Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02S337
Nº Convencional: JSTJ00000004
Relator: MÁRIO TORRES
Descritores: MANDATO
RENÚNCIA
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
DESPEDIMENTO NULO
PRESTAÇÕES DEVIDAS
BAIXA POR DOENÇA
SUSPENSÃO DE CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: SJ200203060003374
Data do Acordão: 03/06/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 3081/01
Data: 05/02/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR PROC CIV - RECURSOS.
DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: CPC95 ARTIGO 32 ARTIGO 39 N3 ARTIGO 145 N3 N5 ARTIGO 254 N2 ARTIGO 685 N1.
CPT81 ARTIGO 7 ARTIGO 81 N5.
LCCT89 ARTIGO 13 N1 A.
DL 398/83 DE 1983/11/02 ARTIGO 2 N1 ARTIGO 3 N1 ARTIGO 26 N2 B.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC1885/00 DE 2000/07/13.
ACÓRDÃO STJ DE 1987/02/20 IN BMJ 364 PAG725.
ACÓRDÃO STJ DE 1985/01/11 IN BMJ 343 PAG212.
Sumário : I - Após a reforma do processo civil de 1995/1996, a renúncia ao mandato passou a produzir efeitos com a notificação da renúncia ao mandante, e não apenas com a constituição de novo mandatário.
II - Notificada à parte a renúncia do mandatário deve considerar-se suspenso o prazo de interposição do recurso, pelo que, tendo a parte solicitado o patrocínio do Ministério Público no dia seguinte ao da notificação e tendo o Ministério Público apresentado o requerimento de interposição do recurso, deve este considerar-se tempestivamente interposto desde que não seja excedido o prazo, tendo-se em conta aquela suspensão.
III - Encontrando-se o trabalhador com baixa por doença na data em que foi despedido, situação essa que não foi interrompida até à data da sentença, a nulidade do despedimento não acarreta a condenação da entidade patronal no pagamento das retribuições desde a data do despedimento atá à da sentença, por não serem devidas dado que a entidade patronal não tem o dever de pagar ao trabalhador as retribuições durante a suspensão do contrato de trabalho, situação em que o trabalhador se encontrava dado o impedimento prolongado do trabalhador.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório

A, intentou, em 27 de Abril de 1999, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, inicialmente com o patrocínio do Ministério Público, acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo ordinário, contra B, e C e marido D, pedindo a declaração da ilicitude do seu despedimento e a condenação da 1.ª ré (e subsidiariamente da 2.ª ré, para a hipótese de esta vir a ser considerada sua entidade patronal) a pagar-lhe: (i) a indemnização de antiguidade que se apurar até à sentença, no montante, à data da proposição da acção, de 800000 escudos; (ii) as retribuições devidas que se apurarem até à sentença, no montante, à data da proposição da acção, de 200000 escudos mensais; (iii) reparação pecuniária para compensação dos danos não patrimoniais, em quantia não inferior a 5000000 escudos; (iv) as quantias despendidas e a despender com consultas médicas, medicamentos e exames médicos, em virtude da doença causada pela ré, no montante, à data da proposição da acção, de 123715 escudos; (v) a quantia de 2641000 escudos relativa às diferenças entre os 200000 escudos que recebia mensalmente da entidade patronal anteriormente à doença por esta causada e o que a Segurança Social lhe passou a pagar (61000 escudos); (vi) a quantia de 501420 escudos respeitantes aos prejuízos causados pelo novo horário de trabalho que lhe foi imposto e pela falta de pagamento do vencimento devido durante o período de suspensão; e (vii) juros de mora, à taxa legal de 10%, desde o vencimento de cada prestação até integral pagamento.

Para tanto, aduziu, em suma, que: (i) em 1 de Abril de 1996, foi admitida ao serviço da 1.ª ré, mediante acordo verbal, para desempenhar as funções de cabeleireira no salão denominado "...", com um horário das 10h00 às 19h00 de 2.ª a 6.ª-feira e sábados alternados, auferindo o salário de 56700 escudos, acrescido de comissões de 20% sobre os serviços por si efectuados, após facturação de 150000 escudos mensais para a empresa, e 819 escudos de subsídio de refeição por dia útil, mas nos recibos de vencimento constavam montantes inferiores aos efectivamente recebidos, atingindo em média 200000 escudos mensais; (ii) em Setembro de 1996, foi-lhe imposto um novo horário, das 8h30 às 17h30 de 2.ª a 6.ª-feira e sábados alternados, que era incompatível com o atendimento da maioria dos seus clientes, que, por isso mesmo, se dirigiram a outras cabeleireiras, o que fez diminuir as suas comissões numa média de 100000 escudos mensais, o que era do conhecimento da 1.ª ré, que assim a quis propositadamente prejudicar; (iii) em 31 de Dezembro de 1996, a autora foi suspensa em virtude de a 1.ª ré lhe ter movido um processo disciplinar, o qual durou até 21 de Fevereiro de 1997, sendo-lhe aplicada a pena de suspensão registada; (iv) em 22 de Fevereiro de 1997, apresentou-se no seu local de trabalho para retomar a sua actividade e a 2.ª ré, representante da 1.ª ré, comunicou-lhe que a partir dessa data deixava de exercer as funções de "cabeleireira" e passava a ser "ajudante", apanhando cabelos do chão, lavando cabeças e limpando a montra; (v) aos clientes que lhe solicitavam explicações sobre o que estava a acontecer à autora, a 2.ª ré dizia que a autora não os podia atender em virtude de não ter carteira profissional de cabeleireira, existirem muitas reclamações dos seus trabalhos, criar um mau ambiente de trabalho e faltar ao respeito à entidade patronal, chegando ao ponto de proibir as outras colegas de trabalho de lhe dirigirem a palavra, com a finalidade de a isolar; (vi) em 6 de Março de 1997, a autora, não conseguindo aguentar mais a situação humilhante e vexatória, entrou de baixa médica, em virtude de esgotamento físico e psicológico, que ainda se mantém; (vii) em Setembro de 1998, abordou o Eng. E, tido como o responsável da 1.ª ré, no sentido de o informar que pretendia em breve voltar ao seu local de trabalho a fim de exercer a sua profissão de cabeleireira, ao que aquele respondeu que já não tinha nada a ver com o salão de cabeleireiro uma vez que o tinha "passado"; (viii) em 9 de Outubro de 1998, a autora dirigiu-se ao salão de cabeleireiro, comunicando à 2.ª ré que se estava a sentir melhor e ia pedir alta, tencionando apresentar-se no dia seguinte para retomar o trabalho, ao que a 2.ª ré lhe respondeu que a autora ali não tornaria a entrar; (ix) esta conduta consubstanciou um despedimento ilícito, sem justa causa nem precedência de processo disciplinar, sendo certo que à data a 1.ª ré continuava a explorar o estabelecimento de cabeleireiro, actuando a 2.ª ré como administradora daquela; (x) o tratamento vexatório a que foi sujeita provocou-lhe um quadro psiconeurótico grave, que exigiu e exige terapêutica adequada, e que lhe provocou grande sofrimento e dor e consequências graves a nível do foro emocional, económico, social, profissional e familiar, sendo estes danos não patrimoniais merecedores da tutela do direito através do arbitramento de uma reparação de valor nunca inferior a 5000000 escudos; (xi) em consequência do comportamento ilícito da ré, entrou de baixa em 6 de Março de 1997, passando a receber a quantia de 61000 escudos mensais da Segurança Social, pelo que tem direito a receber a diferença entre os 200000 escudos que normalmente recebia e esses 61000 escudos; (xii) uma vez que existem dúvidas acerca da entidade que explorava o salão de cabeleireiro, deduz, nos termos do artigo 31.º-B do Código de Processo Civil, o mesmo pedido, subsidiariamente, contra a 2.ª ré.

