos, de ter uma vida normal, causaram e continuam, a causar ao Autor dores, sofrimentos, medo de morrer, terror, pânico, angústias indescritíveis. 77. - As lesões que sofreu, as sequelas de que está definitivamente possuído/afetado, causaram e continuam a causar ao Autor grandes dores, sofrimentos, angústias, mal-estar permanentes, complexos indescritíveis, 78. - Tudo consubstanciando grave/elevado dano moral, 79. - Para ressarcimento do qual reclama da Ré uma indemnização, para os danos morais sofridos desde a data do acidente até ao momento, nunca inferior a 400.00,00 € - quatrocentos mil €uros. Acresce que, 80. - O Autor continua a ter necessidade de assistência médica e medicamentosa, vai ter necessidade de sofrer novas intervenções cirúrgicas, 81. - Vai ter que fazer mais exame médicos, de tomar mais medicação, de apanhar injeções, de fazer raios x, de fazer fisioterapia, de fazer exercícios de reabilitação, de adaptação às próteses, de mudar de próteses, etc, Pelo que, 82. - Relega para liquidação em execução de sentença o cálculo de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que vai continuar a ter daqui em diante.” Ainda naquela ação o Autor deduziu contra a Ré os seguintes pedidos: “PEDIDO: - Julgar-se procedente e provada a presente ação e, em consequência, condenar-se a requerida a pagar ao Autor a) - A quantia de € 774.004,63 – setecentos e setenta e quatro mil e quatro euros e sessenta e três cêntimos – pelos danos patrimoniais por ele sofridos, desde a data do acidente até ao momento, acrescida dos juros de mora a contar da citação até efetivo e integral pagamento. b) - A quantia € 400.000,00 – quatrocentos mil euros - pelos danos não patrimoniais por ele sofridos, desde a data do acidente até ao momento, acrescida dos juros de mora a contar da citação até efetivo e integral pagamento. c) - As quantias e todas as despesas que o Autor haja de fazer com a colocação de próteses, com sessões de fisioterapia, tratamentos, assistência médica e medicamentosa, eventuais intervenções cirúrgicas e quaisquer outras, que sejam consequência direta, necessária e adequada das lesões e sequelas decorrentes do acidente em mérito, a ttítulo de danos patrimoniais, a liquidar em execução de sentença. d) - Os danos morais que o Autor vai continuar a sofrer, a partir da data da instauração da presente ação, pelas dores, dos sofrimentos, decorrentes das lesões e sequelas com que ficou e ficará afetado, tratamentos, intervenções cirúrgicas a que terá de ser submetido, ou sejam, de tudo o que vier ainda a sofrer e que sejam consequência direta, necessária e adequada das lesões e sequelas decorrentes do acidente em mérito, igualmente a liquidar em execução de sentença.” A ré foi citada para os termos da ação 1746/10…, tendo apresentado contestação. No dia 25.01.2013, foi proferida douta sentença na ação que, sob o número 1746/10…, correu termos na extinta Vara Mista do Tribunal Judicial da Comarca ..., na qual foram dados como provados, na parte relevante para a exceção que agora se aprecia, os seguintes factos: “21. O autor foi conduzido de ambulância para o Hospital ..., tendo- se mantido em coma induzido durante 15 dias e em permanente observação e tratamentos resposta aos factos 31º, 32º, 33º e 34º da base instrutória); 22. Passado este tempo o Autor foi deslocado para o serviço de Ortopedia, onde lhe eram feitas permanentes análises, tac´s, raios x e tomografias e ministradas injeções e medicação variada (resposta aos factos 35º, 36º e 37º da base instrutória); 23. Assim se mantendo durante 85 dias, padecendo de dores, enjoos, cansaço e mal-estar permanentes (resposta aos factos 38º e 39º da base instrutória); 24. A partir de então, diariamente, de 2.ª a 6.ª feira, o Autor desloca-se para o Hospital ..., onde durante mais de uma hora, recebe tratamentos de fisioterapia, toma medicação para as dores e para o mal-estar, que permanentemente o afligem (resposta aos factos 40º e 41º da base instrutória); 25. Até ao momento, o Autor foi submetido a três intervenções cirúrgicas, uma para amputação da perna esquerda, outra para introdução de ferros no braço esquerdo e ainda uma outra para introdução de ferros na perna direita (resposta aos factos 42º, 43º, 44º e 45º da base instrutória); 26. No embate partiu sete costelas e sofreu ainda as lesões/ ferimentos e os tratamentos descritos no documento n.º 3 junto aos autos de procedimento cautelar apensos (resposta aos factos 46º e 47º da base instrutória); 27. O autor ficou incapaz para o exercício da sua profissão habitual e ficou a padecer de IPG de 72 pontos (resposta ao facto 48º da base instrutória); 28. Nos primeiros 6 meses após o embate, o Autor locomoveu-se em cadeira de rodas e com a ajuda de terceira pessoa, de quem dependeu nesse período para todos os atos da sua vida diária (resposta aos factos 49º e 50º da base instrutória); 29. O autor manteve tratamento, assistência médica e medicamentosa regulares até consolidação das lesões (resposta aos factos 51º da base instrutória); 30. O autor tem dificuldade de descansar e em arranjar posição para dormir, mexendo-se e remexendo-se na cama (resposta aos factos 52º e 53º da base instrutória); 31. O Autor era dono de uma oficina de mecânica de automóveis multi-marcas, trabalhando, diariamente, de 2.ª feira a sábado, das 8 até às 21 horas (resposta aos factos 55º e 56º da base instrutória); 32. O autor obtinha um rendimento médio mensal líquido não inferior a 1.500€ (resposta ao facto 57º da base instrutória); 33. O Autor tinha uma clientela certa e a crescer, tencionava ampliar a sua oficina de mecânica e projetava adquirir a oficina de mecânica do pai (resposta aos factos 58º, 59º e 60º da base instrutória); 34. O Autor havia adquirido um apartamento, com recurso ao crédito bancário, juntamente com a sua companheira (resposta ao facto 62º da base instrutória); 35. O Autor ficou sem qualquer fonte de rendimento e vai pagando as suas despesas com algum dinheiro que aforrou ao longo do tempo (resposta aos factos 63º e 64º da base instrutória); 36. O Autor suporta a prestação relativa ao financiamento bancário para habitação, despesas com água, luz, gás, e suportou despesas com 3.ª pessoa nos primeiros 6 meses após o embate (resposta aos factos 66º e 71º da base instrutória); 37. Tendo tido o Autor necessidade de colocar uma prótese na perna esquerda, a mesma já foi fornecida pela Ré, sem custos para o Autor (resposta aos factos 67º e 68º da base instrutória); 38. O Autor sofreu e sofre dores, medo de morrer, terror, pânico e angústia (resposta ao facto 72º da base instrutória); 39. O autor vai ter de se submeter a nova intervenção cirúrgica, de fazer novos exames médicos e de tomar mais medicação, fazer fisioterapia e reabilitação (resposta aos factos 74º, 75º e 76º da base instrutória); 40. O Autor recebe da Segurança Social um subsídio mensal de doença, no valor de 415,50€, desde 23/04/2009 (resposta ao facto 77º da base instrutória); 41. No período de 23/4/2009 a 28/2/2010 o Autor recebeu da Segurança Social a quantia global de 4.266,30€, a título de subsídio mensal de doença (resposta ao facto 78º da base instrutória); […] 43. No âmbito da providência cautelar apensa, mediante transação homologada por decisão judicial, a Ré obrigou-se a pagar ao Autor a quantia de 15.000€, no prazo de 15 dias contados desde 10-2-2010, a título de adiantamento, por conta da indemnização que vier a ser fixada a final [P) dos factos assentes]; […] 46. O A. nasceu no dia .../.../1973 (certidão de fls. 110)”. Nessa sentença, a Ré foi condenada a pagar ao Autor as seguintes quantias/realizar as seguintes prestações: “- condenar a Ré a pagar ao A. a quantia de € 617.233,70 (seiscentos e dezassete mil, duzentos e trinta e três euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde a citação até integral pagamento; - condenar a R. a pagar ao A. a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença referente a despesas por si suportadas durante os 6 meses em que necessitou de auxílio de terceira pessoa e respeitantes aos tratamentos, assistência médica e medicamentosa regulares até consolidação das lesões, quantia essa acrescida de juros de mora, às taxas legais sucessivamente em vigor, desde a citação até integral pagamento; - condenar a R. a pagar ao A. a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença referente à nova intervenção cirúrgica a que terá que ser sujeito e aos novos exames médicos, medicação, fisioterapia e reabilitação a que terá que ser submetido - condenar a R. a pagar ao reclamante “Instituto de Segurança Social – Centro Distrital de Segurança Social de Braga, I.P.” a quantia de € 4.266,30 referente ao subsídio de doença concedido ao Autor;” Nessa mesma sentença, a Ré foi absolvida dos restantes pedidos formulados pelo Autor – fls. 114/122. Dessa sentença foi interposto recurso para o Tribunal da Relação .... No dia 12.09.2013 foi proferido acórdão do Tribunal da Relação ..., que pôs termo à ação n. 1746/10…- fls. 123/148. Nesse acórdão foi integralmente mantida a decisão proferida quanto à matéria de facto fixada na sentença do Tribunal de Primeira Instância. E, a final, foi decidido nesse acórdão, o seguinte: “Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação na procedência parcial da apelação, nos seguintes termos: 1. Julgam a impugnação da matéria de facto improcedente. 