Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
302/08.8JAFAR-A.E1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONCURSO DE INFRAÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
CULPA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 04/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES.
Doutrina:
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, 290-292.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 410.º, N.ºS 2 E 3, 434.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 71.º, 77.º, 78.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 11-10-2006 E DE 15-11-2006, PROC. N.º 1795/06 E PROC. N.º 3268/04, RESPECTIVAMENTE, AMBOS DA 3.ª SECÇÃO;
-DE 7-11-2007, PROC. N.º 3990/07, DA 3.ª SECÇÃO;
-DE 09-01-2008, PROC. N.º 3177/07, DA 3.ª SECÇÃO;
-DE 06-02-2008, PROC. N.º 4454/07, DA 3.ª SECÇÃO.
Sumário :

I - O sistema de punição do concurso de crimes consagrado no art. 77.º do CP, aplicável ao caso de conhecimento superveniente do concurso, adoptando o sistema da pena conjunta, rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto, para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente. Por isso, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta, cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa.
II -No caso dos autos, importa ter em consideração, para a determinação da medida concreta da pena única:
- a elevada gravidade dos factos face aos bens jurídicos atingidos;
- factos esses que se projectam na personalidade do arguido, por eles revelada e neles manifestada, provindo de tendência criminosa, sendo que desde 2001 que o arguido vem desprezando bens jurídico-criminais;
- a intensidade da culpa do arguido;
- os efeitos previsíveis da pena no comportamento futuro do arguido;
- que não lhe são conhecidos hábitos de consumo de produto estupefaciente ou de consumo de álcool;
- no EP vem revelando um comportamento adequado às normas vigentes, não mantendo presentemente uma actividade profissional, uma vez que lhe foi detectado um linfoma e encontra-se internado no hospital prisional e em tratamento no IPO;
- reconhece e identifica os seus problemas e assume responsabilidade dos seus actos, manifestando sentido crítico em relação às atitudes tomadas e que deram origem à sua actual situação;
- evidencia suficientes capacidades para a mudança, situação demonstrada no ajustamento às regras institucionais.
III -As fortes exigências de prevenção geral, reclamadas pela natureza dos bens jurídicos violados e termos em que se verificou, face à necessidade de reposição da confiança nas normas legais postas em causa. As exigências de prevenção especial, na socialização do arguido, tendo em a dissuasão da reincidência, mitigadas pelo arrependimento e “capacidades para a mudança, situação demonstrada no ajustamento às regras institucionais”.
IV - Tendo também em conta que o limite da pena a aplicar, se situa entre 7 anos e 6 meses de prisão e 15 anos e 3 meses de prisão, conclui-se, por tudo o exposto, valorando o ilícito global perpetrado, na ponderação conjunta dos factos e personalidade do arguido, de harmonia com o disposto no art. 77.º do CP, que se mostra adequada a pena única de 10 anos de prisão (em substituição da pena única de 11 anos fixada pelas instâncias).
Decisão Texto Integral:


         Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

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No processo comum nº 302/08.8JAFAR do extinto 2º Juízo criminal da comarca de Loulé, o tribunal colectivo realizou a audiência de cúmulo a que alude o artigo 472.º do Cód. Processo Penal, referente ao arguido AA, ..., filho de ... e de ..., nascido a ..., em ..., residente na Urbanização da ..., actualmente preso em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional de ....
E, por acórdão de 16 de Outubro de 2013, o tribunal colectivo decidiu:
“a) Proceder ao cúmulo jurídico das penas impostas ao arguido AA no âmbito dos processos n.ºs 50/07.6GFLLE, 1465/08.8GBLLE e 302/08.8JAFAR, condenando o mesmo na pena única de 11 (onze) anos de prisão).
b) Na pena única ora imposta descontar-se-á todo o tempo de prisão já sofrido pelo arguido à ordem dos processos que compõem o cúmulo jurídico efectuado.
Sem custas.
Notifique.
Transitada, comunique o teor deste Acórdão ao TEP e EP onde o arguido se encontra recluído.[…]

Oportunamente, vão os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos dos artigos 469.º e 477.º, do Cód. Processo Penal.”


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Da decisão havida, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Évora, “retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1ª - Nos processos nºs 1465/08.8GBLLE e 302/08.8JAFAR (o presente processo), o arguido foi julgado na respetiva ausência, nunca tendo sido devidamente notificado e constando dos autos uma morada errada, pelo que foram violados os direitos do arguido, nomeadamente os previstos no artigo 61° do C. P. Penal.

2ª - No processo nº 302/08.8JAFAR (o presente processo), o arguido devia ter sido absolvido do crime em causa (violação), já que a prova é inconsistente, resumindo-se, no essencial, às declarações da menor ofendida e à prova pericial (e sendo esta inconclusiva).

3a - Existe um grande hiato temporal (cerca de 5 anos) entre a data da prática dos factos e a data da decisão recorrida, sendo que o arguido, entretanto, não cometeu crimes - e, por isso, a pena deve ser especialmente atenuada (artigos 72° e 73° do Código Penal), reduzindo-se o seu limite máximo em 1/3 e o seu limite mínimo em 1/5.

4ª - A pena única aplicada é desajustada à satisfação das necessidades de prevenção (geral e especial), mostra-se desproporcionada, não atende ao que vem referido no relatório social junto aos autos, e viola o disposto nos artigos 40°, nºs 1 e 2, e 77°, n° 1, do Código Penal.