Citados os réus, apresentaram a contestação conjunta de fls. 117 a 135, sustentando, em suma, que a acção deve ser julgada inepta quanto aos 2.º e 3.º rés, por serem partes ilegítimas, dado a 2.ª ré nunca ter explorado o estabelecimento em causa, e deve ser julgada improcedente quanto à 1.ª ré, por não ter existido qualquer despedimento.

Frustrada tentativa de conciliação (fls. 428), foi proferido despacho saneador (fls. 430 e 431), que julgou improcedente a excepção da ilegitimidade dos 2.º e 3.º réus, e foram elencados os factos assentes e a base instrutória (fls. 432 a 448), contra os quais reclamaram os réus (fls. 454 a 457), com parcial sucesso (despacho de fls. 459 e 460).

Realizou-se audiência de julgamento - ao longo de quatro sessões, tendo entre a 2.ª e a 3.ª sessões a autora constituído mandatária (fls. 480 e 481) -, no termo da qual foram dadas aos quesitos as respostas constantes de fls. 491 a 494, que não suscitaram reclamações.

Por sentença de 15 de Setembro de 2000 (fls. 497 a 516), foi a acção julgada parcialmente procedente, sendo: (i) absolvidos os 2.º e 3.º réus; (ii) declarado ilícito o despedimento de que a autora foi alvo por parte da 1.ª ré; e (iii) condenada a 1.ª ré a pagar à autora: 1) a indemnização legal no montante de 283500 escudos; 2) as retribuições devidas desde 27 de Março de 1999 até à data da sentença (15 de Setembro de 2000), no valor de 2103490 escudos; e 3) juros de mora, à taxa legal, sobre o montante referido em 1) desde a data da sentença até integral pagamento, e sobre os montantes referidos em 2) desde as datas dos respectivos vencimentos até integral pagamento. Nessa decisão julgaram-se improcedentes os pedidos da autora relativos a danos não patrimoniais, a despesas médicas e medicamentosas e a diferenças entre o vencimento médio e o subsídio da Segurança Social, por não se ter provado a existência de nexo de causalidade entre a conduta da 1.ª ré e o alegado sofrimento e a alteração do estado de saúde da autora; e igualmente se julgaram improcedentes, por falta de prova, os pedidos respeitantes a prejuízos com a alteração do horário de trabalho e diferenças salariais no período de suspensão.

Contra esta sentença interpôs a 1.ª ré recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 520 a 535), sustentando que: (i) não ocorreu qualquer despedimento ilícito da autora; (ii) mesmo que assim se não entendesse, a autora não teria direito a receber as remunerações vencidas desde o despedimento até à sentença pois durante todo esse período manteve-se na situação de baixa por doença, auferindo o devido subsídio de doença por parte da Segurança Social; e (iii) mesmo que assim se não entendesse, na remuneração a atender não podiam ser consideradas as comissões.

Por acórdão de 2 de Maio de 2001 (fls. 551 a 576), o Tribunal da Relação de Lisboa concedeu parcial provimento à apelação, revogando a sentença recorrida na parte em que condenou a 1.ª ré a pagar à autora as retribuições vencidas desde 27 de Março de 1999 até à data da sentença, no montante de 2103490 escudos, com juros de mora desde as datas dos respectivos vencimentos até integral pagamento, absolvendo essa ré desta condenação. Nesse acórdão, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou improcedente a primeira questão suscitada pela apelante, procedente a segunda e prejudicada a terceira, isto é, julgou provado o despedimento da autora e a sua ilicitude, mas entendeu que no aludido período o contrato de trabalho que ligava a autora à 1.ª ré esteve suspenso, por motivo de doença, o que implicava o não pagamento de retribuições pelo empregador, tornando-se desnecessário tomar posição sobre se nessa retribuição deviam relevar, ou não, as comissões.

Notificado este acórdão por carta registada expedida em 4 de Maio de 2001 (fls. 577 verso), veio a mandatária da autora, em 9 de Maio de 2001, renunciar ao mandato (fls. 579), o que foi notificado à autora por carta registada expedida em 17 de Maio de 2001 (fls. 582).

