Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | MARIA CLARA SOTTOMAYOR | ||
| Descritores: | RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA RECURSO DE REVISTA ERRO DE DIREITO ADMISSIBILIDADE OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS ALÇADA SUCUMBÊNCIA VALOR DA ACÇÃO CÁLCULO JUROS DE MORA SEGMENTO DECISÓRIO IRRECORRIBILIDADE INADMISSIBILIDADE QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO INDEFERIMENTO | ||
| Data do Acordão: | 10/14/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC | ||
| Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO | ||
| Sumário : |
Para que seja admissível recurso de revista de acórdão da Relação, torna-se necessário, não só que o valor da ação seja superior a 30 000,00 euros (valor da alçada da Relação), como também que o valor da sucumbência (para o recorrente) seja superior a metade desse valor, ou seja, superior a 15 000,00 euros (metade do valor da alçada da Relação). | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA, ré nos presentes autos, notificada do despacho do Tribunal da Relação de Coimbra que não admitiu o recurso de revista, veio do mesmo reclamar, nos termos do disposto no artigo 643.º do Código de Processo Civil (CPC), para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando alegações que aqui se consideram integralmente transcritas. 2. A Relatora proferiu decisão singular, confirmando o despacho do Tribunal da Relação, teve, para o que aqui releva o seguinte conteúdo: «I – Relatório (…) 2. A decisão judicial impugnada teve, para o que aqui importa, o seguinte teor: «Recurso da R. AA A R. interpõe revista para o STJ, por discordar da decisão do acórdão que antecede. Face ao mesmo está em jogo a quantia de 10.158 €, mais juros civis contados desde 28.12.2017, ou seja, juros de 4% a contar há cerca de 7 anos e meio. O que atinge um valor a rondar os 13.500 €. Face ao valor da acção – 31.442 € - este ultrapassa o valor da alçada da Relação – 30.000 € -, mas não ultrapassa o valor da sucumbência de 15.000 €, como decorre do art. 629º, nº 1, do NCPC. Sendo o recurso inadmissível. - Pelo exposto, não admito o recurso de revista da R. para o STJ. Notifique». 3. A sentença do tribunal de 1.ª instância decidiu o seguinte: «A. Declarar que o prédio descrito na conservatória do registo predial sob o número .97 da freguesia de Fornos de Algodres e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..65 da freguesia de Fornos de Algodres e o prédio descrito na conservatória do registo predial sob o número .98 da freguesia de Fornos de Algodres e inscrito na matriz predial sob o artigo ..66 (verba rústica), .91 (verba urbana), ..45 (verba urbana) e ..46 (verba urbana) são da propriedade dos autores BB e CC. B. Declarar a nulidade da escritura de compra e venda titulada pela escritura outorgada a 28-12-2017, lavrado no Cartório Notarial sito na Rua 1, número oito, na cidade da Guarda, relativamente ao preço da venda dos prédios indicados em A. C. Declarar a validade do negócio dissimulado encoberto pelo negócio simulado referido em B., correspondente à compra e venda dos prédios indicados em A., sendo o valor do preço da venda € 72.000,00. D. Absolver os autores e os réus dos pedidos respectivamente formulados na acção». 4. O Tribunal da Relação de Coimbra, por seu turno, decidiu julgar o recurso dos autores procedente parcialmente, e, em consequência, revogou, parcialmente, o segmento decisório sob D. e condenou os RR a pagar aos AA a quantia de 10.158 euros, e, ainda, como peticionado, juros de mora contabilizados desde a data da outorga da escritura em 28.12.2017 à taxa legal civil até integral pagamento, no demais se mantendo a sentença. Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação 5. Vejamos: 5.1. O Tribunal da Relação entendeu que tendo sido a ré absolvida no tribunal de 1.ª instância e condenada no Tribunal da Relação ao pagamento de uma indemnização à autora no valor de €10.158, quantia a que acrescem juros civis contados desde 28.12.2017, ou seja, juros de 4% a contar há cerca de 7 anos e meio, assim se atingiu um valor de condenação a rondar os 13.500 euros. Situando-se este valor abaixo de metade do valor da alçada do tribunal para o qual se recorre, entendeu o tribunal recorrido não ser admissível o recurso de revista por não estar preenchido o requisito do valor da sucumbência que foi inferior a 15.000,00 euros. 