Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00004306 | ||
Relator: | SOLANO VIANA | ||
Descritores: | CAMINHO PUBLICO DOMINIO PUBLICO UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA | ||
Nº do Documento: | SJ198904190732842 | ||
Data do Acordão: | 04/19/1989 | ||
Votação: | MAIORIA COM 2 DEC VOT E 2 VOT VENC | ||
Referência de Publicação: | DR 126 IS 1989/06/02, PÁG. 2162 A 2165 - BMJ Nº 386 ANO 1989 PÁG. 121 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PARA O PLENO | ||
Decisão: | UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA | ||
Indicações Eventuais: | ASSENTO DO STJ. | ||
Área Temática: | DIR CIV - TEORIA GERAL. | ||
Legislação Nacional: | CPC67 ARTIGO 763 ARTIGO 766 N3. CCIV867 ARTIGO 380. CCIV66 ARTIGO 202 N2 ARTIGO 1383. DL 23565 DE 1934/02/12 ARTIGO 1 G. DL 47344 DE 1966/11/25 ARTIGO 2. DL 477/80 DE 1980/10/15 ARTIGO 4 E ARTIGO 18. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ PROC73284 DE 1985/03/26. ACÓRDÃO STJ DE 1970/04/10 IN BMJ N196 PAG203. ACÓRDÃO RC DE 1980/11/04 IN BMJ N303 PAG274. | ||
Sumário : | São publicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do publico. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no pleno do Supremo Tribunal de Justiça: A e mulher, recorreram para o tribunal pleno do acordão deste Supremo Tribunal proferido em 26 de Março de 1985 (fl. 10) dizendo existir oposição acerca da mesma questão fundamental de direito entre tal acordão e o acordão tambem deste Supremo Tribunal de 10 de Abril de 1970, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 196, a folhas 203. Alegam que ambos os acordãos se pronunciaram sobre a questão da natureza publica dos caminhos, entendendo o acordão recorrido que para um caminho ser considerado publico basta o uso directo e imediato pelo publico, e o Acordão de 10 de Abril de 1970 ser necessario para a qualificação do caminho como publico que o Estado ou qualquer pessoa colectiva de direito publico se apodere e administre o caminho. O acordão a folhas 36 reconheceu a existencia dos pressupostos do recurso para o tribunal pleno estabelecidos no artigo 763 do Codigo de Processo Civil, nomeadamente a invocada oposição sobre a mesma questão fundamental de direito entre o Acordão recorrido e o Acordão de 10 de Abril de 1970, pelo que ordenou o prosseguimento dos termos do recurso. Pelos recorrentes foi apresentada alegação, na qual dizem dever conceder-se inteiramente provimento ao recurso, revogando-se o acordão recorrido para lavrar assento em que se fixe: Continua a vigorar o estatuido no artigo 380 do Codigo Civil de 1867 no que concerne a definição de coisa publica; E do dominio publico aquele bem ou caminho que foi produzido ou legitimamente apropriado e administrado por qualquer pessoa colectiva de direito publico; Para que um caminho se integre no dominio publico não basta que esteja no uso directo e imediato do publico, ainda que desde tempos imemoriais; A presunção de dominiabilidade publica de um caminho, nos casos de uso imemorial, não basta por si para que certo caminho se qualifique e integre no dominio publico; So e do dominio publico aquele caminho que foi produzido ou legitimamente apropriado e administrado por qualquer pessoa de direito publico, ainda que tal caminho esteja no uso directo e imediato do publico, e mesmo que o uso seja imemorial. Na respectiva alegação, a recorrida B diz que no assento se deve adoptar a jurisprudencia seguida pelo acordão recorrido. O Ministerio Publico, a folhas 56, afirmando a sua concordancia com o acordão recorrido, propõe a seguinte formulação para o assento: São caminhos publicos os que se acham no uso directo e imediato do publico, não sendo necessario, para esta caracterização, a pratica de actos de apropriação, jurisdição e administração por parte de pessoa colectiva de direito publico. Tudo visto, cumpre decidir. O reconhecimento da existencia de oposição sobre a mesma questão fundamental de direito, em que se fundamenta o presente recurso para o tribunal pleno, não vincula o Tribunal (n. 3 do artigo 766 do Codigo de Processo Civil), mas, pelas razões indicadas no acordão da Secção proferido a folhas 36, entende-se verificar-se tal pressuposto do recurso. O presente recurso tem por objecto determinar quais os requisitos que devem existir num caminho para que este seja considerado como caminho publico. Sobre a caracterização dos caminhos publicos não existe unanimidade na doutrina e na jurisprudencia, havendo duas orientações. Segundo