5ª - Na medida da pena única deve atender-se ao percurso do arguido entre 2008 e 2011, o qual, nessa altura, esteve em liberdade sem cometer qualquer crime.

6ª - A pena única de prisão a aplicar deve, por tudo isso, situar-se perto do seu limite mínimo, e deve ser suspensa na sua execução (em obediência ao disposto no artigo 50° do Código Penal).”


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A Relação, por acórdão de 25 de Novembro de 2014, veio a negar provimento ao recurso, mantendo, consequentemente, a decisão recorrida, e condenou o recorrente nas custas.

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De novo inconformado, veio recorrer o arguido para este Supremo Tribunal, concluindo da seguinte forma a sua motivação de recurso:     

“a)        Conclui-se que, conforme ficou provado nos PROCESSOS 1465/08.8GBLLE do 2.!! Juízo de competência Criminal, do Tribunal Judicial de Loulé e no Processo 302/08.8JAFAR o ora Recorrente ANDRÉ MONTEIRO foi julgado à revelia, por nunca ter sido devidamente notificado.

b)         Conclui-se que, todos os direitos que o ora recorrente tinha, nomeadamente os decorrentes do artigo 61.º do CPP foram violados.

c)         Conclui-se que, os factos provados foram baseados, unicamente nas declarações da menor que foram, totalmente contraditórios com que tinha alegado em fase de inquérito e toda a prova pericial} nomeadamente, o ora recorrente AA, compareceu em todas as intervenções a que foi notificado, nomeadamente consta a folhas 19 o TIR prestado; do Relatório do Instituto de Medicina Legal que consta a folhas 22, realizado pelo Dr. BB.

d)         Facilmente se conclui que não existe QUALQUER PROVA que o ora recorrente tenha, sequer, tido qualquer ato sexual com a ora queixosa.

e)         Conclui-se que, isto tudo porque o ora recorrente NÃO ESTEVE EM SEDE DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO PARA SE DEFENDER.

f)          Conclui-se que, o ora recorrente esteve em liberdade desde 2008 até Agosto de 2011 E NUNCA MAIS TER PRATICADO QUALQUER CRIME, tal facto não foi considerado em sede de cúmulo jurídico.

g)         Conclui-se que, nos termos do art. 77.º, n.º 1 do Código Penal (CP), quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, sendo nesta considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

h)         Conclui-se que, a pena aplicável, nos termos do art. 77.º, n.º 2 do CP, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo, contudo, ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas.

i)          Conclui-se que, no critério de determinação da medida da pena do concurso, a medida concreta da pena do concurso, dentro da moldura abstracta aplicável, a qual se constrói a partir das penas aplicadas aos diversos crimes, é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico, constante do artigo 77.º, n.º 1 do CP: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do arguido.

j)          Conclui-se que, por conseguinte, a medida da pena do concurso de crimes tem de ser determinada em função desses fatores específicos, que traduzem a um outro nível a culpa do agente e as necessidades de prevenção que o caso suscita.

k)         Conclui-se que, segundo a jurisprudência e a doutrina dominantes o cúmulo jurídico deve ser entendido como um instrumento através do qual se visa precisamente atingir, no caso de concurso de crimes, uma punição mais justa do que a decorrência da simples soma aritmética das penas parcelares a que um arguido foi condenado.

I)          Conclui-se que, o Relatório Social e o momento temporal em que ocorreram os crimes (exatamente na mesma altura 2008) não foram devidamente apreciadas.

m)        Conclui-se que, o objetivo de reintegração do arguido na sociedade que a aplicação de uma pena de prisão visa não se alcança certamente com a sujeição do mesmo a uma pena privativa da liberdade tão pesada e tão longa como aquela a que foi condenado.

n)         Concluindo-se que, relativamente  aos factos  atinentes ao circunstancialismo social do arguido também nos apercebemos que o acórdão ignora parte do relatório social, designada mente na sua rubrica “Impacto da situação jurídico penal" e “conclusão".

o)         Conclui-se que, o Tribunal, salvo o devido respeito, errou ao manter a pena aplicada pelo douto Tribunal (“a quo”J, quanto à determinação da pena única aplicada, que se afigura completamente desajustada às necessidades de prevenção geral e especial, contrariando o disposto no art. 40.º, n.º 1, do c.P.

p)         Conclui-se que, a aplicação concreta da medida da pena, se considera que o tribunal não considerou a envolvente fáctica imprescindível para quantificar a pena a aplicar.

q)         Conclui-se que o arguido praticou os factos em consideração em 31 de Janeiro de 2007, 16 de Novembro de 2008 e 9 de Outubro de 20081 há 5 anos, considerando a data da audiência de cúmulo jurídico;

r)         Conclui-se que, ora recorrente esteve sempre em liberdade, até Agosto de 2011, o arguido não cometeu qualquer ilícito de natureza criminal.

s)         Conclui-se que, o ora recorrente NUNCA TEVE POSSIBILIDADE DE SE DEFENDER, pois foi JULGADO À REVELIA.

t)          Conclui-se que, o recorrente tem fortes indicadores potenciadores da inversão do percurso delituoso, designadamente o facto de ter estado em liberdade mais de 3 anos sem que tivesse cometido qualquer tipo de crime.