5.2. A recorrente entende estar respeitado o requisito do valor pois, ignorando-se o valor dos juros de mora, que só serão contabilizados à data do trânsito em julgado do acórdão recorrido, quantia a que acresce ainda o valor das custas de parte, tem de se entender que o valor da sucumbência excede o valor da ação, ou caso assim não se entenda, nos termos da lei, em de caso de dúvida, prevalece o valor da ação e não o valor da sucumbência. Alega ainda a recorrente que o despacho reclamado viola jurisprudência uniformizada e que o recurso é admissível ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, al. c), do CPC. 6. O legislador, com a regulação da recorribilidade em função do valor ou da sucumbência, visou compatibilizar o interesse da segurança jurídica com a celeridade processual, a racionalização dos meios humanos e materiais, bem como a dignificação e valorização da intervenção dos tribunais superiores. O Tribunal Constitucional tem entendido a este propósito que em processo civil não existe um direito fundamental ao recurso e que não se verificam obstáculos constitucionais à admissibilidade de alçadas que condicionem o direito de interposição de recurso, cabendo esta matéria na margem de determinação do legislador democrático. 7. No presente processo a ação tem o valor de 31.442, 00, estando assim ultrapassado o valor da alçada do tribunal para o qual se recorre. Em causa está uma controvérsia acerca da aplicação do sub-critério da sucumbência, defendendo a recorrente que a condenação ultrapassa o valor da sucumbência ou que estamos perante um caso de fundada dúvida sobre a sua determinação. Mas não tem razão. Em primeiro lugar, os juros de mora somados ao valor da condenação para o efeito de determinação da sucumbência são feitos à data em que foi proferido o acórdão recorrido e não à data do seu trânsito, pois a não ser assim, poderia a recorrente com manobras dilatórias manipular o valor da sucumbência, matéria em que se exige segurança jurídica e que tem de ser absolutamente objetiva. O valor das custas de parte, diferentemente do que alega a recorrente, também não é somado ao valor da condenação para o efeito de determinação da sucumbência. 8. Resta analisar se estamos perante um caso de fundada dúvida sobre o valor da sucumbência. Entende Abrantes Geraldes (in Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2020, p. 49) que não basta para que funcione esta cláusula da «fundada dúvida» uma qualquer controvérsia sobre o valor da sucumbência, nem é suficiente uma situação de dúvida subjetiva, exigindo-se uma dúvida objetiva que não possa ser sanada mediante o simples confronto entre o valor de referência (metade da alçada) e o resultado declarado na sentença ou no acórdão recorrido. Nestes termos, revistos os cálculos feito no despacho reclamado, nada há a censurar aos mesmos, pelo que se considera que não foi respeitado o sub-critério da sucumbência e que o recurso de revista não é admissível. 9. A autora alega ainda que o acórdão recorrido viola jurisprudência uniformizada, invocando o Acórdão Uniformizador datado de 14 de maio de 2015 (processo n.º 687/10.6TVLSB.L1S1-A). Mais uma vez sem razão. Fixou este acórdão a seguinte orientação: «Conformando-se uma parte com o valor da condenação na 1.ª instância e procedendo parcial ou totalmente a apelação interposta pela outra parte, a medida da sucumbência da apelada, para efeitos de ulterior interposição de recurso de revista, corresponde à diferença entre os valores arbitrados na sentença de 1.ª instância e o acórdão da Relação». Ora, para além deste Acórdão Uniformizador ter sido proferido em pressupostos fácticos distintos, o que nele foi definido não representa qualquer oposição com o decidido pelo despacho reclamado. 10. Acresce que o valor do pedido indemnizatório deduzido contra os réus, no presente caso, foi de 23.042,00 euros, e, estabelecendo-se a diferença entre este montante e o valor da condenação efetiva tal como determinada pela Relação, acrescida de juros de mora (13.500,00 euros), também se obteria um valor inferior a metade da alçada do tribunal para o qual se recorre, pelo que também com base neste cálculo seria inadmissível o recurso. III – Decisão Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e confirmar o despacho reclamado». 