2. Mantêm a condenação da Ré condenar a Ré a pagar ao A. a quantia de €617.233,70 (seiscentos e dezassete mil, duzentos e trinta e três euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde a citação até integral pagamento; 3. Mantêm a condenação da Ré a pagar ao A. a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença referente a despesas por si suportadas durante os 6 meses em que necessitou de auxílio de terceira pessoa e respeitantes aos tratamentos, assistência médica e medicamentosa regulares até consolidação das lesões, bem como a pagar ao A. a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença referente à nova intervenção cirúrgica a que terá que ser sujeito e aos novos exames médicos, medicação, fisioterapia e reabilitação a que terá que ser submetido. 4. Revogam a condenação da Ré em de juros de mora, às taxas legais sucessivamente em vigor, desde a citação até integral pagamento, no que diz respeito às condenações referidas em 3. supra, por ocorrer, quanto a essa condenação, a nulidade prevista no art.. 668° n.° 1 alínea e) do C. P. Civil 5. Julgam o recurso subordinado interposto pelo A. improcedente”. O acórdão do Tribunal da Relação ... que pôs termo à ação 1746/10.... transitou em julgado. Ora, na presente ação o Autor deduz os seguintes pedidos: “a) - Fornecer ao Autor uma prótese igual, ou em tudo igual, à identificada no artº 48 desta petição inicial, ou, em alternativa, a pagar ao Autor a quantia de € 52.766,80, destinada a comprar uma prótese igual, ou em tudo igual, à identificada no artº 48 desta Petição Inicial, ou ainda a pagar ao Autor a quantia ele tiver que gastar se, entretanto, o preço da mesma vier a alterar-se, TUDO SEM PREJUÍZO DE O AUTOR, ATENTA A SITUAÇÃO DE SOFRIMENTO POR QUE PASSA, NESTE MOMENTO, TER NECESSIDADE DE A COMPRAR, EM BREVE, a título de danos patrimoniais supervenientes. b) - A pagar ao Autor a quantia de € 100,00, relativa à despesa por si paga ao médico da especialidade, a que teve de recorrer, para estudo da sua situação clínica. c) - A pagar ao Autor as quantias de € 790,00 e de € 8.099,46, a que se alude no artº 55, desta Petição Inicial. d) - O pagar ao Autor todas e quaisquer despesas que o ele haja que ter de fazer/pagar, com nova ou novas próteses de que, no futuro, venha eventualmente, a necessitar, assim como as eventuais despesas com a sua manutenção ou conservação, e ainda a pagar todo o tipo de despesas que haja de fazer, em consequência direta, necessária e adequada, das lesões e sequelas, decorrentes do acidente de viação de que foi vítima, mormente despesas médicas, medicamentosas, consultas médicas, transportes para eventuais tratamentos, ajudas de terceiras pessoas, calçado, ajudas técnicas, internamentos hospitalares e todo o tipo de despesas que Autor haja de fazer, relacionadas com as consequências do acidente em causa, com vista ao tratamento de todo o tipo de lesões e sequelas dele decorrente, a título de danos patrimoniais supervenientes, a liquidar em execução de sentença. e) - A pagar os juros de mora, sobre tais quantias, a contar da sua citação. f) - A pagar ao Autor uma indemnização nunca inferior a € 10.000,00 – dez mil – euros, a título de danos não patrimoniais supervenientes. g) - A pagar ao Autor os juros de mora sobre tal quantia de € 10.000,00, a contar da citação. h) - A pagar a Autor os danos patrimoniais que o Autor vier a sofrer, em consequência dos danos não patrimoniais supervenientes, que venha a sofrer, a partir da data da instauração da presente ação, a liquidar em execução de sentença”. Ora, face ao exposto é manifesto que a exceção do caso julgado invocada pela ré se verifica, uma vez que na presente ação o Autor deduz pretensões que já foram objeto de decisão na ação que, sob o número 1746/10…, correu termos na extinta Vara Mista do Tribunal Judicial da Comarca .... Na verdade, os pedidos que o Autor formula na presente ação sob as alíneas a), b) e c) do seu pedido correspondem, afinal, ao mesmo pedido que o Autor formulou na alínea c) do pedido constante da petição inicial apresentada na ação 1746/10…. Com efeito, o que está em causa no pedido da alínea a), formulado nesta ação, é o pagamento ou fornecimento de uma prótese para substituição daquela que a Ré forneceu ao Autor no ano de 2010. E, no que toca às alíneas b) e c) do pedido formulado nesta ação, estão em causa despesas com a manutenção da prótese colocada e sua reparação. Ora, na alínea c) do pedido formulado na ação 1746/10…, o autor pediu a condenação da Ré a pagar ‘as quantias e todas as despesas que o Autor haja de fazer com a colocação de próteses, com sessões de fisioterapia, tratamentos, assistência médica e medicamentosa, eventuais intervenções cirúrgicas e quaisquer outras, que sejam consequência direta, necessária e adequada das lesões e sequelas decorrentes do acidente em mérito, a título de danos patrimoniais, a liquidar em execução de sentença’. Portanto, na alínea c) do pedido deduzido na ação 1746/10…, o Autor deduziu um pedido que, se procedente, lhe conferiria o direito a exigir da Ré as quantias correspondentes às despesas necessárias à colocação de próteses, seja a inicial, seja as subsequentes, bem como as respetivas despesas de manutenção e reparação. Porém, como já acima se disse, essa pretensão do Autor não foi atendida, já que, no que toca a necessidades futuras, apenas se reconheceu ao Autor o direito a receber da Ré, “a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença referente à nova intervenção cirúrgica a que terá que ser sujeito e aos novos exames médicos, medicação, fisioterapia e reabilitação a que terá que ser submetido”. E, quanto a todos os demais pedidos que o Autor formulou na ação 1746/10…, nomeadamente os conexos com a substituição, colocação e reparação de próteses, a Ré foi absolvida do pedido, por decisão já transitada em julgado. Como facilmente se depreende, nesta parte existe uma total identidade das partes, da causa de pedir e do pedido entre a presente ação e ação que, sob o número 1746/10…, correu termos na extinta Vara Mista do Tribunal Judicial da Comarca ... Na verdade, na ação 1746/10…, o Autor peticionou a condenação da Ré no pagamento das quantias que viessem a ser necessárias para colocação de próteses, sua substituição e reparação, pedido esse que não foi atendido e do qual a Ré foi absolvida. O facto de numa das ações esse mesmo pedido ter sido formulado sob a forma de pedido genérico e na presente ação já ter sido liquidado, em nada releva para o efeito de se afastar a identidade do pedido, já que se pretende a mesma prestação ou efeito jurídico. Assim, como é evidente, quando o Autor propõe nova ação no qual pede o custo dessas mesmas próteses, sua manutenção ou reparação, deduz, exatamente, a mesma pretensão que já anteriormente foi julgada e da qual a Ré foi absolvida do pedido. O mesmo ocorre quanto ao pedido que o Autor formula na alínea d) e e) da petição inicial formulada na presente ação. É que, mais uma vez, o Autor deduz o mesmo pedido que formulou na alínea c) do pedido constante da petição inicial da ação 1746/10…. O Autor pretende, mais uma vez, que lhe seja reconhecido o direito a prestações médicas, medicamentosas futuras, em próteses e sua substituição ou manutenção, pedido esse que já anteriormente formulara e que foi julgado improcedente na ação 1746/10..... E o mesmo sucede quanto aos pedidos que o Autor formula nas alíneas f), g) e h) do pedido formulado na ação. Com efeito, na alínea d) da petição inicial da ação 1746/10...., o Autor pediu a condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização a liquidar ulteriormente pelos “danos morais que o Autor vai continuar a sofrer, a partir da data da instauração da presente ação, pelas dores, dos sofrimentos, decorrentes das lesões e sequelas com que ficou e ficará afetado, tratamentos, intervenções cirúrgicas a que terá de ser submetido, ou sejam, de tudo o que vier ainda a sofrer e que sejam consequência direta, necessária e adequada das lesões e sequelas decorrentes do acidente em mérito, igualmente a liquidar em execução de sentença”. Tal pedido foi julgado totalmente improcedente nas decisões proferidas na ação 1746/10.... e a Ré dele foi absolvido. Ora, nas alíneas f) e g) do seu pedido o Autor pede a condenação da Ré no pagamento de compensação por dos danos morais que diz ter sofrido depois da prolação da decisão que pôs termo à ação 1746/10…, acrescida de juros, pedidos esses que já tinha formulado nesse outro processo e não foi atendido. Além disso, na alínea h), o Autor volta a repetir o pedido de condenação da Ré no pagamento de compensação e indemnização por danos patrimoniais futuros, pedido esse que já foi formulado na ação 1746/10…, sem que tenha sido atendido, e agora repete. Assim, não pode o Autor formular nesta ação a mesma pretensão, já anteriormente julgada, por se verificar a exceção de caso julgado. Nestes termos, verifica-se, assim, quanto aos pedidos que o Autor formula nas alíneas a), b), c), d), e), f) e h) do pedido constante da petição inicial desta ação, que o Autor repete um pedido que já formulou anteriormente e que foi julgado só parcialmente procedente. Em face de tudo o exposto, conclui-se pela verificação da exceção de caso jugado, constituído pela decisão, já transitada e julgado, proferida no processo que, sob o número 1746/10…, correu termos pela extinta Vara Mista do Tribunal Judicial da Comarca ..., o que impede o prosseguimento desta ação e novo julgamento da mesma causa, impondo-se a absolvição da ré da instância. Assim, julga-se procedente a exceção do caso julgado invocado pela ré e consequentemente julga-se esta absolvida da instância, ao abrigo do disposto nos arts. 278º, n.