u)         Conclui-se que, o tribunal: não atendeu aos factos objetivos que se traduzem na inversão total da conduta disruptiva que o arguido começava a traçar aquando da sua detenção em prisão preventiva e que ora se traduz numa perfeita integração social, no seio de uma família e de uma motivação para o exercício laboral; Não considerou o Relatório Social apresentado; Não considerou que, à data dos factos, se tratou de um período da vida do arguido, unicamente praticados em e até 2008; Não considerou a sua conduta de bom comportamento e integração social posterior aos factos; Não considerou o decurso temporal desde a data dos factos à data da condenação ora em crise; Não considerou o facto de o arguido não ter qualquer processo pendente e o facto de não ter tido cometido qualquer crime desde 2008; Não considerou o juízo de prognose favorável inerente à reintegração social do arguido e que se encontra perfeitamente plasmado em relatório social e na realidade vivenciada.

v)         Assim, verificam-se algumas sérias e fortes atenuantes, desconsideradas pelo tribunal “a quo” e que, nos termos conjugados dos artigos 72.º e 73.º do C.P" permitem a aplicação de uma especial atenuação da penal reduzindo-a no seu limite máximo em 1/3 e no seu limite mínimo em 1/5.

w)        Conclui-se que, este sentido, entende o recorrente, por se tratar de um exemplo de inversão total e completa do percurso disruptivo, patente num considerável hiato temporal de sensivelmente 5 anos sobre a prática dos crimes, dever-lhe ser diminuída a medida da pena para a pena mínima admissível.

x)         Conclui-se que a pena a que foi condenado no grau de grandeza em que emergiu não sendo modificado vai colocar o arguido privado de liberdade pelo período de 11 anos depois da abismal alteração positiva que conseguiu inculcar na sua vida com contornos e consequências nefastas porventura jamais recuperáveis, nomeadamente na sua saúde, tendo um linfoma, poderá não sobreviver dentro do Estabelecimento Prisional por tanto tempo.

y)         Conclui-se que, sendo por tal ordem de razões que se mostram violadas as disposições contidas nos artigos 71.º n.º 1 e 40.2 n.º 1 e 2, ambos do CP e artigo 4º do DL 401/82, de 23 de Setembro.

z)         Conclui-se que, a aplicação do art.º 77.º do CP não pode conduzir a punições desproporcionadas ou iníquas, como é a dos presentes autos, porque a diminuição sensível da culpa já haveria de intervir no sentido de diminuir consideravelmente a pena aplicada.

aa) Conclui-se que, este modo, a decisão recorrida viola, necessariamente, o preceituado no artigo 77.2 do C.P.

bb) Conclui-se que, para além do mais, o acórdão recorrido não observou o consignado nos artigos 71.º n.º 1 e 40 n.º 1 do CP, uma vez que a pena aplicada é desproporcionada e posterga, em demasia, a reintegração social do recorrente.

cc) Conclui-se que, o Tribunal “a quo”, errou manifestamente, quanto à determinação da pena única aplicada, que se afigura completamente desajustada às necessidades de prevenção geral e especial, violando assim os artigos 40.º, 71.º. 72.º, 73.º, 77.º do c.P.;

dd) Conclui-se que, o douto acórdão ora recorrido deveria ter tido em causa o seu percurso ressocializador, desde 2008 até 2011, que teve em liberdade sem cometer qualquer crime e posteriormente à sua entrada no Estabelecimento Prisional com um Relatório Social favorável ao ora recorrente.

Nestes termos,

Deve assim ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente,

a)         Deverá o douto acórdão ora recorrido ser revogado e substituído por outro que condene o Arguido, relativamente ao Cúmulo Jurídico, atendendo a todas as circunstâncias do caso “sub judice", devendo ser alterada sentença, para que a decisão final seja mais equilibrada e justa, perto do limite mínimo, que permitirá a reinserção social do ora recorrente.”


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Respondeu o Ministério Público à motivação do recurso, concluindo que “O recurso interposto deverá ser julgado manifestamente improcedente, e como tal, deverá ser rejeitado – Código de Processo Penal, artigo 420º nº 1, alínea a).”

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Neste Supremo, a Dig.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer, “no sentido do não provimento do recurso e consequentemente confirmação da decisão recorrida, nos seus precisos termos.”. assinalando, além do mais, que:

“É desinteressante e irrelevante à decisão a tomar por este Supremo Tribunal a matéria levada às conclusões, a) a e) extraídas pelo recorrente, da respectiva motivação de recurso, porquanto o que exclusivamente está agora em causa é, tão só, a adequação, proporcionalidade e justeza da pena única de 11 anos de prisão, aplicada.

            Todas as sentenças e Acórdãos que decidiram das penas parcelares de prisão já transitaram.

            Este é um requisito essencial da realização do concurso de crimes superveniente (art. 78.º, n.ºs 1 e 2 do CP).

            Improcedem, consequentemente, as conclusões a) a e), inclusivé, do recurso do arguido.

            4.2 - Relativamente à matéria levada às restantes conclusões, ela centra-se exclusivamente no quantum da pena única de 11 anos de prisão que, na defesa do recorrente, deveria ser diminuída, atento o seu percurso de vida enquanto em liberdade, a sua personalidade, os factos criminosos analisados no seu conjunto, praticados em período de tempo muito delimitado, não tendo sido levado em conta o teor atenuativo do relatório social.

            4.2.1 - Não tem razão. São prementes as necessidades de prevenção geral e especial, face ao tipo de crimes praticados pelo arguido, a intensidade da culpa e o elevado grau de ilicitude dos factos. O crime de violência doméstica é hoje uma realidade, pelo menos mais conhecida e veementemente condenada pela comunidade, sendo preocupante a quantidade de seres humanos, nomeadamente mulheres, vítimas de maus tratos sucessivos, e prolongados no tempo que muitas vezes redundam em morte daquelas.