3. AA, aqui recorrente e reclamante, inconformada com esta decisão singular, que confirmou a não admissibilidade do recurso de revista por si interposto, veio requerer, ao abrigo do disposto nos artigos 652º, nº 3 do Código Processo Civil (CPC), que sobre a matéria do mesmo recaia um acórdão, afirmando, após considerações gerais sobre a admissibilidade do recurso de revista, em que peticiona a admissibilidade do recurso enquanto revista excecional, por relevância jurídica/social e contradição de acórdãos, ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, do CPC, que não adere à decisão singular reclamada e formulando as seguintes conclusões. «Para além do já e antes expendido, importa chamar à colação as nossas conclusões das alegações de Recurso para o Tribunal de segunda Instancia, o Venerando TR de Coimbra, contudo, não é demais aqui relembrar de novo as mesmas, por entendermos serem pertinente à boa decisão de mérito a proferir afinal. I - Aquando da decisão proferida em Primeira Instancia, o Juiz não está adstrito, como in casu, não estava, a respeitar e considerar conclusões das alegações do Apelante, juntas só agora no Recurso apresentado pelo Autor, mas estava adstrito ao cumprimento, por dever de ofício, do princípio da Imediação. O que fez ao declarar a nulidade (escritura pública) do contrato de compra venda. II - Nos presentes autos, quer as questões de facto, dadas como provadas, quer as questões em sede direito que levaram ao sentenciado pelo Tribunal de Primeira Instância, como acima se disse, foram correta e justamente decididas pelo Tribunal. III- Perante os factos dados como provados e não provados, o Senhor o Juiz da Primeira Instância na presença do prédio em causa, objecto do negócio, diga-se, discutido e apreciado em todos os itens da tramitação processual , e de todos os elementos essenciais à celebração do contrato de compra e venda – assinado pelos Recorrentes e pelos Recorridos – o Sr. Juiz do Tribunal “ de Primeira Instância” verificou que o preço desse contrato, não foi o constante do mesmo, mas de valor superior, como confessaram as partes. O Senhor Juiz de Primeira Instância só tinha que aderir aos elementos que serviram de base para a fundamentação da decisão jurisdicional, que tomou de “declarar a validade do negócio dissimulado encoberto pelo negócio simulado, correspondente à compra e venda dos prédios pelo valor de 72.000,00€. Valor efectivamente pago pelo Autor/Apelante à Réu AA, e por esta recebido”. IV- O tribunal de Primeira Instancia para além do demais deu como provado (por confissão) entre os demais o facto número 12. que: “..Além do referido em 11, foi pago pelo Autor aos Réus o montante de 32.000,00€, em numerário na data da escritura por conta do acto aí exarado e com o fito de liquidar e pagar impostos em montante inferior” – Repete-se, por confissão das partes. V- Cumprindo com o principio da imediação, o senhor Juiz do Tribunal “ a quo”, não comete excesso de pronuncia quando, no nosso Estado de Direito, é confrontado com uma flagrante ilegalidade (fraude e evasão fiscal) e não está impedido oficiosamente de tomar uma decisão sobre negócio, diga-se, discutido e apreciado em todos os itens da tramitação processual , e de todos os elementos essenciais à celebração do contrato de compra e venda – assinado pelos Recorrentes e pelos Recorridos – o Sr. Juiz do Tribunal “ de Primeira Instância” verificou que o preço desse contrato, não foi o constante do mesmo, mas de valor superior, como confessaram as partes. O Senhor Juiz de Primeira Instância só tinha que aderir aos elementos que serviram de base para a fundamentação da decisão jurisdicional, que tomou de “declarar a validade do negócio dissimulado encoberto pelo negócio simulado, correspondente à compra e venda dos prédios pelo valor de 72.000,00€. Valor efectivamente pago pelo Autor/Apelante à Réu AA, e por esta recebido”. IV- O tribunal de Primeira Instância para além do demais deu como provado (por confissão) entre os demais o facto número 12. que: “..Além do referido em 11, foi pago pelo Autor aos Réus o montante de 32.000,00€, em numerário na data da escritura por conta do acto aí exarado e com o fito de liquidar e pagar impostos em montante inferior” – Repete-se, por confissão das partes. V- Cumprindo com o principio da imediação, o senhor Juiz do Tribunal “ a quo”, não comete excesso de pronuncia quando, no nosso Estado de Direito, é confrontado com uma flagrante ilegalidade (fraude e evasão fiscal) e não está impedido oficiosamente de tomar uma decisão sobre esse facto em concreto. Cremos que andou e