Em 23 de Maio de 2001, o representante do Ministério Público no Tribunal da Relação de Lisboa apresentou o requerimento de fls. 583, no qual refere que, face à renúncia de mandato e tendo-lhe sido pedido em 22 de Maio de 2001 o patrocínio judiciário por parte da autora, vem interpor recurso do aludido acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça.

Por despacho de 30 de Maio de 2001 do Desembargador Relator (fls. 584), o recurso não foi admitido com fundamento na sua extemporaneidade, mas, deduzida reclamação contra este despacho, a mesma foi deferida por despacho de 6 de Julho de 2001 do Vice-Presidente deste Supremo Tribunal de Justiça (fls. 593 e 594).

Desatendido, por despacho de 4 de Outubro de 2001 (fls. 603 e 604), pedido de reforma do anterior despacho, formulado pela 1.ª ré, e remetidos os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, foi aí admitido o presente recurso de revista, tendo a autora recorrente, patrocinada pelo Ministério Público, apresentado as alegações de fls. 608 a 615, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:

"I - Aceita a autora a decisão do douto acórdão recorrido na parte em que confirmou a douta sentença da 1.ª instância quanto ao reconhecer o despedimento da trabalhadora, sem justa causa, nos termos do disposto no artigo 12.º da LCCT (Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro).

II - Porém, não pode a autora aceitar a parte decisória do douto acórdão recorrido que revogou a douta sentença da 1.ª instância no concernente ao reconhecimento dos direitos da trabalhadora, resultantes do despedimento, nos termos do artigo 13.º da referida LCCT.

III - O douto acórdão recorrido, ao decidir nesta parte, cometeu um erro na ponderação dos direitos da autora emergentes do ilícito despedimento, na leitura que fez da situação de baixa por doença da trabalhadora.

IV - Tal erro resulta de uma leitura feita a posteriori dos acontecimentos efectivamente ocorridos, ao perspectivar que toda a situação de baixa da autora, antes e depois do despedimento, teria ocorrido, inexoravelmente, do mesmo modo, independentemente de ter ou não havido despedimento por iniciativa da ré.

V - E não é assim, porque a autora, em situação de baixa desde 6 de Março de 1997, foi ter com a ré, ao local de trabalho, em Outubro de 1998, para lhe comunicar que ia reiniciar o seu trabalho, no cumprimento do disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 398/83, de 2 de Novembro.

VI - Se a ré não tivesse, de imediato, nesse momento, quebrado a relação laboral, a autora retomaria o seu trabalho, normalmente, sendo essa a sua vontade.

VII - Este é o contexto correcto da análise dos factos em que assentou a douta sentença da 1.ª instância ao determinar, como fez, os devidos direitos da autora, nos termos do artigo 13.º da LCCT.

VIII - O despedimento ilícito e os direitos do mesmo resultantes para a autora em nada podem ser afectados pela posterior remessa à ré de quaisquer documentos comprovativos de baixa por doença da autora, que são acontecimentos posteriores à data da comunicação que a autora fez para reinício de funções (artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 398/83) e da quebra imediata da relação laboral por iniciativa da ré.

IX - Não pode, pois, concluir-se, como fez o douto acórdão desta Relação, que se não tivesse havido despedimento, a autora continuaria de baixa.

X - Após o despedimento, a ré não procedeu a pagamento de qualquer complemento de subsídio de doença ou quantia que por esse motivo possa sentir-se lesada por causa da doença advinda à autora e que o médico especialista diagnosticou reconhecer-lhe, em data post-despedimento, causas de natureza laboral, fls. 81.

XI - Quanto ao subsídio de doença recebido pela autora, desde a data do despedimento, em Outubro de 1998, até ter alta, em 12 de Março de 2000, fls. 80, que ocorreu antes da data da sentença da 1.ª instância, proferida em 15 de Setembro de 2000, é assunto que a autora terá que resolver com a Segurança Social, após o trânsito em julgado da decisão destes autos e com a apresentação desta naqueles serviços.

XII - Diga-se, em observação final, que até no contexto do decidido pelo douto acórdão (sem conceder na parte de que se recorre), errou ao não atender à data da alta, fls. 80, anterior à data da sentença da 1.ª instância, não determinando o que seria devido à autora, nos termos do artigo 13.º da LCCT, nesse intermezzo."

A 1.ª ré, ora recorrida, contra-alegou (fls. 621 a 630), concluindo:

"1. Conforme expressa e taxativamente previsto e plasmado no n.º 2 do artigo 39.º do Código de Processo Civil a renúncia e a revogação «produzem-se a partir da notificação».

2. O recurso interposto a 23 de Maio pela autora, após ter sido pedida a intervenção do Ministério Público em 22 de Maio, foi-o já extemporaneamente, sendo que o prazo de que dispunha para o interpor era de 10 dias, nos termos do disposto no artigo 685.º do Código de Processo Civil, havendo terminado, consequentemente, no dia 17 desse mesmo mês de Maio, e que o requerimento de renúncia ao mandato entregue pela Sr.ª advogada constituída em nada afecta a situação em apreço.

3. O decidido pelo Ex.mo Sr. Juiz Presidente, ao deferir a reclamação e ao admitir o recurso, além de o ser contra lei, viola manifestamente a certeza e segurança do direito, tendo-se em atenção anteriores decisões proferidas.

4. Salienta-se, por outro lado, que quanto ao mandatário respeita, a suspensão só ocorre nos termos previstos na alínea b) do artigo 276.º do Código de Processo Civil, ou seja, quando o advogado falecer ou ficar absolutamente impossibilitado de exercer o mandato, o que nunca foi requerido ou alegado.

5. Não se pode, pois, deixar de ter por nulo o acto de deferimento da reclamação e a consequente admissibilidade do recurso, sendo que, em qualquer caso, o mesmo não pode ser admitido e conhecido, o que, desde já e para todos os efeitos, se invoca, por força do disposto, entre outros, nos artigos 39.º, 201.º, 276.º e 685.º do Código de Processo Civil.