            4.2.2 – Resulta do art. 40.º do CP que, com a imposição da pena, se procura alcançar uma tanta quanto possível eficaz protecção dos bens jurídicos tutelados pela norma violada, bem como a reintegração do agente, procedendo-se, em cada caso concreto, à ponderação das exigências de prevenção geral e especial que conjugadas, deverão ter a capacidade e aptidão necessárias e suficientes à inibição da prática de novos crimes.

            Tendo como limite inultrapassável a medida da culpa e como parâmetros os princípios da proporcionalidade, adequação e de proibição de excesso, a pena a fixar terá sempre como primacial objectivo a protecção dos bens jurídico-penal lesionados e a reafirmação do valor da norma violada.

            Como escreve Santiago Puig, em “o princípio da proporcionalidade enquanto fundamento constitucional de limites materiais de Direito Penal”, “… a proporcionalidade estrita entre o crime e a pena não deve basear-se numa comparação da gravidade do crime cometido como algo passado a compensar mediante uma pena “equivalente”, mas existente porque essa gravidade é também a gravidade de todos os crimes semelhantes que se pretende prevenir de futuro com o a pena a aplicar”. Isto, tanto no âmbito da prevenção geral de integração, como no âmbito da prevenção especial, de reinserção do agente.

            O Acórdão recorrido fundamenta bem e suficientemente a decisão tirada, que não merece censura ou qualquer alteração.”

           


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            Cumpriu-se o disposto no artº 417º nº 2 do CPP


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Não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência, após os vistos legais em simultâneo,

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Consta do acórdão recorrido:

II – FUNDAMENTAÇÃO

1.1- De facto

A – Factos Provados:

Das certidões juntas e certificado de registo criminal do arguido, resultam assentes os seguintes factos:

1. O arguido foi julgado e condenado por decisões transitadas em julgado no âmbito dos seguintes processos:

a) Por Acórdão de 14.12.2009, proferido nos autos n.° 1465/08.8GBLLE do 2.º Juízo de competência criminal, do Tribunal Judicial de Loulé, já transitado em julgado em 06.06.2011, o arguido AA foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão; três crimes de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea c), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), na pena parcelar de 9 (nove) meses de prisão para cada um dos crimes; três crimes de injurias agravadas previsto e punido pelos artigos 181.º, nº 1 e 184.º, todos do Código penal, na pena parcelar de 2 (dois) meses de prisão para cada um dos crimes, em virtude de:

(i) Desde o ano de 2006 até 16 de Novembro de 2008, o arguido agrediu fisicamente a companheira, proferindo também expressões injuriosas e intimidatórias, nomeadamente “dou-te um tiro na testa”, “és uma puta”, tendo actuado deliberada, livre, conscientemente, com o propósito de maltratar a sua companheira e sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

(ii) No dia 16 de Novembro de 2008, cerca das 02:15h, na sequência de uma agressão cometida pelo arguido sobre a sua companheira, deslocaram-se ao local três militares da GNR, que dirigindo-se aos mesmo o arguido disse “vocês não se armem em espertos porque eu posso ser perigoso e quando marco uma pessoa descubro sempre onde a posso encontrar, vocês têm uma farda mas não têm categoria nenhuma, se eu quiser ligo para o Rosa que tem uma farda como vocês e é muito meu amigo”, tendo proferido as referidas expressões com o propósito concretizado de ofender a honra, consideração e brio profissional, provocando também nos militares medo e inquietação.

b) Por sentença de 21.04.2008, proferida nos autos n.° 50/07.6GFLLE do Tribunal Judicial de Loulé, já transitado em julgado em 18.11.2009, o arguido AA pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 7 (sete) meses de prisão; pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 3 (três) meses de prisão; de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2, do DL n.º 3/98, de 03.01, na pena de 3 (três) meses de prisão; de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º. n.º 1 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, condenado, ainda, na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 5 (cinco) meses, em virtude de:

 (i) O arguido, no dia 31 de Janeiro de 2007, detinha na sua posse um revólver, sem para tal estar munido de autorização, detendo, ainda munições de calibre 7,65, distintas daquelas da arma que possuía, bem conhecendo as características da arma e munições e que não podia deter tais objectos naquelas condições, tendo agido de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

(ii) No dia 10 de Novembro de 2006, o arguido conduzia a viatura automóvel, de matrícula ..-RF, em Vilamoura, sem que possuísse título válido para o efeito. Instado para efectuar a pesquisa de álcool, recusou-se a fazer, tendo agido livre e deliberadamente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

(iii) Por Acórdão do Tribunal da Relação de Évora foi o arguido absolvido da prática de o crime de detenção de arma proibida, previsto e punido no artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, mantendo as restantes penas parcelares aplicadas ao arguido, tendo a pena única sido substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade.

c) Por Acórdão proferido em 08.07.2010 no âmbito dos presentes autos, n.º 302/08.8JAFAR, transitado em julgado em 25.02.2013, o arguido foi condenado pela prática de um crime de violação, previsto e punido pelo artigo 164.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão (confirmada pelo Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora), em que actuando deliberada, livre, conscientemente e sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, introduziu o seu pénis na vagina da menor CC (de 14 anos e virgem), contra a vontade desta e utilizando a violência, de forma a satisfazer os seus instintos sexuais e libidinosos. Em consequência a menor sofreu o desfloramento e lesões a nível genital que demandaram 12 dias para se curar, por factos praticados em 09.10.2008.

d) No processo n.º 50/07.6GFLLE o arguido foi condenado em penas de prisão, substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade, que ainda não foi declarada extinta.