º 1, al. e), 576º, n.ºs 1 e 2, 577º, al. i), 580º e 581º, todos do C.P.C”. 4. Inconformado, o Autor interpôs recurso per saltum do despacho saneador-sentença proferido pelo Tribunal de 1.ª instância. 5. Finalizou a sua alegação com aas seguintes conclusões: A. TENDO EM CONTA: 1. - A matéria alegada nos artºs 27 a 46, 60, 62, 63, 80 e 81 da Petição Inicial da 1ª acção – Proc. nº 1746/10.... -, assim como o seu pedido. 2. - A matéria agora alegada nos artºs 33 e 37 até 94, assim como o seu pedido, na presente acção, IMPÕE SE CONCLUA QUE: - Os danos ora alegados e os pedidos ora formulados não são os mesmos da 1ª acção. - Embora o pedido seja qualitativamente idêntico, já o não é relativamente à extensão do dano indemnizável, e à correspondente causa geradora em que se baseia. Por isso, A Jurisprudência e a doutrina são unânimes na consideração de que os danos supervenientes que, à data da sentença ou da transacção, não eram previsíveis, ficam excluídos de força de caso julgado. A fixação do valor indemnizatório sem qualquer referência a renúncia a direitos, é admissível, mas não constitui renúncia antecipada aos direitos do credor. - Acórdão do stj – proc nº 900/01 – 14.03.2002 B. TENDO A SENTENÇA proferida naquele 1º processo - posteriormente transitada em julgado - fixado as seguintes questões a tratar: a) - Apreciar da responsabilidade na eclosão do acidente; b) - Determinar o montante indemnizatório a arbitrar ao A., IMPORTA CONCLUIR-SE QUE - Delimitado ficou, a essas duas questões, o objecto de tal processo. - Só existe caso julgado, relativamente à matéria dada por provada. Toda a sentença vale apenas rebus sic stantibus, razão pela qual o Professor Alberto dos Reis referia que «o caso julgado material subsiste enquanto se mantém o condicionalismo que o ditou; por isso se rompe quando desaparece a base em que assentava». (Código de Processo Civil, anotado, V, Página 178. TENDO NESSE 1º PROCESSO: — Sido alegado pelo ora Recorrente e posteriormente quesitado - Fls. 116 v destes autos. — Artº 67 – O Autor tem necessidade de usar e de comprar uma prótese para a perna esquerda? — Artº 68 – Cujo custo ascende a mais de 10.000,00 €? 2. SENDO A RESPOSTA A ESTES 2 QUESITOS: - “ provado que, tendo tido o autor necessidade de colocar uma prótese na perna esquerda, a mesma já foi fornecida pela ré, sem custos para o autor.” 3. TENDO NA FUNDAMENTAÇÃO SIDO DECLARADO “Relativamente à prótese para a perna esquerda, não se irá condenar a Ré na respectiva prestação em espécie ou em dinheiro, dado que a mesma já fornecida sem custos para o autor. TENDO A SENTENÇA - TRANSITADA EM JULGADO - DECLARADO “Relativamente à prótese para a perna esquerda, não se irá condenar a Ré na respectiva prestação em espécie ou em dinheiro, dado que a mesma já fornecida sem custos para o autor. - Vide fls. 116 verso destes autos. IMPORTA CONCLUIR QUE: Ao contrário do que considera a sentença recorrida, a ora Recorrida “não foi absolvida”. Foi, isso sim, “não condenada”, exactamente e tão só, porque deu satisfação ao legítimo direito peticionado/reclamado pelo ora Recorrente, assim evitando a sua condenação. D. TENDO A ORA RECORRIDA ALEGADO NA CONTESTAÇÃO À 1ª ACÇÃO: Artº 49:- “Aliás, caso lhe venha a ser aplicada uma prótese, o demandante readquirirá um grau de autonomia e capacidade semelhantes às que dispõe actualmente.” – Vide fls. 33 de tal processo, cuja apensação aos presentes autos se requereu SÓ POSTERIORMENTE - e sempre antes da proferida decisão final - tendo fornecido a prótese para a perna esquerda, sem qualquer custo para ora Recorrente, IMPORTA CONCLUIR QUE: - A Recorrida deu satisfação ao legítimo direito reclamado pelo ora Recorrente. - Tal reconhecimento tem necessariamente de ser considerado para toda a vida do ora Recorrente, desde que ele dela(s) necessite, obviamente dentro do capital seguro. E. - Em momento algum a sentença proferida na referida 1ª acção declara não ter o ora Recorrente direito a peticioná-los posteriormente, desde logo porque os danos agora alegados, não existiam ao tempo, Sendo certo que, para que o tribunal possa atender aos danos futuros, é necessário que sejam previsíveis com segurança bastante, porque se não forem, não pode o tribunal condenar o responsável a indemnizar danos que não se sabe se virão a produzir-se, como decorre do disposto no artigo 564º-2, do Código Civil que, “na fixação da indemnização, pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis.” Se não for seguro o dano futuro, a sua reparação só pode ser exigida quando ele surgir. (Revista de Legislação, Ano 113º página 326, anotação do Professor Vaz Serra, ao acórdão deste tribunal de 22 de Janeiro de 1980, publicado no B.M.J. nº293/327).). F. - ENCONTRANDO-SE ALEGADO NOS PRESENTES AUTOS E COMPROVADO DOCUMENTALMENTE QUE: - Artºs 38 a 45 da P.I 1. - “Após ter-lhe a ora Recorrida fornecido, gratuitamente, uma prótese para a sua perna esquerda, a mesma, com o seu uso, sofreu um desgaste, deixando de ter condições para poder ser usada por aquele. 2. - Perante tal realidade, o ora Recorrente contactou a ora Recorrida, com vista à substituição da dita prótese e, em 26.11.2020, a Ré comunicou ao seu mandatário que aquele solicitasse um orçamento da prótese, junto da “Ortopedia Universal”, a mesma que antes lhe havia aplicado a prótese que lhe fora fornecida pela Ré, após ter sido citada para os termos daquela 1ª acção. 3. - Tal factualidade encontra-se comprovada documentalmente no Doc. 5, junto com a Petição Inicial, onde a Recorrida, em resposta a pedidos anteriores, comunica ao mandatário do Recorrente, o seguinte: - Vide pág. 52 dos presentes autos -.“Relativamente ao AA, deverá solicitar um orçamento da prótese junto da Ortopedia Universal.” 4. - Tal factualidade, relativa ao reconhecimento pela ora Recorrida do direito do Autor a ser-lhe fornecida ou paga uma nova prótese, não foi impugnada pela ora Recorrida, constituindo, por isso, matéria assente, por confessada, IMPÕE CONCLUIR-SE QUE : - É continuado o reconhecimento da Ré ter o ora Recorrente direito a receber dela uma prótese, ou a quantia que se mostrar necessária à aquisição da mesma. - Ao reconhecer, desde o ano de 2010, após a instauração da 1ª acção, a obrigação de fornecer/dotar o Autor de uma prótese, implícita estava uma eventual necessidade de substituição. - O que já estava implícito, reafirmado ficou em 2020 – pág. 52 - Sendo certo que, - O que juridicamente releva, não é a duração da prótese, mas sim a sobrevida do lesado, o Autor/Recorrente. G. O princípio da boa fé, consignado no nº 2 do artº 762º do C. Civil, domina todas as vinculações jurídicas. H. Tal sentença, já transitada em julgado, não deu por provado, - nem podia, por se tratar de danos supervenientes - que o ora Recorrente não poderia, no futuro, vir a exigir da ora Recorrida o pagamento de indemnizações decorrentes de danos patrimoniais ou não patrimoniais, desde que supervenientes, Desde logo porque, A causa de pedir nos acidentes – e o dos autos reporta-se a um acidente com gravíssimas lesões e consequências - é complexa, integrada por um conjunto de factores integrantes dos diferentes pressupostos, que são cumulativos, da obrigação de indemnizar que lhes corresponde. I. O quadro material em que se estruturou a acção anterior, enquanto substanciadora da causa de pedir, preencheu uma conduta geradora da responsabilidade civil, integrante do tipo legal previsto pelo artigo 483 n. 1, do Código Civil, sendo um dos pressupostos da obrigação de indemnização o dano indemnizável em toda a sua extensão. J. Mesmo que o 1º processo houvesse terminado com uma sentença homologatória de acordo, no qual as partes fixaram uma determinada quantia em dinheiro, para ressarcir o lesado de todos os danos sofridos até então e também os futuros, o caso julgado inexiste se vierem verificar supervenientemente danos quantitativamente diferentes, por mais extensos, já que não estavam abrangidos pela causa de pedir na acção anterior, não se incluindo, por arrastamento, quantitativamente no pedido, não podendo ser considerado na transacção homologada. Não foram falados na acção anterior, sequer como danos latentes, muito menos como consequência adequada do acidente. Assim se considerou, No referido Acórdão do STJ: - “De tudo, resulta uma nesga de causa de pedir, uma parte quantitativa do pedido, e por tabela, um segmento de ponderação da transacção homologada, que terão escapado ao objecto da acção anterior, partes essas susceptíveis de constituírem objecto de nova acção, sem que haja violação do princípio do caso julgado material.” L. Dos Acórdãos acima parcialmente transcritos, importa salientar um aspecto que é igualmente atendível no caso dos autos. Nele também se lê o seguinte, que igualmente se invoca para efeitos do presente recurso: “As jurisdições nacionais devem, dentro do possível, interpretar o respectivo direito nacional à luz das Directivas Comunitárias no caso aplicáveis, mesmo que não transpostas ou incorrectamente transpostas. É a chamada obrigação de interpretação conforme” (Ac. do STJ de 4 de Outubro de 2007, R.L.J., Ano 137. °, n.