Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SILVA SALAZAR | ||
Descritores: | CASO JULGADO | ||
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Nº do Documento: | SJ200702060046656 | ||
Data do Acordão: | 02/06/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
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Sumário : | O caso julgado traduz-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por qualquer Tribunal - incluindo o que a proferiu - em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário. * * Sumário elaborado pelo Relator. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 23/9/96, AA instaurou contra BB acção com processo ordinário, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de 14.519.171$00, acrescida de juros, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que, segundo sustenta, este lhe causou com a pendência de uma providência cautelar de embargo de obra nova, seguida da acção sumária principal (n.º 3071/88), propostas pelo dito réu, invocando este direitos que bem sabia não lhe assistirem, contra CC e mulher, DD, e em que ela autora foi admitida a intervir ao lado dos ali réus por entretanto ter comprado a estes um prédio que identifica, - em causa nas aludidas providência e acção sumária, que acabou por ser julgada improcedente -, bem como uma outra quantia de montante a liquidar em execução de sentença. Contestou o réu invocando ilegitimidade activa e passiva e prescrição, impugnando, sustentando ser simulada a compra e venda celebrada entre a ora autora e os aludidos CC e mulher, e, reconvindo, pediu a condenação da autora e destes, bem como do companheiro da autora (EE) e do gerente e empreiteiro da construção civil da firma Empresa-A, que chama à demanda, a pagar-lhe uma indemnização de montante a liquidar em execução de sentença por danos por estes causados por meio de insultos, ameaças e perseguições. Houve réplica, em que a autora rebateu a matéria de excepção e a da reconvenção, tendo o réu respondido por sua vez à contestação da reconvenção. Realizada uma tentativa infrutífera de conciliação, a autora requereu a intervenção de FF, mulher do réu, a qual veio declarar que fazia seus os articulados deste. A fls. 324 e segs., os réus, BB e mulher, deduziram articulado superveniente, em que, invocando litispendência com uma acção (n.º 928/99) contra o réu instaurada por CC e mulher em que estes, baseando-se em acórdão da Relação do Porto de 28/4/97, que naquela acção 3.071/88 declarara o dito réu litigante de má fé, também pediam a condenação daquele no pagamento de uma indemnização pelos danos que lhes havia causado, pediram a sua absolvição da instância. Admitido esse articulado, a autora respondeu, opondo-se ao mesmo. Posteriormente foi notificada a autora para se opor, querendo, ao chamamento à demanda requerido pelo réu, o que ela fez. Indeferido tal chamamento, teve lugar uma audiência preliminar em que não se obteve conciliação. Finalmente, os réus vieram, a fls. 605 a 608, invocar, em articulado superveniente, a excepção dilatória de caso julgado, com a seguinte justificação: Em 1998, CC propôs uma acção contra o ora réu, sob o n.º 928/99, do 6º. Juízo Cível de V.N. de Gaia (tendo o réu sido citado em 20-05-98), na qual, invocando o Ac. da Relação do Porto de 28-04-97 e a condenação deste como litigante de má fé, pede a sua condenação no pagamento de uma indemnização. Em Outubro de 1996, a autora intentara uma acção idêntica (que é a presente, aliás instaurada em Setembro e não em Outubro), com os mesmos fundamentos, invocando a sentença de 25-10-95 - que é a que fôra confirmada por aquele acórdão - (Proc. n.º 3071/88) e peticionando a condenação do réu, ocupando assim, a mesma posição processual que CC, na medida em que este, por escritura de compra e venda de 23-06-92, vendera à autora o prédio urbano objecto, quer da acção proposta por aquele, quer dos presentes autos. Nos autos de Proc. n.º 928/99, do 6º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, foi proferida sentença que decidiu julgar totalmente improcedente a acção, absolvendo-se o réu do pedido. Tal sentença foi objecto de recurso por parte de CC, a qual veio a ser julgado improcedente, confirmando a decisão recorrida, por Ac. do TRP de 19-10-04, tendo o mesmo transitado em julgado. Donde pedem se conclua pela procedência da excepção dilatória e, em consequência, pela absolvição da instância. A autora apresentou resposta a tal articulado, alegando, em síntese, que: - nos autos de Proc. n.