2. No processo referido em a) e c) o arguido foi julgado na ausência.

3. O arguido AA encontra-se actualmente preso, em cumprimento de pena.

4. É natural de ... e veio para Portugal em 2000.

5. Estabeleceu um relacionamento afectivo, o qual durou cerca de 7 anos, do qual nasceu uma filha, que tem actualmente 11 anos de idade.

6. De uma outra relação ocasional nasceu outra criança, que presentemente tem 6 anos de idade.

7. Concluiu o 9.º ano de escolaridade em ..., tendo em Portugal desenvolvido a actividade profissional na área da construção civil com um tio.

8. Não lhe são conhecidos hábitos de consumo de produto estupefaciente ou de consumo de álcool.

9. No projecto para a sua reintegração pretende ir viver com o seu primo, residente em Telheiras e em termos laborais pretende voltar a trabalho com o seu tio.

10. No EP o arguido vem revelando um comportamento adequado às normas vigentes, não mantendo presentemente uma actividade profissional, uma vez que lhe foi detectado um linfoma e encontra-se internado no hospital prisional de Caxias e em tratamento no IPO.

11. Reconhece e identifica os seus problemas e assume responsabilidade dos seus actos, manifestando sentido crítico em relação às atitudes tomadas e que deram origem à sua actual situação. Evidencia suficientes capacidades para a mudança, situação demonstrada no ajustamento às regras institucionais.

12. Mostra-se arrependido, pedindo uma oportunidade ao Tribunal.

13. Do seu certificado de registo criminal constam as seguintes antecedentes criminais:

•          Por factos praticados em 26.02.2001 foi condenado, em 26.03.2001, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 63 000$00;

•          Por factos praticados em 10.01.2002 foi condenado, em 10.01.2002, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 2,50;

•          Por factos praticados em 17.01.2002, foi condenado, em 09.11.2004, pela prática de um crime de detenção ou tráfico de arma proibida, na pena única de 2 (dois) anos de prisão, suspensa por igual período;

•          Por factos praticados em Setembro de 28.02.2002 foi condenado, em 09.02.2006, pela prática dos crimes de evasão, na pena única de 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução.

•          Por factos praticados em 19.04.2004 foi condenado, em 11.07.2008, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 3 (três) meses de prisão, a cumprir em dias livres.


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            B – Factos não provados:

            Inexistem factos não provados com relevo para a decisão a proferir.


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Cumpre apreciar e decidir:

Inexistem vícios ou nulidades de que cumpra conhecer, nos termos do artº 410º nº 2 e 3, do CPP.

O acórdão recorrido é apenas referente à determinação da pena do cúmulo,

A matéria fáctica apurada, e que forma as condenações, em cúmulo, bem como as mesmas condenações encontram-se definitivamente fixadas,

Sobre as questões invocadas referentes às condenações, relembre-se, aliás, o que disse o acórdão da Relação: “sobre essa matéria já se pronunciou este Tribunal da Relação de Évora, que julgou e decidiu, oportunamente, todas essas alegações do arguido (cfr. acórdão certificado de fls 16 a 38” do “recurso independente em separado”).

Em suma: tudo aquilo que o arguido questiona, nesta primeira vertente do seu recurso, já foi objecto de decisão, transitada em julgado, pelo que essa matéria não pode ser, de novo (no âmbito destes autos e deste recurso), trazida à colação.

Pelo exposto, improcede, manifestamente, todo este primeiro ponto do recurso.”


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Em recurso interposto para o Supremo, apenas o objecto do recurso relativamente à determinação da pena do cúmulo é legalmente cognoscível, uma vez que, apesar da dupla conforme, é admissível recurso para o Supremo por a pena única aplicada ter sido de 11 anos de prisão,

Em matéria de poderes de cognição do STJ relativamente a recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas Relações, a lei adjectiva penal - art. 434.º - limita aqueles poderes ao reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto no art. 410.º, n.ºs 2 e 3.

Quando a questão objecto do recurso interposto para o Supremo seja a mesma do recurso interposto para a Relação, tem o recorrente de alegar (motivando e concluindo) como fundamento do recurso, as razões específicas que o levam a discordar do acórdão da Relação: - É que o acórdão recorrido é o acórdão do tribunal superior – o tribunal da Relação -, que decidiu o recurso interposto e não o acórdão proferido na 1ª instância.