° 3946, pg. 44). Impõe-se, por isso, com vista ao respeito pelo princípio da primazia do direito comunitário em relação ao direito infra-constitucional e pelas soluções que o próprio legislador nacional sufragou, o entendimento de que o regime emergente do Dec.-Lei n.° 14/96, de 6 de Março, pretende regular não apenas as situações ocorridas posteriormente à sua entrada em vigor como também as anteriores que ainda não tenham sido objecto de decisão transitada em julgado. A este resultado conduz uma interpretação progressista ou actualista do próprio art. 505º Código Civil, que tenha em conta a unidade do sistema jurídico e as condições do tempo em que tal norma é aplicada, em que a responsabilidade pelo risco é enfocada a uma nova luz, iluminada por novas concepções, de solidariedade e justiça (ACÓRDÃO DO STJ DE 4 DE OUTUBRO DE 2007, RLJ, ANO 137, Nº3946, PP. 35, 36). Daí, M. Padecer a sentença recorrida de vício que atenta contra normas constitucionalmente consagradas, como são as contidas nos artºs 204º e 205º da CRP, aplicando normas que infringem o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados. No caso dos autos, a sentença comete, para além do mais, a injustiça grave, porque em causa estão nos presentes autos, danos morais e patrimoniais de valor muito elevado, sofridos por uma pessoa que, amputado numa perna, ficou totalmente incapaz para o trabalho, quando ainda não tinha chegado sequer a meio daquilo que seria a vida activa. Para além das razões acima elencadas, que justificam uma decisão contrária, a sentença recorrida não faz a interpretação progressista ou actualista do próprio art. 505º Código Civil, à luz das Directivas Comunitárias no caso aplicáveis, incumprindo a chamada obrigação de interpretação conforme” (Ac. do STJ de 4 de Outubro de 2007, R.L.J., Ano 137.°, n.° 3946, pg. 44). N. A sentença recorrida violou o disposto nos artºs 483º, 495º, 496º, 498º, 503º, 505º, 762º o Cód. Civil e artºs 278º, 576º, 577º, 580º e 581º do Cód. Proc. Civil. TERMOS EM QUE, Deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue improcedente, por não provada a alegada excepção de caso julgado, ordenando o prosseguimento dos autos, tudo com as legais consequências. 6. A Ré, agora Recorrida, Generali Seguros, SA. contra-alegou. 7. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões: I - Os pedidos que o Autor formula na presente ação sob as alíneas a), b) e c) do seu pedido correspondem, afinal, ao mesmo pedido que o Autor formulou na alínea c) do pedido constante da PI apresentada na ação 1746/10…. II - O facto de numa das ações esse mesmo pedido ter sido formulado sob a forma de pedido genérico e na presente ação já ter sido liquidado, em nada releva para o efeito de se afastar a identidade do pedido, já que se pretende a mesma prestação ou efeito jurídico. III - O mesmo ocorre quanto ao pedido que o Autor formula na alínea d) e e) da petição inicial formulada na presente ação, os quais corresponde ao mesmo pedido que formulou na alínea c) do pedido constante da PI da ação 1746/10…. IV - E o mesmo sucede quanto aos pedidos que o Autor formula nas alíneas f), g) e h) do pedido formulado na ação, que corresponde ao pedido que o Autor formulou na alínea d) da Petição inicial da ação 1746/10..... V - Além disso, na alínea h), o Autor volta a repetir o pedido de condenação da Ré no pagamento de compensação e indemnização por danos patrimoniais futuros, pedido esse que já foi formulado na ação 1746/10...., sem que tenha sido atendido, e agora repete. VI - Verifica-se, assim, quanto aos pedidos que o Autor formula nas alíneas a), b), c), d), e), f) e h) do pedido constante da petição inicial desta ação, que o Autor repete um pedido que já formulou anteriormente e que foi julgado só parcialmente procedente. VII - Assim, quanto a tais pedidos, verifica-se a exceção de caso jugado, constituído pela decisão, já transitada e julgado, proferida no processo que, sob o número 1746/10…, correu termos pela extinta Vara Mista do Tribunal Judicial da Comarca .... VIII - Ao contrário do que sustenta o Autor, na ação 1746/10…, o dano respeitante aos tratamentos médicos futuros e fornecimento de prótese, suas substituições e manutenção, não foi alegado como meramente provável ou eventual, mas antes certo, ainda que não passível de imediata liquidação IX - Tendo o Autor alegado na ação 1746/10.... que necessitaria de substituir a prótese e de prover à sua manutenção, e tendo mesmo deduzido um pedido no sentido de obter a condenação da Ré a pagar “as quantias e todas as despesas que o Autor haja de fazer com a colocação de próteses, com sessões de fisioterapia, tratamentos, assistência médica e medicamentosa, eventuais intervenções cirúrgicas e quaisquer outras, que sejam consequência directa, necessária e adequada das lesões e sequelas decorrentes do acidente em mérito, a título de danos patrimoniais, a liquidar em execução de sentença”, não tendo aqueles factos sido dados como provados, ou a Ré condenada a satisfazer o pedido que formulou a esse propósito é forçoso concluir que o Autor foi vencido nesta sua pretensão. X - Não tendo o Autor recorrido da douta sentença proferida na ação 1746/10.... no que toca ao que foi doutamente decidido relativamente àquelas necessidades futuras do Autor, resta constatar que se formou caso julgado, nos precisos termos em que o Autor teve vencimento e decaiu nas pretensões que formulou nessa ação. XI - As alegadas necessidade de substituição e manutenção futuras da prótese não se tratavam de realidades que o Autor tenha enunciado como meramente eventuais ou prováveis, tanto mais que alegou, clara e cristalinamente, na PI da ação 1746/10…, que teria de suportar esses gastos no futuro. XII - Mas, mesmo que assim não fosse, o certo é que o Autor formulou na ação 1746/10.... um pedido de condenação da Ré no pagamento dessas despesas conexas com a substituição e manutenção da prova, no qual decaiu. XIII - Não compete ao julgador de uma causa declarar quais as pretensões que o Autor pode, ou não, formular no futuro, mas antes apreciar e julgar as pretensões deduzidas na ação, julgando-as em conformidade com os factos que tiver como provados. XIV - A própria lei permite que sejam atendidos os danos futuros (cfr artigo 564.º do Cod Civil), quando previsíveis. XV - Se, como diz o Autor, só estivesse ao seu alcance formular pedidos quanto a danos já ocorridos no passado, não lhe teria sido atribuída na ação 1746/10...., como foi, uma indemnização pela perda futura de ganhos decorrente da incapacidade permanente de que ficou portador em consequência do acidente. XVI - Como é evidente, para se aferir se se formou ou não caso julgado quanto a uma pretensão não releva saber se o dano já existia aquando da formulação do pedido, mas antes avaliar se aqueles danos futuros foram reclamados e a decisão que sobre os mesmos recaiu. XVII - No caso, o Autor, logo na petição inicial da ação 1746/10...., deduziu contra a Ré pretensões conexas com danos futuros, os quais eram, para si previsíveis e não foram atendidos. XVIII - Consequentemente, a decisão que absolveu a Ré dessas pretensões formou, evidentemente, caso julgado, que impede o Autor de propor nova ação para ver apreciados esses mesmos pedidos. XIX - A alegação do Autor de que as decisões proferidas na ação 1746/10.... não se pronunciaram sobre os danos que invoca nos presentes autos porque eram incertos, não tem qualquer sustentação no respetivo texto. XX - De facto, tendo por base a prova produzida e a apreciação que dela fez, o julgador entendeu dar como não provados os factos que sustentavam o pedido do Autor de condenação da Ré no pagamento de despesas futuras com a prótese, sua substituição e manutenção, ou no que toca a danos futuros, absolvendo, em conformidade, a Ré desses pedidos XXI - E essa decisão em nada esteve relacionada com a ponderação de que se tratavam de danos incertos ou imprevisíveis. XXII - Por outro lado, não é, tão pouco, certo que os danos que o Autor pretende ver ressarcidos na presente ação sejam supervenientes relativamente ao que foi decidido na douta sentença da ação 1746/10..... XXIII - De facto, o dano que o Autor sofreu a propósito, nomeadamente, da necessidade de colocação e substituição de próteses, ou de realização de tratamentos consumou-se na data da lesão. XXIV - As manifestações desse dano podem ser cronologicamente supervenientes, mas radicam, sempre, na lesão ocorrida aquando do acidente. XXV - Por outro lado, como salientámos, aqueles danos eram previsíveis para o Autor, tanto mais que os reclamou na ação. XXVI - A isto acresce que a questão da previsibilidade ou não dos danos que sustentam as pretensões deduzidas numa ação só seria relevante se na decisão sobre as mesmas proferida se tivesse ressalvado que não foram atendidas, precisamente, por se entender que não eram previsíveis. XXVII - No caso, porém, o fundamento da absolvição da Ré no que toca aos danos futuros (despesas médicas, substituição e manutenção de prótese e danos patrimoniais e não patrimoniais futuros) não se baseou na sua imprevisibilidade, pelo que deixa de fazer sentido esta linha de argumentação. XXVIII - Sendo certo que, em todo o caso, os danos previsíveis – como o são aqueles que o próprio autor alegou na ação 1746/10...., estariam sempre abrangidos pelos efeitos do caso julgado. XXIX - A Ré nunca reconheceu o direito do autor a obter a substituição da prótese ou sua manutenção XXX - Em qualquer caso, tal alegado reconhecimento nunca influiria na análise da questão, de cariz meramente processual, da existência ou não de caso julgado formado pela decisão proferida na ação 1746/10..... XXXI - De facto, o instituto do caso julgado visa preservar a certeza jurídica e o prestígio dos Tribunais. XXXII - Assim, jamais se poderia postergar esse interesse público tendo por base a concreta atuação de uma das partes da ação, a qual, no caso, nem tem o alcance que o Autor lhe atribui, de molde a permitir que o caso julgado fosse afastado e o prestígio dos Tribunais sujeito ao abalo decorrente de decisões contraditórias XXXIII - A regra do artigo 762º n.