decidiu de forma assertiva e justa. (lembremos que foi um facto – simulação do preço pago na compra e venda – motivo de confissão pelas partes). VI- Foram os temas de prova, anunciados e definidos no saneador, essenciais e qu originaram a apreciação pelo Tribunal de Primeira Instância” quer alavancado na prova testemunhal produzida, quer na prova documental carreada para os autos, que levou esse Tribunal a considerar provados os factos 1 a 15, sendo relevantes os factos 11, 12 e 13, porquanto as pares (Vendedores e compradores), sabiam perfeitamente o preço acordado para o negócio (72.000,00€) e não o preço de 40.000,00€ como consta da escritura de compra e venda. VII- Os aqui Recorridos, previamente à outorga da escritura tiveram conhecimento pessoal e presencial dos limites dos prédios comprados, tendo tido o cuidado de o visitar várias vezes, pintando pedras que limitavam esses prédios, como afirmou; Sabiam do incêndio que devastou centenas de Oliveiras e o estado real de degradação das construções existentes e os limites que demarcavam a área real existente no local, que não a área que figura no cadastro registral. VIII- Fizeram várias e prévias visitas ao local e tomaram conhecimento de toda a informação fruto do trabalho efectuado pela promotora da venda, a mediadora Imobiliária REMAX (prestígio no Interior . soc. De Mediação Imobiliária, Ldª -. Co-Réu – (cfr. doc. CITIUS – documento 6). Logo, os Recorridos/Compradores sabiam bem o que estavam a comprar e o limite dos prédios em questão. IX- Quer os Recorridos/compradores, quer os Recorrentes pretenderam celebrar o contrato de compra e venda, bem sabendo das condições essenciais do negócio, como sejam a localização dos prédios, preço da compra, limites dos prédios e as suas áreas reais – previamente à outorga da escritura -, bem como as áreas cadastrais registadas, quer no cadastro matricial, quer junto da Conservatória do Registo Predial, que alavancaram a escritura celebrada pelo Notário. X– Quanto ao cumprimento do artigo 879º do Código Civil, diga-se em síntese: com a escritura de compra e venda operou-se a transmissão da propriedade, (cfr. facto um dado como provado pelo Tribunal “ a quo”); Os Recorrentes, entregaram a coisa, cumprindo assim com a sua obrigação e os Recorridos/compradores, pagaram o preço (conferir factos provados 8, 9 e 10, que brevitatis causa aqui não se transcrevem). XI- Assim e como consta na prova produzida em sede da Audiência de Julgamento , os Recorrentes venderam os prédios tal e qual como os tinham comprado e os compradores, aqui Recorridos, , como se verifica na escritura de compra e venda, aceitaram comprar os mesmos pagando o preço combinado, que afinal não foi o que consta nessa escritura, mas um valor superior, defraudando assim o Estado; Na justa medida em que o Autor logo nesse momento pagou valor inferior ao devido em sede do IMT e do Imposto de Selo. XII - Assim, a fundamentação explanada na douta sentença de Primeira Instância está de harmonia com a prova produzida e melhor interpretada pelo Juiz do Tribunal de Primeira Instancia que julgou justa e conforme a lei aplicável como acima se defendeu e alegou. XIII – Cumprindo o sr. Juiz do Tribunal de Primeira Instância o incontestável e incontornável principio da imediação – ou seja, a uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, como fez, deitando mão das coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto - avaliou o modo como as declarações das testemunhas foram prestadas… de forma serene… segura… objectiva… coerente e de forma consentânea entre si e incontestada pela prova produzida. XIV- Temos que concluir que nos presentes autos, quer as questões demfacto, dadas como provadas, quer as questões em sede direito que levaram ao sentenciado pelo Tribunal de Primeira Instancia, como acima se disse, foram correta e justamente decididas pelo Tribunal . XV- Então, dizemos nós, o mesmo TR de Coimbra não teve o cuidado e o condão de aplicar o artigo 890º do Código Civil, que preceitua: “ O direito ao recebimento da diferença de preço caduca dentro de seis meses ou um ano após a entrega da coisa, consoante esta for móvel ou imóvel; mas, se a diferença só se tornar mexigível em momento posterior à entrega, o prazo contar-se-á a partir desse momento”. XVI - Compulsados os autos há muito que caducou o direito a uma eventual restituição pelos Recorrentes (vendedores) aos Recorridos (compradores), da