Já se decidiu que não aduzindo o recorrente discordância específica relativamente ao acórdão da Relação, que infirme os fundamentos apresentados pela Relação, no conhecimento e decisão da mesma questão já suscitada no recurso interposto da decisão da 1ª instância, há manifesta improcedência do recurso assim interposto para o Supremo. (v. acórdão deste Supremo e desta 3ª Secção, de 7 de Novembro de 2007, Proc. nº 3990/07)

Porém, se nos afastarmos dessa perspectiva um tanto redutora ou restritiva, de ordem processual formal, poderá dizer-se que embora o recorrente reedite no presente recurso para o Supremo, a impugnação da pena única apresentada no recurso interposto para a Relação -  e, por isso, embora não aduza discordância específica relativamente ao acórdão da Relação, não explicitando razões jurídicas novas perante o acórdão da Relação, que infirmem os fundamentos apresentados pela Relação no conhecimento e decisão das mesmas questões -, não significa, contudo, que fique excluída a apreciação da determinação da pena única, mas agora relativamente à dimensão constante do acórdão recorrido, o acórdão da Relação, no que for legalmente possível em reexame da matéria de direito perante o objecto do recurso interposto para o Supremo, pois que o recurso enquanto remédio, é expediente legal para correcção da decisão recorrida (não seu mero aperfeiçoamento), como meio de impugnar e contrariar a mesma – porém, in casu, apenas adstrito à pena única, sem prejuízo de, se nada houver, de novo a acrescentar relativamente aos fundamentos já aduzidos pela Relação na fundamentação utilizada para o julgamento dessas mesmas questões, e que justifique a alteração das mesmas, seja de concluir por manifesta improcedência do recurso, pois que caso concorde com a fundamentação da Relação, não incumbe ao Supremo que justifique essa fundamentação com nova argumentação..

Há pois que pesquisar a pronúncia do Tribunal da Relação sobre as mesmas questões relativas à pena única

A Relação pronunciou-se da seguinte forma:

“ b) Da atenuação especial da pena.

Entende o recorrente que a pena (única) em causa nestes autos deve ser especialmente atenuada, atendendo, no essencial, ao grande hiato temporal (cerca de 5 anos) existente entre a data da prática dos factos e a data da decisão recorrida, sem que, nesse lapso de tempo, tenha cometido crimes (cfr. artigos 72° e 73° do Código Penal).

Cabe decidir.

Dispõe o artigo 72°, nº 1, do Código Penal, que "o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a i1icitude do facto ou a culpa do aqente ou a necessidade da pena".

Por sua vez, o nº 2 do mesmo artigo elenca exemplificativamente circunstâncias várias que, correlacionadas com os requisitos contidos no nº 1, ainda do mesmo normativo, potenciam a atenuação especial da pena.

Deste modo, foi criada pelo legislador uma válvula de segurança para situações particulares, que se justifica de acordo com o seguinte, seguindo a exposição do Prof. Figueiredo Dias (in "As Consequências Jurídicas do Crime", Coimbra Editora, 3ª Reimpressão, 2011, § 444, pág. 302): "Quando. em hipóteses especiais. existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto. deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada. relativamente ao complexo “normal" de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respetiva. aí teremos mais um caso esoecial de determinação da pena. conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa. São estas as hipóteses de atenuação especial da pena".

O funcionamento de uma tal válvula de segurança obedece a dois pressupostos essenciais, a saber:

- Diminuição acentuada da ilicitude e da culpa, ou da necessidade da pena, e, em geral, das exigências de prevenção;

- A diminuição da culpa ou das exigências de prevenção só poderá considerar-se relevante para tal efeito (isto é, só poderá ter-se como acentuada), quando a imagem global do facto, resultante da atuação das circunstâncias atenuantes, se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respetivo.

O que, por outras palavras, significa que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excecionais pode ter lugar. Para a generalidade dos casos, para os casos "normais", "vulgares" ou "comuns", lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios (cfr. Prof. Figueiredo Dias, ob. citada, § 444, § 451 e § 454).

A via trilhada pelo legislador, ao elaborar as aludidas normas, foi a de elencar exemplificativamente circunstâncias atenuantes de especial valor, a fim de dar ao juiz critérios mais rigorosos de avaliação do que aqueles que seriam dados através de uma cláusula geral. Ou seja, sem criar obstáculo à necessária liberdade do juiz, põem-se à disposição deste princípios delimitadores mais sólidos e facilmente apreensíveis para que, em cada caso concreto, se decida pela aplicação ou não do instituto em causa.

Porém, há que evidenciar que as situações a que aludem as diversas alíneas do nº 2 do citado artigo 72° do Código Penal não têm, por si só, a virtualidade de conferir poder atenuativo especial, impondo-se o seu relacionamento com um determinado efeito que terão de produzir: a diminuição acentuada da i1icitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena.

No caso sub judice, invoca o recorrente que a pena (única) aplicada deve ser especialmente atenuada, devido ao lapso de tempo (cerca de 5 anos) que mediou entre a data da prática dos factos e a data da decisão recorrida, sendo que o arguido, entretanto, não cometeu crimes.

Com o devido respeito por tal alegação, a mesma carece de sentido, não possuindo, minimamente, o efeito atenuativo especial que o recorrente lhe pretende dar.

Desde logo, estão em discussão, na decisão que procedeu ao cúmulo jurídico em análise, penas aplicadas em sancionamento de crimes repugnantes para qualquer ser humano, e, em especial, para quem os sofre, com sequelas muito difíceis de apagar (ainda que aparentemente invisíveis aos nossos olhos).

Revemo-nos, assim, inteiramente, nas seguintes considerações, perspicazes e sensatas, feitas no acórdão revidendo: "ponderando os factos, numa perspetiva global, constatamos que as condenações do arguido se reportam em especial a crimes relacionados com violência doméstica, ameaças, injúrias, violação, detenção de arma proibida, condução sem habilitação legal, os quais revestem elevada gravidade. Considera-se que o ilícito global agora julgado revela que o arguido tem uma verdadeira carreira e propensão criminosa, em que foram violados de forma reiterada alguns bens jurídicos alheios tutelados pelo legislador, nomeadamente a saúde, liberdade e determinação sexual, honra, liberdade de decisão e ação".