º 2 do Cod Civil não tem, no caso, qualquer aplicação, na medida em que se destina a regular o cumprimento de obrigações contratuais e não, como no caso, as decorrentes de responsabilidade civil extracontratual XXXIV - De qualquer modo, a Ré não deu azo à consolidação de uma situação de caso julgado que é, ao que parece, desfavorável ao Autor, sendo antes verdade que estava ao alcance deste reagir à decisão proferida na ação 1746/10...., procurando obter o resultado a que aspirava e não lhe foi reconhecido. XXXV - Assim, repete-se, não pode o Autor imputar o desfecho daqueles autos a qualquer atuação da Ré, nem tal facto alguma vez impediria os efeitos do caso julgado formado pelas decisões, transitadas em julgado, proferidas na ação 1746/10..... XXXVI - Basta ler as decisões proferidas em primeira e segunda instância na ação 1746/10.... para se perceber que a Ré foi, de facto, absolvida de todas as pretensões que o Autor deduziu e não foram atendidas. XXXVII - Logo, não tendo o Autor visto atendida essa sua pretensão – que expressamente formulou na ação 1746/10....- impunha-se que tivesse recorrido da decisão proferida nessa ação, o que não fez XXXVIII - Consequentemente, formou-se caso julgado no que toca à decisão que absolveu a Ré desse pedido que o Autor deduziu naquela ação, impondo-se a confirmação da douta sentença proferida nestes autos. XXXIX - Existe uma total identidade entre os pedidos e causa de pedir da presente ação e da ação 1746/10...., sendo certo que parte dos pedidos formulados naquela primeira ação são, pura e simplesmente – de forma até textual- repetidos nos presentes autos XL - No que toca aos demais, a única diferença radica no facto de, na ação 1746/10...., terem sido formulados de forma genérica e, na presente ação, mediante a reclamação de um valor líquido, o que é totalmente irrelevante, por estarem em causa pedidos que visam o mesmo efeito jurídico. XLI - Ora, é, precisamente, porque deduziu aqueles pedidos na ação 1746/10.... e os mesmos não foram atendidos – com a consequente absolvição da Ré- que se formou caso julgado impeditivo de uma nova tentativa judicial do Autor de os ver reconhecidos. XLII - A ação 1746/10.... terminou com o douto acórdão do Tribunal da Relação ..., no qual foram determinadas ligeiras alterações – que, para o caso, não relevam- do doutamente decidido no Tribunal de Primeira Instância. XLIII - Assim, de nada releva a jurisprudência invocada pelo Autor a propósito do alcance e efeitos da sentença homologatória de uma transação. XLIV - Sempre se dirá, de todo o modo, que como decorre do doutamente decidido no Acórdão do STJ de 14/03/2002 (processo 02B329), os danos previsíveis estão abrangidos pela força de caso julgado de uma sentença homologatória de transação. XLV - As doutas decisões de Tribunais superiores invocadas pelo Autor nas suas alegações, nomeadamente como 18ª Razão, não têm aplicação ao caso em análise. Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a douta sentença proferida nestes autos, como é de inteira e liminar JUSTIÇA”. 8. O recurso per saltum foi liminarmente admitido. 9. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes: I. — se se há identidade de causas de pedir entre a acção apreciada e decidida no processo n.º 1746/10.... e a acção sub judice; em caso de uma resposta afirmativa à questão anterior, II. — se o caso julgado formado sobre a decisão proferida no processo n.º 1746/10.... obsta à apreciação dos pedidos deduzidos sob as alíneas a) e d); III. — se o caso julgado formado sobre a decisão proferida no processo n.º 1746/10.... obsta à apreciação dos pedidos deduzidos sob as alíneas b) e e); IV. — se o caso julgado formado sobre a decisão proferida no processo n.º 1746/10.... obsta à apreciação dos pedidos deduzidos sob as alíneas f), g) e h). II. — FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS 10. Os factos relevantes para a decisão constam do precedente relatório.
O DIREITO
11. O Autor, agora Recorrente, convoca de quando em quando expressões como a de que “toda a sentença vale apenas rebus sic stantibus”, que só fazem sentido para a acção modificativa prevista no art. 619.º, n.º 2, do Código de Processo Civil [1]. 12. Ora, a acção por si proposta é uma acção (declarativa) nova, por que se pretende a condenação da Ré, agora Recorrida, a uma nova prestação. 13. O art. 577.º, alínea i), do Código de Processo Civil coloca o caso julgado e a litispendência entre as excepções dilatórias [2]; diz que as excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa” e distingue-as, dizendo que, “se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência” e que, se a causa se repete estando a anterior já decidida, por sentença que não admite recurso ordinário, há lugar ao caso julgado [3]. 14. O art. 581.º enuncia os requisitos das excepções de caso julgado e de litispendência: “1. — Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 2. — Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 3. — Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. 4. — Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico […]”. 15. Existindo, como existe, identidade de sujeitos, no sentido dos n.ºs 1 e 2, o problema circunscreve-se à identidade de pedidos e à identidade de causas de pedir. 16. Em relação à identidade de causas de pedir, o tribunal recorrido considera que a causa de pedir, em cada um dos dois processos, é o acidente ocorrido em 29 de Abril de 2009. 17. Em relação à identidade de pedidos, deve distinguir-se duas coisas. 18. Em primeiro lugar, o tribunal recorrido considera que os pedidos deduzidos sob as alíneas a), b), c), d) e e) no caso sub judice estão compreendidos no pedido deduzido sob a alínea c) no processo n.º 1746/10....: I. — no processo n.º 1746/10...., o Autor pedia que a Ré fosse condenada a pagar “as quantias e todas as despesas que o Autor haja de fazer com a colocação de próteses, com sessões de fisioterapia, tratamentos, assistência médica e medicamentosa, eventuais intervenções cirúrgicas e quaisquer outras, que sejam consequência directa, necessária e adequada das lesões e sequelas decorrentes do acidente em mérito, a título de danos patrimoniais, a liquidar em execução de sentença”; II. — no presente processo, o Autor pede que a Ré seja condenada a: a) - Fornecer ao Autor uma prótese igual, ou em tudo igual, à identificada no artº 48 desta petição inicial, ou, em alternativa, a pagar ao Autor a quantia de € 52.766,80, destinada a comprar uma prótese igual, ou em tudo igual, à identificada no artº 48 desta Petição Inicial, ou ainda a pagar ao Autor a quantia ele tiver que gastar se, entretanto, o preço da mesma vier a alterar-se, TUDO SEM PREJUÍZO DE O AUTOR, ATENTA A SITUAÇÃO DE SOFRIMENTO POR QUE PASSA, NESTE MOMENTO, TER NECESSIDADE DE A COMPRAR, EM BREVE, a título de danos patrimoniais supervenientes. b) - A pagar ao Autor a quantia de € 100,00, relativa à despesa por si paga ao médico da especialidade, a que teve de recorrer, para estudo da sua situação clínica. c) - A pagar ao Autor as quantias de € 790,00 e de € 8.099,46, a que se alude no artº 55, desta Petição Inicial. d) - O pagar ao Autor todas e quaisquer despesas que o ele haja que ter de fazer/pagar, com nova ou novas próteses de que, no futuro, venha eventualmente, a necessitar, assim como as eventuais despesas com a sua manutenção ou conservação, e ainda a pagar todo o tipo de despesas que haja de fazer, em consequência direta, necessária e adequada, das lesões e sequelas, decorrentes do acidente de viação de que foi vítima, mormente despesas médicas, medicamentosas, consultas médicas, transportes para eventuais tratamentos, ajudas de terceiras pessoas, calçado, ajudas técnicas, internamentos hospitalares e todo o tipo de despesas que Autor haja de fazer, relacionadas com as consequências do acidente em causa, com vista ao tratamento de todo o tipo de lesões e sequelas dele decorrente, a título de danos patrimoniais supervenientes, a liquidar em execução de sentença. e) - A pagar os juros de mora, sobre tais quantias, a contar da sua citação. 19. Em segundo lugar, o tribunal recorrido considera que os pedidos deduzidos sob as alíneas f), g) e h) no caso sub judice estão compreendidos no pedido deduzido sob a alínea d) no processo n.º 1746/10....: I. — no processo n.