6. Conforme se escreveu na sentença de 1.ª instância, «não se provou a existência de um nexo de causalidade adequada entre esta situação e a doença que a veio a afectar com o inerente sofrimento. E nem sequer se nos afigura que se possa presumir tal nexo de causalidade, uma vez que a autora também passou por uma fase difícil em termos familiares (vide 49)».

6. A autora estava com o seu contrato de trabalho suspenso, por motivo de doença, desde o dia 6 de Março de 1997, e assim se encontrava à data do dito despedimento e assim continuou; ora, a suspensão do contrato de trabalho, por motivo de doença prolongada do trabalhador, implica o não pagamento de retribuições pelo empregador (n. 1 do artigo 2. do Decreto-Lei n. 398/83).

7. Conforme situação análoga se dispõe em douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 364, a pág. 725 e seguintes, no qual se pode ler que, despedido trabalhador que se encontre de baixa por doença, e uma vez declarado nulo o seu despedimento, não estando por conseguinte a receber prestações pecuniárias relativas a salários, mas sim subsídio por doença a pagar pela Segurança Social, nada tem o mesmo a receber a título de remunerações, dado que para o mesmo não resultaram prejuízos pela perda de prestações pecuniárias de salários que não vinha recebendo, e isto porque - «... se a doença era real e impeditiva da prestação de trabalho, a conclusão a tirar é a de que se não tivesse havido despedimento nem por isso teria auferido qualquer retribuição que lhe devesse ser paga pela ré, porque o seu contrato se encontrava suspenso por impedimento prolongado...».

8. O entendimento assim expresso assenta na ideia, acolhida pacificamente pela jurisprudência, segundo a qual o então artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 372-A/75 (hoje artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89) visa ressarcir o trabalhador do que tenha deixado de auferir da entidade patronal por efeito de despedimento indevido, enquanto prejuízo que tal situação em tese acarretará."

Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. Matéria de facto

As instâncias deram como apurados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:

1) No dia 1 de Abril de 1996, a autora foi admitida ao serviço da 1.ª ré, mediante acordo verbal, para trabalhar sob a autoridade, direcção e fiscalização da mesma;

2) E para desempenhar as funções de cabeleireira, as quais consistiam em fazer cortes de cabelo, secagens e toda a parte técnica atinente;

3) Em 1 de Abril de 1996, a autora começou a desempenhar as funções referidas no salão de cabeleireiro ..., sito em Lisboa;

4) Anteriormente a autora já havia trabalhado 16 anos no ramo, 10 dos quais como cabeleireira;

5) Tendo, ao longo dos anos, devido ao seu profissionalismo, adquirido uma "carteira" de clientes considerável;

6) Os clientes da autora acompanharam-na na mudança para a 1.ª ré;

7) Auferia o salário de 56700 escudos mensais;

8) Acrescido de comissões de 20% sobre os serviços por si efectuados no cabeleireiro (cortes de cabelo, secagens e toda a parte técnica), após facturação de 150000 escudos mensais para a empresa, e 819 escudos por dia útil de subsídio de alimentação;

9) Trabalhava de 2.ª a 6.ª-feira das 10h00 às 19h00;

10) A partir do final de Setembro de 1996, a autora passou a trabalhar das 8h30 às 17h00 de 2.ª a 6.ª-feira e em sábados alternados;

11) Em 31 de Dezembro de 1996, a autora foi suspensa, em virtude de a 1.ª ré lhe ter movido um processo disciplinar, o qual durou até 21 de Fevereiro de 1997;

12) Sendo-lhe aplicada a sanção de repreensão registada;

13) No dia 22 de Fevereiro de 1997, a autora apresentou-se no local de trabalho para retomar a sua actividade profissional;

14) A C (que se passa a designar por 2.ª ré) era representante da 1.ª ré no local de trabalho da autora;

15) E era a pessoa que habitualmente lhe dava ordens e orientações;

16) Em 6 de Março de 1997, a autora entrou de baixa médica, situação que comunicou à 1.ª ré;

17) A autora permanece na situação de baixa;

18) Em 23 de Novembro de 1998, a autora dirigiu-se aos serviços da IDICT em Lisboa a solicitar ajuda para saber quem explorava o salão de cabeleireiro;

19) E foi atendida pelo Inspector F, que, após análise de documentação, lhe disse que não se apurava que tivesse havido algum trespasse ou qualquer outra mudança de exploração, sendo certo que ali continuava afixado um horário de funcionamento como se fosse a 1.ª ré a ter ali a sua actividade;

20) Em 27 de Janeiro de 1999, a Conservatória do Registo Comercial de Lisboa passou a certidão cuja cópia consta de fls. 73 a 76 dos autos;

21) A autora, na situação de baixa, tem recebido 61000 escudos mensais da Segurança Social;

22) A 2.ª ré nunca afixou quaisquer editais no estabelecimento de cabeleireiro;

23) A autora recebeu os montantes de comissões constantes dos recibos inseridos de fls. 19 a 33 dos autos;

24) A autora recebeu comissões pagas em contado;

25) A partir de Setembro de 1996, as comissões da autora diminuíram;

26) A partir de data que não foi possível apurar, de Fevereiro de 1997, a autora deixou de fazer cortes de cabelo, secagens e a parte técnica atinente;

27) E passou a lavar cabeças e a apanhar cabelos do chão;

28) Aos clientes que solicitavam os serviços da autora foi dito que a mesma não estava ou que os não podia atender por não ter carteira profissional de cabeleireira;

29) A situação referida vexou a autora;

30) No estabelecimento de cabeleireiro onde a autora trabalhava, por vezes as cabeleireiras também lavam cabeças e limpam cabelos do chão;

31) Em princípios de Setembro de 1998, a autora tentou falar com o Eng. E, que era o responsável pela 1.ª ré;

32) A autora veio a deslocar-se à residência do Eng. E;

33) Em data que não foi possível apurar, de Outubro de 1998, a autora foi ao cabeleireiro onde exercia funções;

34) No decurso de conversa que a autora manteve no cabeleireiro com a 2.ª ré, em que lhe comunicou a intenção de voltar a trabalhar, esta disse-lhe: "Aqui não entras nem amanhã nem nunca mais, porque o cabeleireiro é meu, vai ter com a B, se faliu ou não faliu, nada tenho a ver com isso, mas aqui não entras nunca mais e fora daqui já";

