Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B2467
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALBERTO SOBRINHO
Descritores: EMPREITADA
DENUNCIA DE DEFEITOS
CADUCIDADE
Nº do Documento: SJ200710110024677
Data do Acordão: 10/11/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Sumário :

1. A denúncia tem por fim colocar o empreiteiro em condições de fazer ou mandar fazer as necessárias verificações, que por vezes o decurso do tempo tornaria impossível, e permitir-lhe ainda eliminar, logo à sua custa, os vícios que a obra apresente.
A falta de denúncia dentro do respectivo prazo tem como consequência considerar-se a obra aceite com os defeitos que, devendo ser denunciados, o não foram; e tendo-se como aceite a obra sem defeito, não pode o dono reclamar, posteriormente, a sua eliminação ou indemnização por danos causados pela defeituosidade.

2. No que concerne aos imóveis destinados a longa duração e de acordo com o estipulado nos n°s 2 e 3 do art. 1225° C.Civil, a denúncia dos defeitos deve ser feita dentro do prazo de um ano e a respectiva acção de eliminação intentada no ano seguinte à denúncia, sob pena de caducidade e isto sempre dentro do prazo de cinco anos a contar da entrega da obra.

3. O dec-Lei 67/2003 procedeu à transposição para o ordenamento jurídico português da Directiva n° 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, visando a aproximação das disposições dos Estados Membros sobre alguns dos aspectos da venda e garantia de bens de consumo, com vista a assegurar a protecção dos interesses do consumidor.

No caso de empreitada de construção de imóveis, sendo o dono da obra proprietário do solo, a obra é propriedade deste, mesmo que os materiais sejam fornecidos pelo empreiteiro, que os vai adquirindo à medida que forem sendo incorporados na obra, tal como resulta do n° 2 do art. 1212° C.Civil.
A recorrida, empreiteira, não vendeu, nem produziu algo que depois tenha transmitido aos recorrentes. Estes foram sempre os donos da obra que veio a ser erigida por aquela, a solicitação e em conformidade com o estabelecido entre eles. A obra nasceu na esfera jurídica dos recorrentes, pelo que nunca se poderia ter operado qualquer transferência de propriedade do domínio da recorrida para o destes.

Não tendo sido, por qualquer modo, transmitido este bem aos recorrentes, é evidente que o regime preconizado pelo aludido Dec-Lei 67/2003 e, consequentemente, a disciplina da Directiva Comunitária nela acolhida, não abarca na sua aplicação o caso dos presentes autos e não afasta o preconizado no Código Civil quanto ao contrato de empreitada, designadamente o estatuído sobre caducidade e respectivo prazo.
Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

AA e mulher BB intentaram a presente acção declarativa, com processo ordinário,

contra

CC- SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDª,

pedindo que sejam condenada:
a- na realização de nova obra de cércea segundo o projecto de arquitectura aprovado ou na redução do preço da obra, por meio de avaliação;
b- a pagar-lhe a indemnização de 22.944,71 €, com juros desde a citação.

Em fundamento desta sua pretensão alegam, em síntese, ter contratado com a ré a construção de uma moradia, pelo preço de 17.000.000$00. Só que a construção não obedeceu ao respectivo projecto, o que inviabiliza a concessão da licença de habitação. E com base na diferença entre a área efectivamente construída e a que pagaram, encontram o montante indemnizatório peticionado.

Contestou a ré, começando por invocar a caducidade do direito dos autores a verem reparados os defeitos pelo seu não exercício atempado e alegando, depois, que os vícios invocados correspondem a alterações por eles solicitadas.

Replicaram os autores para defender a tempestividade da acção, desde logo por força do regime preconizado pelo Dec-Lei 67/2003, de 8 Abril.

Logo no despacho saneador, foi a ré absolvida do pedido por se ter julgado procedente a excepção peremptória de caducidade.
Inconformados com o assim decidido recorreram os autores, mas sem êxito, porquanto o Tribunal da Relação de Coimbra confirmou a sentença recorrida.

De novo irresignados, recorrem agora de revista para este Tribunal, pugnando pela improcedência da excepção de caducidade e consequente prosseguimento da acção.

Contra-alegou a ré recorrida em defesa da manutenção do decidido.



Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir


II. Âmbito do recurso

A- De acordo com as conclusões, a rematar as respectivas alegações, o inconformismo dos recorrentes radica, em síntese, no seguinte:

1- Tem aplicação ao caso ou a Directiva 1999/44/CE ou o direito de defesa do consumidor harmonizado na legislação portuguesa através do Dec-Lei 67/2003, de 08.04.

2- E, segundo os dois normativos em causa, não há caducidade de qualquer direito dos autores, no sentido da reclamação por vícios da empreitada, tendo em vista a remoção dos prejuízos sofridos, quer por reparação, quer por indemnização, quer por redução do preço.