º 1746/10...., o Autor pedia que aa Ré fosse condenada a pagar-lhe uma indemnização “pelos danos morais que o Autor vai continuar a sofrer, a partir da data da instauração da presente ação, pelas dores, dos sofrimentos, decorrentes das lesões e sequelas com que ficou e ficará afetado, tratamentos, intervenções cirúrgicas a que terá de ser submetido, ou sejam, de tudo o que vier ainda a sofrer e que sejam consequência direta, necessária e adequada das lesões e sequelas decorrentes do acidente em mérito, igualmente a liquidar em execução de sentença”; II. — no presente processo, o Autor pede que a Ré seja condenada a pagar-lhe “uma indemnização nunca inferior a € 10.000,00 – dez mil – euros, a título de danos não patrimoniais supervenientes” [alínea f)], os juros de mora sobre tal quantia de € 10.000,00, a contar da citação [alínea g)], e uma indemnização a título de danos patrimoniais futuros “que o Autor vier a sofrer, em consequência dos danos não patrimoniais supervenientes, que venha a sofrer, a partir da data da instauração da presente ação, a liquidar em execução de sentença” [alínea h)]. 20. A primeira questão suscitada pelo Autor, agora Recorrente, consiste em determinar se há identidade de causas de pedir entre a acção apreciada e decidida no processo n.º 1746/10.... e a acção sub judice. 21. O Autor, agora Recorrente, alega que 1. - A matéria alegada nos artºs 27 a 46, 60, 62, 63, 80 e 81 da Petição Inicial da 1ª acção – Proc. nº 1746/10.... -, assim como o seu pedido. 2. - A matéria agora alegada nos artºs 33 e 37 até 94, assim como o seu pedido, na presente acção, IMPÕE SE CONCLUA QUE: - Os danos ora alegados e os pedidos ora formulados não são os mesmos da 1ª acção. - Embora o pedido seja qualitativamente idêntico, já o não é relativamente à extensão do dano indemnizável, e à correspondente causa geradora em que se baseia. 22. O termo causa de pedir designa, em geral, “o conjunto dos factos que integram a previsão da norma material ou das normas materiais que estatuem o efeito jurídico pretendido” [4] — e, em consonância com a definição do termo causa de pedir enunciada, o Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, constantemente, que “[a] causa de pedir, nas acções de indemnização por acidente de viação, é o próprio acidente, e abrange todos os pressupostos da obrigação de indemnizar” [5]. 23. O acidente descrito em cada uma das duas acções é o acidente ocorrido em 29 de Abril de 2009 — e, em consequência, está preenchido o requisito da identidade de causas de pedir: “a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico” (cf. art. 581.º, n.º 4, do Código de Processo Civil). 24. Estabelecida a identidade de causas de pedir, deve averiguar-se a identidade dos pedidos. 25. A segunda questão suscitada pelo Autor, agora Recorrente, consiste em determinar se o caso julgado formado sobre a decisão proferida no processo n.º 1746/10.... obsta à apreciação dos pedidos deduzidos sob as alíneas a) e d). 26. O Autor, agora Recorrente, alega que a interpretação da decisão proferida no processo n.º 1746/10.... determina que não haja identidade de pedidos: TENDO A SENTENÇA - TRANSITADA EM JULGADO - DECLARADO “Relativamente à prótese para a perna esquerda, não se irá condenar a Ré na respectiva prestação em espécie ou em dinheiro, dado que a mesma já fornecida sem custos para o autor. - Vide fls. 116 verso destes autos. IMPORTA CONCLUIR QUE: Ao contrário do que considera a sentença recorrida, a ora Recorrida “não foi absolvida”. Foi, isso sim, “não condenada”, exactamente e tão só, porque deu satisfação ao legítimo direito peticionado/reclamado pelo ora Recorrente, assim evitando a sua condenação. 27. O Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado constantemente que, “[e]mbora, em regra, só o dispositivo da decisão constitua caso julgado, frequentemente há que relacioná-lo com os seus fundamentos, para se determinar o verdadeiro alcance da decisão” [6]:“Para interpretarmos correctamente a parte decisória de uma sentença, temos de analisar os seus antecedentes lógicos que a tornam possível e a pressupõem, dada a sua íntima interdependência. A interpretação da sentença exige, assim, que se tome em consideração a fundamentação e a parte dispositiva, factores básicos da sua estrutura. No dizer incisivo de Carnelutti, a sentença não é ‘nem dispositivo, sem motivos, nem motivos sem dispositivo, mas a fusão deste com aqueles’” [7] [8]. 28. Os critérios relevantes para a interpretação das decisões judiciais aproximam-se dos critérios relevantes para a interpretação dos actos jurídicos e, em especial, dos negócios jurídicos [9], ainda que deva atender-se a que “o declarante se situa ‘numa específica área técnico-jurídica’, investido na função de aplicador da lei, que […] está obrigado a interpretar, em conformidade com as regras estabelecidas no art. 9.º do Código Civil, dirigindo-se outros técnicos de direito” [10]. 29. Ora, a interpretação das decisões judiciais, como a interpretação dos actos jurídicos, de acordo com os critérios dos arts. 236.º ss. do Código Civil [11], é uma questão de direito:“está em causa […] uma interpretação, a realizar segundo critérios ou padrões objectivados, de certo segmento da decisão judicial” [12]. 30. Como se diz, p. ex., no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 2014 — processo n.º 2081/09.2TBPDL.L1.S1 —, “compete ao STJ, no âmbito de um recurso de revista, sindicar a decisão […] referente à interpretação de certo segmento da sentença […], de modo a aferir se a interpretação acolhida é conforme aos padrões ou critérios interpretativos que devem nortear a interpretação das decisões judiciais — e que não pode deixar de conduzir à fixação de um sentido interpretativo objectivável que tem de fluir razoavelmente do teor literal da sentença, avaliada globalmente à luz dos respectivos fundamentos”. 31. Os termos em que estava redigido o pedido formulado pelo Autor, agora Recorrente, sob a alínea c) — “as quantias e todas as despesas que o Autor haja de fazer com a colocação de próteses, com sessões de fisioterapia, tratamentos, assistência médica e medicamentosa, eventuais intervenções cirúrgicas e quaisquer outras, que sejam consequência directa, necessária e adequada das lesões e sequelas decorrentes do acidente em mérito, a título de danos patrimoniais, a liquidar em execução de sentença” — podiam ser interpretados de duas formas: I. — como um pedido genérico quanto a todos os seus elementos (próteses, sessões de fisioterapia, tratamentos, …); II. — como um pedido específico quanto a um dos seus elementos (próteses) e como um pedido genérico quanto aos demais (p. ex., em relação às sessões de fisioterapia ou aos tratamentos). 32. O tribunal recorrido interpretou-o como um pedido genérico quanto a todos os seus elementos: “… na alínea c) do pedido deduzido na ação 1746/10…, o Autor deduziu um pedido que, se procedente, lhe conferiria o direito a exigir da Ré as quantias correspondentes às despesas necessárias à colocação de próteses, seja a inicial, seja as subsequentes, bem como as respetivas despesas de manutenção e reparação. Porém, como já acima se disse, essa pretensão do Autor não foi atendida, já que, no que toca a necessidades futuras, apenas se reconheceu ao Autor o direito a receber da Ré, ‘a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença referente à nova intervenção cirúrgica a que terá que ser sujeito e aos novos exames médicos, medicação, fisioterapia e reabilitação a que terá que ser submetido’”. 33. A fundamentação da decisão proferida no processo n.º 1746/10.... depõe no sentido de que o tribunal o tenha interpretado como um pedido específico quanto a um dos seus elementos (próteses) e como um pedido genérico quanto aos demais (p. ex., em relação às sessões de fisioterapia ou aos tratamentos): I. — Quando apreciou o pedido de condenação da Ré a fornecer ao Autor as próteses requeridas, a decisão proferida pelo Tribunal de 1.º instãncia no processo n.º 1746/10…, entretanto confirmada pelo Tribunal da Relação ..., pronunciou-se pela sua improcedência. II. — Fundamentou a decisão de absolvição da Ré nos seguintes termos: "Relativamente à prótese para a perna esquerda, não se irá condenar a ré na respetiva prestação em espécie ou em dinheiro, dado que a mesma foi já fornecida sem custos para o autor (cfr. ponto 37º dos factos provados)”. III. — Quando apreciou sobre a condenação da Ré a pagar ao Autor as quantias necessárias às sessões de fisioterapia, aos tratamentos, à assistência médica e medicamentosa, ou às eventuais intervenções cirúrgicas, a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância no processo n.º 1746/10…, entretanto confirmada pelo Tribunal da Relação ..., pronunciou-se pela sua procedência. IV. — Em consequência, a Ré, agora Recorrida, foi condenada a pagar ao Autor “a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença referente a despesas […] respeitantes aos tratamentos, assistência médica e medicamentosa regulares até consolidação das lesões” e “a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença referente à nova intervenção cirúrgica a que terá que ser sujeito e aos novos exames médicos, medicação, fisioterapia e reabilitação a que terá que ser submetido”. 