º 928/99, do 6º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, foi peticionada a condenação do aqui réu a pagar uma indemnização por litigância de má-fé; - a autora demanda nos presentes autos a condenação dos réus no pagamento de uma indemnização por danos morais e materiais causados pela pendência e dedução de embargo da obra. Foi depois proferida decisão, a fls. 621 a 623vº, que julgou verificada a invocada excepção de caso julgado e absolveu os réus da instância. Inconformada, recorreu a autora, tendo a Relação concedido provimento ao recurso e revogado a decisão recorrida, declarando inexistente caso julgado e determinando o prosseguimento do processo, por acórdão de fls. 660 a 668, de que vem interposto o presente agravo, agora pelos réus, que, em alegações, formularam as seguintes conclusões: 1ª - O aresto recorrido, ao decidir da não existência de identidade de causa de pedir na presente acção e na constante do processo n.º 928/99 do 6º Juízo Cível de Vila Nova de Gaia, pelo que não se verificariam os pressupostos da excepção dilatória de caso julgado, aplicou erroneamente a lei processual; 2ª - A causa de pedir na acção já julgada que foi intentada por CC e outra contra o ora réu e agravante (o referido processo n.º 928/99) não é a litigância de má fé no processo n.º 3071/88, sendo esta aí alegada como simples facto instrumental; 3ª - Esta condenação do ora agravante como litigante de má fé reporta-se a má conduta processual na fase de recurso ("má fé na conduta processual do requerente"; "tendo o agravante omitido ostensivamente a notificação que lhe foi feita"; "fez um uso manifestamente reprovável dos meios processuais"), nada tendo a ver com a falta de veracidade ou deturpação consciente dos factos que tivesse alegado na acção ou com a dedução de pretensão com conhecimento da sua falta de fundamento; 4ª - No processo n.º 928/99 "os autores fundamentam o pedido de indemnização alegando, em síntese, que: os factos alegados no requerimento inicial do procedimento cautelar e repetidos na acção contra eles instaurada pelo réu eram falsos, falsidade de que o ora réu estaria plenamente consciente, bem sabendo que não tinha direito à utilização da água do tanque de que se dizia arrendatário e que a obra em execução não impedia a passagem para o mesmo; invocou um direito em Juízo que sabia não ter e sabendo que ia causar, como causou, avultados prejuízos aos autores, de natureza patrimonial e não patrimonial, decorrentes da procedência do embargo de obra nova e da pendência da acção e inerente sustação da construção do edifício cuja obra foi embargada"; 5ª - Do que se concluiu que "a instauração da providência cautelar e da acção, com base na alegação de factos falsos, traduzida na alegada actuação processual dolosa e causadora de danos, tida pelo réu, é que constitui o fundamento do deduzido pedido de indemnização"; 6ª - Tal é também o fundamento da presente acção, intentada por AA contra o ora agravante, pelo que há identidade de causas de pedir; 7ª - Compulsando a presente acção com a do processo n.º 928/99, constata-se que em uma e outra se trata da mesma coisa: a condenação do agravante pelos danos causados aos autores com a dedução contra eles de embargos de obra nova e subsequente acção definitiva (processo n.º 3.071/88), que veio a ser julgada improcedente; 8ª - Há nas duas acções identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir; 9ª - Consubstanciando tal a excepção de caso julgado, a absolvição do pedido do ora agravante naquela outra acção importa a sua absolvição da instância nos presentes autos; 10ª - O Tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs 493º, n.ºs 1 e 2, 494º, al. i), 497ºe 498º do Cód. Proc. Civil. Termina pedindo que, concedido provimento ao presente recurso, seja revogado o acórdão recorrido, com as legais consequências de absolvição da instância. Em contra alegações, a autora pugnou pela confirmação daquele acórdão. Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que se mostra assente, para além do teor das peças processuais acima sumariamente descritas, o seguinte circunstancialismo de facto com interesse: 1º - Para justificar a decisão da verificação da excepção de caso julgado, o tribunal da 1ª instância considerou que da prova documental carreada para os autos resultava estarem provados os seguintes factos: A - o réu BB requereu, como preliminar, uma providência cautelar de embargo de obra nova, cuja decisão foi proferida em 22 de Setembro de 1988 - cfr. Proc. N.º 3071-A/88; B - em 29 de Setembro de 1988, CC deduziu oposição - proc. N.º 3022, 2.º Juízo, 1.ª secção - que veio a ser julgado improcedente, por decisão de 26 de Abril de 1991, transitada em julgado; C - o réu BB intentou uma acção declarativa, sob a forma sumária, com o n.º 3071/88, peticionando: 1º. - reconhecer a existência da servidão de passagem para o tanque de abastecimento de água; 2º.- repor o dito caminho no estado anterior, destruindo a obra já feita; 3º. - respeitar a posse e o exercício da servidão por parte do a. ; 4º. - abster-se de actos turbadores do exercício daquela servidão; 5º.- indemnizar o autor na quantia global de esc. 500.000$00, ou outra reportada justa; D - nessa acção, porque por escritura de compra e venda de 23 de Junho de 1992 CC vendeu à ora autora o prédio urbano correspondente a uma casa térrea, destinada a habitação, sita na R. do ..., n.º ...., ...., V.N. de Gaia, objecto quer da providência cautelar de embargo de obra nova, quer da respectiva acção principal, foi requerida a sua intervenção principal provocada, ao lado do réu, sendo que tal pretensão foi deferida; assim a autora passou a ocupar, nessa mesma acção, papel de parte principal, como co-demandada; E - tal acção foi decidida por sentença de 25 de Outubro de 1995 (proc. N.º 3071/88), confirmada por Ac. do T.R.P. de 28-04-97, que julgou improcedente o pedido, condenando o aí autor e aqui réu, como litigante de má-fé, na multa de 10 UC, não se fixando qualquer indemnização à parte por não ter sido pedida; F - CC intentou contra o réu BB uma acção declarativa comum, sob a forma ordinária - Proc. N.º 335/98, 3º. Juízo Cível, do T.J. de Vila Nova de Gaia, mais tarde Proc. N.º 928/99, do 6º. Juízo Cível (sendo que o aqui réu BB foi aí citado em 20-05-98), na qual, invocando o Acórdão de 28-04-97, pede a sua condenação (em indemnização); G - a presente acção foi instaurada em Outubro (aliás, Setembro) de 1996, sendo invocada a sentença de 25-10-95 e, com os mesmos fundamentos, foi peticionada a condenação do réu; H - a autora dos presentes autos ocupa, nesta acção, a mesma posição processual que CC ocupava na acção referida em B), supra, na medida em que este, por escritura de compra e venda celebrada em 23-06-92, vendeu à autora o prédio urbano objecto quer da acção proposta por aquele, quer da presente acção; I - em 30-01-2002, o réu foi notificado da sentença proferida em 24-01-2002, nos autos de Proc. N.º 928/99, do 6º. Juízo Cível do T. J. de Vila Nova de Gaia, na qual foi julgada totalmente improcedente a acção, com a consequente absolvição do pedido; J - Tal sentença foi objecto de recurso por parte de CC, o qual foi julgado improcedente, confirmando a decisão recorrida por Ac. do T.R.P., datado de 19 de Outubro de 2004, tendo já transitado em julgado. Limita-se a questão de fundo deste processo a averiguar se se mostram preenchidos os requisitos do caso julgado, dado que o Tribunal da 1ª instância considerou que tal excepção se verificava por haver identidade tanto quanto aos sujeitos como ao pedido e causa de pedir, ao passo que o acórdão ora impugnado concluiu pela inexistência de identidade de causa de pedir. Ao que acresce que, sendo o caso julgado, como resulta do disposto no art.º 673º do Cód. Proc. Civil, formado pelo julgamento propriamente dito e não pelos respectivos fundamentos de direito, não existe obstáculo a que se averigue se ocorre ou não identidade de todos aqueles elementos. Como resulta das normas legais aplicáveis ao caso julgado, este instituto jurídico é uma excepção dilatória - art.º 494º, al. i), do CPC - a qual pressupõe a repetição de uma causa e cujo fim último da sua aplicabilidade será o de evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior - n.