Dito de outro modo: o quadro atenuativo de que o arguido goza é quase inexistente, de forma alguma podendo configurar uma situação de "atenuação especial da pena".

Depois, a alegação do recorrente, segundo a qual decorreu "muito tempo sobre a prática do crime. mantendo o aqente boa conduta" (artigo 72°, nº 2, aI. d), do Código Penal), carece até de inteira adesão à realidade (ou seja: não é totalmente verdadeira).

Com efeito, o invocado "bom comportamento" do arguido (concretizado na circunstância de o arguido não ter cometido crimes entre 2008 e 2013) só é inteiramente válido até 2011 (e não até 2013), já que o arguido está em cumprimento de pena, recluso em estabelecimento prisional, desde Agosto de 2011.

Por último, além de o grau de ilicitude das condutas do arguido ser muito elevado, além das prementes necessidades de prevenção especial que se fazem sentir in casu, evidenciam-se também, na situação posta nos autos, fortes necessidades de prevenção geral positiva ou de integração, existindo hoje, mais do que nunca, um sentimento de repugnância coletiva relativamente à prática de atas como os praticados pelo arguido (sobretudo no tocante ao crime de violação e ao crime de violência doméstica).

Nos termos expostos, no quadro do circunstancialismo global que a matéria de facto revela, não existem circunstâncias ligadas à ilicitude do facto, à culpa do agente ou à necessidade da pena, que importem a impossibilidade de adequação concreta da pena dentro da moldura normal estabelecida, não se justificando, deste modo, qualquer atenuação especial da pena, contrariamente ao alegado pelo recorrente.

O recurso do arguido é, pois, também neste aspeto (atenuação especial das pena), de improceder.

c) Da pena única aplicada (e da suspensão da sua execução).

Invoca o recorrente que a pena única aplicada nestes autos (em cúmulo jurídico das penas parcelares) é desajustada, desproporcionada, não atende ao que vem referido no relatório social junto aos autos, e viola o disposto nos artigos 40°, nºs 1 e 2, e 77°, nº 1, do Código Penal.

Há que apreciar e decidir.

A moldura abstrata da pena do concurso tem como limite máximo a soma das penas de prisão concretamente aplicadas aos vários crimes (não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e 900 dias, tratando-se de pena de multa), e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77°, nº 2, do Código Penal).

No caso destes autos, o limite máximo da pena a ponderar é de 15 anos e 3 meses de prisão (soma material das penas parcelares aplicadas ao recorrente), e o limite mínimo dessa mesma pena é de 7 anos e 6 meses de prisão (pena parcelar mais elevada).

Dentro da moldura abstrata assim encontrada, é determinada a pena do concurso, para a qual a lei estabelece que se considere, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (artigo 77°, nº 1, do Código Penal), sem embargo, obviamente, de ter-se também em conta as exigências gerais da culpa e da prevenção a que manda atender o artigo 71°, nº 1, do mesmo Código Penal, bem como os fatores elencados no nº 2 deste artigo, referidos agora à globalidade dos crimes (e porque aqui se atende a tais fatores referidos ao conjunto dos factos, enquanto que nas penas parcelares esses fatores foram considerados em relação a cada um dos factos singulares, intocado fica o princípio da proibição da dupla valoração).

Como bem salienta o Prof. Figueiredo Dias (ob. citada, § 421, págs. 291 e 292), tudo deve passar-se, por conseguinte, "como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global/ perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão Que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo. a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma "carreira” criminosa ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso. já não no segundo. será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)".

No caso, é acentuada a gravidade do ilícito global (além do mais, os factos praticados pelo arguido e ora em apreciação ocorreram num período de tempo que decorre entre 2006 e 2008).

No contexto da personalidade unitária do arguido, os elementos conhecidos permitem dizer que a globalidade dos factos é reconduzível a um desvalor que radica, claramente, na personalidade (do arguido), manifestamente desconforme aos valores sociais que o direito penal tutela. Na verdade, apesar de possuir já várias outras anteriores condenações criminais (todas elas a partir do ano de 2001), o arguido não mudou o respetivo percurso de vida, continuando a praticar diversos crimes graves.

Pelo que fica exposto, e tendo também em devida conta os elementos diretamente conexionados com as condições de vida do arguido, tem-se como adequada a pena única fixada em primeira instância - 11 (onze) anos de prisão (sensivelmente no limite médio da moldura do cúmulo).

Improcede, assim, também neste ponto, o recurso do arguido.


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Requer o arguido/recorrente a suspensão da execução da pena de prisão aplicada.

Nos termos do disposto no artigo 50°, nº 1, do Código Penal, "o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se. atendendo à personalidade do agente. às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste. concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punicão".

Ou seja, no caso dos autos, a pena aplicada ao recorrente não admite a ponderação da sua suspensão.

Com efeito, o recorrente fica condenado na pena de 11 anos de prisão (excedendo, assim, o limite máximo de 5 anos imposto pelo transcrito artigo 50°, n° 1, do Código Penal).

Por conseguinte, a pena de prisão aplicada ao recorrente tem de ser de execução efetiva. Perante tudo o que fica dito, é de manter a decisão revidenda, sendo de improceder o recurso.