34. O pedido do Autor de que lhe fossem pagas “as quantias e todas as despesas que o Autor haja de fazer com a colocação de próteses” foi interpretado como um pedido específico de que lhe fosse fornecida uma prótese, ou paga a quantia necessária para que um terceiro lhe fornecesse uma prótese — e, interpretado como um pedido específico de que lhe fosse fornecida uma prótese, ou paga a quantia necessária para que um terceiro lhe fornecesse uma prótese, foi julgado improcedente, por ter sido fornecida ao Autor a prótese requerida. 35. Ora, o art. 621.º do Código de Processo Civil determina que “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga” — e, interpretando-o, diz-se que “[a] determinação do âmbito objectivo do caso julgado postula a interpretação prévia da sentença, isto é, a determinação exacta do seu conteúdo (dos seus ‘precisos termos e limites’). Releva, nomeadamente, para o efeito a leitura que a sentença faça sobre o objecto do processo, isto é, sobre os pedidos formulados pelo autor e pelo réu reconvinte: o caso julgado tem a extensão objectiva definida pelo pedido e pela causa de pedir […], mas não é indiferente a interpretação que o próprio tribunal faça da extensão de um e de outra, de tal modo que, violado, em efectivo contraditório, o art. 608.º, n.º 2, ou o art. 609.º, n.º 1, sem que seja arguida a nulidade da sentença, esta pode constituir caso julgado sobre a própria definição do objecto do processo, ficando este a ser mais amplo, mais reduzido ou diverso do que era na realidade. Assim, p. ex., se o autor tiver deduzido dois pedidos autónomos contra o réu e o juiz só se pronunciar sobre um deles, esquecendo o outro, ou se tiver sido pedido o pagamento de uma quantia e o juiz condenar o réu, não revel, na entrega de uma coisa, interpretando a petição inicial como se esta, e só esta, tivesse sido pedida, é sobre a definição do objecto assim feita que se forma o caso julgado” [13]. 36. A decisão de absolvição da Ré, agora Recorrida, do pedido de condenação no fornecimento de uma prótese, ou no pedido de pagamento da quantia necessária para que um terceiro lhe fornecesse uma prótese, forma-se sobre uma definição do objecto feita através da interpretação da petição inicial como pedido de condenação da ré fornecimento de uma prótese (da prótese inicial), ou no pagamento da quantia necessária para que um terceiro lhe fornecesse uma próteses (prótese inicial), e só sobre uma definição do objecto feita através de uma tal interpretação. 37. O problema está sobretudo em averiguar da preclusão da possibilidade de alegar os factos relativos à deterioração da prótese fornecida pela Ré, agora Recorrida. Entendendo-se, como correntemente se entende, que “o autor tem um ónus de alegação de todos os factos que se referem à causa de pedir invocada na acção” [14], deve deduzir-se daí, designadamente, que “o autor de uma acção de indemnização tem o ónus de indicar todos os danos sofridos, não podendo vir a intentar uma nova acção destinada a obter a reparação dor danos não invocados (mas invocáveis) na acção anterior” [15]. 38. Os factos que se referem à causa de pedir invocada no processo n.º 1746/10.... — especialmente, ao dano real da amputação da perna — foram, como deviam ter sido, invocados: o Autor, agora Recorrente, pediu que a Ré, agora Recorrida, fosse condenada a fornecer-lhe uma prótese; ainda que não tenha deduzido um pedido específico de que a Ré fosse condenada a substituir a prótese fornecida, deduziu um pedido genérico de que a Ré fosse condenada a pagar todas as despesas relacionadas com a colocação de próteses. 39. Em concreto, ainda que uma deterioração da prótese que a tornasse inutilizável fosse (pudesse ser) objectivamente previsível, entende-se que não era subjectivamente exigível que o Autor, agora Recorrente, a previssse — daí que não fosse exigível que o Autor deduzisse um pedido específico de que a Ré fosse condenada a substituir a prótese fornecida ou que o Autor impugnasse uma decisão que absolvia a Ré do pedido de que fosse condenada a pagar todas as quantias necessárias para a colocação de próteses, com o fundamento de que a prótese já tinha sido colocada, sem que o Autor tivesse tido de pagar quantia alguma. 40. Em resposta à segunda questão, dir-se-á que o caso julgado formado sobre a decisão proferida no processo n.º 1746/10.... não obsta à apreciação dos pedidos deduzidos sob as alíneas a) e d). 41. A terceira questão suscitada pelo Autor, agora Recorrente, consiste em determinar se o caso julgado formado sobre a decisão proferida no processo n.º 1746/10.... não obsta à apreciação dos pedidos deduzidos sob as alíneas b) e c). 42. Enquanto que, no processo n.º 1746/10...., o Autor pedia que a Ré fosse condenada a pagar “[a]s quantias e todas as despesas que o Autor haja de fazer com a colocação de próteses, com sessões de fisioterapia, tratamentos, assistência médica e medicamentosa, eventuais intervenções cirúrgicas e quaisquer outras, que sejam consequência directa, necessária e adequada das lesões e sequelas decorrentes do acidente em mérito, a título de danos patrimoniais, a liquidar em execução de sentença” [alínea c)], no presente processo o Autor pede que a Ré seja condenada: b) - A pagar ao Autor a quantia de € 100,00, relativa à despesa por si paga ao médico da especialidade, a que teve de recorrer, para estudo da sua situação clínica. c) - A pagar ao Autor as quantias de € 790,00 e de € 8.099,46, a que se alude no artº 55, desta Petição Inicial. 43. As razões justificativas das quantias são explicitadas no art. 54.º da motivação: Médico que o Autor teve necessidade de consultar, a quem pagou a quantia de € 100,00 — Doc. 9 —, tendo gasto, anteriormente, e que aqui reclama da Ré, a título de dano patrimonial, com a prótese que a Ré lhe forneceu, a quantia de € 790,00, na instalação de um carregador de prótese C-LEG - 4E50-2 Cabo + Plug, no valor de € 790,00 — Doc. 10 — e a quantia de € 8.099,46, na reparação do joelho biónico C — LEG Ref: 3C88-2 — Doc. 11 —, e ainda a quantia de € 26,50, relativa a uma consulta no Hospital ... — Doc. 12 — que se juntam e dão por reproduzidos. 44. As despesas com as consultas médicas estão compreendidas no pedido deduzido sob a alínea c) no processo n.º 1746/10.... (“assistência médica e medicamentosa”). 45. Em relação às despesas com a conservação e reparação da prótese dir-se-á o seguinte: entre as despesas com a conservação e/ou com a reparação e as despesas com a substituição de uma prótese há uma diferença fundamental. Entendeu-se que não era exigível que o lesado previsse as despesas com a substituição de uma prótese, que ainda não tinha sequer sido colocada aquando da propositura da acção de indemnização; entende-se que era exigível que o lesado — com 36 anos à data do acidente — previsse as despesas com a conservação e com a reparação de uma prótese de que necessitaria durante todo o tempo da sua vida — durante 40, 50 ou 60 anos—; ora, “se… o tribunal não condenou o lesante por determinados danos que já eram previsíveis à data do encerramento da discussão da primeira acção porque o lesado não alegou os correspondentes factos (futuros) e, em consequência, estes não puderam ser tidos em conta pelo tribunal (cf. o art. 5.º do Código de Processo Civil), a uma acção posterior em que seja pedida a indemnização de tais danos poderá opor-se eficazmente a excepção de caso julgado” [16]. 46. Em resposta à terceira questão, dir-se-á que o caso julgado formado sobre a decisão proferida no processo n.º 1746/10.... obsta à apreciação dos pedidos deduzidos sob as alíneas b) e c) — o Autor, agora Recorrente, não pode invocar na presente acção os danos que não foram invocado, ainda que fossem invocáveis, na acção anterior. 47. A quarta questão suscitada pelo Autor, agora Recorrente, consiste em determinar se o caso julgado formado sobre a decisão proferida no processo n.º 1746/10.... não obsta à apreciação dos pedidos deduzidos sob as alíneas f), g) e h). 48. Enquanto que, no processo n.º 1746/10...., o Autor pedia que a Ré fosse condenada a pagar-lhe uma indemnização “pelos danos morais que o Autor vai continuar a sofrer, a partir da data da instauração da presente acção, pelas dores, dos sofrimentos, decorrentes das lesões e sequelas com que ficou e ficará afectado, tratamentos, intervenções cirúrgicas a que terá de ser submetido, ou sejam, de tudo o que vier ainda a sofrer e que sejam consequência directa, necessária e adequada das lesões e sequelas decorrentes do acidente em mérito, igualmente a liquidar em execução de sentença” [alínea d)], no presente processo, o Autor pede que a Ré seja condenada a pagar-lhe “uma indemnização nunca inferior a € 10.000,00 – dez mil – euros, a título de danos não patrimoniais supervenientes” [alínea f)], os juros de mora sobre tal quantia de € 10.000,00, a contar da citação [alínea g)], e uma indemnização a título de danos patrimoniais futuros “que o Autor vier a sofrer, em consequência dos danos não patrimoniais supervenientes, que venha a sofrer, a partir da data da instauração da presente acção, a liquidar em execução de sentença” [alínea h)]. 49. Os danos não patrimoniais de que se fala na alínea f) da presente acção foram invocados na acção anterior; estão compreendidos nos “danos morais que o Autor vai continuar a sofrer, a partir da data da instauração da presente acção, pelas dores, dos sofrimentos, decorrentes das lesões e sequelas com que ficou e ficará afectado, tratamentos, intervenções cirúrgicas a que terá de ser submetido” de que se falava na alínea d); os danos patrimoniais de que se fala na alínea g) da presente acção (“… danos… que o Autor vier a sofrer, em consequência dos danos não patrimoniais supervenientes”), esses, ainda que não tenham sido invocados, eram invocáveis na acção anterior. 