diferença do preço por força duma hipotética diferença para menos dos metros quadrados dos prédios objecto dos autos. XVII - Como acima dissemos, perante os factos provados e o decidido sobre a nulidade do negócio pelo Tribunal de Primeira Instancia, o TR de Coimbra, no item VI, pagina 27 do douto Acórdão, formula uma idêntica convicção à da 1ª Instancia, relativamente à decisão da matéria de facto, com base nos mesmos elementos probatórios…” , apesar disso altera o decidido pelo Tribunal de Primeira Instancia, fazendo tão só apego ao Instituto da venda de coisa determinada (artigo 888º do Código Civil); XVIII – Decisão que discordamos, quer da interpretação , quer da aplicação in casu, desse regime Jurídico , porque desde logo e prima facie, Senhores Doutores Juízes Conselheiros, na sua epígrafe deste regime Juridico, como sabemos, consta que o mesmo se destina a regular a “Venda de coisas sujeitas a contagem, pesagem ou medição”, o que de todo em todo não é o nosso caso. XIX - No caso em pareço o que está em causa é contrato de compra de venda de imóveis, sujeito ao regime jurídico dos artigos 874º e seguintes do Código Civil. XX - Não houve venda de coisas determinadas, não houve fixação de tanto por unidade, não houve venda a peso ou por medida (leia-se, por metros quadrado). Houve singelamente a venda de prédios bem conhecidos pelos compradores, aqui recorridos, e bem identificados, quer na Matriz, quer das descrições da Conservatória do registo Predial. XXI – A decisão do TR de Coimbra merece igualmente a nossa discordância, desde logo, porque a manter-se o demais decidido no Tribunal de Primeira Instancia, significa que a escritura de 28.12.2017, que padece de nulidade, pelo que, desde já se invoca, não poderá o TR de Coimbra obrigar ao pagamento (restituição aos compradores) de parte do preço desse contrato de compra e venda, muito menos ao pagamento de juros a partir dessa data. XXII- Isto porque a nulidade é também uma forma de ineficácia, isto é, de não produção dos efeitos de um negócio. Nos termos do regime geral (artigo 286.º do Código Civil), a nulidade pode ser invocada a qualquer momento (isto é, sem prazo) por qualquer interessado, e pode (deve) ser declarada oficiosamente pelo tribunal – como foi in casu. XXIII- Por último, não houve no negócio celebrado pelas partes venda de coisas determinadas, não houve fixação de tanto por unidade, não houve venda a peso ou por medida (leia-se, por metros quadrado). Houve singelamente a venda de prédios bem conhecidos pelos compradores, aqui recorridos, e bem identificados, quer na Matriz, quer das descrições da Conservatória do registo Predial. Daqui, a nossa fundada discordância da aplicação pelo TR de Coimbra ao nosso caso do regime Juridico da “venda de coisas sujeitas a contagem, pesagem ou medição do artigo 887º do Código Civil”, quando o regime aplicável, face a toda a matéria julgada provada e às condições da venda dos prédio em questão, só pode ser o do artigo 874º do Código Civil. Acresce que na apreciação da nulidade decretada o TR de Coimbra não deu a melhor interpretação e aplicação ao Instituto Jurídico da Nulidade, máxime no seu artigo 286º do Código Civil, como supra expusemos. Termos em que e com o douto suprimento de V. Excªs, Venerandos Juízes Conselheiros deve o presente Recurso ser julgado procedente, revogando-se o sentenciado pelo TR de Coimbra, com todas as devidas e legais consequências, assim se fazendo inteira e merecida JUSTIÇA» Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação 1. A recorrente nas conclusões da reclamação limitou-se a esgrimir os motivos pelos quais entende que o Tribunal da Relação de Coimbra cometeu erros de facto e de direito, argumentos de todo impertinentes para a decisão da questão prévia da admissibilidade do recurso que constitui um prius em relação à análise do mérito do recurso e que é independente da justeza da decisão recorrida. 2. Nas alegações esgrimiu argumentos gerais sobre a admissibilidade do recurso e dupla conformidade, peticionou que o recurso seja tratado como revista excecional ao abrigo do artigo 672.º do CPC e impugnou o valor da sucumbência com base no artigo 15.º do CIRE, invocando, por último, contradição de acórdãos e a função de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. 3. A revista excecional ao abrigo do artigo 672.