111 - DECISÃO

Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se, consequentemente, a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs. “


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Como se sabe, o artigo 77º nº 1 do Código Penal, ao estabelecer as regras da punição do concurso, dispõe: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”

            Por sua vez, o artº 78º do mesmo diploma substantivo prescreve:

            1, Se depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

            2. O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.

O sistema de punição do concurso de crimes consagrado no art. 77.º do CP, aplicável ao caso de conhecimento superveniente do concurso, adoptando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente». Por isso, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta, cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa.

Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que [esteve] na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido.

Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação. Afinal, a valoração conjunta dos factos e da personalidade, de que fala o CP.

            Por outro lado, afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto.

Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade.

            Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deve ser ponderado. - v. v. g. Ac. deste Supremo e desta 3ª Secção, de 09-01-2008, proc. n.º 3177/07

O concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes. Por outro lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime, como pelo cometimento de crimes da mais diversa natureza. Por outro lado ainda, o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.

Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem pelo da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente: como doutamente diz Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 290-292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.

Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso. V. v. g. Ac. deste Supremo e desta Secção de 06-02-2008, proc. n.º 4454/07

Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993,; . Acs de 11-10-2006 e de 15-11-2006 deste Supremo  e 3ª Secção in Proc. n.º 1795/06, e Proc. n.º 3268/04.

     Tal concepção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso, só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da «arte» do juiz – ou puramente mecânico e portanto arbitrário», embora se aceite que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor nem a extensão pressupostos pelo art. 71.º.

Só assim se evita que a medida da pena do concurso surja consequente de um acto intuitivo, da apregoada e, ultrapassada, arte de julgar, puramente mecânico e, por isso arbitrário.

Note-se que o artigo 71º nº 3 do Código Penal determina que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.

Embora não seja exigível o rigor e a extensão nos termos do nº 2 do mesmo artº 71º, nem por isso tal dever de fundamentação deixa de ser obrigatório, quer do ponto de vista legal, quer do ponto de vista material, e, sem prejuízo de que os factores enumerados no citado nº 2, podem servir de orientação na determinação da medida da pena do concurso. (Figueiredo dias, ibidem, p. 291)

            Importa a descrição do conjunto de factos, ainda que, em síntese, ou por súmula, que permita a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso.

Se na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tem de ter-se em conta a gravidade e conexão recíproca dos factos praticados e mesmo no que respeita à sua personalidade se esses factos revelam tendência para o crime ou se são fruto de factores externos que não radicam na sua personalidade.

Dos factos deve poder saber-se os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade.

É o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado,

O acórdão recorrido obedece aos parâmetros legais no fornecimento, quer dos  factos relevantes praticados,, quer da personalidade do arguido, necessários à ponderação conjunta dos mesmos.

Tendo em conta:

A elevada gravidade dos factos face aos bens jurídicos atingidos

Factos esses que se projectam na personalidade do arguido, por eles revelada e neles manifestada, provindo de tendência criminosa, sendo que desde 2001 que o arguido vem desprezando bens jurídico-criminais.

A intensidade da culpa do arguido.

Os efeitos previsíveis da pena no comportamento futuro do arguido.

Tendo ainda em conta que, como vem provado:

O arguido AA encontra-se actualmente preso, em cumprimento de pena.

É natural de ... e veio para Portugal em 2000.

Estabeleceu um relacionamento afectivo, o qual durou cerca de 7 anos,  do qual nasceu uma filha, que tem actualmente 11 anos de idade.

De uma outra relação ocasional nasceu outra criança, que presentemente tem 6 anos de idade.

Concluiu o 9.º ano de escolaridade em ..., tendo em Portugal desenvolvido a actividade profissional na área da construção civil com um tio.

Não lhe são conhecidos hábitos de consumo de produto estupefaciente ou de consumo de álcool.

No projecto para a sua reintegração pretende ir viver com o seu primo, residente em Telheiras e em termos laborais pretende voltar a trabalho com o seu tio.

No EP o arguido vem revelando um comportamento adequado às normas vigentes, não mantendo presentemente uma actividade profissional, uma vez que lhe foi detectado um linfoma e encontra-se internado no hospital prisional de Caxias e em tratamento no IPO.

Reconhece e identifica os seus problemas e assume responsabilidade dos seus actos, manifestando sentido crítico em relação às atitudes tomadas e que deram origem à sua actual situação. Evidencia suficientes capacidades para a mudança, situação demonstrada no ajustamento às regras institucionais.

Mostra-se arrependido, pedindo uma oportunidade ao Tribunal.

As fortes exigências de prevenção geral, reclamadas pela natureza dos bens jurídicos violados e termos em que se verificou, face à necessidade de reposição da confiança nas normas legais postas em causa.

As exigências de prevenção especial, na socialização do arguido, tendo em a dissuasão da reincidência, mitigadas pelo arrependimento e “capacidades para a mudança, situação demonstrada no ajustamento às regras institucionais”.

Tendo também em conta que o limite da pena a aplicar, se situa entre 7 anos e 6 meses de prisão e 15 anos e 3 meses de prisão,

Conclui-se, por tudo o exposto, valorando o ilícito global perpetrado, na ponderação conjunta dos factos e personalidade do arguido, de harmonia com o disposto no artº 77º do CPenal, que se mostra adequada a pena única de dez anos de prisão,


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            Termos em que, decidindo:

            Acordam os deste Supremo – 3ª secção – em dar parcial provimento ao recurso, e, consequentemente, reduzem a pena única a dez anos de prisão

            Sem custas

            Supremo Tribunal de Justiça, 22 de Abril de 2015

                                               Elaborado e revisto pelo relator

                                               Pires da Graça

                                               Raul Borges