35) Em 1995, a autora apresentou no Centro de Formação Profissional da Delegação de Lisboa e Vale do Tejo, do Instituto de Emprego e Formação Profissional, um processo de candidatura para a obtenção de carteira profissional de praticante de cabeleireira;

36) Em 5 de Janeiro de 1999, a autora ainda aguardava a realização da prova de aptidão profissional para cabeleireira;

37) A autora sempre foi respeitadora de clientes, colegas e da entidade patronal;

38) Sendo considerada uma profissional competente;

39) A partir de 23 de Novembro de 1998, a autora passou a ser seguida, com regularidade, pelo médico neuro-psiquiatra, Dr. G;

40) E apresentava um quadro psico-neurótico grave, com marcada ansiedade e sintomatologia do tipo de anorexia nervosa;

41) O qual se mantinha em 18 de Fevereiro de 1999;

42) A situação anteriormente referida tem causado sofrimento à autora;

43) A autora era pessoa muito conversadora;

44) A autora pagou as despesas constantes dos documentos inseridos de fls. 82 a 110 dos autos;

45) Em 12 de Outubro de 1998, a autora remeteu à 1.ª ré um documento de prorrogação de baixa;

46) A qual o recebeu no dia seguinte;

47) Em 11 de Novembro de 1998, a autora remeteu à 1.ª ré, através de carta registada, nova prorrogação da baixa, com início nessa data e termo em 11 de Dezembro de 1998;

48) Em 12 de Abril de 1998, a ré remeteu à autora a carta constante de fls. 136;

49) A autora costumava chegar atrasada ao serviço;

50) Não eram efectuados descontos no vencimento da autora em consequência dos seus atrasos;

51) A autora passou uma fase difícil aquando da sua separação do marido;

52) A limpeza da montra do estabelecimento sempre foi feita por uma empresa especializada;

53) Em Fevereiro de 1997, a ré soube que a autora não tinha a carteira profissional de cabeleireira, mas tinha a categoria de ajudante de cabeleireira.

3. Fundamentação

3.1. Cumpre, antes de mais, apreciar a questão prévia da extemporaneidade do recurso, impeditiva do seu conhecimento, suscitada nas contra-alegações da recorrida, já que o despacho do Vice-Presidente deste Supremo Tribunal de Justiça, deferindo a reclamação da autora, ora recorrente, e mandando admitir o recurso "não obsta a que o tribunal ao qual o recurso é dirigido decida em sentido contrário" (n.º 2 do artigo 689.º do Código de Processo Civil).

Como se relatou, a autora foi inicialmente patrocinada pelo Ministério Público, mas, entre as 2.ª e 3.ª sessões da audiência de julgamento, realizadas, respectivamente, em 1 de Junho de 2000 e 13 de Julho de 2000 (cfr. fls. 478-479 e 487-490), a autora juntou aos autos, em 8 de Junho de 2000, a procuração de fls. 481, em que constituía mandatária a Lic.ª Susana Maria dos Santos Pires, com faculdade de substabelecer, do que foi notificado o representante do Ministério Público em 14 de Junho de 2000 (cfr. fls. 482).

O acórdão ora recorrido foi notificado à mandatária da autora por carta registada expedida em 4 de Maio de 2001 (fls. 577 verso), pelo que a notificação se considera feita em 7 de Maio de 2001 (n.º 2 do artigo 254.º do Código de Processo Civil), data a partir da qual se começou a contar o prazo de 10 dias para interposição de recurso de revista (artigo 685.º, n.º 1, do mesmo Código), que, assim, terminaria em 17 de Maio de 2001.

Em 9 de Maio de 2001, a mandatária da autora apresentou o requerimento de fls. 579, renunciando ao mandato "por motivo de doença" e requerendo a notificação da mandante para constituir novo mandatário, fixando-se-lhe prazo para o efeito do n.º 3 do artigo 39.º do Código de Processo Civil.

Por despacho de 16 de Maio de 2001 do Desembargador Relator (fls. 582) foi determinado o cumprimento do disposto no n.º 1 daquele artigo 39.º, tendo, para o efeito, sido expedidas, em 17 de Maio de 2001 (cfr. cota de fls. 582), cartas registadas à mandatária renunciante, à sua mandante e ao mandatário dos réus, considerando-se as respectivas notificações efectuadas em 21 de Maio de 2001 (20 foi Domingo).

Em 23 de Maio de 2001, o representante do Ministério do Público no Tribunal da Relação de Lisboa apresentou o requerimento de fls. 583, pelo qual, referindo ter sido solicitado, pela autora, em 22 de Maio de 2001, o seu patrocínio, interpôs recurso do acórdão de fls. 551 a 576 para o Supremo Tribunal de Justiça.

Este recurso não foi admitido, por extemporâneo, por despacho do Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30 de Maio de 2001 (fls. 584).

Contra este despacho reclamou a autora, patrocinada pelo Ministério Público, para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (fls. 585 a 590), tendo, por despacho de 6 de Julho de 2001 de um dos Vice-Presidentes deste Supremo Tribunal (fls. 593 e 594), sido deferida a reclamação, com a seguinte fundamentação:

"Os meios de impugnação estão sujeitos a prazos peremptórios de curta duração, impostos pela necessidade de não protelar no tempo a firmeza da definição das situações jurídicas levada a efeito pelos tribunais.

Regra geral, o prazo para recorrer é de 10 dias, segundo o preceituado no artigo 685.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código de Processo Civil.

No foro laboral, há que distinguir entre os recursos interpostos na 1.ª e na 2.ª instâncias. Quanto aos últimos, que é o caso, vale o prazo de 10 dias do processo civil comum, por remissão do artigo 81.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho.

Sendo estes prazos peremptórios, o seu decurso leva à extinção por caducidade do direito de recorrer, segundo o artigo 145.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

O prazo para recorrer conta-se, em princípio, a partir da data da notificação da decisão de que se recorre, havendo, no entanto, desvios a esta regra consagrados legalmente.