3- Com efeito, a denúncia do vício perante a ré empreiteira, foi feita automaticamente pelos autores quando promoveram notificação judicial do relatório do perito que anotou as novidades de má conformação originária da obra no âmbito e alcance de uma primeira lide judiciária estabelecida entre as mesmas partes.

4- Ao julgar procedente a excepção de caducidade o acórdão recorrido infringiu o disposto nos artsº 12 °,nº 2 CC, 6º, nºs 2 e 4 do Dec-Lei 67/2003.

5- Deve, pois, ser revogado e mandado substituir por decisão que ordene o prosseguimento da causa após o saneador.

6- De qualquer modo, tendo os autores sido condenados judicialmente, em anterior causa, ao pagamento do preço da empreitada, para fins de compensação dessa dívida com a dívida decorrente dos prejuízos que a ré lhes determinou com os vícios da obra, deve, no limite, ser convolado o pedido no sentido de uma pretensão de mera apreciação, em que se faça a estimativa em metálico dos danos.

7- Tem oportunidade jurídica esta solução, pois as dívidas extinguem-se por compensação com outras cujas vicissitudes temporais já as afectaram.


B- Face ao teor das conclusões formuladas, delimitativas do âmbito do recurso, a verdadeira questão controvertida a decidir reconduz-se a saber se a presente acção foi intentada tempestivamente.
III. Fundamentação


A- Os factos

Foram dados como provados no acórdão recorrido os seguintes factos:

1- Em 19 de Outubro de 1999, os autores passaram a ocupar a moradia com mobílias e electrodomésticos.

2- No âmbito do processo nº 127/00 que correu termos neste tribunal (Idanha-A-Nova), foi, em 18.02.03, elaborado um parecer pelo Engenheiro DD, a mando dos aqui autores, que descrimina os defeitos existentes na moradia e que agora aqueles pretendem ver eliminados.

3- A 7 de Março de 2003, os autores já tinham conhecimento deste parecer técnico.

4- Os Autores requererem a vistoria da obra edificada à Câmara Municipal de Idanha-a-Nova a 23 de Setembro de 2004.

5- A 18 de Novembro de 2004, foi o autor notificado da emissão de parecer desfavorável devido ao facto de o edifício vistoriado não se encontrar em conformidade com o projecto aprovado pela Câmara Municipal, uma vez que o pé direito do R/C era inferior ao aprovado, diminuindo assim a cércea do edifício.

6- A 21 de Fevereiro de 2005, foi o autor notificado que o pedido de concessão de alvará de licença de utilização foi indeferido.

7- A presente acção deu entrada no Tribunal a 27 de Dezembro de 2005.


B- O direito

1.1- Muito sucintamente e de acordo com a factualidade vertida na petição, os autores adjudicaram à ré a construção de uma moradia, num lote sua propriedade, pelo preço de 17.000.000$00, a executar conforme projecto de arquitectura aprovado pela Câmara Municipal, não tendo sido, porém, respeitado esse projecto.

A ré, ao assumir a obrigação perante os autores, de construir certa obra, mediante o pagamento de determinado preço, por parte destes, celebrou com eles um contrato de empreitada, tal como decorre do estatuído no art.1207º C.Civil.

O principal direito do dono da obra é que ela seja realizada, no prazo estabelecido, segundo os moldes convencionados -art. 1209º C.Civil e, concomitantemente, o principal dever do empreiteiro é a realização da obra, em conformidade com o acordado e sem vícios.
Se o empreiteiro deixa de efectuar a sua prestação em termos adequados, dá-se o inadimplemento da obrigação com a sua consequente responsabilidade. O não cumprimento ou o cumprimento defeituoso das obrigações a que o empreiteiro está adstrito, as mencionadas no art. 1208º C.Civil, dá lugar a várias sanções: pode ser compelido à eliminação dos defeitos - art. 1221º-, ou ficar sujeito à redução do preço ou à resolução do contrato – art. 1222º, e/ou a indemnização pelos danos causados – arts. 1223º e 1225º.
Mas a responsabilidade do empreiteiro pelos defeitos que a obra apresente pressupõe que o dono da obra, antes de a aceitar, verifique, dentro do prazo usual ou, na falta de uso, dentro do período que se julgue razoável, a partir do momento em que o empreiteiro o coloque em condições de o poder fazer, se ela se encontra nas condições convencionadas e sem vícios (art. 1218º).
A denúncia tem por fim colocar o empreiteiro em condições de fazer ou mandar fazer as necessárias verificações, que por vezes o decurso do tempo tornaria impossível, e permitir-lhe ainda eliminar, logo à sua custa, os vícios que a obra apresente.
A falta de denúncia dentro do respectivo prazo tem como consequência considerar-se a obra aceite com os defeitos que, devendo ser denunciados, o não foram; e tendo-se como aceite a obra sem defeito, não pode o dono reclamar, posteriormente, a sua eliminação ou indemnização por danos causados pela defeituosidade.