50. Em resposta à quarta questão, dir-se-á que o caso julgado formado sobre a decisão proferida no processo n.º 1746/10.... obsta à apreciação dos pedidos deduzidos sob as alíneas f), g) e h) — o Autor, agora Recorrente, não pode invocar na presente acção nem os danos que foram invocados, nem os danos que não foram invocados, ainda que fossem invocáveis, na acção anterior. III. — DECISÃO Face ao exposto, concede-se parcial provimento ao recurso, nos seguintes termos: I. — revoga-se a decisão de absolvição do réu da instância quanto aos pedidos deduzidos nas alíneas a) e d); II. — revoga-se a decisão de absolvição do réu da instância quanto ao pedido deduzido na alínea e) — juros de mora —, na parte relativa às quantias a que a Ré seja eventualmente condenada por se julgarem procedentes os pedidos deduzidos nas alíneas a) e d); III. — determina-se a remessa dos autos ao tribunal recorrido, para que se pronuncie sobre os pedidos deduzidos nas alíneas a) e d) e sobre o pedido deduzido na alínea e), na parte referida em II. Em tudo o mais, confirma-se a sentença recorrida. Custas pela parte vencida a final. Lisboa, 17 de Fevereiro de 2022 Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator) José Maria Ferreira Lopes Manuel Pires Capelo _______ [1] Sobre a acção modificativa prevista no art. 619.º, n.º 2, do Código de Processo Civil de 2013, vide por todos Isabel Alexandre, Modificação do caso julgado material civil por alteração das circunstâncias, dissertação de doutoramento apresentada e defendida na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010; Paula Costa e Silva / Nuno Trigo dos Reis, “Estabilidade e caso julgado no direito da obrigação de indemnizar”, in: Estudos em homenagem a Miguel Galvão Telles, vol. II, Livraria Almedina, Coimbra, 2012, págs. 287-326; Paula Costa e Silva / Nuno Trigo dos Reis, “Acção modificativa do caso julgado arbitral — um meio de impugnação esquecido”, In: Revista da Ordem dos Advogados, ano 74.º (2014), págs. 425-441; Paula Costa e Silva / Nuno Trigo dos Reis, “Revisitando a estabilidade e a modificação do caso julgado arbitral: quando o futuro desmente a prognose”, in: Revista da Ordem dos Advogados, ano 76.º (2016), págs. 565-584; Maria de Lurdes Pereira, “Danos futuros e arbitragem. Fundamento, extensão e limites da acção (arbitral) de modificação de sentença arbitral”, in. Revista da Ordem dos Advogados, ano 80.º (2020), págs. 723-765; Fernando Silva Pereira / Tiago Azevedo Ramalho, “Modificação do caso julgado material civil por alteração das circunstâncias — primeiras linhas a partir da obra homónima de Isabel Alexandre”, in: RED — Revista electrónica de direito, vol. 25 — Junho de 2021, págs. 269-294; ou Diogo Leite de Campos, “Os danos futuros e a sua incerteza”, in: Estudos em homenagem ao Professor Doutor Manuel da Costa Andrade, vol. iII, Instituto jurídico — Universidade de Coimbraa, 2017, págs. 102-120. [2] Sobre a qualificação do caso julgado como excepção dilatória ou peremptória, vide na vigência do art. 500.º do Código de Processo Civil de 1939 e da versão inicial do art. 496.º do Código de Processo Civil de 1961, vide por todos José Alberto dos Reis, anotação ao art. 500.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. III — Artigos 487.º a 549.º, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985 (reimpressão), págs. 84-90; Manuel de Andrade (com a colaboração de João de Matos Antunes Varela), Noções elementares de proesso civil (nova edição, revista e actualizada pelo Dr. Herculano Esteves), Coimbra Editora, Coimbra, 1979, págs. 137-140; ou João de Matos Antunes Varela / José Miguel Bezerra / Sampaio e Nora, Manual de processo civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, págs. 304-310; e, na vigência do art. 577.º do Código de Processo Civil de 2013, António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 577.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 653-657, e José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, anotação ao art. 577.º, Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 362.º a 626.º, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018 (reimpressão), págs. 578-589 (especialmente, nas págs. 582-583). [3] Vide, por último, os acórdãos do STJ de 21 de Março de 2019 — processo n.º 713/12.4TBBRG.B.G1.S1 —, de 30 de Abril de 2019 — processo n.º 4435/18.4T8MAI.S1 —de 11 de Julho de 2019 — processo n.º 3245/06.6TBAMD.L2.S2 — e de 17 de Outubro de 2019 — processo n.º 3249/13.2TBVFX.L1.S1. [4] José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, anotação ao art. 552.º, Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 362.º a 626.º, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018 (reimpressão), págs. 487-498 (490). [5] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 4 de Outubro de 2007 — processo n.º 07B1710 —, de 21 de Janeiro de 2014 — processo n.º 258/08.7TCGMR.G1.S1 — ou de 28 de Março de 2019 — processo n.º 954/13.7TBPMS.C1.S1. [6] Cf. acórdão do STJ de 11 de Março de 1949 — in: Boletim do Ministério da Justiça n.º 12 (Maio de 1949). [7] Expressão do acórdão do STJ de 28 de Janeiro de 1997 — in: Colectânea de jurisprudência — Acórdãos do Surpemo Ttibunal de Justiça, ano V — 1997, tomo I, pág. 83. [8] Em termos em tudo semelhantes, vide, p. ex., acórdãos do STJ de 16 de Abril de 2002 — processo n.º 02B3349 —, de 17 de Fevereiro de 2003 — processo n.º 03B1993 —, de 5 de Março de 2009 — processo n.º 331/09 —, de 5 de Novembro de 2009 — processo n.º 4800/05.TBAMD-A.S1 —, de 3 de Fevereiro de 2011 — processo n.º 190-A/1999.E1.S1 — , de 26 de Abril de 2012 — processo n.º 289/10.7TBPTB.G1.S1 —, de 12 de Junho de 2012 — processo n.º 521-A/1999.L1.S1 — , de 13 de Fevereiro de 2014 — processo n.º 2081/09.2TBPDL.L1.S1 —, de 12 de Março de 2014 — processo n.º 177/03.3TTFAR.E1.S1 —, de 17 de Novembro de 2015 — processo n.º 34/12.2TBLMG.C1.S1 — , de 20 de Dezembro de 2017 — processo n.º 144/11.3TYLSB.L2.S2 — , de 4 de Outubro de 2018 — processo n.º 10758/01.4TVLSB-A.L1.S1 — ou de 23 de Janeiro de 2019 — processo n.º 4568/13.3TTLSB.L2.S1. [9] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 16 de Abril de 2002 — processo n.º 02B3349 —, de 17 de Fevereiro de 2003 — processo n.º 03B1993 —, de 5 de Novembro de 2009 — processo n.º 4800/05.TBAMD-A.S1 —, de 3 de Fevereiro de 2011 — processo n.º 190-A/1999.E1.S1 — , de 12 de Junho de 2012 — processo n.º 521-A/1999.L1.S1 — , de 13 de Fevereiro de 2014 — processo n.º 2081/09.2TBPDL.L1.S1 —, de 12 de Março de 2014 — processo n.º 177/03.3TTFAR.E1.S1 —, de 24 de Novembro de 2015 — processo n.º 7368/10.9TBVNG-C.P2.S1 —, de 29 de Setembro de 2016 — processo n.º 17/13.5TBLSA.C1.S1 —, de 20 de Dezembro de 2017 — processo n.º 144/11.3TYLSB.L2.S2 — , de 4 de Outubro de 2018 — processo n.º 10758/01.4TVLSB-A.L1.S1 — ou de de 5 de Janeiro de 2019 — processo n.º 27881/15.0T8LSB-A.L1.A.S1. [10] Expressão do acórdão do STJ de 3 de Fevereiro de 2011 — processo n.º 190-A/1999.E1.S1 —, retomada, p. ex., no acórdão do STJ de 12 de Junho de 2012 — processo n.º 521-A/1999.L1.S1 —, de 13 de Fevereiro de 2014 — processo n.º 2081/09.2TBPDL.L1.S1 — ou de 12 de Março de 2014 — processo n.º 177/03.3TTFAR.E1.S1. [11] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 4 de Junho de 2002 — processo n.º 02A1442 —, de 21 de Janeiro de 2003 — processo n.º 02A3448 —, de 18 de Fevereiro de 2003 — processo n.º 02B4564 —, de 29 de Junho de 2004 — processo n.º 04A1459 —, de 9 de Maio de 2006 — processo n.º 06A1003 —, de 19 de Maio de 2009 — processo n.º 2684/04.1TBTVD.S1 —, de 6 de Março de 2010 — processo n.º 1687/03.8TBFAR-A.E1.S1 —, de 25 de Março de 2010 — processo n.º 297-B/1993.P1 —, de 7 de Outubro de 2010 — processo n.º 4738.05.8TBAMD.L1.S1 —, de 31 de Março de 2011 — processo n.º 4004/03.3TJVNF.P1.S1 —, de 12 de Julho de 2011 — processo n.º 2901/05.0TBOVR.P1.S1 —, de 20 de Junho de 2013 — processo n.º 178/07.2TVPRT.P1.S1 —, de 10 de Outubro de 2013 — processo n.º 1303/11.4TBGRD.C1.S1 —, de 5 de Junho de 2016 — processo n.º 8013/10.8TBBRG.G2.S1 —, de 26 de Junho de 2016 — processo n.º 703/12.7TVPRT.E1.S1 —, de 13 de Setembro de 2018 — processo n.º 1937/13.2TBPVZ.P1.S1 — ou de de 4 de Julho de 2019 — processo n.º 190/16.0T8BCL.G1.S2. [12] Expressão do acórdão do STJ de 13 de Fevereiro de 2014 — processo n.º 2081/09.2TBPDL.L1.S1. [13] José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, anotação ao art. 621.º, Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 362.º a 626.º, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018 (reimpressão), págs. 754-757 (754-755). [14] Miguel Teixeira de Sousa, “Preclusão e caso julgado”, in: < WWW: https://drive.google.com/file/d/10YjwyJoi8OqyxhXbOU-svi_fF8rkWvBz/view > (pág. 37). [15] Miguel Teixeira de Sousa, “Preclusão e caso julgado”, cit., pág. 37 — explicando que, “se esta preclusão não for respeitada, a excepção de caso julgado obsta à admissibilidade da segunda acção”. [16] Maria de Lurdes Pereira, “Danos futuros e arbitragem. Fundamento, extensão e limites da acção (arbitral) de modificação de sentença arbitral”, cit., pág. 753. |