No caso em apreço, ocorreu a renúncia da mandatária da ora recorrente. Este facto tem que ser tido em conta no que toca ao prazo de interposição de recurso.

Com efeito, deve entender-se que a partir da data do registo de entrada da referida renúncia aquele prazo suspende-se até que a parte constitua novo mandatário. Só assim se poderá entender, por forma a que o exercício efectivo do direito de defesa, assegurado pelo recurso, não seja impedido de se realizar.

Por outro lado, a ora recorrente foi notificada, como se presume, no dia 20 de Maio. Esta notificação é determinada pelo artigo 39.º do Código de Processo Civil. A partir desta data, a recorrente tem o prazo de 20 dias para constituir novo mandatário ou para pedir o patrocínio do Ministério Público, atento o disposto no artigo 7.º do Código de Processo do Trabalho, o que fez, em 22 de Maio, tendo o recurso sido interposto no dia 23, do mesmo mês.

Sendo assim, o recurso foi tempestivamente interposto."

Contra este entendimento, sustenta agora a recorrida que, tendo terminado o prazo para interposição de recurso em 17 de Maio de 2001 e não tendo nessa data a renúncia ao mandato produzido efeitos porque ainda não notificada à mandante, o recurso interposto em 23 de Maio de 2001 não pode deixar de ser considerado como extemporâneo.

Será assim?

À presente acção, intentada em 27 de Abril de 1999, são aplicáveis as alterações introduzidas no Código de Processo Civil pela reforma de 1995/1996 (Decretos-Leis n.ºs 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro), designadamente no seu artigo 39.º. Na redacção deste preceito anterior a essa reforma, os efeitos da renúncia ao mandato só se produziam, nos casos em que fosse obrigatória a constituição de advogado, "depois de constituído novo mandatário", podendo o mandatário renunciante, se a parte se demorasse a constituir novo mandatário, requerer que se lhe fixasse prazo para esse fim. Nesse regime, não havia, em princípio, interrupção da assistência à parte por advogado, pelo que não havia justificação para interrupção ou suspensão dos prazos processuais que estivessem a correr. Se o mandatário renunciante, no período em que a renúncia ainda não era eficaz, negligenciasse a defesa dos interesses do seu (ainda) mandante, poderia ser civilmente responsabilizado por essa conduta, mas dela não poderia derivar a postergação de normas legais que fixam prazos peremptórios.

O regime actual é diferente: a renúncia produz efeitos a partir da sua notificação ao mandante e é a lei que fixa logo o prazo (de 20 dias, a contar dessa notificação) para a parte constituir novo mandatário. Não sendo plausível que a parte consiga normalmente constituir novo mandatário no próprio dia em que receber a notificação da renúncia do mandatário anterior, a regra passará a ser a de que, por algum tempo, a parte fique desprovida de assistência por advogado.

A lei não diz expressamente que tal acarreta a suspensão ou interrupção dos prazos processuais que estejam a correr, designadamente para a interposição de recursos ou apresentação de alegações, mas a proibição da indefensão, ínsita no princípio do Estado de Direito, e o direito ao patrocínio judiciário, constitucionalmente consagrados, não permite que se tolere a perda irreparável de direitos sem base em qualquer conduta processual negligente da parte, e sendo certo que a lei lhe consente o prazo de 20 dias para constituir novo mandatário. Como se referiu no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Julho de 2000, processo n.º 1885/00 (texto integral em http://www.dgsi.pt/jstj, documento n.º SJ20000713018852), proferido já na vigência da nova redacção do artigo 39.º do Código de Processo Civil - em caso que os autores foram notificados (com a advertência para constituírem novo mandatário no prazo de 20 dias) em 14 de Dezembro de 1998 da renúncia do seu mandatário, formalizada por requerimento apresentado em 23 de Novembro de 1998, quando já decorria, desde 10 de Novembro de 1998, o prazo para alegações em recurso de apelação, tendo em 5 de Janeiro de 1999 sido passada procuração a novo mandatário, que veio requerer a prorrogação por 20 dias do prazo para apresentar as alegações, dadas a extensão e complexidade do processo e a necessidade de consulta de inúmeros documentos - "os autores, que são leigos em Direito (e para proteger os leigos é que a lei aponta os casos em que o patrocínio judiciário é obrigatório - artigo 32.º), trataram de arranjar novo mandatário no prazo que lhes foi fixado, sendo certo que, como leigos que são, não representaram que o prazo para apresentação das alegações estava a decorrer. Dito de outro modo, perante os termos da notificação, os autores consideraram que os seus interesses estavam devidamente protegidos (e tutelados) com a constituição do novo mandatário dentro do prazo que lhes foi fixado. Nenhuma censura pode, pois, ser feita à sua conduta". Perante esse quadro, o referido acórdão considerou que a situação em que o novo mandatário se viu colocado integrava justo impedimento à prática do acto (apresentação das alegações) dentro do prazo normal, que devia ser prorrogado por mais 20 dias.

No presente caso, se é certo que o prazo "normal" para interposição de recurso do acórdão da Relação terminava em 17 de Maio de 2001, não menos certo é que a autora ainda podia, lançando mão da faculdade prevista no n.º 5 do artigo 145.º do Código de Processo Civil, praticar o acto dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ou seja, até 22 de Maio de 2001 (19 e 20 foram sábado e Domingo). Em 21 de Maio de 2001 foi a autora notificada da renúncia da sua mandatária, que então produziu os seus efeitos, quando ainda faltava 1 dia para a interposição do recurso com uso da faculdade do n.º 5 do artigo 145.º do mesmo Código. No dia imediato - 22 de Maio de 2001 -, a autora solicitou o patrocínio do Ministério Público, cujo representante interpôs o presente recurso no dia seguinte, 23 de Maio de 2001.