No que concerne aos imóveis destinados a longa duração e de acordo com o estipulado nos nºs 2 e 3 do art. 1225º C.Civil, a denúncia dos defeitos deve ser feita dentro do prazo de um ano e a respectiva acção de eliminação intentada no ano seguinte à denúncia, sob pena de caducidade e isto sempre dentro do prazo de cinco anos a contar da entrega da obra.

Ora, a obra foi entregue aos recorrentes, donos da obra, a 19 de Outubro de 1999, que, aliás, a aceitaram sem reservas, conforme se decidiu no processo nº 127/00.
Atenta a natureza da obra em causa, os defeitos teriam de ser denunciados e a acção respectiva intentada dentro do prazo de cinco anos, ou seja, até 19 de Outubro de 2004.
Como a presente acção apenas foi instaurada a 27 de Dezembro de 2005, já havia decorrido aquele prazo limite dentro do qual o direito do dono da obra podia ser exercido, o que equivale por dizer que já tinha então caducado esse seu direito.


1.2- Que já havia decorrido o prazo de caducidade do direito do dono da obra face à nossa lei civil nem os recorrentes o questionam.
O que eles sustentam é que, ao caso vertente, é aplicável o regime preconizado pelo Dec-Lei 67/2003 e Directiva Europeia por ele transposto, sendo então o prazo de garantia por defeitos da obra de dez anos e não sendo sequer exigível a sua denúncia.
Aquele diploma procedeu à transposição para o ordenamento jurídico português da Directiva nº 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, visando a aproximação das disposições dos Estados Membros sobre alguns dos aspectos da venda e garantia de bens de consumo, com vista a assegurar a protecção dos interesses do consumidor, como se refere no nº 1 do art. 1º.
E quanto ao seu âmbito de aplicação, diz-se no nº 2 do mesmo art. que ele é aplicável, com as necessárias adaptações, aos contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar ou a produzir e de locação de bens de consumo.
Com a transposição desta directiva procurou obviar-se a uma diminuição de protecção do consumidor e, tanto assim, que houve a preocupação expressa pelo legislador de salvaguardar os direitos reconhecidos ao comprador em caso de existência de defeitos na coisa pela Lei 24/96, de 31 Julho.
Este normativo disciplina as relações jurídicas entre vendedor, fabricante ou produtor, por um lado, e consumidor, pelo outro.
Consumidor, segundo o nº 1 do art. 2º da citada Lei 24/96, é todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.

Na situação em análise, a ré, na sequência de um contrato de empreitada celebrado com os autores, construiu-lhes uma moradia para habitação.
No caso de empreitada de construção de imóveis, sendo o dono da obra proprietário do solo, como aqui acontece, a obra é propriedade deste, mesmo que os materiais sejam fornecidos pelo empreiteiro, que os vai adquirindo à medida que forem sendo incorporados na obra, tal como resulta do nº 2 do art. 1212º C.Civil.
A recorrida, empreiteira, não vendeu, nem produziu algo que depois tenha transmitido aos recorrentes. Estes foram sempre os donos da obra que veio a ser erigida por aquela, a solicitação e em conformidade com o estabelecido entre eles. A obra nasceu na esfera jurídica dos recorrentes, pelo que nunca se poderia ter operado qualquer transferência de propriedade do domínio da recorrida para o destes.

Não tendo sido, por qualquer modo, transmitido este bem aos recorrentes, é evidente que o regime preconizado pelo aludido Dec-Lei 67/2003 e, consequentemente a disciplina da Directiva Comunitária nela acolhida, não abarca na sua aplicação o caso dos presentes autos e não afasta o preconizado no Código Civil quanto ao contrato de empreitada, designadamente o estatuído sobre caducidade e respectivo prazo.
E, como referido, esse prazo havia já decorrido, não tendo os recorrentes exercido tempestivamente o seu direito.


1.3- Os recorrentes invocam ainda que argumentaram com a compensação para alcançarem a redução do preço da empreitada que foram condenados a pagar à recorrida no processo nº 127/00, pelo que, para esse efeito, a acção sempre deveria prosseguir.
Esta sua pretensão está desde logo e à partida votada a não poder aqui ser considerada, porquanto esta figura não foi sequer invocada nos articulados e apenas em sede de alegações de recurso, quer para a Relação quer agora para o Supremo, foi trazida à colação pelos recorrentes. Só tardia e desadequadamente, porque em fase recursiva, é que foi invocada, o que impossibilita a sua apreciação pelos respectivos tribunais.

Nenhuma censura nos merece, pois, o acórdão recorrido.


IV. Decisão

Perante tudo quanto exposto fica, acorda-se em negar a revista.

Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 11 de Outubro de 2007

Alberto Sobrinho (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza
Salvador da Costa