uma delas - que foi a seguida no acordão recorrido - , consideram-se publicos os caminhos sempre que eles estejam no uso directo e imediato do publico. A outra orientação - adoptada no Acordão de 10 de Abril de 1970 - e a de que so devem considerar-se caminhos publicos aqueles que, alem de se encontrarem no uso directo e imediato do publico, tenham sido administrados pelo Estado ou outra pessoa de direito publico e se encontrem sob a sua jurisdição. Entendem aqueles que seguem esta ultima orientação que do artigo 380 do Codigo Civil de 1867, conjugado com o artigo 1, alinea g), do Decreto-Lei n. 23565, de 12 de Fevereiro de 1934, resulta não bastar o uso publico para caracterizar a dominialidade publica dos caminhos. De acordo com o artigo 380, n.1, do citado Codigo Civil de 1867, pertencem a categoria das coisas publicas as estradas, pontes e viadutos construidos e mantidos a expensas publicas, municipais ou paroquiais. O actual Codigo Civil não se refere as coisas publicas, limitando-se, no artigo 202, n. 2, a estabelecer que se consideram fora do comercio todas as coisas que não podem ser objecto de direitos privados, tais como as que se encontram no dominio publico e as que são, por sua natureza, insusceptiveis de apropriação individual. No Decreto-Lei n. 47344, de 25 de Novembro de 1966, que aprovou o Codigo Civil, dispõe-se que, desde que principie a vigorar tal Codigo, fica revogada toda a legislação civil relativa as materias que esse diploma abrange. Não sendo definidas as coisas publicas no Codigo Civil actual e não estando ja em vigor o artigo 380 do Codigo Civil de 1867 - cuja enumeração de coisas publicas e, alias, exemplificativa -, verifica-se que a nossa lei nada estabelece quanto a caracterização das coisas publicas. O Decreto-Lei n. 23565, de 12 de Fevereiro de 1934, no qual se regulou o cadastro dos bens do dominio publico do Estado e que, no seu artigo 1, alinea g), dizia estarem incluidos em tais bens, alem de outros, todos os demais bens que estivessem no uso directo e imediato do publico, não e de atender, dado ter sido revogado pelo Decreto-Lei n 477/80, de 15 de Outubro (artigo 18). Este Decreto-Lei n. 477/80 enumera, para efeitos de inventario geral do patrimonio do Estado, os bens que estão no seu dominio publico e privado. Entre aqueles bens, ao referir-se a vias de comunicação terrestre, indica apenas as linhas ferreas de interesse publico, as auto-estradas e as estradas nacionais, com os seus acessorios, obras de arte, etc. [alinea e) do artigo 4]. As restantes vias de comunicação terrestre, como as estradas municipais e os caminhos publicos, não fazem parte do dominio publico do Estado. Ora, entende-se que, quando a dominialidade de certas coisas não esta definida na lei, como sucede com as estradas municipais e os caminhos, essas coisas serão publicas se estiverem afectadas de forma directa e imediata ao fim de utilidade publica que lhes esta inerente. E suficiente para que uma coisa seja publica o seu uso directo e imediato pelo publico, não sendo necessaria a sua apropriação, produção, administração ou jurisdição por pessoa colectiva de direito publico. Assim, um caminho e publico desde que seja utilizado livremente por todas as pessoas, sendo irrelevante a qualidade da pessoa que o construiu e prove a sua manutenção. Como bem se refere no acordão recorrido, esta orientação e a que melhor se adapta as realidades da vida, visto ser com frequencia impossivel encontrar registos ou documentos comprovativos da construção, aquisição ou mesmo administração e conservação dos caminhos, e assim se obstar a apropriação de coisas publicas por particulares, com sobreposição do interesse publico por interesses privados. Basta, portanto, para a qualificação de um caminho como caminho publico o facto de certa faixa de terreno estar afecta ao transito de pessoas sem discriminação. E, assim, de manter o acordão recorrido, que entendeu ser suficiente para um caminho ser considerado publico o uso directo e imediato pelo publico, não se tornando necessario que ele tenha sido apropriado ou produzido por pessoa colectiva de direito publico e que esta haja praticado actos de administração, jurisdição ou conservação. Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e formula-se o seguinte Assento: São publicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do publico. Custas pelos recorrentes. Lisboa, 19 de Abril de 1989 João Solano Viana - Silvino Alberto Villa Nova - Antonio Carlos Vidal de Almeida Ribeiro - Licinio Adalberto Vieira de Castro Caseiro - Augusto Tinoco de Almeida - Jose Alfredo Soares Manso Preto - Manuel Augusto Gama Prazeres - Jose Manuel Meneres Sampaio Pimentel - Claudio Cesar Veiga da Gama Vieira - Antonio de Almeida Simões - João Alcides de Almeida - Antonio Alexandre Soares Tome - Salviano Francisco de Sousa - Joaquim Jose Rodrigues Gonçalves - Mario Sereno Cura Mariano - Jorge de Araujo Fernandes Fugas - Jose Saraiva - Jose Isolino Enes Calejo- Jose Manuel de Oliveira Domingues - Eliseu Rodrigues Figueira Junior - Mario Augusto Fernandes Afonso - Adelino Barbosa de Almeida - Jose Alexandre Paiva Mendes Pinto - Vasco Eduardo Crispiniano Correia de Lacerda Abrantes Tinoco - Afonso de Castro Mendes - Pedro de Lemos e Sousa Macedo - Flavio Parreira da Trindade Pinto Ferreira - Fernando Heitor Barros de Sequeiros - - Jorge da Cruz Vasconcelos - Fernando Faria Pimentel Lopes de Melo - Jose Henrique Ferreira Vidigal - Alberto Carlos Antunes Ferreira da Silva (vencido, nos termos da declaração de voto que junto) - Alberto Baltazar Coelho (vencido, conforme declaração de voto que junto). Declaração de voto O Decreto-Lei n. 23565, em que se inspirava a jurisprudencia que conduziu ao assento, foi revogado pelo Decreto-Lei n. 477/80. Este ultimo diploma não contem preceito identico ao artigo 1, alinea g), do Decreto-Lei n. 23565. Limita-se, apos enumerar as coisas que integram o dominio publico do Estado, a acrescentar " quaisquer outros bens do Estado sujeitos por lei ao regime do dominio publico [ artigo 4, alinea p)]. Não existe, pois, lei especial sobre a materia. Dai que a doutrina do assento não assente em qualquer texto normativo ou mesmo em qualquer principio geral de direito. O artigo 2 do Decreto-Lei n. 47344, de 25 de Novembro de 1966 (lei preambular do Codigo Civil), declara revogada toda a legislação civil relativa as materias que o vigente Codigo Civil abrange, com ressalva da legislação especial a que se faça expressa referencia. Mas o Codigo não se refere as coisas publicas, pelo que o artigo 380 do Codigo Civil de 1867 não foi abrangido na formula revogatoria, permanecendo em vigor. Dai que seja "indispensavel para o reconhecimento da dominialidade publica de um caminho provar-se que foi produzido ou legitimamente apropriado por pessoa colectiva de direito publico e que por ela e administrado, constituindo o uso publico directo e imediato, desde que imemorial, mera presunção natural dessa dominialidade, ilidivel por força em contrario" [cf. Marcelo Caetano, Manual, volume II, 9 edição (reimpressão), pagina 924]. Com o que continua a proteger-se o interesse na sujeição ao dominio publico de vias de comunicação, designadamente de interesse local. O assento devia, pois, ser tirado no sentido do acordão fundamento, com o acrescento da presunção. - Alberto Carlos Antunes Ferreira da Silva. Declaração de voto: Sem embargo de ja ter aderido a tese que fez vencimento (cf. o Acordão da Relação de Coimbra de 4 de Novembro de 1980, Boletim do Ministerio da Justiça, n. 303, pagina 274), a verdade e que, repensando o problema, tenho agora como acertada a contraria, ou seja, a de que o simples uso publico, mesmo imemorial, não basta para qualificar determinado caminho como publico. O assento acabado de tirar mantera, qualificando-os como caminhos publicos, inumeros atravessadouros com manifesto desrespeito do preceituado no artigo 1383 do Codigo Civil, que, por razões ponderosas e conhecidas, acabou com aquela forma arcaica e economicamente injustificavel de limitação ao direito de propriedade. Por outro lado, o ponto de vista que fez vencimento vai prejudicar as relações de boa vizinhança que devem presidir a exploração da terra e que, inegavelmente, convem favorecer. Na verdade, dele resultara, sem duvida, a tendencia de cada proprietario recusar a passagem dos vizinhos pelo seu predio, não va esse favor dar lugar a criação, nele, de um caminho publico. Claro que o assento ainda afronta o disposto no artigo 380 do Codigo Civil de Seabra, que tenho como estando ainda em vigor. Segundo esse normativo, que cumpre respeitar, para que determinado caminho possa ser considerado publico e necessario que se verifiquem os requisitos dessa dominialidade, isto e, a sua apropriação ou produção pelo Estado e corporações publicas e a correspondente manutenção sob a sua administração (cf. P. Lima e A . Varela, Anotado, III, segunda edição, pagina 281), - - Alberto Baltazar Coelho. |