Pode ser discutível determinar se a notificação à autora da renúncia da sua mandatária apenas suspende o prazo de interposição do recurso, que voltará a correr, pelo tempo em falta, após constituição de novo mandatário ou patrono, ou se se deve entender que interrompe esse prazo, que voltará a correr por inteiro, após a nomeação de novo mandatário ou patrono. No entanto, mesmo que se adopte a primeira solução, a mais desfavorável para a autora, o recurso sempre terá sido interposto em tempo. Na verdade, quando a renúncia ao mandato produziu efeitos faltava 1 dia para o termo do prazo para a interposição do recurso, com uso da faculdade do n.º 5 do artigo 145.º do Código de Processo Civil; considerando que em 22 de Maio de 2001 foi designado novo patrono, este dispunha, pelo menos, de 1 dia para interpor recurso, e esse prazo foi efectivamente respeitado, com a apresentação do respectivo requerimento em 23 de Maio de 2001, não sendo exigível ao Ministério Público ou às pessoas por este patrocinadas o pagamento da multa prevista naquele preceito legal.

A solução contrária representaria uma intolerável denegação de protecção judiciária a quem, como a autora, demonstrou irrepreensível diligência processual, procurando novo patrono logo no dia seguinte ao da notificação da renúncia da anterior mandatária.

3.2. Entrando na apreciação do mérito do recurso, importa começar por salientar que a maior parte das questões suscitadas nestes autos já se mostra decidida com trânsito em julgado: é o que acontece com a decisão de reconhecimento da ocorrência de um despedimento ilícito, afirmada na 1.ª instância e confirmada pelo acórdão recorrido, com a qual a ré se conformou; e é o que se passa com as decisões da 1.ª instância, das quais a autora não apelou, que julgaram improcedentes os pedidos de reparação pecuniária para compensação dos danos não patrimoniais, de pagamento das quantias despendidas e a despender com consultas médicas, medicamentos e exames médicos, em virtude da doença que teria sido causada pela ré, da quantia relativa às diferenças entre os 200000 escudos que recebia mensalmente da entidade patronal anteriormente à doença e o que a Segurança Social lhe passou a pagar, da quantia respeitante aos prejuízos causados pelo novo horário de trabalho que lhe foi imposto e pela falta de pagamento do vencimento devido durante o período de suspensão, e dos correspondentes juros de mora.

Resta, pois, apenas a questão do direito, que a sentença da 1.ª instância reconheceu e que o acórdão recorrido recusou, às remunerações que a autora teria normalmente recebido da sua entidade patronal desde 17 de Março de 1999 (30.º dia anterior à proposição da acção) até à data daquela sentença.

A este propósito, o acórdão recorrido ponderou o seguinte:

"7.2. Da inexistência do direito da autora às retribuições, em consequência da sua situação de baixa médica:

Estabelece-se no artigo 13.º, n.º 1, alínea a), da chamada Lei dos Despedimentos (LCCT) o seguinte:

«1 - Sendo o despedimento declarado ilícito, a entidade empregadora será condenada:

a) No pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença.»

Já vimos que o despedimento da autora pela ré ocorreu em Outubro de 1998, pelo que, em princípio, aquela teria direito às retribuições que deixou de auferir desde o dia do despedimento (ou, no caso sub judice, desde 30 dias antes da data da propositura da acção, nos termos do n.º 2, alínea a), desse artigo 13.º) até à data da sentença (15 de Setembro de 2000).

Sucede, porém, que na presente acção se provou que, em 6 de Março de 1997, a autora entrou de baixa médica, situação que comunicou à B; que, em 12 de Outubro de 1998, a autora remeteu à ora apelante um documento de prorrogação de baixa, que esta recebeu no dia seguinte; que, em 11 de Novembro de 1998, a ora apelada remeteu à mesma sociedade, através de carta registada, nova prorrogação da baixa com início nessa data e termo em 11 de Dezembro de 1998; e que permanece na situação de baixa.

Mais se provou ainda que a autora, na situação de baixa, tem recebido 61000 escudos mensais da Segurança Social.

Assim sendo, óbvio é que a recorrida esteve sempre numa situação de baixa por doença a partir de 6 de Março de 1997, a qual ainda subsiste, pelo que, logicamente, também assim se manteve após o seu despedimento pela ré e até à data da sentença.

Ou seja, a autora estava com o seu contrato de trabalho suspenso por motivo de doença, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 398/83, de 2 de Novembro, quando ocorreu o despedimento, suspensão que necessariamente se teria mantido, em função da continuação do seu mau estado de saúde, mesmo que não tivesse ocorrido a quebra unilateral do vínculo por parte da ré, em Outubro de 1998.

Ora, a suspensão do contrato de trabalho, por motivo de doença prolongada do trabalhador, implica o não pagamento de retribuições pelo empregador (n.º 1 do artigo 2.º desse Decreto-Lei).

Mas se, porventura, se considerasse que não se verificou uma suspensão do contrato de trabalho da autora ininterrupta, desde 6 de Março de 1997 até à data da sentença, certo é que ela (autora) esteve então num circunstancialismo de faltas injustificadas, por motivo de doença, desde o dia do despedimento até ao dia da decisão da 1.ª instância, cujos efeitos estão previstos no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro.

Tais faltas ou ausências do serviço as quais sempre se teriam verificado, em consequência da doença da recorrida, mesmo que não tivesse havido despedimento - determinam perda de retribuição do trabalhador, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 desse artigo 26.º.

Deste modo, a situação de doença da autora com baixa médica e de recebimento da Segurança Social dum subsídio de 61000 escudos mensais, leva a que necessariamente tenhamos de concluir que a ora recorrida nenhuma retribuição, a que tivesse direito e que devesse ser paga pela recorrente, deixou de auferir, por força do despedimento perpetrado, desde a ocorrência deste até à data da sentença.

Com efeito, quer tivesse havido - como houve - o despedimento, quer ele não tivesse ocorrido, a trabalhadora só teria recebido o dito subsídio da Segurança Social, nenhumas retribuições lhe sendo devidas pela entidade patronal durante todo o período de baixa médica e de impossibilidade de trabalho resultante de enfermidade.