º do CPC não pode ser admitida por três motivos: 1) O recurso de revista excecional só pode ser interposto nas situações de dupla conformidade. Ora, como a própria recorrente reconhece, a decisão de 1.ª instância absolveu e o Tribunal da Relação condenou, logo não se verifica este requisito prévio; 2) A revista excecional só é admissível se estiverem preenchidos os requisitos gerais de recorribilidade, desde logo o requisito do valor e da sucumbência. Não sendo admissível a revista geral por falta de valor da ação ou de sucumbência, não é equacionável a análise pela Formação dos requisitos específicos do artigo 672.º do CPC (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-04-2024, proc. n.º 371/23.0YLPRT.L1-A.S1 e de 29-04-2025, proc. n.º 7466/22.6T8VNG.P1-A.S1). 3) Não tendo sido interposta revista excecional no requerimento inicial de recurso, mas tão-só uma revista geral, não pode o julgador convolar o pedido em revista excecional. 4. Quanto à invocada contradição de acórdãos, a al. al. d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC prevê esta modalidade extraordinária ou especial de recurso ainda dentro dos recursos de revista gerais. Todavia, a jurisprudência tem feito uma interpretação restritiva desta disposição e não dispensa o requisito do valor ou da sucumbência, pelo que esta via não abre a possibilidade de recurso de revista por não estar preenchido o requisito da sucumbência. Por outro lado, a recorrente também não preencheu o ónus de alegação que lhe competia de invocar a identidade fáctico-normativa entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento. Aliás nem indicou um acórdão fundamento, tendo utilizado apenas argumentos legais e de facto, sem referência a acórdãos dos tribunais superiores, pelo que também por este motivo falece esta modalidade de recurso. 5. O artigo 15.º do CIRE (Valor da ação), invocado pela reclamante, dispõe que «Para efeitos processuais, o valor da causa é determinado sobre o valor do activo do devedor indicado na petição, que é corrigido logo que se verifique ser diferente o valor real». Ora, para além de este preceito não ser aqui aplicável, pois não estamos no domínio de um processo de insolvência, nem de exoneração do passivo do devedor, também não conduziria a uma conclusão distinta da aqui sufragada, na medida em que este preceito não altera as regras gerais de fixação do valor da sucumbência. 6. De acordo com a lei, se o decaimento da parte se cinge a uma parcela do pedido único ou se a parte decai apenas em relação a algum ou alguns dos pedidos em processo integrados por vários pedidos, há que verificar a proporção desse decaimento, devendo este ser superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão impugnada. Assim, numa ação de valor superior a 30.000 euros, apenas se admite recurso de revista, se a parte decair em valor igual ou superior a 15,000,01 euros. No caso vertente a agora reclamante, após ter sido absolvida no tribunal de 1.ª instância, foi condenada no acórdão recorrido a pagar aos autores o valor de 13.500 euros (incluindo juros), não estando assim preenchido o requisito da recorribilidade relativo ao sub-critério da sucumbência, pelo que não é admissível o recurso de revista, 7. O direito de acesso ao direito e à justiça ínsito no artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), não se mostra incompatível com a delimitação das condições gerais de admissibilidade do recurso, pois que o legislador ordinário, em processo civil, possui um amplo poder de conformação e delimitação do regime dos recursos cíveis. É apenas nos recursos penais que vigora um direito fundamental ao recurso quando está em causa uma medida privativa de liberdade aplicada em 2.ª instância após absolvição do arguido em 1.ª instância. Assim, não se admite o recurso e confirma-se o despacho reclamado nos seus exatos termos. 7. Anexa-se sumário elaborado de acordo com o n.º 7 do artigo 663.º do CPC: I - Para que seja admissível recurso de revista de acórdão da Relação, torna-se necessário, não só que o valor da ação seja superior a 30 000,00 euros (valor da alçada da Relação), como também que o valor da sucumbência (para o recorrente) seja superior a metade desse valor, ou seja, superior a 15 000,00 euros (metade do valor da alçada da Relação). III - Decisão Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação. Custas pela reclamante. Lisboa, 14 de outubro de 2025 Maria Clara Sottomayor (Relatora) Henrique Antunes (1.º Adjunto) Nelson Borges Carneiro (2.º Adjunto) |