ºs 1 e 2 do art.º 497º do mesmo diploma. Ocorre a excepção de caso julgado quando a repetição da causa se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário - art.º 497º, n.º 1 do CPC . Dispõe, por sua vez, o art.º 677º do CPC que a decisão se considera passada ou transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário, ou de reclamação nos termos dos art.ºs 668º e 669º. O caso julgado traduz-se, assim, na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal - incluindo o que a proferiu - em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário. E, nos termos do art.º 498º do CPC, repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, havendo identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico, e de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico; nas acções constitutivas, a causa de pedir é o facto concreto que se invoca para obter o efeito pretendido. Ora, nenhum destes requisitos se verifica. Quanto aos sujeitos, não há identidade, nem física, nem do ponto de vista da sua qualidade jurídica. A identidade entre eles ocorreria apenas se estivessem em confronto a presente acção, com o n.º 553/96 do 3º Juízo Cível do T.J. de Vila Nova de Gaia, instaurada pela ora agravada, AA, contra o ora agravante, BB, e a acção que com o n.º 3071/88 do mesmo 3º Juízo fôra instaurada pelo aqui agravante contra CC e mulher, uma vez que nesta a ora agravada interveio como parte principal por ter comprado aos ali réus o prédio que então se encontrava em causa, sendo porém certo e manifesto que entre essas duas acções não existe identidade de pedidos nem de causa de pedir. Já entre a presente acção e a que correu termos sob n.º 928/99 do 6º Juízo do T.J. de Vila Nova de Gaia, não há identidade de sujeitos: sujeitos na presente acção são, como se referiu, a dita AA e o referido BB, se bem que, agora, este seja acompanhado pela mulher, enquanto na acção com o n.º 928/99 sujeitos são, por um lado, como réu, o mesmo BB, e, como autores, aí nunca acompanhados pela ora agravada, a quem nunca cederam o crédito que se arrogavam sobre o ora agravante - e que em consequência nunca assumiu em tal acção a mesma qualidade jurídica deles -, os mencionados CC e mulher. Igualmente não há identidade de pedidos: naquela acção n.º 928/99, o que os respectivos autores pedem é a condenação do réu a pagar-lhes uma indemnização pelos danos que eles sofreram, enquanto na presente acção a ora agravada pede a condenação do réu a pagar-lhe uma indemnização pelos danos por ela sofridos após a compra que efectuou, e que não se mostra serem os mesmos invocados naquela outra acção. Como é óbvio, uma coisa é a qualidade jurídica com base na titularidade do prédio, que pertenceu ao CC e mulher e que pela venda passou a pertencer à ora agravada, outra bem diferente é a verificação de danos, que podem ter sido sofridos pelos mesmos CC e mulher sem o terem sido pela ora agravada, que pode ter sofrido outros distintos. E não há também identidade de causa de pedir, pelas razões indicadas no acórdão recorrido, com o qual, por ter feito correcta e adequada análise, interpretação e aplicação aos factos descritos dos preceitos legais a eles respeitantes, inteiramente se concorda, quer quanto ao nele decidido, quer quanto aos respectivos fundamentos, a que se adere e para que se remete ao abrigo do disposto nos art.ºs 762º, n.º 1, 749º e 713º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil. Com efeito, ao contrário do que sustenta o recorrente, a causa de pedir na dita acção n.º 928/99 era a ocorrência de prejuízos derivados de litigância de má fé do mesmo no anterior processo n.º 3071/88, declarada pelo aludido acórdão de 28/4/97, e na presente acção, entrada em Juízo, como se referiu, em 1996, é a produção de prejuízos derivados da instauração dolosa, decretamento e pendência de uma providência cautelar (embargo de obra nova) injustificada, e não a indicada má fé, só posteriormente declarada. Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo e em confirmar o acórdão recorrido. Custas pelo agravante. Lisboa, 6 de Fevereiro de 2007 Silva Salazar Afonso Correia Ribeiro de Almeida |