Assim, em nossa opinião, menos bem andou o Tribunal a quo, ao ter condenado a ré, na decisão sob censura, no pagamento à autora das retribuições relativas ao período de 27 de Março de 1999 até 15 de Setembro de 2000, no valor de dois milhões cento e três mil quatrocentos e noventa escudos (2103490 escudos) e em juros de mora, à taxa legal, sobre os montantes referidos, desde as datas dos respectivos vencimentos até integral pagamento."

A situação dos presentes autos aproxima-se daquelas sobre que versaram os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Janeiro de 1985, processo n.º 806, e de 20 de Fevereiro de 1987, processo n.º 1491 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 343, pág. 212, e n.º 364, pág. 725), que decidiram que nos casos em que, à data do despedimento, o trabalhador se encontre de baixa por doença e se mantenha nessa situação até à reforma, aquele, uma vez declarado nulo o despedimento, apenas tem direito à indemnização de antiguidade, e não a quaisquer prestações correspondentes às retribuições que teria auferido da entidade patronal não fora o despedimento, pois nenhumas retribuições eram por esta devidas atenta a situação de suspensão do contrato de trabalho por impedimento prolongado do trabalhador. Assim, no primeiro acórdão citado entendeu-se que o trabalhador não tinha direito a mais prestações do que as correspondentes ao subsídio por doença pago pela Segurança Social, e no segundo acórdão que tinha direito a essas prestações e ao complemento de subsídio de doença que estava a receber da entidade patronal na altura do despedimento, mas já não as correspondentes a salários, que não eram devidos.

Poderia, porém, sustentar-se que, no presente caso, terá sido o comportamento culposo da 1.ª ré que determinou a doença da autora e que, se não fora o despedimento, esta teria regressado ao trabalho. Acontece, porém, que a autora não logrou provar os correspondentes factos, nomeadamente os relativos à afirmação de nexo de causalidade entre a conduta daquela ré e a doença da autora.

Na verdade, foram julgados não provados:

- o quesito 10.º, em que se perguntava se a 1.ª ré pretendeu prejudicar a autora com a alteração do horário de trabalho que lhe impôs;

- a parte do quesito 12.º, em que se perguntava se a 2.ª ré explicava aos clientes, que solicitavam esclarecimentos pela alteração da situação da autora, que existiam muitas reclamações dos seus trabalhos, que criava mau ambiente de trabalho e faltava ao respeito à entidade patronal;

- o quesito 13.º, em que se perguntava se a 2.ª proibiu outras colegas de trabalho de dirigir a palavra à autora, com a finalidade de a isolar.

- o quesito 29.º, na parte em que se perguntava se a situação referida nos n.ºs 26 a 28 da matéria de facto deixou a autora angustiada;

- o quesito 30.º, na parte em que se perguntava se em consequência da conduta referida nos n.ºs 26 a 28 da matéria de facto a autora adoeceu apresentando um quadro psicótico grave que exige terapêutica adequada; e

- o quesito 34.º, em que se perguntava se a autora entrou em profunda depressão nervosa.

Do exposto resulta que a autora não logrou provar que a conduta alegadamente persecutória e vexatória da 1.ª ré e da sua representante, a 2.ª ré, consistente na alteração do horário de trabalho, degradação de funções, referências desprimorosas e tentativa de isolamento, foi causa adequada da sua situação de doença, e também não fez prova que o impedimento da retomada do trabalho foi causa adequada do prolongamento e eventual agravamento dessa situação de doença. Por isso - isto é, por falta de prova do nexo de causalidade adequada -, foi a 1.ª ré absolvida, logo na 1.ª instância, dos pedidos de indemnização de danos não patrimoniais e de pagamento nas diferenças entre o salário médio de 200000 escudos que alegadamente auferia e os 61000 escudos de subsídio de doença que passou a perceber, decisões com as quais a autora se conformou. Aliás, no artigo 27.º da petição inicial, o que a autora alegou foi que, em 9 de Outubro de 1998, se dirigiu ao salão de cabeleireiro e disse à 2.ª ré que nesse dia tinha consulta médica, que se estava a sentir melhor, que ia pedir alta e que no dia seguinte se apresentaria para retomar o trabalho, pelo que, neste contexto, não se pode afirmar que tenha havido uma efectiva apresentação para retomada imediata da actividade, mas um mero anúncio desse propósito, condicionado ao resultado de conduta médica a realizar posteriormente e à eventual concessão de alta; ora, essa alta não ocorreu, pois no dia 12 de Outubro de 1998 a autora remeteu à 1.ª ré um documento de prorrogação de baixa (cfr. facto n.º 45).

O reconhecimento do direito ao "pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença", previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, pressupunha que a autora alegasse e provasse que, não fora o despedimento, teria recebido prestações superiores às que auferiu, ónus que ela não cumpriu.

É certo que agora, na alegação do presente recurso de revista, vem a autora afirmar que teve alta em 12 de Março de 2000, portanto antes da data da sentença (15 de Setembro de 2000), pelo que teria, pelo menos, direito às retribuições que auferiria, não fora o despedimento, desde a data da alta até à data da sentença, referindo que essa alta está comprovada no documento de fls. 80. Acontece que o documento de fls. 80 é uma declaração, datada de 19 de Fevereiro de 1999, junta com a petição inicial, que obviamente não pode comprovar alegada alta ocorrida mais de um ano depois. Por outro lado, compulsados os autos, não se descobriu qualquer documento comprovativo dessa alta nem a este facto é feita a mínima referência nas contraalegações da autora no recurso de apelação (cfr. fls. 540 e 541).

Não pode, assim, ser acolhida esta posição da recorrente, suscitando uma questão nova, sem apoio documental.

4. Decisão

Em face do exposto, acordam em negar provimento ao presente recurso.

Custas pela recorrente, que beneficia de apoio judiciário (cfr. despacho de fls. 430).

Lisboa, 6 de Março de 2002.

Mário José de Araújo Torres,

Vítor Manuel Pinto Ferreira Mesquita,

Pedro Silvestre Nazário Emérico Soares.